O Semeador Inspirado nas universidades americanas, o professor José Sampaio Aranha torna o Gênesis, da PUC-RJ, a primeira incubadora do país a ter um fundo para financiar empresas nascentes Revista EXAME Por Eduardo Pegurier |06.03.2008 O Brasil vem registrando nos últimos anos uma multiplicação das incubadoras de empresas. Essas instituições, em geral ligadas a universidades, abrigam negócios nascentes, criados com base em idéias de alunos e professores. Em uma década, o parque de incubadoras no país quadruplicou e hoje soma cerca de 400, contando com 2 800 empresas em desenvolvimento. A maioria delas, porém, enfrenta dificuldade na atração de investidores e na obtenção de recursos para crescer e ganhar autonomia. Dar esse passo deve ficar mais fácil para as empresas do Instituto Gênesis, incubadora ligada à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. O Gênesis está montando um fundo de capital semente, modalidade de investimento de risco que funciona como uma espécie de fermento para novas empresas. Trata-se da primeira incubadora de universidade no país a criar um fundo desse gênero. A iniciativa é parte de um programa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia, que prevê destinar 300 milhões de reais para o fomento de vários fundos sementes. O Gênesis saiu na frente, conseguindo, além da verba da Finep, atrair investidores privados para formar seu fundo. Entre eles estão a Mercatto Investimentos, gestora de recursos que irá administrar o fundo, e o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. "Trata-se de uma evolução natural do capitalismo brasileiro", diz Fraga, que é ex-aluno da PUC-RJ. "Estou investindo com prazer no fundo do Gênesis e espero ter um bom retorno." Em fase final de articulação, o fundo, denominado Mercatto-Gênesis, deverá ter capital de 12 milhões de reais. Com a criação de fundos de capital semente para impulsionar empresas nascidas nos bancos universitários, o Brasil começa a reduzir a distância entre produção acadêmica e mercado. É um modelo que floresceu há tempos nos Estados Unidos. Lá, universidades como Stanford, na Califórnia, há décadas fornecem a base para a proliferação de negócios de tecnologia no Vale do Silício. "O Brasil produz boa pesquisa científica e publica um número respeitável de teses e artigos acadêmicos", afirma o engenheiro José Alberto Sampaio Aranha, de 61 anos, diretor do Gênesis desde sua fundação e um dos articuladores da criação do fundo semente da incubadora. "Agora, precisamos entrar na fase da inovação, que ocorre quando o conhecimento é transformado em algo útil para a sociedade." As empresas incubadas são selecionadas obedecendo ao critério de evitar mercados já saturados. Desde que foi fundado, em 1997, o Gênesis gerou 36 empresas, das quais 89% vingaram, uma das maiores taxas entre as incubadoras do país. Atualmente, abriga 24 embriões de negócios, em áreas como software, equipamentos e design. No programa lançado pela Finep, os fundos deverão ser constituídos com 40% de capital vindo do governo, 40% de aporte de investidores institucionais e 20% providos por investidores individuais, como Fraga, batizados de anjos. Nesse esquema, os anjos têm a garantia de, ao fim de um período de até sete anos, se tudo der errado, receber de volta pelo menos o dinheiro investido. "Queremos espalhar o conceito de capital de risco pelo país e incentivar os anjos", diz Eduardo Moreira da Costa, diretor de inovação da Finep. "A figura deles é um elo que precisa ser estimulado na cadeia da inovação." Além de prover recursos de longo prazo para as empresas iniciantes, os fundos semente desempenham o papel de construir uma ponte para a etapa seguinte, a do venture capital, que começa a crescer no Brasil. O apetite dos fundos dessa faixa só é despertado quando a empresa chega a faturar entre 5 milhões e 10 milhões de reais. Aposta no futuro O Instituto Gênesis O que é? Incubadora de empresas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, criada em 1997 Diretor: José Alberto Sampaio Aranha Taxa de sucesso(1): 89% Quantas empresas já andam sozinhas? 36 ...e seu fundo de investimento? Nome: Mercatto-Gênesis Objetivo: Injetar dinheiro em empresas prestes a sair da incubadora para estimular seu crescimento Capital inicial: 12 milhões de reais Investidores: Mercatto Investimentos, Finep, Armínio Fraga e outros investidores Duração prevista: De 7a 8 anos (1) Proporção de empresas que continuam em operação AS INCUBADORAS NO BRASIL seguem uma mistura entre os modelos americano e europeu. Nos Estados Unidos, onde há mais de 1 000 incubadoras, o modelo tem como principal sustentação o capital de risco e os anjos. No caso europeu, as incubadoras são fortemente subsidiadas por órgãos públicos. O formato adotado pelo Gênesis, segundo Aranha, tem boa dose de inspiração do IC2 