Roberto Segre

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Roberto Segre
João Diniz
Uma estética de vocação abrangente
1.- Historiografia, gerações e arquitetos
Quando se olha para a trajetória artística e arquitetônica de João Diniz vem à tona
a pergunta de como em menos de meio século de existência fez tanta coisa sem
perder a eterna juventude1, o entusiasmo e o otimismo que o caracterizam e
mantém renovado neste início de milênio. Isso pode ser explicado pelo fato de ter
vivido em um tempo muito acelerado  a segunda metade do século XX  e pela
coincidência de nascer no ano em que Juscelino Kubitschek lançava o Plano de
Metas, que pretendia fazer avançar o Brasil cinqüenta anos em cinco2, 1956. Este
ano, o “ano de Elvis Presley”, explica também a sua afinidade com a música:
desde pequeno já escutava Rock around the clock, os Beatles e as primeiras
notas de João Gilberto e de Milton do Nascimento. Pouco tempo depois, em 1958,
a seleção brasileira se sagra campeã mundial pela primeira vez, na Suécia, e
repete o feito mais três vezes nesse período em uma trajetória inédita no futebol
mundial. Na realidade, foi um período convulso cheio de mudanças  algumas
inimagináveis  como, por exemplo, o fim do “mundo socialista”; supostamente
caracterizado por uma paz duradoura com a presença do fórum da ONU, mas
marcado por uma sucessão de guerras “periféricas”  Coréia, Indochina, Egito,
Vietnam, Kuwait, e agora Afeganistão ; pelos vinte anos de ditaduras militares
na América Latina, e, ao mesmo tempo, pela esperança criada pela revolução
cubana e o mito do Che Guevara, pelo 68 em Paris e pelo retorno das
democracias no Continente nos anos oitenta.
1
2
Qualidade reconhecida internacionalmente quando em 1996 foi convidado como Arquiteto Animador no V
e VI Fórum Mundial de Jovens Arquitetos da UIA, França, e nomeado Vice-Presidente para o Brasil da
Federação Mundial de Jovens Arquitetos, sediada na França.
Boris Fausto, História do Brasil, Edusp, São Paulo, 1995, pág. 420.
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Diniz pertence a uma geração definida, genericamente, no final dos anos setenta,
como “pós-Brasília”3. Ou seja, uma geração constituída por um naipe de arquitetos
que, desde os anos oitenta, mantém uma certa unidade na procura de uma
linguagem expressiva das múltiplas condições ou determinantes da realidade
brasileira. Se, tradicionalmente, uma geração é definida por uma década ou duas,
no máximo, ainda não existe, até hoje, uma ruptura nas idéias e propostas que
começaram a se desenvolver com o fim da ditadura militar. Na realidade, resume
uma situação semelhante àquela que se produziu entre os anos trinta e sessenta,
na continuidade estética mantida entre o Ministério de Educação e Saúde, no Rio
de Janeiro, e o projeto de Brasília. Foi um período dominado pelos fundadores da
modernidade arquitetônica, com as suas diferenças e divergências: Lúcio Costa,
Oscar Niemeyer, Affonso Reidy, João Vilanova Artigas, Oswald Arthur Bratke,
Sylvio de Vasconcellos, e outros. Logo chegou o tecnocratismo associado com o
milagre econômico do período da ditadura, a proliferação dos prédios anônimos do
International Style, e finalmente a reação contra uma visão “unidimensional” e
esquemática  parafraseando Hebert Marcuse  do Movimento Moderno. A
geração pós-Brasília  a geração dos anos oitenta4  reagiu contra os dogmas
formais, funcionais e economicistas, e procurou novos caminhos compreendidos
entre o regionalismo e o postmodernismo.
Processo que teve uma significação particular em Belo Horizonte, cidade que
desde a sua criação por Aarão Reis, em 1897, sempre se voltou para a
modernidade sem esquecer o valor da tradição e a herança cultural do passado 5.
Logo após o interlúdio clássico e historicista em que se manteve até a década de
3
O termo surgiu no debate organizado pelo IAB do Rio de Janeiro, sob a presidência de Luiz Paulo Conde,
documentado nos Cadernos Arquitetura Brasileiro após Brasília/Depoimentos, publicados em 1978.
4
Esta geração ficou conhecida, nas artes plásticas, como Geração 80, após a exposição de mesmo nome
realizada no Parque Lage, no Rio de Janeiro, com os novos artistas, em sua grande maioria, contemporâneos
de Diniz.
5
Flávio de Lemos Carsalade, “Arquitetura e Memória”, AP Revista de Arquitetura No. 4, Belo Horizonte,
março-abril 1996, pp. 82-91. E a aceleração inerente á inovação que caracteriza a dinâmica mineira, segundo
Hugo Segawa em “A ‘pós-mineiridade’”, Éolo Maia, Jô Vasconcellos Arquitetos, Editora Salamandra, Rio
de Janeiro, 1995, pág. 157.
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30, nos anos quarenta com a iniciativa de Kubitschek e a presença de Oscar
Niemeyer, tentou-se de colocar a capital mineira no circuito da vanguarda cultural
e arquitetônica mundial. A criação de Pampulha (1940) como um subúrbio
moderno ideal e bucólico para a alta burguesia local precedeu as idéias
semelhantes que Luis Barragán, no Pedregal San Angel, na cidade do México, 6 e
Antonio Bonet, em Punta Ballena, Punta del Este, Uruguai,7 irão desenvolver em
1945. E introduz, ao mesmo tempo, o tema do Cassino “moderno”, que tinha tido
sucesso nas cidades dos Estados Unidos: Niemeyer, durante a sua estadia em
Nova York para construir o Pavilhão do Brasil na Feira Mundial do 1939, com
certeza visitou o Bem Marden’s Riviera, em Fort Lee, New Jersey, o cassino de
moda naqueles anos.8
A segunda fase da presença da modernidade acontece quando Kubitschek
imagina a possibilidade de mudar a estrutura horizontal original do sistema
habitacional da cidade por prédios altos de apartamentos: o conjunto JK
desenhado por Niemeyer em 1951, estabelece o ponto de partida do tema da torre
como componente simbólico dominante no skyline urbano ; os apartamentos de
porte médio, integrados com o design dos móveis assumidos da Unité d’Habitation
de Le Corbusier, que iriam mudar os hábitos provincianos da população de Belo
Horizonte, ainda identificados com a pequena casa individual9. Isto acontecia na
6
Emilo Ambasz, The Architecture of Luis Barragán, The Museum of Modern Arte, Nova York, 1976,
pág. 15.
