PROJETO DOCUMENTA, GRAMMATICAE ET HISTORIAE: A

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PROJETO DOCUMENTA, GRAMMATICAE ET HISTORIAE: A
METALINGUAGEM GRAMATICAL NA TRADIÇÃO DESCRITIVA DO
TUPINAMBÁ (SÉCULOS XVI-XX)
CRISTINA ALTMAN, OLGA COELHO, ALEXANDRE OLIVEIRA, ALVARO MIYAZAWA,
FERNANDO MACENA, JULIA DE CRUDIS, PATRICIA BORGES, RENAN VIANI, ROBERTA
RAGI, STELA DANNA, THIAGO MUNIZ E VITÓRIA COHN
(Universidade de São Paulo)
1. INTRODUÇÃO
Este texto tem por objetivo apresentar resultados parciais do Projeto Documenta
Grammaticae et Historiae – Projeto de Documentação Lingüística e Historiográfica,
em desenvolvimento pelos pesquisadores do Centro de Documentação em
Historiografia Lingüística da Universidade de São Paulo, (CEDOCH/DL-USP/ CNPq ),
no que diz respeito à tradição descritiva do Tupinambá/Nheengatu, no período
compreendido entre os séculos XVI e o início do século XX.
Uma das direções do Projeto Documenta está diretamente relacionada à vocação
do CEDOCH, ao qual cabe facilitar materiais para a pesquisa lingüística
contemporânea. Nesse sentido, o Documenta visa a selecionar, catalogar, organizar,
digitalizar e disponibilizar, em meio eletrônico, corpora representativos da tradição
gramatical ibérica. Uma segunda direção do Documenta é reconstituir, em forma de
léxico, a metalinguagem gramatical utilizada em documentos dessa tradição, a partir da
elaboração de um dicionário histórico a ser igualmente disponibilizado em meio
eletrônico.
Para este trabalho, especificamente, optamos por apresentar os resultados
obtidos, até o momento, no estudo da tradição descritiva do Tupinambá/Nheengatu.
Com esse objetivo, dividimos esta exposição em três seções, a saber: formação do
banco de textos e caracterização das obras que nos serviram de corpus; contextualização
da produção/ recepção dos textos selecionados; apresentação dos critérios de
levantamento da metalinguagem descritiva nessa tradição.

Uma primeira comunicação oral dos resultados aqui publicados foi apresentada pela equipe do CEDOCH
no XXXIII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e
Língüística (XXXIII ANPOLL), durante as atividades do Grupo de Trabalho de Hitoriografia Lingüística
Brasileira, em 3 de julho de 2008, na Universidade Federal de Goiás.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. Formação do banco de textos e caracterização do corpus
Coube-nos, de início, a tarefa de seleção e localização das fontes que
constituiriam
o
primeiro
banco
de
textos
do
Documenta.
Selecionamos,
prioritariamente, as primeiras edições de obras representativas da tradição descritiva do
Tupinambá/ Nheengatu. Utilizamos, para isso, os catálogos on line das principais
bibliotecas do país, dentre as quais a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BN), a
Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo (MA), as Bibliotecas da Universidade de
São Paulo (FFLCH-USP) e do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), também da USP,
da Universidade de Campinas (UNICAMP) e da Universidade Estadual de São Paulo
(UNESP). Foram utilizados também catálogos de bibliotecas estrangeiras, como os da
Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) e da Biblioteca Nacional Francesa (BNF), por
razão da possibilidade da existência de exemplares fora do Brasil, conforme o país de
origem do autor (cf. Quadro I adiante).
A etapa seguinte, de digitalização das fontes, foi executada com poucas
variações no que diz respeito ao tratamento de cada obra. Conforme a proposta do
Documenta, foram fixadas as primeiras edições das gramáticas pertencentes à tradição
lingüística em foco. Assim, as superfontes1 Anchieta 1595, Figueira 1621, Vocabulário
da Língua Brasílica (VLB) (cf. Ayrosa 1938[1622]; Anônimo s/d (Códice 69 de
Coimbra), Anônimo 1751, Anônimo 1771 (cf. Barros & Lessa 2008[1771], Anônimo
1795 (cf. Ayrosa 1934[1795], Rodrigues 1890, Couto de Magalhães 1876, Faria 1858,
Gonçalves Dias 1858, Guimarães 1851, Sympson 1877 e Stradelli 1929 foram as
edições selecionadas para a digitalização. Nos casos de Hartt 1872 e Tastevin 1910,
foram escolhidas edições posteriores, de 1937 e 1923, respectivamente, por serem
traduções em português das superfontes em inglês e francês.