Institute, ligado à Universidade do Texas. "Os texanos começaram com uma incubadora, depois agregaram um programa de ensino de empreendedorismo e desenvolveram seu próprio fundo para empresas nascentes", diz ele. "São um ótimo exemplo." O trabalho de Aranha para formar empreendedores começa na recepção aos calouros da universidade, fazendo propaganda da incubadora. Além disso, organiza cursos de empreendedorismo que atraem 1 200 participantes por ano. Entre eles, fatalmente, estão os que têm mais ambição de abrir uma empresa. A etapa seguinte é ajudá-los a fazer planos de negócios e conduzi-los a um processo de seleção. Os aprovados têm seus projetos de empresa acolhidos no Gênesis, em média, por três anos. Lá, recebem apoio administrativo, material e estratégico para se desenvolver, além de poderem participar de um ambiente em que a troca de experiências é intensa. Aranha tem um currículo que o ajuda no monitoramento dos novos empreendedores. Paulistano, formou-se em engenharia química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e fez pós-graduação em administração de empresas na PUC-RJ. Cursou também o programa Sucessful Entrepreneurship in the American Business Environment (algo como "Empreendedorismo bem-sucedido no ambiente de negócios americano"), na Universidade Nova Southeastern, nos Estados Unidos. Foi executivo da empresa americana Varian, de aparelhos científicos, e só cio da Vanden Científica, fabricante de instrumentos de precisão que fechou as portas após perder um contrato com a HP, quando o presidente Fernando Collor de Mello derrubou as barreiras de importação de vários produtos. Em 1992, Aranha entrou na PUC-RJ como gerente de negócios tecnológicos. Hoje, além de diretor do Gênesis, ele comanda o programa de empreendedorismo da universidade. Nova geração O número de incubadoras de empresas no Brasil se multiplicou nos últimos anos... 1997 60 1999 100 2001 150 2003 207 2005 339 2007 401(1) ...e os resultados já são expressivos(2) Empresas incubadas: 2800 Empresas consolidadas: 1500 Empregos gerados: 33000 Faturamento das incubadas: 400 milhões de reais Faturamento das consolidadas: 1,6 bilhão de reais (1) Estimativa (2) Totais estimados em 2007 Fonte: Anprotec Algumas empresas saídas do Gênesis já se deram bem no mercado. Uma delas foi a MHW, que criou uma ferramenta pioneira de ensino a distância pela internet. Sua história começou em 1997, quando um grupo de alunos procurou um professor da PUC, o engenheiro eletrônico César Salim, em busca de ajuda para montar um plano de negócios. Salim não só atendeu o pedido como virou sócio dos alunos e passou a funcionar como o anjo do empreendimento. Formou um grupo de dez conhecidos que, juntos, investiram 300 000 reais em troca de participação na empresa. Depois, a MHW recebeu mais duas injeções de capital. A primeira, de 1,2 milhão de reais, veio de empresários do setor de informática. A segunda, de 2 milhões, veio do fundo de investimento Latinvest. A aventura terminou em 2000, com a Xerox comprando a MHW por mais de 10 milhões de reais. História semelhante teve a nTime. No seu início, no Gênesis, há sete anos, a empresa fazia jogos para celular. Hoje, unida à Compera, é uma das maiores produtoras de conteúdo para celular no país, com contratos com as grandes operadoras e expectativa de faturar 25 milhões de reais neste ano. "Em eventos de empreendedorismo e venture capital, Aranha sempre usou seu prestígio e o selo da PUC para divulgar as empresas do Gênesis", diz Rafael Duton, de 31 anos, um dos fundadores da nTime. "Isso nos ajudou desde a fazer contatos até a obter capital de risco." O ambiente de empreendedorismo montado pelo Gênesis inclui o contato com as empresas já formadas e com ex-alunos da universidade que alcançaram sucesso profissional. Além de Armínio Fraga, outro exemplo é Thomás Tosta de Sá, presidente da associação de ex-alunos da PUC, sócio da Mercatto Investimentos e um dos idealizadores do fundo Mercatto-Gênesis. Tosta presidiu a Comissão de Valores Mobiliários de 1993 a 1995 e foi na sua gestão que os fundos de capital de risco ganharam regulamentação no Brasil. Ele acredita que a impressionante trajetória desses fundos nos Estados Unidos pode se repetir aqui. Em 1975, o volume de capital de risco americano era de apenas 10 milhões de dólares. Hoje, o setor movimenta 240 bilhões de dólares por ano, incluindo fundos de private equity, que adquirem participações em grandes empresas. "Esse tipo de capital fomentou o boom econômico americano das décadas de 80 e 90, incluindo o Vale, do Silício", diz Tosta. No Brasil, só os fundos de capital de risco atingiram 1,7 bilhão de dólares em 2007. Parte desse capital, com voracidade por negócios que possam dar retornos acima de 20% ao ano, estará à espera de empresas do tipo das que podem sair do Gênesis.