7
Fernando Álvarez, Jordi Roig, Antoni Bonet Castellana 1913-1989, Ministério de Fomento, Madrid,
Colégio de Arquitetos de Cataluna, Barcelona, 1996, pp. 92-97.
8
A tese repetida por Niemeyer, de que teria feito em uma noite o projeto do Cassino de Pampulha atendendo
a solicitação de Kubitschek, soa inverossímil dada a complexidade do tema. Sem dúvida ele conhecia os
exemplos norte-americanos, em particular o Bem Marden’s Riviera de New Jersey (1937), que têm
componentes formais e funcionais semelhantes; assim como o Cassino Atlântico (1934), em Copacabana,
com fachadas curvas de linguagem racionalista. Outra referência aparece na marquise da entrada principal,
parecida com aquela colocada no prédio de apartamentos Highpoint One en Highgate, Londres (1933), por
Berthold Lubetkind. Jean Petit, Niemeyer poéte d’architecture, Fidia Edizioni d’Arte, Lugano, 1995, pág.
260; Robert A. M. Stern, Gregory Gilmartin, Thomas Mellins, New York 1930. Architecture and
Urbanism Between the Two World Wars, Rizzoli, Nova York, 1988, pág. 286; Berthold Lubetkind (19011990), DPA 12, Documents de Projectes d’Arquitectura, Barcelona, 1997, pág. 28.
9
Thaïs Velloso Congo Pimentel, A torre Kubitschek. Trajetória de um projeto em 30 anos de Brasil,
Secretaria de Estado da Cultura, Belo Horizonte, 1993, pág. 113; Carlos M. Teixeira, Em obras: história
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mesma época em que Reidy concebia o Pedregulho (1946), no Rio de Janeiro, e
Niemeyer, o conjunto Copan (1950) em São Paulo. Mas o desafio maior de
Niemeyer foi o sinuoso prédio de apartamentos introduzido no contexto eclético da
Praça da Liberdade10, cuja expressividade constitui um prenúncio das torres que
serão construídas nos anos oitenta e noventa pela nova geração de arquitetos á
que pertence Diniz.
A ruptura que eles estabelecem nas últimas duas décadas do século XX é
conseqüência da mudança da capital para Brasília. Desde a Revolução de Vargas
até o governo de Kubitschek (1930/1960), a elite intelectual mineira tem uma forte
articulação com Rio de Janeiro e São Paulo: Monteiro Lobato e Mário de Andrade
se entusiasmam com Belo Horizonte11; Alberto da Veiga Guinard transfere-se do
Rio para Minas; Gustavo Capanema, Carlos Drummond de Andrade, Abgard de
Castro Araújo e Afonso Arinos de Melo Franco migram para a capital. Na
arquitetura, Oscar Niemeyer articula o relacionamento triangular, com as
importantes obras que constrói nas três cidades12. Com a criação de Brasília e o
longo período da ditadura militar quebram-se as articulações: esvaziado das
funções administrativas e políticas do governo federal o Rio de Janeiro perde
importância no desenvolvimento arquitetônico; os recursos econômicos do
“milagre” se concentram em São Paulo que passa a assumir uma posição
hegemônica e adquire o caráter de metrópole do “Primeiro Mundo”; e Belo
do vazio em Belo Horizonte, Cosac & Naify Edições, São Paulo, 1999, pág. 206.
10
Gesto semelhante tiveram Ëolo Maia e Sylvio de Podestá ao projetar o Centro de Apoio Turístico Tancredo
Neves (1985), conhecido como “rainha da sucata”, que não deu certo, na sua ainda imatura linguagem
postmoderna. Sylvio de Podestá Projetos Institucionais. Escolas, museus, centros culturais, edifício sede,
centros administrativos, habitação popular, hotéis, clubes, AP Cultural, Belo Horizonte, 2001, pp. 32-37.
11
É curioso verificar que Monteiro Lobato comete um erro quando afirma em 1937 que “No continente
americano só existem duas cidades feitas sob medida, estudadas, calculadas, desenhadas no papel antes
de ser fixadas em cimento e tijolo: Washington e Belo Horizonte”. Esqueceu La Plata em Argentina e
Goiânia no Brasil. Carlos M. Teixeira, op. cit. , pág. 93.
12
Entre os anos 1950-1952, Niemeyer projeta em São Paulo o Conjunto COPAN, os prédio da exposição no
Parque Ibirapuera, a fábrica Duchen e o edifício California; no Rio de Janeiro, o Hospital Sul América e
várias casas; em Minas Gerais, vários prédios em Diamantina – hotel Tijuco, o Club Diamantina, Parque
Infantil Márcia Kubitschek –, e em Belo Horizonte, o conjunto JK, o Club Libanés, e a Escola Júlia
Kubitschek. Josep Maria Botey, OscarNiemeyer. Obras y Proyectos, G. Gili, Barcelona, 1996, pág. 238.
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Horizonte fica isolada no seu desenvolvimento cultural e construtivo. Justifica-se
então, a procura dos arquitetos de modelos e relacionamentos externos, além do
Brasil, como comenta o próprio Diniz: na América Latina, Estados Unidos e
Europa.