Com a conclusão da digitalização, iniciou-se o processo de digitação e revisão
do banco de textos, etapa que teve como produto final o material que atendia à segunda
direção do Documenta: a constituição de um dicionário histórico de metatermos
gramaticais para sua poterior disponibilização on-line.
1
Por ‘superfonte’ designamos o documento matriz de edições posteriores que nem sempre coincidem
quanto ao título, ou mesmo quanto à autoria, mas que reproduzem, basicamente, um mesmo conjunto de
dados.
Para esse fim, foram excluídas da etapa de digitação as obras que, após um
exame inicial, revelaram não conter, do ponto de vista quantitativo, material
significativo para a produção do dicionário. Excluímos desta tarefa, por essa razão, o
VLB (XVI), os dicionários Anônimo 1771, Anônimo 1751, Anônimo 1795, Anônimo
s/d.; e os capítulos de Couto de Magalhães 1876 e Rodrigues 1890 que tratavam de
aspectos exclusivamente culturais, econômicos, geográficos e/ou mitológicos dos povos
indígenas brasileiros. Nesses casos, a busca de termos gramaticais erá feita
manualmente.
A digitação dos demais textos foi, de modo geral, conservadora, mantendo,
rigorosamente, a grafia, a acentuação, o espaçamento entre palavras e a pontuação
originais. Nos raros casos em que isso não foi possível, substituímos o símbolo original,
utilizado pelo autor, por um símbolo semelhante. Couto de Magalhães 1876, por
exemplo, por buscar um método original de representação, utilizou freqüentemente
caracteres nem sempre reproduzíveis pelos programas de edição de textos de que nos
valemos (Cf., por exemplo, sua representação da vogal /a/ nasal e tônica , que
reproduzimos como ấ). Neste e em outros casos semelhantes, assinalamos, de forma
consistente, cada adaptação por nós efetuada na pasta de arquivos referente ao
documento digitado em questão. O confronto desta adaptação com a versão digitalizada
permitirá ao pesquisador recuperar, facilmente, a representação original do autor.
Na marioria dos casos, entretanto, inclusive do próprio Couto de Magalhães
(1876), conseguimos manter as formas originais da obra. Observe-se: “[as vogais a, e e
o] quando fechadas levarão um ponto em baixo, assim: ạ ẹ ọ” (Couto de Magalhães
1876; parte I:2, grifo nosso). Ou ainda o uso do caractere ſ, utilizado em final de sílaba,
ou entre vogais, nos textos dos séculos XVI e XVII, como em diſpoſição ou foſſe
(Figueira 1621, Aprovação: 1), que também mantivemos como no original.
2.2. Contextualização da produção / recepção dos textos selecionados
Selecionadas as obras segundo os critérios já explicitados, iniciamos a leitura
atenta dos textos (principalmente prefácios, prólogos, advertências etc) e recorremos,
quando necessário, a fontes secundárias, muitas vezes indicadas pelos próprios autores,
ou a outras edições das próprias obras, teses e artigos sobre os materiais constitutivos do
corpus, tendo em vista um primeiro desenho do seu contexto de produção e recepção. A
partir dessa pesquisa, foram elaboradas fichas descritivas a respeito de cada autor e de
sua respectiva obra. Essas fichas contêm informações detalhadas sobre o autor; a obra
selecionada; o número/ data/ local das edições posteriores; os objetivos e motivações do
autor com relação a sua obra; a estrutura da obra e a bibliografia secundária
correlacionada.
