INFINITIVAS (NÃO)-FLEXIONADAS NO PORTUGUÊS DO BRASIL

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INFINITIVAS (NÃO)-FLEXIONADAS NO PORTUGUÊS DO BRASIL:
CONCORDÂNCIA VARIÁVEL COMO UMA PROPRIEDADE ESTÁVEL
Heloisa, Salles e Poliana Rabelo
Universidade de Brasília, Brasil
Construções com infinitivo flexionado no português têm sido um tópico
bastante estudado na tradição gerativista (cf. Perini (1977), Raposo (1987),
Galves (1991/1999), Ambar (1992), Madeira (1995), Pires (2001), entre outros).
Uma propriedade relevante dessas construções é a presença de um sujeito
lexical (nominativo) do infinitivo (cf. (1)).
(1) O professor lamenta [os alunos/ eles saírem]
Nesse aspecto, orações com infinitivo flexionado comportam-se como
orações finitas (cf. (2) vs. (1)), com a diferença de que não aparecem em
contextos de oração principal (cf. (2) vs. (3)).
(2) O professor lamenta [SUBJ que os alunos saiam]
(3) *Os alunos/ Eles saírem
Orações infinitivas flexionadas também compartilham uma série de
propriedades com as orações com infinitivo não-flexionado. Em particular,
como demonstram diversos estudos, desde os de gramáticos tradicionais, a
presença e ausência de flexão no infinitivo alternam em diversos contextos.
Esse padrão de variação é encontrado já em estágios anteriores do
português (cf. (4) vs. (5) – exemplos de Said Ali (1921/2001:252)):
(4) Vy estes portugueeses asi revolver a lide e ferir tã estranhamente (Nunes,
Crest. Arc.)
(5) Vimos as Ursas, a pesar de Juno, banharem-se nas águas de Neptuno
(Camões, Os Lus)
Fatos similares são mostrados em Mateus et al. (2003: 648) e Bechara (1999) para o
português europeu (PE) e para o português do Brasil (PB) modernos, respectivamente.
O presente estudo concentra-se nos padrões de variação encontrados em
complementos infinitivos de verbos causativos (cf. (6)) (cf. também Gonçalves (1999)):
(6) Maria fez/ mandou os alunos estudar(em)
Conforme a literatura (cf. Burzio 1986, Guasti 1993, entre outros), em (6), a variante
com infinitivo não-flexionado corresponde à chamada causativa românica, na qual o
argumento causado é licenciado no domínio sintático do verbo causativo, o que é
confirmado em contextos de pronominalização, em que o infinitivo flexionado não é
licenciado (cf. Maria mandou-osACC estudar(*em); Maria mandou-lhesDAT comer(*em)
a torta). A variante com infinitivo flexionado, por sua vez, envolve a atribuição de Caso
nominativo no domínio do predicado encaixado.
A variação no padrão flexional no infinitivo também ocorre no PB. Entretanto,
devido à neutralização morfofonológica na codificação dos pronomes sujeito e objeto
direto no PB, a pronominalização deixou de ser evidência para as duas variantes (cf. (7))
– diferentemente do que foi apresentado acima para o PE:
(7) Maria mandou eles estudar(em)
Uma possibilidade de se analisar os fatos em (7) é considerar que a variante nãoflexionada tem origem na configuração com o infinitivo flexionado, processo esse que
encontraria correlato na simplificação do paradigma flexional de formas finitas no PB,
já discutido na literatura (cf. Galves 1993). Essa hipótese, no entanto, não explicaria a
ocorrência da configuração em que o argumento relevante é licenciado no domínio do
predicado causativo. De fato, a neutralização pronominal citada anteriormente
(relacionada também à perda dos clíticos de 3ª pessoa) não deve ter afetado as
propriedades de atribuição de Caso do predicado matriz. O padrão de variação
permanece, assim, sem explicação.