As vinculações entre periferia e centro, e vice-versa, caracterizam a dinâmica
arquitetônica no mundo a partir dos anos cinqüenta. Os estopins que deflagram
este processo foram a Capela de Ronchamp de Le Corbusier (1950-1954); as
primeiras obras de Louis Kahn, Eero Saarinen e Paul Rudolph nos Estados
Unidos; a influência de Aldo Rossi e Mario Botta seguidas pela crescente
presença dos arquitetos dos países da África, Ásia e América Latina. No
Continente, a reação contra o anonimato do International Style e os epígonos do
modernismo permitiram o surgimento de uma nova geração de arquitetos que não
só trabalhavam nas grandes cidades, mas também nas áreas periféricas. Na
Argentina temos Clorindo Testa, em Buenos Aires, e Miguel Ángel Roca, em
Córdoba; no Uruguai, Eladio Dieste desenhando em Durazno e também em Porto
Alegre; no Chile, Emilio Duhart em Santiago, e Edward Rojas em Chiloé; Rogelio
Salmona, em Bogotá, e Laureano Forero, em Medellín; Carlos Raúl Villanueva, em
Caracas, e Fruto Vivas, em Barquisimeto; Abraham Zabludovsky e Teodoro
González de Leon, na Cidade do México, e Alejandro Zohn em Guadalajara. Ou
seja, arquitetos produzindo em cidades do porte de Belo Horizonte, e buscando
uma linguagem “regionalista” ganham destaque nos Seminários de Arquitetura
Latino Americana (SAL) que integraram as experiências nacionais desde 1985 13.
No Brasil, os primeiros arquitetos que participaram nestos encontros
e nas
Bienais de Buenos Aires, organizadas por Jorge Glusberg, foram, entre outros,
Éolo Maia, Severiano Porto, Francisco de Assis Reis, e João Diniz.
Enquanto nos países hispânicos da América Latina, livros e revistas difundem as
obras dos arquitetos do sistema periférico, no Brasil, a presença dos profissionais
13
AAVV, Arquitectura Latinoamericana. Pensamiento y propuesta, Instituto Argentino de Investigaciones
de Historia de la Arquitectura y del Urbanismo, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad
Xochimilco, México D.F., 1991.
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de Belo Horizonte, à parte o esforço realizado localmente pelas fugazes Pampulha
e AP, ainda não teve a repercussão merecida. Na última edição (1999) do livro de
Yves Bruand14, não há nenhuma obra além daquelas produzidas por Niemeyer; os
arquitetos da geração dos oitenta  Éolo Maia, Álvaro Hardy, Jô Vasconcellos,
José Eduardo Ferolla, Gustavo Penna, Joel Campolina, Sylvio Podestá 
receberam uma breve referência no recente texto de Hugo Segawa, sem uma
avaliação das obras realizadas.15 Maior difusão gráfica ocorre no livro Arquitetos
do Brasil, com prólogo de Sérgio Bernardes, em que já se apresentan obras de
Diniz16. Além da presença cada vez maior nas revistas de circulação nacional 
Projeto e Arquitetura & Urbanismo , no final do século algumas publicações
estrangeiras exibiram prédios de arquitetos mineiros: Abitare em Itália; Arquine no
México e Arquitetura Panamericana no Chile17. Mas ainda falta uma avaliação
crítica integral da contribuição de Minas Gerais ao panorama atual da arquitetura
brasileira18.
2.- Serra, sertão, cidade, arte e sociedade
No seu mais recente livro, Flávio Carsalade19 define a importância do ecosistema
que caracteriza a região de Belo Horizonte: a Serra do Curral, linha divisória entre
o cerrado do sertão e a vegetação serrana que se desenvolve ao longo da Serra
do Mar. Uma natureza diversificada que integra a desenvolvimento amável das
14
Yves Bruand, Arquitetura Contemporânea no Brasil, Editora Perspectiva, São Paulo, 1999.
15
Hugo Segawa, Arquiteturas no Brasil 1900-1990, Edusp, São Paulo, 1997, pág. 194 e seg.
16
Sérgio Bernardes (Intr.) Arquitetos do Brasil, Editora Salamandra, Rio de Janeiro, 1995.
17
Arquitectura Panamericana No. 4, Federación Panamericana de Asociaciones de Arquitectos,
Santiago de Chile, maio 1996, “Arquitetura no Brasil: Depoimentos”; Abitare No. 374, Milão, junho de
1998, número monográfico sobre Brasil; Arquine No. 3, México D.F., primavera 1998, “Arquitectos y
obras: Brasil”.
18
Localmente foi elaborada uma primeira pesquisa que tenta de evidenciar o desenvolvimento da
modernidade na arquitetura mineira, mas, não desenvolve detalhadamente as experiências desenvolvidas
nas duas últimas décadas do século XX. Leonardo Barci Castriota, Arquitetura da Modernidade, Editora
UFMG, Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento MG, Belo Horizonte, 1998.
19
Flávio de Lemos Carsalade, Arquitetura: Interfaces, AP Cultural, Belo Horizonte, 2001, pág. 52
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colinas com matas e a dura extensão do sertão caracterizado por João Guimarães
Rosa. Nessa terra dura e ondulante que continha nas suas entranhas o brilho do
ouro e dos diamantes e a opacidade do ferro 20, longe do mar e das águas
profundas, a visão infinita da paisagem gera uma imagem cósmica e mítica, que
associa sentimento e paixão, elementos presentes no barroco mineiro. Contexto
natural distante da Macondo de García Márquez, ou das montanhas, da selva e do
deserto que identificavam os americanos no imaginário europeu 21. Sobre este
patamar se assenta o positivismo “comtiano” com os seus princípios de “ordem e
progresso”, identificados no território com a planta regular e geométrica da cidade
de Belo Horizonte, desenhada por Aarão Reis. Estabelece-se uma articulação
dialética entre razão e sentimento, exatidão e irracionalidade22; entre as ruas
retas, as diagonais oblíquas, e a sinuosa e indomesticável topografia. Contradição
evidenciada por Drummond de Andrade, surpreso com a implacável regularidade
do espaço urbano, tão alheio à imagem tradicional da cidade23.
