Visualização do documento Aristoteles - CATEGORIAS.doc (686 KB) Baixar CATEGORIAS ARISTÓTELES Porto Editora Categorias Tradução, introdução e comentários de Ricardo santos PORTO editora Título: categorias, de Aristóteles Autor: Ricardo Santos Design Gráfico: Quatro Cores Design Editor: Porto Editora para a língua portuguesa: PORTO editora, LDA.--1995 Rua da Restauração, 365 4099 porto CoDEX--PoRTUGAL Reservados todos os direitos. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem transmitida, no todo ou em parte, por qualquer Processo electrónico, mecânico, fotocópia, gravação ou outros, sem prévia autorização A vida de Aristóteles A obra de Aristóteles o organon As Categorias A estrutura da obra A primazia das substâncias individuais A pergunta «o que é.. ?» Sinonímia, homonímia e paronímia A caracterização das diversas categorias o método dialéctico Método de citação o texto As Categorias ocupam, na ordenação tradicional dos tratados aristotélicos, o primeiro lugar. A este facto está associada a convicção de que é por esta obra que deve começar o estudo da filosofia de Aristóteles. Responsável pela enorme influência que as Categorias exerceram ao longo de toda a história da filosofia, esta convicção é ainda hoje partilhada por alguns. A presente edição pretende, por isso, ser acessível ao leitor não especializado e não pressupõe qualquer contacto prévio com as doutrinas aristotélicas. Também nos pareceu preferível apresentar ao leitor uma interpretação da obra, sem o sobrecarregar com as numerosas controvérsias entre interpretações divergentes a que qualquer texto com valor filosófico dá origem. A interpretação é, assim, inteiramente assumida por nós, tendo sido subtraídas todas as referências aos comentadores de que discordamos ou àqueles com que concordamos e em que nos apoiámos. o leitor interessado em aprofundar o assunto e conhecer outras perspectivas encontrará no final do volume indicações bibliográficas que poderão orientar a sua pesquisa. E, no entanto, indispensável registar o valioso apoio que encontrámos na Tradução e notas de J. L. Ackrill (Aristotles Categorias ad De Interpretatione, oxford, 1963). o livro de Ackrill constitui desde há muito um verdadeiro «clássico» dos estudos aristotélicos e foi responsável pelo interesse renovado de que as Categorias têm sido objecto nos últimos anos. A compreensão das Categorias como uma obra de metafísica - que predomina actualmente e que aqui também perfilhamos - foi por ele decisivamente reforçada. Ricardo SantoS Sintra 13 de Maio de 1995 A vida de Aristóteles Embora tenha passado a maior parte da sua vida em Atenas, Aristóteles era natural de Estagiar, pequena cidade do Norte da Grécia, onde nasceu em 384 a. C. o seu pai, Nicómaco, era médico pessoal do rei Amistas da Macedónia. Aos 17 anos, viajou para Atenas, a fim de ingressar na Academia de Platão. Nos vinte anos em que foi membro da Academia, distinguiu-se pelo seu talento, primeiro como estudante e, depois, também como professor e autor. Sabe-se que aí ensinou dialéctica e retórica, e que escreveu e publicou uma série de obras, na sua maioria sob a forma de diálogos, que o tornaram reconhecido pela excelência do seu estilo. Infelizmente, a maior parte destas obras perderam-se e restam-nos apenas alguns fragmentos. Destinadas a um público alargado, o objectivo de muitas delas era despertar o interesse pela filosofia e captar novos estudantes para a Academia. Em 347, quando Platão morreu e Espeusipo, seu sobrinho, Lhe tomou o lugar na direcção da Academia, Aristóteles deixou Atenas. Viajou, primeiro, para as colónias gregas da åsia Menor (Assis e Lesbos) e, depois, a convite de Filipe, viveu alguns anos na corte em Pela (capital da Macedónia), como preceptor do futuro imperador Alexandre. Só voltaria a Atenas doze anos depois, em 335, desta vez não para regressar à Academia, mas para fundar uma nova escola, o Liceu. As obras de Aristóteles que conhecemos são o produto da investigação e do ensino que desenvolveu, com o auxílio de diversos colaboradores, não só na época do Liceu, mas já durante a sua estadia na åsia Menor e em Pela e, talvez, também durante os últimos anos em que esteve na Academia. o pensamento que