QuadroI -resumo do banco de textos da primeira fase do Projeto Documenta
SUPERFONTE 1ª. ed
FONTES
LOCALIZADAS
IMAGEM (ORIGINAL)
ED. DIGITADA
Anchieta 1595
1990[1595] scanner
CEDOCH (link BN RJ)
1621 foto IEB
CD/ BN
1990[1595]
Anônimo s/d
1595;1874; 1876; 1933;
1946; 1980; 1990
1621 (IEB); 1687 (IEB);
1754; 1795; 1851; 1878
(IEB); 1880 (FFLCH,
IEB); 1899
Ayrosa 1938[1622]
Drummond 1952[1938] e
1953[1938]
Coimbra: Códice 69
Anônimo 1771
Coimbra: MS 81
Anônimo 1751
BN ms I-1,1,14
Anônimo 1795
Ayrosa 1934[1795]
(FFLCH)
Figueira 1621
VLB séc XVI
Anônimo s/d
Couto de Magalhães
1876
Faria 1858
Gonçalves Dias 1858
Guimarães 1851
(v. Figueira 1621)
Hartt 1872
Rodrigues 1890
Sympson 1877
Tastevin 1910
Guimarães 1854
(BN 97,3,17)
BN 10,1,10
Microf. CEDOCH/
scanner CEDOCH/ CD
Microf. CEDOCH/
Magalhães 1985
CDROM/ Barros & Lessa
2008
Microf. CEDOCH/
scanner CEDOCH
1621
Versão apenas
digitalizada
Magalhães 1985
Versões apenas
digitalizadas
-----
1876 (FFLCH, MA);
1935(FFLCH); 1940
(FFLCH);1975 (FFLCH)
1858 (IEB)
1876 (FFLCH)
foto CEDOCH
1876
parcialmente
1858 (IEB)
1858
1858 (FFLCH); 1921;
1959; 1965 1970; 1983;
1998
1965; 1970
1858 foto FFLCH
1858
1851 foto IEB
1851
1872 (NY); 1937 (BN/RJ,
FFLCH)
1890 (IEB); 1961
1937 (FFLCH)
scanner CEDOCH
1890 foto IEB
1937
1877 (IEB, FFLCH)
1925 (MA)
1955, 4ª. (MA)
2001, 5ª. (BN, IEB)
1910 (BNF)
1923 (FFLCH)
1929
1925 (MA) e algumas
folhas 1877 (FFLCH)
scanner
1890
parcialmente
1925
1923 (FFLCH) scanner
1923
CEDOCH
Stradelli 1929
1929 (IEB) scanner
1929
CEDOCH
Fonte: Altman, Cristina 2006, coord. Projeto Documenta Grammaticae et Historiae. CEDOCH-DL/USP.
Os dados obtidos por esse levantamento nos permitiram periodizar os materiais
em dois grupos: o primeiro, referente ao período que chamaremos de ‘missionário’, e o
segundo, referente ao II Império.
O primeiro período leva o título de ‘missionário’ pelo fato da maioria de seus
autores serem jesuítas portugueses missionários. Como se sabe, a obra que inaugura
esse período missionário é a do Padre José de Anchieta (1534–1597), que, embora traga a
data de 1595, provavelmente começa a ser elaborada por volta de 1560, época em que
as terras brasileiras começavam a ser exploradas, o que tornava a comunicação com os
nativos imprescindível. Com efeito, observe-se o comentário do próprio Anchieta:
Todavia tenho toda a maneira dela [da língua Tupi] por arte, e para mim tenho
entendido quase todo o modo dela. Não a ponho em arte, porque não há quem
aproveite. Somente aproveito-me eu dela, e aproveitar-se-ão os que de lá vierem,
que souberem gramática. (Anchieta 1984[1555]:88.)
Embora não haja evidências diretas de que Anchieta, ou Figueira, ou o autor anônimo
do século XVIII tenham especificamente se baseado em um determinado modelo, o que
estudiosos geralmente admitem (cf. Zwartjes 2002, Rosa 1995, Tashiro 2003) é que a principal
referência dos missionários-lingüistas da tradição portuguesa2 tenha sido o De Institutione
grammatica, 1ª. ed de 1572, de Manuel Álvares, S. J. (1526–1582), escrita sob encomenda para
a Ordem, embora não se possam descartar outras possibilidades, como a gramática de Johannes
Despauterius (c.1460–1520), que logo substituiria a de Álvares na preferência dos jesuítas
(Zwartjes 2002: 29).
Ainda que os interesses das Américas Espanhola e Portuguesa fossem em grande
parte coincidentes  ao menos oficialmente deveriam ser, a rigor, os mesmos, já que de
1580 a 1640 as duas coroas foram uma só, sob o domínio espanhol  a produção
lingüística deste período foi, além de heterogênea, desigual. As gramáticas da América
Espanhola foram bem mais numerosas, certamente devido a uma política de ensino de
línguas indígenas e de publicações bem mais agressiva do que a da América Portuguesa.
Seja como for, a finalidade desse trabalho do período missionário não foi a preservação
de nenhum patrimônio literário, tampouco a afirmação de uma nacionalidade, mas a
comunicação da mensagem evangélica (Altman 2003).