A formação dos arquitetos mineiros está baseada sobre três elementos
essenciais: o genius loci do território; a racionalidade da estrutura urbana de Belo
Horizonte e a tradição arquitetônica barroca das cidades do século XVIII. Constitui
uma síntese marcante que não existe igual em outras regiões do Brasil. Como se
define, então, esta particularidade? A paisagem multiforme e diversificada gera
uma capacidade de adaptação a situações ambientais variadas, que define o forte
“regionalismo” da arquitetura, oposta à “globalização” anônima que caracteriza as
20
A presença do mineral poderia induzir a uma cultura dura e triste, segundo Carlos Drummond de Andrade,
que não foi o caso: “Confidência do Itaborano”, “Noventa por cento de ferro nas calçadas....oitenta por
cento de ferro nas almas...”
21
Franco Rella, “Rappresentare l’irrapresentabile”, Metamorfosi, Quatrimestrale di Architettura No. 3,
Roma, junho 1986, pp. 4-9.
22
Segundo Musil o conhecimento provem do inconciliável de estas duas polaridades contrapostas. Italo
Calvino, Seis propuestas para el próximo milenio, Ediciones Siruela, Madri, 1998, pág. 112.
23
Carlos Drummond de Andrade, “Ruas”, “Por que ruas tão largas?...Por que ruas tão retas?...Não sei
andar na vastidão simétrica implacável....cidade grande é isso?...Cidades são passagens sinuosas de
esconde-esconde....Aqui tudo é exposto..evidente..cintilante. Aqui obligam-me a nascer de novo,
desarmado...” , em Flávio Carsalade, “Arquitetura e Memória”, AP Revista de Arquitetura No. 4,
Belo Horizonte, março-abril 1996, pp. 82-91.
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imagens e espaços repetidos nas grandes metropóles desterritorializadas24. A
racionalidade do traçado urbano configura o rigor da tradição clássica e a
identidade estética-ética: a unidade e perfeição da forma geométrica associadas
ao funcionamento harmônico, à coerência e à integração da sociedade que habita
nela.25 Por último, a herança barroca cria a consciência da tradição, da história, e
de uma cultura artística baseada no interrelacionamento estreito das diferentes
manifestações  pintura, escultura, mobiliário, arquitetura , surgido das mútuas
influências entre a arte culta e a arte popular.
Cria-se, então, uma afinidade entre comunidade, arquitetos, artistas, poetas,
escritores, que mantém relações humanas e atitudes flexíveis frente à vida, que
permite uma diversidade de funções, atividades, e atitudes ainda relacionadas á
sociedade pré-industrial. Primeiro, o engajamento dos arquitetos com os
movimentos dos artistas plásticos, a música, o cinema, o teatro  o
relacionamento com o grupo Corpo de Belo Horizonte ; a possibilidade de atuar
nas diferentes escalas do desenho, desde o urbano até o industrial design;
compartilhar  como fez Carlos Antônio Leite Brandão  os projetos urbanos e
arquitetônicos com a elaboração de textos filosóficos, a direção teatral ou as
responsabilidades administrativas na Faculdade de Arquitetura. Tudo baseado no
desejo de transformar o real26, de melhorar a vida da comunidade, produzindo o
bene beateque vivendum (uma vida melhor e mais feliz) com a alegria surgida da
arte e a cultura social. Bem estar que não se consegue se não se atinge todas as
dimensões da vida. Acreditando nisto, Diniz criou na Escola de Arquitetura da
FUMEC a disciplina de “transarquitetura”, onde a experiência criativa do aluno é
24
25
26
Marc Augé, Non-Lieux. Introduction a une Anthropologie de la Surmodernité, Éditions du Seuil, Paris,
1992, pág. 130.
A herança clássica, e a articulação estética-ética são detonantes, leit motifs das contribuições teóricas,
críticas e filosóficas do arquiteto Carlos Antônio Leite Brandão, membro da turma dos “gambás” e autor
de um aprofundado estudo sobre a obra de Alberti: Quid Tum?. O combate da arte em Leon Battista
Alberti, Editora UFMG, Belo Horizonte, 2000.
É a força do desejo que produz o real; Gilles Deleuze, Félix Guattari, L’Anti-Oedipe. Capitalisme et
Schizophrénie, Les Éditions de Mínuit, Paris, 1973, pág. 34.
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baseada no inter-relacionamento de todas as manifestações culturais. Em vez das
certezas absolutas “cartesianas”, demonstrar a importância das incertezas e a
necessária articulação da razão e o sentimento no saber “dionisíaco”
27.
Como
conseqüência, o arquiteto é definido como uma personalidade aberta, sem
preconceitos, boêmia e bem humorada que identifica o grupo dos “gambás”,
fenômeno que desapareceu do Rio de Janeiro  com exceção de Oscar
Niemeyer28 e Paulo Casé , e mais ainda de São Paulo: o único boêmio é Paulo
Mendes da Rocha que nasceu em Espírito Santo. Atitude frente à vida que se
evidencia no caráter diminuto e artesanal dos escritórios, ainda românticos e
alheios ao produtivismo implacável do capitalismo avançado; e as maquinarias
economicistas de fazer projetos que caracteriza os escritórios do Primeiro Mundo,
e no Brasil, São Paulo.29
Por enquanto, João Diniz e a turma dos arquitetos da geração dos anos oitenta 
os “gambás” , se caracterizam pela importância do desenho na representação
da realidade e nas imagens primeiras dos projetos. Esta persistente recorrência ao
grafismo na vida quotidiana, nos viagens, nos riscos arquitetônicos presente nos
desenhos de João Diniz, Éolo Maia, Sylvio de Podestá, Saul Vilela, Gustavo
Penna, não ocorre com igual intensidade nos arquitetos de São Paulo ou Rio de
27
Michel Maffesoli, Elogio de la razón sensible. Una visión intuitiva del mundo contemporáneo, Paidós,
Barcelona, 1997, pág. 14: “Trazar las topografías de la incertidumbre y del azar, del desorden y de la
efervescencia, de lo trágico y de lo no racional, de todas las cosas incontrolables, imprevisibles, pero no
Por ello menos humanas”.