nelas se expressa, cobrindo as mais diversas áreas do conhecimento, deferência-se claramente da filosofa platónica, rejeitando mesmo algumas das suas principais ideias (como a teoria das Formas e a teoria da reminiscência). Pretendendo, no entanto, ser fiel à inspiração básica do platonismo (que considerava ser, afinal, a de toda a filosofia), Aristóteles desenvolveu um pensamento autónomo, que procura responder melhor aos problemas - muitas vezes os mesmos com que se debateu Platão - que dificultam a nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. Dirigiu o Liceu até 323, ano em que morreu Alexandre. o ambiente em Atenas era, nessa altura, fortemente hostil à Macedónia, e Aristóteles, considerado um «amigo da Macedónia», não era uma presença desejada. Foi acusado por um conjunto de atenienses, num processo idêntico ao que, em 399, condenara Sócrates à morte, e decidiu fugir de Atenas, para evitar, segundo se conta, que os atenienses cometessem um segundo crime contra a filosofia. Morreu um ano depois, em Cálcio, cidade natal da sua mãe. A obra de Aristóteles As obras escritas por Aristóteles dividem-se em dois grupos: 1. as obras que foram compostas para ser publicadas e que o foram de facto em vida de Aristóteles (na sua maioria são diálogos, destinados a um público vasto); 2. as obras compostas para uso interno da escola, constituídas na maior parte por manuscritos a partir dos quais Aristóteles dava as suas Lições e evidentemente destinadas a uma audiência especializada de filósofos e estudantes de filosofia. Ao contrário do que seria o mais natural, as obras publicadas perderam-se e delas conhecem-se apenas alguns fragmentos, enquanto as que chegaram até nós pertencem ao segundo grupo, dos escritos escolares. não estando originalmente destinados a ser publicados, a história da transmissão destes manuscritos foi atribulada e a primeira edição completa de que temos notícia foi realizada, em Roma, em meados do século I a. C. As sucessivas Edições e cópias a que desde então foram sujeitos se representam, por um lado, a condição de possibilidade de hoje os lermos, por outro lado, representam também outras tantas interferência, que dificultam por vezes o nosso conhecimento do texto original. Apenas como exemplo, refira-se que os títulos das obras não são, na generalidade, da autoria de I () Aristóteles, mas devem-se a editores posteriores. Cada obra, ou tratado, é muitas vezes composta por diversos livros (cuja extensão deverá corresponder aproximadamente à dos originais rolos de papiro). É provável que muitos destes livros existissem separadamente e terão sido aqueles editores a decidir quais os livros que deveriam ser reunidos sob um mesmo título. Para dar uma ideia das matérias abordadas na obra conhecida de Aristóteles, podemos dividir os tratados em cinco grandes grupos: no primeiro, temos os tratados que, editados conjuntamente sob o nome de organon (a que nos referiremos adiante com mais pormenor), constituem o que é habitualmente conhecido como a lógica aristotélica; num segundo grupo, temos um vasto conjunto de obras que versam sobre a filosofia da natureza, onde se incluem tratados de física, cosmologia, psicologia e biologia; em terceiro lugar, vem o que o próprio Aristóteles designa por filosofia primeira, e que é também por ele definida como a ciência que estuda o ser em geral (a qual constitui o objecto do conjunto de livros editados sob o título de Metafísica); no quarto grupo, incluem-se as obras que tratam da ética e da política (sobretudo a Ética Nicomaqueia e a Política); e, por fim, o último grupo é constituído pelos tratados de retórica e de poética. Durante muito tempo, a obra de Aristóteles foi encarada e estudada como constituindo uma totalidade completamente coerente e sistemática. os diversos tratados distinguir-se-iam pela diferença de tema e de objectivo, mas não haveria entre eles diferenças significativas de doutrina. No nosso século, pelo contrário, tem predominado uma abordagem que considera haver, ao longo da obra, sinais de mudança de doutrina e reformulação de perspectivas, os quais parecem testemunhar uma evolução no pensamento do autor. De acordo com isto, tornou-se necessário procurar