Libertacao_

Propaganda
Libertação: na própria mente, a chave e a fechadura
Walter S. Barbosa1
O velho Mestre pediu ao discípulo – um jovem entristecido pelos reveses da vida – que
colocasse uma mão cheia de sal em um copo de água e bebesse.
- Qual é o gosto? – perguntou o Mestre.
- Ruim – disse o aprendiz.
O Mestre sorriu e pediu ao jovem que pegasse outra mão cheia de sal e levasse a um lago.
Os dois caminharam em silêncio e o discípulo jogou o sal no lago. Então o velho disse:
- Beba um pouco dessa água! Enquanto a água escorria do queixo do jovem, o Mestre
perguntou:
- Qual é o gosto?
- Bom – disse o rapaz.
- Você sente o gosto do sal? – perguntou o Mestre.
- Não disse o jovem.
Então, o Mestre sentou ao lado dele, pegou uma de suas mãos e disse: “A dor na vida de
uma pessoa não muda. Mas o sabor da dor depende de onde a colocamos. Quando você
sentir dor, a única coisa que você deve fazer é aumentar o sentido de tudo o que está à sua
volta. É dar mais valor ao que você tem do que ao que você perdeu. Em outras palavras, é
deixar de ser um copo, para ser um lago”. Como realizar essa opção?
Em artigo sobre as particularidades do cérebro, publicado no “Jornal da Ciência”, Suzana
Herculano-Houzel diz: “Não somos especialmente encefalizados: temos um cérebro apenas
do tamanho esperado para um primata do nosso tamanho. Talvez tenhamos mais neurônios
que os golfinhos, mas provavelmente menos que a baleia azul. Nossa maior distinção talvez
esteja simplesmente em sermos primatas, e dos grandes, com um número gigantesco de
neurônios (100 bilhões) concentrados em pouco espaço”.
Contudo, a principal distinção entre o homem e o animal não se baseia no cérebro físico,
mas na mente que dirige esse cérebro, e no espírito que dirige essa mente.
A mente é dividida em duas porções. A inferior, de matéria mental densa, está ligada às
operações do ego – o “copo” da história acima – estando já em desenvolvimento nos
animais. Em razão disso, um cãozinho poodle é capaz de exibir comportamentos típicos de
humanos, como o ciúme. De natureza separatista, essa mente compara-se à fechadura da
nossa prisão de hábitos e pensamentos, repetindo atitudes errôneas indefinidamente.
Só o homem, contudo, possui a parte superior da mente – chamada “abstrata”, conectada à
nossa dimensão espiritual – por onde fluem as idéias mais avançadas, às vezes além das
palavras. Referindo-se aos seus insights, Einstein certa vez declarou: “Raramente penso em
palavras. Um pensamento vem e posso tentar expressá-lo em palavras, depois”. Nessa fonte
extraordinária, onde bebe o gênio, é que está nossa principal distinção como seres vivos:
somos espíritos individualizados (em lugar de “primatas” como diz Houzel), enquanto os
animais agem instintivamente como “almas-grupo”. Assim, os animais não têm escolha.
Nós temos.
Nas situações de perda, como a do jovem aprendiz, ou nas disputas por espaço (onde às
vezes agimos pior do que os animais), de fato não podemos ir para a condição do gênio ou
do santo instantaneamente. O próprio cérebro só reflete aquilo que “já é” em nós: o Ser.
Contudo, podemos nos libertar aos poucos da mente estreita – realizando também a
transformação do corpo físico e do emocional – na medida em que nos conectamos com a
dimensão espiritual: a chave para a saída de nossa prisão. Mais do que um lago, essa
dimensão é o próprio oceano dentro de nós mesmos.
1
Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.
Download