28
Marcos Sá Corrêa, Oscar Niemeyer, Relume Dumará, Rio de Janeiro, 1996. Era o espíritu que
caracterizava a vida profissional nos anos trinta: “Foi um dos períodos de maior preocupação profissional
que tivemos e também de desesperada boemia. O que prova,meu amigo, nada ter uma coisa contra a
outra. Trabalhávamos muito, mas sempre encontrando tempo para nos divertir tambén. O escritório se
enchia de gente: Vinicius de Moraes, Rodrigo, Carlos Leão, Carlos Euchenique, Luiz Jardim, Di
Cavalcant, Eça, Duprat....”.
29
Os escritórios de Éolo Maia, João Diniz, Sylvio de Podestá, Gustavo Penna e outros, não tem nada a ver
com as infraestruturas técnicas e organizativas dos grandes escritóricos paulistas: Carlos Bratke, Paulo
Bruna, Botti e Rubin, Vannuchi e Königsberger, Aflalo e Gasperini, etc. Além,que pouco tem de boemios
e benhumorados: uma demostração é a recente resposta de Carlos Bratke a Luiz Paulo Conde publicada
na revista Projeto No. 263, São Paulo, janeiro 2002, pág. 12.
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Janeiro, com exceção de Niemeyer.30 A diferença radica no fato que eles
pertencem ainda á Era Manual e não se identificam totalmente com a Era Digital.31
Cabe supor que a expressividade gráfica e pictórica se baseia tambem no íntimo
relacionamento dos arquitetos com os artistas locais, e com a particularidade da
integração das artes no período barroco, simbolizada pela obra de Aleijadinho. Em
Belo Horizonte desde o início da vanguarda moderna, nos anos trinta, o grupo de
jovens artistas da escola de Guignard  Amílcar de Castro, Alfredo Ceschiatti,
Franz Weissmann, Paulo Laender, George Hardy, e recentemente, nas obras de
Diniz, o escultor Jorge dos Anjos  participam, desde Pampulha com Niemeyer,
na inserção de obras de arte na arquitetura.
Este olhar sobre a realidade com uma visão dialógica, polifônica e carnavalesca 
parafraseando Mijail Bajtin , permitiu Diniz utilizar uma multiplicidade de técnicas
de representação, adequadas ao seu estado de ânimo ou ao tema assumido 
uma paisagem, um prédio, uma cidade, uma cena quotidiana , que abrange
desde o purismo linear assumido da lição de Niemeyer e Le Corbusier, até os
carregados cores de pastéis e grafites: o purismo geométrico do skyline de Nova
York com o perfil das torres do WTC; a visão dramática do sketch em preto e
branco da Torre Velazca em Milão32. Mas Diniz procurou também a técnica
fotográfica para captar as dinâmicas imagens da realidade urbana e dos seus
habitantes. Admirador de Henri Cartier Bresson encontrou na fotografia o caminho
para compreender melhor o significado da arquitetura como performing art, em
constante transformação, no seu relacionamento com o contexto urbano. A
procura do objeto, da luz, das cores, da atmosfera, do detalhe, do movimento na
30
João Diniz, Sylvio Emrich de Podestá, Desenho de Arquiteto, AP Cultural, Belo Horizonte, 1997; Saul
Vilena, Arquitetura. Inversus, AP Cultural, Belo Horizonte, 1999.
31
Tom Wolfe, Ficar ou Não Ficar , Rocco, Rio de Janeiro, 2001, pág. 82. Na relidade Diniz entrou na “Era
Digital” não somente vía o CAD, mais principalmente pela música. Com a ajuda do compuador, em 2001
gravou o CD “Octopus”, que ele chamou de musicarquitetônica.
32
Escreve Diniz: “A linha...do raciocínio direto...a linha do horizonte...a linha da vida...a linha melódica....
no gesto solto do vento, a linha infinita...”, em João Diniz, Sylvio Emrich de Podestá, op. cit. , pág. 5.
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rua e os seus personagens33, foram documentados em dois livros publicados entre
1979 e 1981: Com Vidro nos Olhos e Fotovida, com textos poéticos de Carlos A.
Brandão e Murilo Antunes. A visão de Diniz, integrada no movimento fotográfico
de Belo Horizonte  com Eustáquio Soares e Odilon de Araújo  , não se
limitava a uma percepção estética, mas aprofundava nas contradições sociais
presentes na cidade, já então caracterizada pela triste e extendida suburbia.34
O relacionamento com a cidade é estabelecido em dois níveis: o das intervenções
no espaço histórico, na malha criada por Aarão Reis, e o da inserção de prédios
na dura suburbia. A atitude de Diniz é de grande respeito pela herança histórica da
cidade, sem negar a necessidade de uma assimilação de formas do universo da
contemporaneidade. No projeto do mobiliário urbano colocado na tradicional
avenida Assis Chateaubriand para a Casa Cor Minas 1996, propõe uma seqüência
de leves estruturas metálicas que suportam lâminas curvas coloridas de acrílico
iluminadas  em uma evidente influência das obras no Porto de Barcelona de
Piñón e Viaplana , que protegem os bancos para o descanso do pedestre que
circula na rua. A mesma leveza e a intenção de mudar o espaço público com a luz
e a cor, aparece no design dos elementos identificadores das lojas de calçado
Arezzo(1995), em Belo Horizonte, e em todo o país, onde os elementos modulares
das prateleiras aparecem suspensos no ar delimitados pelo ritmo das torres de
luz35. O conceito de espaço público com ambiente de convívio caracterizado por
elementos simbólicos e funcionais está presente no projeto para a Alameda das
33
Aldo Rossi teve uma percepção semelhante quando escreveu: “Por otra parte, los sastres, los
decoradores, los fotógrafos de moda, me parecían uma fauna variopinta que no tenía nada que ver con lo
irracional y fantástico.....Así la casa y el barrio de Belo Horizonte, lleno de vida, de calor, de calda vita,
repetía el mismo ritmo de las catedrales barrocas y permitía que las cosas ocurrieran...”, Aldo Rossi,
Autobiografía Científica, Gustavo Gili, Barcelona, 1998, pág. 66.