determinar, pelo menos de modo aproximado, a ordem cronológica por que terão sido compostos os diversos tratados. Deste estudo, embora tenham resultado alguns avanços importantes, não foi ainda possível obter uma solução global, solidamente fundamentada e consensual. Para o que aqui principalmente nos interessa, refira-se, no entanto, que a generalidade dos intérpretes concordam que as Categorias constituem uma das primeiras obras de Aristóteles. ARISTÓTELES: o organon Como veremos mais adiante, existem fortes razões para considerar que a colocação das Categorias como primeiro tratado do organon esta baseada num equívoco. Todavia, uma vez que é esse o seu lugar tradicional e que este facto determinou toda a filosofia posterior, começaremos por uma apresentação sumária do conteúdo e da estrutura do organon. Sob o título de organon encontram-se editadas (mas não, como vimos, por Aristóteles) um conjunto de obras, nas quais é habitual considerar-se que se encontra exposta a lógica aristotélica. Na verdade, a palavra «lógica», com o sentido que tem hoje, não era conhecida de Aristóteles. Quando pretendia designar aquilo que, para nós, são os estudos lógicos, Aristóteles referia-se a «os analíticos»; e, provavelmente, com esta expressão, o que visava eram os dois tratados que constituem a parte central e, sem dúvida, a mais importante do organon - os Analíticos Anteriores e os Analíticos Posteriores. De qualquer modo, a questão de saber se os tratados que compõem o organon são ou não tratados de lógica, apesar de inevitável, é um pouco anacrónica, pois foi o organon que determinou aquilo que durante muito tempo se entendeu como sendo a lógica. o organon é uma ColECÇÃO de cinco tratados que, apesar de terem evidentes relações entre si e de, por vezes, se referirem uns aos outros, não obedecem a um plano ordenado de conjunto. Aliás, é muito provável que os tratados que o compoem tenham sido escritos em datas bastante diferentes e que a ordem pela qual foram escritos não corresponda àquela com que foram editados. não se sabe ao certo quem terá sido o responsável pela reunião destes tratados numa única ColECÇÃO, mas o sentido com que foi realizada parece ser-nos indicado pela palavra «organon», cujo significado é «instrumento». Além disso, um comentador antigo das obras de Aristóteles explica que «a lógica ocupa na filosofia o lugar de um instrumento (organon)» (Alexandre, i Tap., 74.29). Isto significa que os tratados do organon constituem um estudo cujo estatuto é diferente do dos outros estudos filosóficos. os conhecimentos facultados pela lógica são utilizados por todas as outras disciplinas filosóficas e, por isso, são por elas pressupostos. De acordo com isto, Aristóteles afirma na Metafísica que «é necessário conhecer os analíticos antes de abordar qualquer ciência» (1105b4-5). o conhecimento da lógica seria, portanto, uma condição ou um requisito prévio para iniciar o estudo de qualquer disciplina filosófica. os tratados que compoem o organon são cinco, e a sua ordem é a seguinte: 1. Categorias, 2. De Interpretatione, 3. Analíticos Anteriores, 4. Analític.os Posteriores, 5. Tópicos. Prólogo É nos Analíticos Anteriores que se encontra exposta aquela que é a principal contribuição de Aristóteles para a investigação lógica- a teoria do silogismo. «Um silogismo», diz Aristóteles, «é um discurso no qual, sendo assumidas certas coisas, alguma coisa diferente delas resulta necessariamente do facto de elas serem tais» (24bl9-20). Esta definição é muito geral e, por isso, pode dizer-se que abrange toda e qualquer inferência válida, isto é, qualquer argumento no qual, a partir de certas premissas (qualquer que seja a sua forma e número), se segue uma conclusão que é uma sua consequência necessária. Uma conclusão é uma consequência necessária das premissas quando, se as premissas são verdadeiras, a conclusão tem de ser também verdadeira. o objectivo de Aristóteles é então, nos Analíticos Anteriores, estabelecer «por que meios, quando e como é que são efectuados todos os silogismos» (25b26-27). o projecto é ambicioso, pois implicaria desenvolver um sistema no qual todas as inferências válidas, sem excepção, pudessem ser expressas. Uma das