1 Resumo Estendido: Métodos de decomposição da variação da idade média populacional: uma aplicação para Brasil A população brasileira vem sofrendo profundas transformações em sua composição por idade, devido à redução dos níveis de mortalidade e fecundidade. Ao longo das distintas fases da transição demográfica, a população brasileira vem experimentando o processo de envelhecimento populacional, na medida em que a sua estrutura etária deixou de ser extremamente jovem, como era em 1940, e assume progressivamente uma estrutura mais envelhecida. O tema envelhecimento populacional tem sido amplamente discutido na literatura brasileira, tanto em estudos demográficos como em outras áreas das ciências sociais e biológicas. No contexto demográfico, é evidente um boom de estudos, publicações, dissertações e teses cuja temática principal é o envelhecimento populacional brasileiro (Dias Junior e Costa, 2006). Esses estudos normalmente apontam o papel presumível de cada um dos componentes da dinâmica demográfica (fecundidade, mortalidade e migração) sobre esse processo: a queda da fecundidade tem um papel preponderante, o declínio da mortalidade tem um efeito secundário e o impacto da migração internacional é praticamente nulo, uma vez que o número de migrantes é pequeno em relação ao volume populacional do país (Wong e Carvalho, 2006). Cabe ressaltar que, de acordo com a teoria das populações estáveis, somente variações impostas nas funções de fecundidade ou mortalidade são capazes de alterar a estrutura etária de uma população fechada. A maioria dos trabalhos evidencia a percepção intuitiva dos estudiosos com relação ao papel das mudanças na fecundidade e na mortalidade sobre o processo de envelhecimento populacional brasileiro. Entretanto, poucos são os estudos que, de fato, quantificam a contribuição dos componentes da dinâmica demográfica sobre o processo de mudança da estrutura etária brasileira. Na literatura internacional, algumas metodologias foram desenvolvidas com o intuito de determinar o efeito da variação de cada componente da dinâmica demográfica (fecundidade, mortalidade e migração) sobre a mudança da estrutura etária. Caselli e Vallin (1990) apontam as três principais: 2 1. Exercícios formais que consideram cada componente de forma isolada e analisam as diferenças na estrutura etária observada entre as populações estáveis resultantes da variação de cada um deles. 2. Procedimentos práticos de simulações em que a trajetória da população é obtida utilizando-se várias taxas hipotéticas de mortalidade (fecundidade ou migração), mantidas as outras variáveis constantes. 3. Mensuração do impacto de cada componente na mudança real da estrutura etária populacional, separando-se, assim, o papel de cada um deles. As duas primeiras metodologias são as mais utilizadas (Caselli e Vallin, 1990). No entanto, a terceira metodologia parece a mais apropriada porque apresenta uma síntese mais próxima da experiência de uma população no que tange ao papel de cada componente no processo de mudança da estrutura etária e independe da condição de estabilidade. Existem formas alternativas para mensurar as mudanças na estrutura etária de uma população e uma delas é por meio da variação da idade média populacional, visto que as variações na fecundidade influenciam a proporção de indivíduos na idade zero e as mudanças na mortalidade normalmente não ocorrem de forma neutra por idade. Nesse sentido, a variação da idade média pode ser utilizada como um estimador da mudança na estrutura etária de uma população. O objetivo deste artigo é apresentar dois métodos de decomposição da variação da idade média populacional, que quantificam o papel de cada componente demográfico no processo de mudança da estrutura etária de uma população, independente da condição de estabilidade. Em seguida, apresento os resultados da aplicação de tais métodos aos dados da população brasileira ao longo do período de desvio de estabilidade, ou seja, para os períodos qüinqüenais compreendidos entre 1950 e 2100. Cabe ressaltar que a população brasileira é considerada fechada no decorrer desses 150 anos, uma vez que os fluxos migratórios internacionais não foram significativos durante os períodos observados, e a migração não foi incorporada na projeção. Os dados utilizados neste estudo são provenientes de várias fontes, uma vez que um dos métodos requer uma série temporal de dados sobre nascimentos e taxas específicas de mortalidade suficientemente longa para reconstruir a história de todas as coortes vivas em 3 cada período examinado. Para o cálculo dos nascimentos de 1890 até 1945, foram utilizadas as estimativas de Frias e Carvalho (1994) para as taxas específicas de fecundidade, em conjunto com o número de mulheres em cada grupo etário do período reprodutivo, disponíveis nas Estatísticas Históricas do Brasil. Como as estimativas de Frias e Carvalho (2994) começam a partir de 1903, considerei que as TEF’s de 1890, 1895 e 1900 são iguais as de 1903. Para o período entre 1900 a 1950 as taxas específicas de mortalidade foram extraídas das tabelas de vida estimadas por Santos (1978). Para os anos de 1890 e 1895, não foram encontradas estimativas de TEM’s e, por isso, foi necessário supor que a função de mortalidade para esses anos era a mesma vigente no ano de 1900. Para o período de 1950 a 2000, os dados sobre a população brasileira, os nascimentos e as funções de mortalidade, foram coletados do CELADE. A partir de 2000, todos os dados foram extraídos da projeção calculada pelo Cedeplar, cenário BR2. No primeiro método, a variação da idade média populacional é decomposta em função das taxas brutas de natalidade e de mortalidade e das idades médias populacional e à morte. Nesse caso, a variação da idade média depende do envelhecimento natural, do efeito dos nascimentos e do efeito dos óbitos. O envelhecimento natural consiste na variação de um ano de idade a cada ano calendário na idade média de uma população fechada, na