34
Os textos de Brandão acompanhavam esta percepção: “...por isso eu peço a este mundo...menos
ausência..menos omissão...a quem luta para amar...”. João Diniz, Carlos Antônio Brandão, Com vidro
nos olhos, Centro Cultural Universitas, Belo Horizonte, 1980, pág. 54.
35
É uma interesante coincidência que também Le Corbusier desenha em 1937 um sistema modular para as
lojas de calçado Bat’a, a pedido do industrial checoslovaco Thomás Bat’a . Jacques Lucan, Le Corbusier.
Une encyclopédie, Centre National d’Art et de Culture Georges Pompidou, Paris, 1987, pág. 62.
Pág 12
Palmeiras e na rua Rio de Janeiro elaborados na equipe de Álvaro Hardy para o
concurso de 1989 sobre o resgate do centro da cidade36.
O surgimento do espaço cinza do subúrbio e da área metropolitana extendida37,
desenvolvida aceleradamente nos anos oitenta com o assentamento industrial,
criou um território ausente de todo controle sobre a qualidade do ambiente urbano.
Diniz, em duas pequenas indústrias procura estabelecer pontos estéticos
significativos, que mudem as regras do jogo da especulação arquitetônica e do
elementar funcionalismo alheio ás particularidades do contexto circundante. Nos
prédios da Indústria Patachou (1990), no bairro de Santa Teresa, e na fábrica
Eliana Queiróz (1991), no Bairro Parque Copacabana, o tratamento da esquina
assume o valor essencial do relacionamento do prédio com a escala urbana: na
primeira, o volume côncavo sobre pilotis acompanha o fluxo de veículos e
pedestres, deixando livre o térreo; na segunda, a curva convexa do muro limite do
prédio reconhece a forma circular da praça situada na frente da fábrica. Pode-se
falar, até o momento, de uma integração entre arquitetura e urbanismo, no
conjunto habitacional “Residencial Gameleira” (1994). Diniz cria uma solução
original de blocos residenciais para população de baixa renda, estruturando-a
linearmente como um limite que acompanha a separação existente entre as
favelas dos Embaúbas e a nova área industrial da cidade. Esta fronteira está
marcada por uma imagem forte de volumes cinzas de blocos de cimento que
conformam uma muralha colorida, que lembram as bastides medievais. Essa
dureza na percepção à distância é compensada pela qualificação do espaço
existente entre os blocos  a rua interna arborizada que aproveita a topografia
ondulante, onde se articula a vida social e o lazer dos moradores do 180
pequenos apartamentos. Premiado pelo IAB/MG em 1997, o conjunto demonstrou
36
Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, BH Centro. Novos horizontes para um centro urbano, Belo
Horizonte, 1989.
37
Roberto Luís de Melo Monte-Mor, “Belo Horizonte: a cidade planejada e a metróple em construção”, em
Belo Horizonte: espaços e tempos em construção, PBH, Cedeplar, Belo Horizonte, `994, pp. 11-27.
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a possibilidade de construir moradias de custo reduzido com tipologias inovadoras,
evitando repetir o esquema anônimo das casinhas individuais.38
Outra iniciativa de dimensão territorial em que participa Diniz é o Projeto
Sensações (1992), organizado pelo pintor George Hardy e pelo arquiteto Álvaro
(Veveco) Hardy, na Serra do Cipó, a 90 Km. de Belo Horizonte. A proposta era
criar um centro artístico, cultural e arquitetônico de escala regional com a
participação de arquitetos prestigiados  Diniz, Cid Horta, Gustavo Penna, Éolo
Maia, Álvaro Hardy, Maritza Machado Coelho e outros  associados aos artistas
plásticos  Paulo Loender, Jorge dos Anjos, Amílcar de Castro, George Hardy,
Máximo Soalheiro, Marta Iglesias, Fernando Navarro, Rafael Capell e outros 
para desenhar as cabanas que configurariam o povoado, além dos prédios para
atividades sociais. O percurso ao longo de vários municípios, para se chegar ao
conjunto, seria marcado por grandes esculturas, conformando uma via artística.
Esta iniciativa lembra a procura da “estetização da vida” que se tentou atingir nos
“anos de fogo” da Revolução de Outubro em Rússia, ou nos objetivos do Bauhaus,
quando Gropius falava do desenho que devia abranger desde a colher até a
cidade. Experiências também presentes na América Latina, na integração das
artes na Cidade Universidade de Caracas de Carlos Raúl Villanueva; nas
esculturas do caminho da Revolução em Santiago de Cuba, e na integração entre
natureza, arquitetura e cultura na Cidade Aberta de Ritoque, em Valparaíso 39, no
Chile. Diniz, associado ao escultor Jorge dos Anjos, desenha uma cabana
“primitiva” que valoriza a expansão do espaço interior nos seus dos níveis  a
mesma concepção que em uma pequena sauna projetada por Diniz , cobre os
muros de relêvos geométricos de Jorge, que lembram as pictografias dos
primitivos povos africanos.
38
39
João Diniz, “Habitação popular: o desafio da qualidade, enfatizando as dimensões plástica, tecnológica e
econômico-social, Projeto-Design No. 196, São Paulo, maio 1996, pp. 52-57.
Roberto Segre, Arquitetura e Urbanismo da Revolução Cubana, Nobel, São Paulo, 1997; América Latina
Fim de Milênio. Raízes e Perspectivas da sua Arquitetura, Studio Nobel, São Paulo, 1991.