principais descobertas de Aristóteles foi a de que isso só pode ser realizado através de um sistema formal, isto é, de um sistema no qual se faz completa abstracção do significado dos termos que ocorrem nas diversas inferências e que, portanto, não pressupõe qualquer conhecimento acerca do conteúdo dessas inferências. É aliás este seu carácter formal que toma o sistema lógico utilizável por todas as disciplinas filosóficas, qualquer que seja o seu objecto de estudo. outro aspecto importante na silogística aristotélica é a distinção entre inferências pel feitas e imperfeitas. Uma inferência é perfeita quando a sua validade é imediatamente evidente, isto é, quando não é preciso mais nenhuma premissa além das que são expressas para tornar evidente que a conclusão é uma sua consequência necessária. Aristóteles considera perfeitas as seguintes inferências: TodooAéB TodooAéB Todo o B é C Logo Nenhum B é C Todo o A é C Algum A é B TodooBéC Nenhum A é C Algum A é B NenhumBéC Logo Algum A é C Algum A não é C As inferências imperfeitas são aquelas cuja validade não é imediatamente evidente, sendo preciso acrescentar uma ou mais premissas (que, na realidade, são consequências necessárias das premissas expressas) para tornar evidente que a conclusão resulta necessariamente das premissas. Esta definição mostra que Aristóteles considera que todas as inferências imperfeitas podem ser tornadas perfeitas, ou seja, que todas elas são perfectíveis. ora, uma vez que, para Aristóteles, as inferências perfeitas são as quatro que mencionámos, e que todas as inferências válidas são ou perfeitas ou imperfeitas, isso significa que todas as inferências válidas ou são formalmente idênticas àquelas quatro ou podem ser reduzidas a uma que o seja. Por isso é que Aristóteles considera que o sistema lógico que apresenta é suficiente para testar a validade de toda e qualquer inferência, sem excepção. Na realidade, ao fazer este juízo, Aristóteles sobrestima o resultado que atingiu. Existem muitas inferências válidas que não podem ser expressas pelo seu sistema silogístico e que, de acordo com ele, teriam de ser declaradas inválidas. Todavia, a sua tentativa foi de uma enorme importância histórica. Sobretudo, se tivermos em consideração que, por um lado, como ele próprio diz, se tratou de uma investigação para a qual não pôde apoiar-se em nenhuns resultados anteriores (cf. Refutações Sofístic.as, 183bl5-184b8) e que, por outro lado, a silogística aristotélica é uma das teorias com maior longevidade na história da ciência, pois, apesar de ter sido objecto de sucessivas correcções e melhoramentos, o seu lugar de paradigma dos estudos lógicos só foi seriamente posto em dúvida a partir do final do século XIX. o que levou Aristóteles a ocupar-se do silogismo foi o seu interesse pela ciência. os Analíticos Posteriores seriam hoje classificados como um tratado de epistemologia. Possuem, em comum com os Analíticos Anteriores, um mesmo carácter formal: abstraindo do objecto de estudo das diversas ciências, procura-se analisar a forma comum a todas elas, isto é, a forma do conhecimento científico. Essa forma é a demonstração. o que define o conhecimento científico é ser um conhecimento demonstrativo e, por isso, o objectivo dos Analític.os Posteriores é apresentar uma teoria da demonstração. ora, toda a demonstração é um silogismo, embora nem todo o silogismo seja uma demonstração. Por isso é que se tornava necessário, antes de estudar a demonstração, realizar um estudo mais geral sobre o silogismo. Nem toda a inferência válida produz conhecimento científico. Aristóteles considera que o conhecimento científico de uma coisa obedece 14 IntroduCét a duas condições principais: por um lado, temos de conhecer a razão de ser dessa coisa e, por outro, temos de reconhecer que essa coisa não pode ser diferente do que é. A relação entre a coisa conhecida e a sua razão de ser corresponde à relação, numa inferência, entre a conclusão e as premissas. Mas, para poder constituir um conhecimento científico, esta relação tem de ser mais forte do que a da simples validade. Por isso, o silogismo demonstrativo é uma inferência que, além de ser válida, obedece a condições suplementares, que dizem