talvez porque nunca tenham pensado mais aprofu

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“Nós podemos tomar o estado presente do universo como o efeito do seu
passado e a causa do seu futuro. Um intelecto que, em dado momento,
conhecesse todas as forças que dirigem a natureza e todas as posições de
todos os itens dos quais a natureza é composta, se este intelecto também
fosse vasto o suficiente para analisar essas informações, compreenderia
numa única fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do
menor átomo; para tal intelecto nada seria incerto e o futuro, assim como o
passado, seria presente perante seus olhos.”
O texto acima é de autoria de Pierre Simon Laplace – grande matemático,
astrônomo e físico, conhecido como “o Newton francês” –, um ávido
defensor filosófico do determinismo. Segundo algumas doutrinas religiosas,
Deus criou o universo e comanda absolutamente todos os eventos – cada
fio de cabelo que cai e cada estrela cadente que penetra a atmosfera
terrestre são fruto de um determinismo divino sob o qual não temos
nenhum controle ou escolha.
Em sua crítica a astrologia, na série de TV Cosmos, Carl Sagan afirma que
ela implica num perigoso fatalismo: “se nossas vidas são governadas por
um conjunto de sinais de trânsito celestes, porque tentar mudar algo?”.
Ora, há muitos céticos que criticam a astrologia ou a existência de um
“ditador divino”, porém a idéia do determinismo não vem apenas de fontes
ditas “místicas”.
O intelecto ao qual Laplace se referia em seu experimento mental foi
batizado de Demônio de Laplace pelos seus biógrafos. Segundo a
cosmologia de sua época, todas as partículas e planetas e estrelas exerciam
influência gravitacional (e de outras forças) umas sobre as outras. Isso, e
somente isso, poderia explicar todo o movimento dos corpos celestes e
atômicos – exatamente por isso o Demônio teria em sua mente todo o
passado e todo o futuro, todo o movimento do universo, como se fosse o
presente. Para tal Demônio, nada que já ocorreu ou resta ocorrer será
alguma novidade...
Laplace também esteve próximo a propor o conceito de buraco negro. Ele
observou que poderiam existir estrelas maciças cuja gravidade seria tão
grande que nem mesmo a luz escaparia de sua superfície. Na cosmologia
moderna, sabe-se que tais singularidades existem, mas ainda não se sabe
se a informação que é engolida por sua gravidade se perde ou é
reaproveitada em algum outro lugar do universo. Essa é uma questão
fundamental, pois se alguma informação é perdida, não seria mais viável
conceber uma previsão do futuro como a de seu Demônio, pois ele não
disporia mais de toda a informação necessária para sua previsão (embora
decerto ainda disporia de muita informação).
Já a física quântica nos demonstrou o quão bizarro é o universo em suas
partículas fundamentais. Hoje se sabe que é impossível prever o movimento
(momentum) e a posição de partículas como um elétron: quanto mais se
sabe sobre uma informação, menos se sabe sobre a outra. Tudo o que
podemos determinar é uma probabilidade de tais partículas estarem neste
ou naquele local – não podemos analisar a trajetória de uma única partícula
como uma linha reta (física clássica), e sim como uma função de onda.
Finalmente, os neurologistas já descobriram que temos tantos neurônios no
cérebro quanto estrelas em nosso horizonte cósmico. Segundo o filósofo
Daniel Dennet, não existem coisas como experiências subjetivas; em vez
disso ele propõe que o cérebro é um computador que possui informações de
diferentes fontes com uma disposição para um comportamento particular e
uma habilidade para distinguir entre estímulos diferentes. Esse é o ápice do
determinismo: não apenas um determinismo divino ou a influência
derradeira dos corpos celestes, mas a redução total de seres a coisas.
Somos como poeira espalhada pelo vento, tudo o que fazemos, tudo o que
pensamos, é determinado pelas reações químicas de partículas dentro de
nossa cabeça. Eis o determinismo materialista.
Ante o evidente absurdo do determinismo – seja divino, astrológico ou
material – tudo que posso dizer é isto: Ora, se tudo o que fazemos, todo
nosso movimento e nosso pensamento, toda nossa razão e emoção, todas
as nossas escolhas, são previamente determinadas, de que diabos
adiantaria discutir o assunto filosoficamente? Se estaremos a discutir
alguma coisa, não será por nosso livre-arbítrio (inexistente), mas sim
porque fazemos parte de um teatro de fantoches... E nossa discussão, e
todas as discussões, seriam apenas mais uma encenação de um Mestre dos
Fantoches. Nossa angústia seria fruto do movimento dos corpos celestes.
Nosso medo do futuro seria o resultado de alguma reação química em nosso
cérebro. Seria o fim de toda a responsabilidade, o fim de toda liberdade, o
fim da vida como algum dia foi compreendida... E isso é tudo o que tenho a
dizer sobre o assunto.
No entanto, se o livre-arbítrio de fato existe, se somos parcial ou totalmente
responsáveis por nossas próprias escolhas, então a filosofia de Dennet cai
por terra, o fatalismo dos astros se reduz a fantasias inapropriadas, e o
Demônio de Laplace apenas mais um pretendente a Deus. Ora, se a física
quântica nos demonstra que o futuro é feito de probabilidades, se as
singularidades cósmicas nos deixam na dúvida se a informação é ou não
perdida, me parece que o determinismo é uma ilusão... O que temos, em
realidade, é um sistema. Um sistema cósmico muito bem orquestrado para
que todo movimento gere outro movimento, toda ação gere outra ação, e
todas as coisas e todos os seres sigam eternamente conectados em sua
harmonia cósmica. Se alguém sabe do futuro de forma perfeita (como
Laplace postulou), precisaria ter criado tudo o que há a partir de si mesmo,
precisaria ser Deus.