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3.- Sonhos e casas; torres e utopias
Desde o homem primitivo, a cabana e a torre são dois tipos elementares que
persistem ao longo da história da Humanidade. Por uma parte, Rykwert,
Baudrillard, Freud e Heidegger demonstraram a identificação da casa com ventre
materno, o morar sobre a Terra, a tumba e o Cosmos40; por outra, a Torre de
Babel que simbolizou sempre a união das civilizações no mundo, foi destruída
porque Deus, ao criar as línguas, provocou a incomunicabilidade entre os homens
que á construíam. As ancestrais divergências entre Oriente e Ocidente foram
radicalizadas por Osama Bin Laden, ao derrubar as torres do World Trade Center
em Nova York, no 11 de setembro de 2001: na realidade a concórdia universal
nunca existiu, e por enquanto, os seus símbolos tampouco.41
Belo Horizonte não escapa a presença desta dualidade: as casas individuais
aparecem no projeto de Aarão Reis, no bairro dos Funcionários 42, e logo se
espalham sobre o território, sobem as colinas e a Serra do Curral. Além da
identificação com a criatividade e a imaginação dos arquitetos e os sonhos e os
desejos dos clientes, as casas mineiras têm uma forte marca do genius loci,
definido pela topografia acidentada da região, e da tradição histórica do sistema
habitacional das cidades coloniais do século XVIII43. Quando nos anos trinta, a
40
Joseph Rykwert, La casa de Adán en el Paraíso, Gustavo Gili, Barcelona, 1974; Gastón Bachelard, La
poética del espacio, Fondo de Cultura Económica, México D.F. 1992; Martin Heidegger, “Edificar, Morar,
Pensar”, Boletín del Centro de Investigaciones Históricas y Estéticas No. 1, Facultad de Arquitectura
y Urbanismo, Universidad Central de Venezuela, janeiro 1964, Caracas, pp. 64-80; Sigmund Freud, El
malestar de la cultura, Alianza Editorial, Madrid, 1994, pág. 22.
41
Roberto Segre, “La emoria mutilada. El WTC como signo de fragilidad urbana”, em Arquitectura Viva
No. 79-80, Madri, julho-outubro 2001, Número monográfico dedicado ao WTC, pp. 96-99.
42
Luiz Mauro do Carmo Passos, A Metropóle Cinqüentenaria. Fundamentos do saber arquitetônico e
imaginârio social da cidade de Belo Horizonte (1897-1947), Tese de Mestrado, Faculdade de Filosofia e
Ciencias Humanas, UFMG, Belo Horizonte, 1996, pág. 194; Beatriz de Almeida Magalhães, Rodrigo
Ferreira Andrade, Belo Horizonte. Um espaço para a República, Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte, 1989.
43
As casas individuais se transformaram para os arquitetos “gambás” em um laboratório experimental que
os permitia articular os determinantes locais com as contribuições da vanguarda internacional. Sylvio E.
de Podestá, Casas, AP Cultural, Belo Horizonte, 2000.
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cidade se integra ao processo nacional de modernização produtiva, administrativa
e arquitetônica, os prédios altos começam a florescer no centro da cidade,
mudando o skyline tradicional: as duas torres do edifício Sulacap/Sudameris de
Roberto Capello (1941)44 constituem ainda os ícones desta transformação, que
não só atingiu os usos comerciais e administrativas, mas rapidamente configurou
a tipologia dos prédios de apartamentos45. Estes avanços e a rápida presença das
inovações tecnológicas na construção, têm a ver a utilização do aço, produzido
nesta região pela primeira vez no Brasil.
As casas de Diniz se dividem em três vertentes lingüísticas; o uso do vocabulário
vernáculo, como na Casazul (1994) e na casa Terra (1993); a liberdade formal e
compositiva da herança pós-modernista, na Casabaeté (1990); na casa Lô Borges
(1997) e na casa Vila Alpina (1999); e o uso dos elementos high tech na Casa
Serrana (2000). O princípio que estabelece a conexão entre as diferentes
concepções formais é a continuidade e a integração dos espaços interiores,
criando pé direitos duplos nas salas de vida social, escadas transparentes que
estabelecem uma dinâmica diagonal na caixa mural e a luminosidade variável
controlada por pérgulas, galerias e brise-soleil. A Casa Serrana aproveita a
linearidade da estrutura de aço e as grandes superfícies de vidro para integrar os
espaços interiores com a densa floresta que a circunda. Praticamente suspensa
no ar pelo balanço da estrutura, essa casa se relaciona com as experiências do
arquiteto venezuelano Fruto Vivas e com os exercícios compositivos de Peter
Einsenman na casa El even Odd (1980).46
44
Carlos Antônio Leite Brandão, “Arquitetura Verical”, em Carlos Antônio L. Brandão, Jomar Bragança de
Matos, Gaby de Aragão, Arquitetura Vertical, AP Cultural, 1992, pág. 12.
45
Luiz Mauro do Carmo Passos, Edifícios de Apartamentos. Belo Horizonte 1939-1976: formações e
transformações tipologicas na arquitetura da cidade, AP Cultural, Belo Horizonte, 1998.
46
Kurt Foster, “Eisenman em despliegue”, AV Monografías No. 53 (1995), Peter Eisenman, Madrid,
pp. 10-19.
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A década de oitenta foi o grande boom dos arranha-céus em Belo Horizonte, que
superou, em qualidade e expressividade, o período anterior dos anos cinqüenta,
na época do desenvolvimentalismo de Kubitschek. No espaço central, e ao longo
da Avenida do Contorno, as formas ousadas e livres de Flávio Almada, Éolo Maia
& Jô Vasconcellos, Sylvio de Podestá, José Eduardo Ferolla, Alberto Dávila, Flávio
Lemos Carsalade e João Diniz criaram, o que denominei de “a cidade das
torres”47. Ainda que cada arquiteto tenha desenvolvido uma linguagem própria, as
torres tiveram um denominador comum: a altura uniforme que não superava os
vinte andares e a rejeição total ao modelo International Style, identificação com a
rígida modulação da estrutura de aço, e fachadas curtain wall de vidro espelhado
muito difundidas nos Estados Unidos.48
As torres de Diniz se integram na cidade com os outros arranha-céus  por
exemplo o diálogo na Avenida do Contorno entre o a torre Capri e o Officenter de
Éolo Maia e Jô Vasconcellos , conformando um sistema de ícones
arquitetônicos de forte expressividade plástica, retomando aquele caráter
identificador que caracterizou os prédios públicos historicistas e acadêmicos da
Belo Horizonte de Aarão Reis. Na realidade, o conceito desenvolvido foi
semelhante a um câmbio de escala, adequando os símbolos à nova dimensão
metropolitana: criar em contraposição á malha urbana sem caráter, múltiplos
elementos pontuais de forte significação estética visíveis nas duas escalas de
percepção: de longe e de perto pelo pedestre que percurre a cidade. 49 Como eles
estão disseminados em uma área extensa da cidade, não se estabelece uma
47
Roberto Segre, “La ciudad de las torres” , Obras. Panorama de la Construcción No. 325, Ano XXVII,
México D.F., janeiro 2000, pp. 66-69.