sobretudo respeito à natureza das premissas. As premissas de uma demonstração têm de ser verdadeiras. Esta condição ilustra bem a diferença que há entre demonstração e inferência válida. Uma inferência pode ser válida tendo premissas falsas; e, além disso, é possível, partindo de premissas falsas, inferir validamente uma conclusão verdadeira. Mas uma inferência que conclui uma verdade a partir de premissas falsas não pode ser considerada uma demonstração, pois a razão ou explicação que apresenta para essa verdade é falsa. Contudo, é necessário que as premissas sejam não só verdadeiras, mas também verdadeiramente explanatórias da conclusão. Se pretendemos demonstrar que todos os objectos de uma certa classe A possuem uma propriedade B, temos de apoiar-nos em premissas que digam, acerca de A e B, não apenas coisas verdadeiras, mas a verdadeira razão (C) por que todos os A possuem a propriedade B. Relacionada com esta encontra-se uma outra condição: as premissas de uma demonstração têm de ser melhor conhecidas do que a conclusão. Pois se, por hipótese, é por serem C que todos os A são também B, só teremos conhecimento demonstrativo desse facto quando a ordem do nosso conhecimento for idêntica à ordem da própria realidade. ou seja, uma vez que a relação A-C é a causa da relação A-B, o nosso conhecimento só será demonstrativo e científico quando o conhecimento que temos da relação A-C for também a causa de conhecermos a relação A-B. Aquilo que é anterior na realidade tem de tomar-se também anterior no nosso conhecimento. As verdades anteriores são, segundo Aristóteles, as mais universais. ora, não é por elas que, geneticamente, começa o nosso conhecimento. Todavia, uma vez conhecidas, elas deverão tornar-se primeiras no nosso conhecimento, isto é, ao conhecê-las devemos compreender que é delas que dependem os conhecimentos que já possuíamos e não o inverso. Esta diferença entre a ordem pela qual os conhecimentos são descobertos e a ordem pela qual são demonstrados mostra que as ciências só podem atingir uma forma demonstrativa num estádio avançado do seu desenvolvimento, quando se encontra já adquirido um corpo relativamente completo de conhecimentos. Se todos os nossos conhecimentos dependem das verdades primeiras, de que é que, por sua vez, dependem estas? o nosso conhecimento acerca da natureza, para tornar-se científico, tem de ser demonstrado a partir das verdades primeiras, isto é, dos princípios básicos. o conhecimento destes princípios é o problema com que terminam os Analíticos Posteriores. Estes princípios, uma vez que são básicos, não podem ser demonstrados (pois não há princípios anteriores a eles que Lhes possam servir de premissas). Por isso, a derradeira condição de uma demonstração é que as suas premissas sejam ou indemonstráveis ou demonstradas a partir de premissas indemonstráveis. A indemonstrabilidade dos princípios de todo o conhecimento científico deverá resultar, por um lado, de serem imediatamente inteligíveis e, por outro, de expressarem realidades absolutamente primeiras, que, sendo causas de todas as outras coisas, não são elas próprias causadas por nada. Nem todo o silogismo, como vimos, é uma demonstração. Nos Tópicos é analisado o silogismo dialéctico, que se define por ser um tipo de inferência cujas premissas são opiniões aceites ou por toda a gente ou pela maioria ou pelos homens reconhecidos como mais sabedores. o objectivo do tratado é ensinar a raciocinar e argumentar, a partir deste tipo de opiniões, acerca de qualquer assunto que se nos apresente. o argumento dialéctico é adequado sobretudo para aquele tipo de assuntos acerca dos quais não parece ser possível nem sequer razoável exigir demonstrações, como é o caso, por exemplo, no domínio da ética e da política. Aristóteles menciona três actividades para as quais o conhecimento do modo dialéctico de argumentar pode ser especialmente útil: o treino intelectual, as conversas ou discussões casuais e as ciências filosóficas. No que respeita a estas últimas, é sublinhada a necessidade de os princípios de cada ciência (uma vez que não podem, como vimos, ser demonstrados) serem discutidos dialecticamente. A discussão dialéctica é sempre determinada pelo