No fundo é raso

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No fundo é raso
Thomaz Wood Jr. 27 de outubro de 2010 às 16:36h
Novo livro do jornalista Nicholas Carr analisa estudos científicos acerca dos efeitos da internet sobre
nosso cérebro. Os resultados são preocupantes.
Em 2008, Nicholas Carr assinou, na revista The Atlantic,
o polêmico artigo “Estará o Google nos tornando
estúpidos?” O texto ganhou a capa da revista e, desde sua
publicação, encontra-se entre os mais lidos de seu
website. Quem gostou do aperitivo pode agora saborear o
prato principal. O mesmo autor nos brinda com The
Shallows: What the internet is doing to our brains, um
livro instrutivo e provocativo, que dosa linguagem fluida
com a melhor tradição dos livros de disseminação
científica.
Para redigir uma breve resenha do livro, este escriba
poderia preencher os 4.805 caracteres (com espaços) desta
coluna de duas formas: a tradicional e a “moderna”. Na
forma tradicional, o escriba leria por inteiro a obra, faria
anotações, deixando que as sinapses o estimulassem, e
elaboraria seu texto. Na forma “moderna”, o escriba
examinaria “diagonalmente” a obra, navegaria pela
internet em busca de opiniões e usaria a velha arte da
bricolagem para compor seu texto. Na era da
produtividade, esta segunda forma apresentaria a
vantagem óbvia da maior rapidez. No entanto, além de ser
menos honesta com o leitor, representaria também uma
traição em relação à obra analisada.
Pois o livro de Carr é prazeroso no trato e claro em sua
mensagem: uma defesa sem constrangimento do slow
reading, a arte de flutuar a mente pelos caminhos
explorados pelo autor, de forma que se possa avaliar suas
descobertas e ponderar seu argumento. E que argumento é
esse? Carr apropria-se da máxima de Marshall McLuhan
– “O meio é a mensagem” – para demonstrar que a
internet está mudando a forma como nós pensamos, nos
tornando mais rasos, mais superficiais e, assombrem-se,
menos originais e menos criativos.
Novas tecnologias costumam provocar incerteza e medo.
As reações mais estridentes nem sempre têm fundamentos
científicos. Curiosamente, no caso da internet, os
verdadeiros fundamentos científicos deveriam, sim,
provocar reações muito estridentes. Carr mergulha em
dezenas de estudos científicos sobre o funcionamento do
cérebro humano. Conclui que a internet está provocando
danos em partes do cérebro que constituem a base do que
entendemos como inteligência, além de nos tornar menos
sensíveis a sentimentos como compaixão e piedade.
O frenesi hipertextual da internet, com seus múltiplos e
incessantes estímulos, adestra nossa habilidade de tomar
pequenas decisões. Saltamos textos e imagens, traçando
um caminho errático pelas páginas eletrônicas. No
entanto, esse ganho se dá à custa da perda da capacidade
de alimentar nossa memória de longa duração e
estabelecer raciocínios mais sofisticados. O leitor haverá
de se identificar, logo nas primeiras páginas do livro,
quando Carr menciona a dificuldade que muitos de
nós, depois de anos de exposição à internet, agora
experimentam diante de textos mais longos e
elaborados: as sensações de impaciência e sonolência.
No capítulo 7, certamente o mais provocativo, Carr nos
introduz a estudos científicos sobre o impacto da
internet no funcionamento do cérebro humano.
Segundo o autor, quando navegamos na rede, “nós
entramos em um ambiente que promove uma leitura
apressada, rasa e distraída, e um aprendizado
superficial”. A internet converteu-se em uma
ferramenta poderosa para a transformação do nosso
cérebro, e quanto mais a utilizamos, superestimulados
pela carga gigantesca de informações, imersos no
mundo virtual, mais nossas mentes são afetadas. E não
se trata de pequenas alterações, mas de mudanças
substanciais: físicas e funcionais.
Um dos estudos mencionados na obra revela que
leitores de livros apresentam intensa atividade cerebral
nas regiões associadas com a linguagem, a memória e
as imagens. Leitores de páginas da internet, por sua
vez, apresentam intensa atividade cerebral também nas
regiões associadas com resolução de problemas e com
tomada de decisões. Essa dispersão da atenção vem à
custa da capacidade de concentração e de reflexão.
Em outro estudo também mencionado, dois grupos
foram convidados a ler um conto: o primeiro grupo o
leu em formato tradicional; o segundo grupo utilizou
um formato especial, com links, como os disponíveis
na internet. O segundo grupo demorou mais para ler e
mostrou mais confusão e incerteza sobre o que tinha
lido. A atenção do grupo havia se dirigido mais para os
recursos adicionais do que para a história em si. O
meio havia obscurecido a mensagem.
A leitura de The Shallows deixa um sabor agridoce:
doce, por nos lembrar que a boa ciência ainda é capaz
de colocar em xeque o senso comum e a unanimidade
burra; e amargo, por nos fazer constatar que a tevê,
com o emburrecimento narcotizante por ela trazido,
agora tem um parceiro poderoso.
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/no-fundo-eraso
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