48
Tomás Maldonado identificó o significado negativo das grandes superficies de espelhos nos arranha-céus
americanos: “a “casa dos espelhos”, é a versão do famoso ‘dispositivo de vigianca’ teorizado por Foucault.
....Olhar sem ser olhado, perceber sem ser percebido, contralar sem ser controlado.....A fachada de espelho
nega a identidade, ou seja, a forza de identificação do prédio: todo reflete e todo é refletido”. Tomás
Maldonado, “Rascacielo: casa del espejo”, Casabella no. 457-458, Milão, abril-maio, 1980, pág. 13.
49
É a tese de Paul Valéry, de identificar a qualidade estética do prédio, no contexto anónimo da cidade. Paul
Valéry, “Eupalinos ou l’Architecte” em Eupalinos. L’ame et la danse. Dialogue de l’arbre, Gallimard,
Paris, 1944, pág. 35. “Dis-moi (puisque tu es si sensible aux effets de l’architecture), n’as-tu pas observé,
En te promenant dans cette ville, que d’entre les édifices don’t elle est peuplée, les uns sont muets; les
outres parlent; et d’autres enfin, qui sont les plus rares, chantent?.”
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superposição ou uma reiteração de imagens como acontece em Nova York ou em
São Paulo. À distância, cada um deles mantém a própria identidade, em um
diálogo criativo com o contexto. Além disso, não existe uma imagem coorporativa
associada à empresas nacionais ou internacionais: a artisticidade do prédio tem a
ver mais com a personalidade dos arquitetos que com a procura de uma
identificação de griffe. Entre elas teria sido difícil para Bin Laden achar em Belo
Horizonte um único alvo simbólico em destaque do capitalismo avançado: o mais
evidente continuava sendo a inexpressiva torre de 36 andares do JK de Niemeyer.
Nos dois prédios altos mais conhecidos da obra de Diniz  o edifício Capri (1992)
e o Omni Center (1994)  , a proposta essencial é assumir a leveza da estrutura
de aço sem valorizar a caixa como componente maciço do volume alto. A forma é
desagregada em uma série de componentes diferenciados  estreitos volumes
verticais furados, superfícies de vidro marcadas pelo ritmo de elementos metálicos
que protegem os aparelhos de ar acondicionado, formas livres na cobertura, fortes
cores e figuras geométricas insólitas para as janelas  que, além de identificar a
torre no contexto de prédios anônimos circundantes, transforma a percepção do
observador no seu percurso ao longo da cidade em um processo dinâmico e
complexo.50 Na torre Capri, as janelas triangulares estão referidas às barras
transversais da estrutura, que Mies sempre tentou ocultar, e só deixou á vista no
Chicago Convention Hall (1953-1954) 51. Nos prédios mais recentes como a Scala
Work Center (1998), a Golden Tower e o Savassi Apart Hotel (1999), Diniz tenta
uma decomposição volumétrica que identifica as diversas funções do prédio,
procurando sempre o relacionamento com as ruas e o espaço urbano.
A experiência sintetizada neste livro é uma demonstração do amor de Diniz pela
cultura ambiental e pela criação de formas e espaços que permitam o bene
50
Diniz cumpre com alguns dos princípios essenciais estabelecidos por Roger Scruton para identificar a
particularidade da arquitetura contemporânea: Roger Scruton, “Principios arquitectónicos em una edad
de nihilismo”, Composición Arquitectónica. Art & Architecture No. 5, Bilbao, fevereiro, 1990, pág. 93.
“La primera constante es la escala, la relación del edificio con el hombre de la calle. La fachada debe
mirarnos y comunicarse con el observador.”
51
Phyllis Lambert (Edit), Mies in America, Harry N. Abrams Inc. Publishers, Nova York, 2001, pág. 463.
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beateque vivendum que, desde Leon Battista Alberti, é o objetivo dos arquitetos:
humanizar o mundo integrando ética e estética e construir “uma arquitetura
comprometida com esse mundo público junto ao qual ela pretende ver
compreendidas as mensagens simbólicas, históricas e pedagógicas abrigadas em
suas formas”52. Neste novo século XXI, que se apresenta com previsões de futuro
pessimistas  Nietzsche falava “de uma época de eclipse total de todos os
valores” , com o predomínio da globalização econômica e a imposição sobre
nossa América dos modelos consumistas do Primeiro Mundo, a luta de João Diniz
e dos arquitetos de Belo Horizonte para salvaguardar a própria cultura e
identidade, sem renunciar à dinâmica da vanguarda e o compromisso com a
contemporaneidade, é um exemplo significativo e valioso, para o Brasil e para
toda América Latina.
Roberto Segre
Rio de Janeiro, fevereiro 2002.
Festas do Carnaval
Agradeço á colaboração dos Professores Arqs. e Msc. Andréa Borde e José Barki
do PROURB/FAU/UFRJ pelas sugestões e correções feitas no texto.
52
Carlos Antônio Leite Brandão, “Arquitetura e o seu combate. Aula inaugural do curso de arquitetura na
UFMG (1999)”, em Saul Vilela, Arquitetura, Inversus, AP Cultural, Belo Horizonte, 1999, pp. 185-196.
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