carácter particular do interlocutor que se tem pela frente. os Tópicos propoem preceitos para guiar a prática corrente de discussões públicas, efectuadas segundo o esquema de pergunta e resposta, cuja melhor ilustração se encontra porventura nos diálogos socráticos. o título do tratado é derivado de uma palavra cuja tradução literal é «lugares», mas cujo significado corrente é o de «lugares-comuns», ou 1 () seja, padrões de argumentação que podem ser usados na discussão de qualquer assunto. Efectivamente, a maior parte do tratado é preenchida com uma extensa enumeração dessas formas argumentativas. o tratado termina com um apêndice Sobre as Refutações Sofísticas, que constitui um estudo dos principais tipos de paralogismos (ou falácias) - argumentos que, sendo inválidos, possuem contudo uma enganosa aparência de validade. Apesar de terem sido escritos em períodos provavelmente distintos e segundo uma ordem que não é exactamente conhecida, os principais tratados do organon possuem contudo uma certa unidade sistemática, pois ao estudo geral do silogismo (nos Analíticos Anteriores) segue-se o estudo específico dos seus principais tipos: o silogismo demonstrativo (nos Analíticos Posteriores) e o silogismo dialéctico (nos Tópicos). Precedendo estes três tratados surgem, no organon, dois outros que, com uma dimensão bastante mais reduzida, constituiriam uma espécie de preparação para o estudo do silogismo: as Categorias e o De Interpretatione. A intenção que terá presidido à colocação destes dois tratados antes da abordagem do silogismo parece ser clara: sendo os silogismos formados a partir de proposições (tais como «Todo o homem é mortal», «Algum homem não é grego», etc.) e as proposições constituídas por um relação entre termos (tais como «homem», «mortal», «grego», etc.), deve ter parecido necessário inserir antes dos Analíticos um estudo das proposições (o De Interpretatione) e, antes deste, um estudo dos termos (as Categorias). De facto, a análise das proposições efectuada no De Interpretatione é um dos elementos que torna possível a formalização do sistema silogístico dos Analíticos Anteriores. Começando por definir proposição como uma frase que pode ser verdadeira ou falsa, Aristóteles examina em seguida as diversas propriedades possíveis das proposições (afirmativas, negativas, universais, particulares, etc.), obtendo assim uma classificação dos seus diferentes tipos. Esta classificação permite então analisar as relações existentes entre as diversas espécies de proposições. Aristóteles interessa-se especialmente pelas relações de oposição, distinguindo dois tipos principais de oposição - a contradição e a contrariedade. Duas proposições são contraditórias quando uma tem de ser verdadeira e a outra falsa (como, por exemplo, as proposições «Todo o homem é branco» e «Algum homem não é branco»), enquanto as proposições contrárias são aquelas que, não podendo ser ambas verdadeiras, podem contudo ser ambas falsas Categorias (como, por exemplo, as proposições «Todo o homem é branco» e «Nenhum homem é branco»). os exemplos com que Aristóteles ilustra a sua análise são geralmente proposições assertóricas acerca de factos presentes. Todavia, o De Interpretatione ocupa-se também das proposições acerca do passado e do futuro e, além disso, das proposições acerca do possível e do necessário (conhecidas como proposições modais). As proposições simples afirmam ou negam alguma coisa de alguma coisa. Aquilo que é afirmado ou negado constitui o predicado, enquanto aquilo de que o predicado é afirmado ou negado constitui o sujeito da proposição. o sujeito e o predicado são então os termos que compoem a proposição simples. Pensou-se frequentemente que as Categorias seriam um estudo dos termos a partir de cuja combinação as proposições são formadas. Esta ideia era confirmada, em primeiro lugar, pelo facto de a obra anteceder o De Interpretatione (que analisa as proposições e que, por sua vez, antecede a análise dos... Arquivo da conta: globalnet Outros arquivos desta pasta: Aristoteles - Metafísica (Giovanni Reale).pdf (84076 KB) Aristóteles - METAFÍSICA.pdf (32481 KB) Aristoteles - A poética. 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