ausência de eventos vitais. O efeito da mortalidade depende da intensidade dos óbitos (TBM) e da seletividade da mortalidade, dada pela diferença entre a idade média à morte e a idade média populacional. O efeito dos nascimentos, por sua vez, é igual ao produto da idade média da população (já que a idade média ao nascimento é igual a zero) e da intensidade dos nascimentos (TBN). É importante lembrar que os nascimentos têm um efeito contrário ao processo de envelhecimento natural, uma vez que estes eventos aumentam o número de pessoas na idade zero. Os óbitos também têm um efeito rejuvenescedor sobre a idade da população, visto que, na maioria dos casos, os indivíduos morrem em idades acima da idade média populacional. Os resultados da decomposição da variação da idade média da população brasileira em função das taxas brutas de natalidade e mortalidade indicam uma troca de papéis entre os nascimentos e os óbitos como agentes rejuvenescedores. A queda do efeito rejuvenescedor dos nascimentos é explicada pela redução histórica da TBN, a qual é justificada por dois fatores correlacionados: o declínio da fecundidade, que reduz o número médio de filhos por mulher, e a redução do número relativo de mulheres em idade reprodutiva. Por outro 4 lado, como conseqüência do aumento da TBM e da seletividade da mortalidade no que tange à idade à morte, o efeito rejuvenescedor dos óbitos é crescente com o tempo. Apesar do declínio do nível geral de mortalidade, a TBM aumenta com o tempo, por ser uma medida que depende também da estrutura etária caracterizada por um peso crescente dos grupos de idade que apresentam maior risco de morrer. Além disso, a seletividade da mortalidade é crescente com o tempo até o período 2055 e 2060, embora em ritmo desacelerado, tendendo a permanecer praticamente constante a partir desse momento, no cenário examinado neste artigo. Assim, o efeito dos nascimentos somente deixa de ser o principal agente inibidor do envelhecimento e os óbitos passam a exercer esse papel, quando a fecundidade alcança um valor consideravelmente baixo e praticamente constante. O efeito rejuvenescedor dos óbitos, provavelmente, não alcançará valores maiores que a unidade, como a fecundidade no início do período em estudo, ou seja, não há evidências de que os óbitos, em algum momento futuro, impedirão o processo natural do envelhecimento da estrutura etária, como os nascimentos já impediram. Como os óbitos ainda irão se concentrar em idades avançadas, favorecendo seu papel rejuvenescedor, a queda da mortalidade vai compensar a concentração dos óbitos em idades avançadas e mantê-los como um péssimo freio para o envelhecimento populacional. Portanto, este resultado é consistente com a idéia de que a queda de mortalidade envelhecerá a estrutura etária. No segundo método, as variações na estrutura etária de uma população são analisadas por meio das taxas específicas de crescimento. A função de taxas específicas de crescimento por idade permite avaliar, através de um parâmetro para cada idade, como a distribuição etária da população está se modificando ao longo do tempo. Quando estimamos a covariância das taxas específicas de crescimento com cada idade, obtemos a idade média populacional. Portanto, a vantagem de se ter toda a distribuição das taxas específicas de crescimento é que podemos avaliar o envelhecimento populacional de forma mais específica, através de cada um dos parâmetros por idade, ou de forma mais sintética, através de medidas-síntese como a idade média da população. A variação da idade média populacional, medida através da covariância das taxas de crescimento com a idade, foi decomposta em outras duas covariâncias: i) a covariância da parte da taxa de crescimento explicada pelos nascimentos e a idade e ii) a covariância da parte da taxa de crescimento explicada por mudanças na mortalidade e a idade. A 5 proporção dessas covariâncias em relação à variação da idade média corresponde à contribuição das mudanças na fecundidade e na mortalidade sobre a mudança da estrutura etária de uma população, sintetizada através da idade média populacional. Para justificar o efeito preponderante de um dos dois componentes sobre a variação da idade média populacional, em cada ponto do tempo, é possível analisar, ainda, os outros parâmetros que determinam cada uma das covariâncias. São eles: a proporção de pessoas em cada idade e diferença entre cada idade e a idade média populacional. Os resultados dessa segunda decomposição para a população brasileira evidenciam que, sob a suposição da projeção adotada neste estudo, as mudanças na fecundidade têm um papel preponderante em relação ao efeito das mudanças na mortalidade sobre a variação da idade media populacional, na maioria dos períodos em estudo. As mudanças na mortalidade assumem um papel mais importante na variação da idade média populacional brasileira apenas em cinco períodos (1970 a 1975, 2000 a 2005, 2065 a 2070, 2085 a 2090, 2090 a 2095, 2095 a 2100). Na análise da estrutura etária brasileira por meio de toda a função das taxas específicas de crescimento, percebe-se que as mudanças nos nascimentos foram responsáveis pelas grandes flutuações no tamanho de cada grupo de idade, durante o período de desvio de estabilidade. A mortalidade parece ter tido papel reduzido sobre a estrutura da função das taxas específicas de crescimento. Talvez a mortalidade tenha sido importante apenas quando houve a queda da mortalidade infantil, o que marcou o crescimento de algumas coortes, e mais tarde, quando as mudanças na mortalidade se concentraram em idades mais avançadas, afetando o crescimento do número de idosos. Em resumo, os resultados da aplicação de ambos os métodos para a população brasileira demonstram que os ganhos da mortalidade vêm se concentrando nas idades mais avançadas. No entanto, as mudanças na fecundidade continuarão desempenhando um papel mais importante sobre o processo de mudança na estrutura etária brasileira. .