E o que é o futuro, senão a conseqüência do que se faz – do que se escolhe
– no presente? Que a astrologia tenha se popularizado como uma forma
simples de se prever a sorte diária não é culpa dos grandes sábios e
cientistas (a astronomia veio da astrologia) de diversas épocas que a
consideravam com seriedade, mas sim da superficialidade com que os
ignorantes tratam do assunto. A Astrologia funciona através do que se Carl
Gustav Jung chamou de sincronicidade. As mesmas energias universais
responsáveis por todo o mecanismo de gravitação dos corpos celestes e
emanações solares fazem com que a cada determinado instante, a Terra
seja imantada com uma determinada gama energética, que é representada
através de arquétipos (signos).
Agrippa via o universo como o unus mundus, onde o que ocorre no mundo
celestial chega até o mundo dos fenômenos, intermediado pela esfera dos
corpos celestes. Nesta concepção, a relação entre a esfera dos corpos
celestes e a esfera humana não é de causalidade, mas de analogia ou
sincronicidade. Astrólogos de orientação biológica procuram a explicação
nos ritmos e ciclos biológicos, como os circadianos e lunares. John Addey
realizou vários levantamentos estatísticos em busca da comprovação de
conceitos astrológicos, como o de quase mil nonagenários e a relação SolSaturno. Descobriu, assim, o significado das relações harmônicas entre
períodos cósmicos. Outra concepção é que a influência se dá através da
variedade de raios cósmicos que chegam ao nosso planeta. Ebertin é um
dos defensores desta hipótese... Por mais que tais suposições e
nomenclaturas soem estranhas para os astrônomos atuais, há que se
admitir que possuem muito mais lógica do que a astrologia de jornal –
independente de serem reais ou não.
Em todo caso, ao que me parece, a totalidade dos astrólogos sérios
considera que o movimento celeste não exerce influência direta sobre os
eventos cotidianos... Não é porque Vênus está neste ou naquele local do
céu que teremos maior ou menor sorte em apostar na loteria. E, em todo
caso, o que seria a sorte senão a conseqüência futura de escolhas
presentes?
“Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo.” –
esta era a inscrição no Oráculo de Delfos, um dos centros religiosos da
Grécia antiga. Me parece que ele encerra o conceito primordial em que se
baseia toda a astrologia: conhecer a si mesmo é análogo a conhecer os
deuses e o universo (Cosmos). O que está em cima, os corpos celestes, é
como o que está embaixo, os corpos neuronais... O céu noturno é uma
emanação física da mente cósmica (isso é uma analogia!) assim como o
baile elétrico das sinapses é uma emanação física de nossa alma (isso
também é uma analogia).
Se o futuro é fruto de nossas escolhas presentes, de nada adiantam
previsões que sempre serão algo incertas. O que importa é compreender o
mecanismo pelo qual fazemos nossas escolhas. O que importa é
compreender o sentido pelo qual fazemos nossas escolhas. O que importa é
compreender a nós mesmos, que perto de tal compreensão todo o futuro é
secundário. Exatamente por isso sempre houve esse consenso entre os
grandes sábios... Mesmo o Rabi da Galiléia nos afirmou que somos deuses,
que faremos tudo o que ele fez e muito mais ainda. O universo interior é
ainda mais vasto que o exterior, compreendê-lo é a nossa divina jornada.
"Nós, como pessoas que experienciam, não aceitamos tudo o que nos é
fornecido por nosso instrumento, a máquina neuronal de nosso sistema
sensorial e o cérebro, nós selecionamos tudo o que nos é fornecido de
acordo com o interesse e a atenção, e modificamos as ações do cérebro,
através do eu" – Esta não é uma citação de um religioso ou astrólogo, mas
de um neurologista... Sir John Eccles, vencedor do prêmio Nobel de
medicina de 1963, foi talvez o mais ilustre cientista a argumentar em favor
da separação entre a mente, a consciência (no caso, um processo da
mente) e o cérebro. Somos seres que interpretam informações de acordo
com nossa vontade, e não máquinas que computam informações de acordo
com nossa programação.
Nós não fomos programados, não formos criados como robôs ou fantoches.
Fomos criados livres, e com um caminho infinito de evolução à frente.
Nossa liberdade não é absoluta, da mesma forma que uma criança precisa
brincar apenas em sua caixa de areia, nossas escolhas são locais e não
globais – ainda assim, são escolhas! Perto da magnitude do Cosmos, perto
da abrangência desse sistema que nos conecta a todos em uma trilha de
luz, que importância poderia ter o futuro? Que importância poderia ter
saber se vamos casar, ou com quem, se vamos ter mais ou menos dinheiro,
se vamos sofrer acidentes ou doenças, se vamos tirar a sorte grande, se
vamos ter tranqüilidade ou angústia, se vamos amar ou odiar, se vamos
viver ou morrer? Se tudo passa pela nossa sagrada capacidade de escolher
as escolhas que nos são dadas, e sermos inexoravelmente empurrados
pelos ventos que não são possíveis de se evitar, honestamente eu dispenso
a previsão.
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