Neste trabalho, propõe-se que a estabilidade do padrão de variação manifestada
na flexão do infinitivo relaciona-se ao fato de que as variantes surgem em configurações
distintas, tanto no PE quanto no PB. Seguindo-se a análise de Kayne (2000) para as
construções causativas do inglês e do francês, assume-se que a ocorrência da
configuração relacionada à variante não-flexionada no PB é determinada
parametricamente por propriedades gramaticais que licenciam o objeto indireto, que
permite a ocorrência da construção de objeto duplo (COD) no PB (cf. Ramos (1992),
Bittencourt (1995), Scher (1996), exatamente como em inglês (cf. Salles (1997),
Andrade (2002)). Assim, no PB (e no inglês), a construção causativa com infinitivo
não-flexionado é mono-oracional, sendo o argumento causado licenciado no
especificador de um núcleo funcional acima do verbo causativo, ou seja, no núcleo
AgrOI. Em PE e (em francês), essa construção também seria mono-oracional, mas como
nessa línguas não há COD, um núcleo (funcional) preposicional que lexicaliza o traço
dativo tanto em construções causativas quanto em bitransivas é encontrado acima de
AgrOI. Movimento de núcleo e de XP, assim como movimento remanescente de XP,
aplicam-se para dar origem à ordem apropriada (cf. (8) e (9), respectivamente):
(8) ...Lia fez [AgrOIP os alunos [AgrOI’ fez [VP{CAUS} Lia [V’ fez [VP os alunos comer a torta
]]]]]
(9) …[IP Lia [I’ fez [PP [VP{CAUS} [Lia] [VP{caus} fez [os alunos comer a torta]]] [P’ a [AgrOIP
os alunos [AgrOI’ fez [VP{CAUS} os alunos [V’ fez [VP os alunos comer a torta]]]]]]]
Essa proposta prevê que as seguintes condições são necessárias para que o padrão de
variação seja encontrado: (i) mecanismos gramaticais para o licenciamento do DP
devem estar disponíveis tanto do predicado mais alto quanto no mais baixo; (ii) esses
mecanismos devem poder alternar, o que requer uma forma de união de orações ou de
operação de reestruturação. As chamadas causativas românicas correspondem à situação
em que o predicado mais alto está ativado, o único mecanismo disponível na maioria
das línguas românicas, nas quais não há infinitivo flexionado.
Interessante mencionar que, no dialeto do sul da Calábria, ocorre justamente o
contrário, o argumento causado é licenciado no predicado mais baixo. Conforme
Roberts e Roussou (2003: 88-89), nesses dialetos, há uma série dupla de
complementadores, que ocorrem respectivamente com verbos declarativos/epistêmicos
(construções nas quais o tempo dos complementos é livre) e com verbos encontrados
em contexto de união de orações (construções em que o tempo do complemento é
anafórico). Como o infinitivo é altamente restrito nesses dialetos, em contextos de união
de orações, onde o infinitivo (não-flexionado) ocorre nas outras línguas românicas, é
encontrada uma forma verbal finita. Essa construção é ilustrada em (10), em que a
oração subordinada é introduzida pelo complementador mu (o complementador de
‘união de orações”), e o causado é (obrigatoriamente) licenciado no domínio encaixado
(dada a flexão do verbo mais baixo):
(10) Dassati mu li cuntu
Let-2pl prt them count-1sg ‘Let me count them’
Outras construções também merecem atenção, como as do tipo believe, que
selecionam orações independentemente marcadas para tempo, estando os efeitos da
reestruturação, portanto, ausentes (assim como a variação no uso da flexão em PE,
como mostra (11). Como o infinitivo (flexionado) é subespecificado para tempo (cf.
Stowell (1981)), o tempo dessas orações é interpretado anaforicamente, com a
realização do auxiliar na periferia esquerda da oração subordinada, uma condição para o
licenciamento do sujeito do infinitivo da encaixada (cf. (11)) (cf. Raposo (1987),
Madeira (1995)). Uma construção similar é encontrada no italiano, que envolve o
chamado movimento ‘AUX-to-comp’ (cf. (12)) (cf. Rizzi 1982)).
(11)
Creio [ter*(em) os alunos chegado]
(12)
Credo [essere Paolo arrivato]
A realização do auxiliar na periferia esquerda da oração é analisada como uma
condição pra a interpretação anafórica do tempo (da oração subordinada)
estando em consonância com a teoria de fases de Chomsky (2001).
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