FASE 1 – de 05/03/2012 a 10/04/2012 (inscrição de trabalhos nos GTs

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Teoria e história na sociologia política brasileira: a critica de Maria Sylvia de Carvalho
Franco
André Botelho (UFRJ)
O presente trabalho apresenta resultados parciais de pesquisa mais ampla ainda
em curso sobre as seqüências da sociologia política no Brasil, destacando a obra
sociológica de Maria Sylvia de Carvalho Franco. Comumente tomada como mais uma
representante da sociologia produzida pela Cadeira de Sociologia I da USP, pelo
pertencimento institucional da autora, a obra de Maria Sylvia, porém, embora se
inscreva naquele contexto intelectual, antes problematiza que corrobora alguns dos
pressupostos empíricos, históricos e teóricos dos trabalhos do seu orientador Florestan
Fernandes e de outros dos seus orientandos e assistentes. Se constrangimentos
institucionais e outros não permitiram (até o momento) a autora polemizar abertamente
com seu grupo, a análise da sua obra indica uma visão crítica e uma proposição
alternativa, sobretudo, pela forte ênfase que dá ao relacionamento entre teoria e história
na explicação sociológica.
Em seus trabalhos, Maria Sylvia de Carvalho Franco chama a atenção para a
impropriedade da contraposição entre “tradição” e “modernidade” na análise da
sociedade brasileira (e latino-americana) – seja em sua versão “disjuntiva” ou em sua
versão “integrada” ou “dependentista” – em virtude da gênese essencialmente moderna
desta experiência social, o que tornaria errônea a identificação de quaisquer traços
“tradicionais” no âmbito destas sociedades. Sua “sociologia política” pode, assim, ser
entendida como um tipo de contraposição crítica o princípio teórico funcionalista mais
amplo, segundo a autora presente na sociologia do desenvolvimento e, indiretamente,
nos trabalhos de seu orientador e colegas de cátedra, de que as inovações
modernizadoras funcionariam como variáveis sistêmicas interligadas e intercambiáveis
de modo (relativamente) independente dos seus contextos históricos.
Crítica já presente em sua tese de doutorado, Homens livres na velha civilização
do café (1964), posteriormente publicada como livro sob o título Homens livres na
ordem escravocrata (1964), mas sem dúvida completada no plano teórico em seus
trabalhos posteriores. A exemplo do artigo “Sobre o conceito de tradição”, publicado no
número 5, de 1972, dos Cadernos do Centro de Estudos Rurais e Urbanos – CERU.
Nele discute aspectos cruciais da sociologia política de Max Weber, como a distinção
entre os conceitos de “dominação” e “poder”, justamente para sugerir que a “sociologia
do desenvolvimento” estaria empregando, via sociologia funcionalista norte-americana,
as noções de “tradicional” e “moderno” como oposições disjuntivas a partir de uma
interpretação equivocada da própria teoria weberiana. Na tentativa de marcar, portanto,
a “distância que separa o trabalho de Weber daqueles que ainda hoje invocam a sua
herança”, Franco sugere que de “imprecisões teóricas” e “falta de rigor” resultaria a
ideia de “obstáculos à mudança”, de “resistência de traços supostamente tradicionais,
que estaria retardando a transformação para uma sociedade moderna”, quando, na
verdade, argumenta, “esses elementos permanecem, são produzidos e reproduzidos no
interior de um sistema social”.
Problemática teórica que, associada à discussão de questões correlatas, já
formava as linhas principais de sua Tese de Livre Docência defendida em 1970 junto ao
Departamento de Ciências Sociais da FFLCH da USP, não por acaso intitulada O
moderno e suas diferenças. Entre os temas nela abordados, destacam-se o par
“comunidade” e “sociedade” na sociologia alemã (Weber e Tönnies), sua reelaboração e
a de outros “conceitos clássicos” no Brasil; bem como a tese da “mudança social” como
uma passagem necessária da “sociedade tradicional” a “moderna” e, sobretudo, a
“impropriedade” teórica dessa distinção e do conjunto de proposições feitas em torno
dela para o “caso brasileiro”. E a principal razão teórica apontada para essa
“impropriedade” na Tese de Livre Docência retomava a pesquisa empírica realizada seis
anos antes para a Tese de Doutorado que originou Homens livres na ordem
escravocrata; qual seja, na sociedade brasileira, “os critérios extra-econômicos de
categorização dos indivíduos em sociedade aparecem, reiteradamente, perturbados pelos
critérios de diferenciação social fundados em situação econômica”.
Trata-se de notável esforço teórico que, guardadas as proporções necessárias,
têm afinidades muito significativas com o de Reinhard Bendix na sociologia norteamericana. Para dizer o mínimo, ambos os Autores partem da valorização da
perspectiva histórica presente na sociologia de Max Weber para criticar o uso ahistórico que a sociologia da modernização e do desenvolvimento estariam fazendo dos
seus conceitos, em especial na vertente funcionalista encimada por Talcott Parsons,
expresso no equívoco maior que seria tomar “tipos ideais” como generalizações
teóricas. E isso com o intuito precípuo de crítica às perspectivas teóricas disjuntivas
sobre “tradição” e “modernidade” e oferecer visões alternativas à sociologia, histórica
em ambos os casos, mas “comparada” no caso de Bendix (ainda que Franco estenda a
sua crítica também à sociologia do desenvolvimento de Gino Germani). Bastando
lembrar que, para corroborar a convergência sugerida, tal problemática que estrutura as
pesquisas da socióloga brasileira, ocupa toda a terceira parte de Construção nacional e
cidadania, de 1964, intitulada “Reavaliação dos conceitos de tradição e modernidade”
do sociólogo judeu alemão radicado nos Estados Unidos. É este, justamente, o segundo
elemento do contexto intelectual histórico-comparado que a pesquisa proposta procurará
dar conta, como ponto de chegada da formação da verte da “sociologia política” nela em
foco.
A obra sociológica de Maria Sylvia de Carvalho Franco constitui o ponto de
chegada mais consistente em termos teóricos do processo de formação da sociologia
política que tenho recuperado na pesquisa mais ampla e ainda em curso. Sua obra em
geral e suas formulações teóricas, em particular, não tem recebido atenção nas análises
da área do pensamento social e político brasileiro. Mas, melhor pensado, a dimensão
propriamente teórica das obras em geral que compõem o acervo primário da área,
especialmente os ensaios de interpretação do Brasil e as pesquisas das gerações
pioneiras das ciências sociais institucionalizadas, se encontra, até o momento,
praticamente inexplorada. Em parte, talvez, como decorrência da compreensão da
dinâmica da vida intelectual brasileira, também ela marcada sistematicamente pela
recepção de ideias, como se essa inevitável “aclimatação intelectual” não pudesse
produzir formulações relevantes no plano propriamente teórico, ou interpelações às
premissas da sociologia clássica ou moderna. Ou ainda, talvez, pela persistência de
visões segundo as quais as ciências sociais, quando concebidas em acepção positivista e
orientadas para o mundo empírico, já deveriam ter solucionado as questões colocadas
pelas interpretações mais antigas. Dessa perspectiva, a pesquisa do pensamento social,
como a dos clássicos da sociologia em geral, constituiria, no máximo, um tipo de
conhecimento antiquário sem maior significação para a sociedade e para a as ciências
sociais contemporâneas. O presente trabalho inscreve-se numa proposta alternativa a
essa visão em grande medida assentada nas ciências sociais brasileiras.
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