Mesmo que publicadas na Europa, entretanto, todas as gramáticas deste período
foram compostas in loco, por missionários cultos, que conheciam latim e a maior parte
2
A despeito do fato de Anchieta ser, a rigor, espanhol, uma vez que nasceu, em 1534, em Tenerife. Mas
estudou em Coimbra entre 1548 e 1551 (Rodrigues 1997: 373) e, uma vez no Brasil, aos 19 anos,
reportou-se sempre ao ramo português da Cia. de Jesus, até sua morte em Lisboa, em 1597.
delas se organiza, de fato, como reza a tradição latina, em estudo das letras; da prosódia;
da palavra e da sintaxe. Às regras de pronúncia das línguas, seguem-se, de maneira
geral, as regras de declinação dos nomes, adjetivos e pronomes; as regras de formação e
conjugação de verbos e uma lista das outras partes da oração: particípio, preposições,
advérbios, interjeições e conjunções. Uma descrição exaustiva (e contrastiva) das
diversas formas de apresentação dessas gramáticas; da terminologia utilizada na
designação das categorias gramaticais, do número e da ordem em que são apresentadas
estas categorias, bem como dos critérios nelas utilizados para a definição e o
estabelecimento das partes da oração ainda estão por ser feitos (Altman 2007).
A atribuição comumente feita a estes autores, de cega aplicação da gramática
latina, enquanto modelo de descrição das línguas gerais americanas precisa ser
verificada e, eventualmente, nuançada. Com efeito, não se pode esquecer que as
descrições lingüísticas das artes de gramática foram mediatizadas não apenas pelo
conhecimento formal que os missionários tinham da gramática latina, mas também pelo
conhecimento dos modos de descrição do seu vernáculo e por uma certa intuição
lingüística da língua que estavam descrevendo.
Parece razoável, pois, admitir, ao menos como hipótese de trabalho que, na sua
tarefa de descrever línguas tipologicamente diferentes das então já descritas, e
principalmente diferentes do latim, os missionários tenham sido impelidos procurado a
buscar soluções descritivas originais.
Seria preciso verificar até que ponto as limitações do modelo de descrição
adotado (a gramática latina) foram (ou não) obstáculo para o desenvolvimento de modos
de apresentação e representação da dados lingüísticos até certo ponto originais. Dito de
outra maneira, o que é preciso verificar é o que a história da elaboração dessas
gramáticas pode nos ensinar a respeito de como desenvolvemos nossa prática de
observação e representação de dados lingüísticos; qual seria o papel dessas gramáticas
na história do desenvolvimento das nossas metodologias de descrição lingüística.
Ao contrário do período missionário, verifica-se, nos séculos XIX e início do
século XX, uma pluralidade de interesses, embora a motivação política, em diferentes
contextos, tenha sido igualmente determinante.
Com efeito, o século XIX é um momento importante para a institucionalização
de uma identidade brasileira e de tudo o mais que isso envolve: o delineamento das
fronteiras geográficas e políticas do pais; o reavivar do interesse pela sua história
colonial; a coleta e o estabelecimento de uma literatura representativa da sua língua
oficial, o Português Brasileiro, e, não menos importante para essa geração, a solução de
uma vez por todas, da ‘questão indígena’, i.e., da sua integração definitiva na sociedade
civilizada.
As atividades dirigidas à implementação dessas políticas foram em grande parte
organizadas pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), criado em 1838
pelo Imperador D. Pedro II (18251891), cuja principal vocação era dar suporte à
pesquisa sistemática sobre a história do Brasil, dos seus habitantes e do seu território, e
promover reuniões regulares em que seus associados comunicavam suas descobertas.
Não por acaso, pois, no rastro da criação do IHGB, emergiu um significativo interesse
pelas línguas brasileiras que se traduziu, muitas vezes, nas reedição de seus textos
clássicos, assim como das gramáticas e dicionários produzidos pelos missionários 
entre outras, a segunda (1874) e terceira (1876) edições de Anchieta (1595); e uma nova
edição de Figueira (1878 [1687])  e uma leva de expedições científicas que
produziram materiais originais, tais como as de Karl Friedrich Philipp von Martius
(17941868), Batista Caetano (18261882), Couto de Magalhães (18371898), Charles
Hartt (18401878), Karl von den Steinen (18551914) e Paul Ehrenreich (18551914),
entre outros. Compõem esses grupos cientistas, especialistas em botânica e geologia,
arqueólogos e antropólogos, todos interessados em resgatar elementos culturais da
nação no período de pós-independência. Essa tentativa de afirmação da cultura
brasileira está pautada em uma política declarada do governo, ilustrada claramente pela
criação do IHGB.
D. Pedro II organiza, nesse período, por influência de Hartt, uma expedição
denominada Comissão Geológica Imperial; Antônio Gonçalves Dias (18231864)
dedica seu dicionário ao IHGB, pela merecida homenagem pela attenção que taes
estudos lhe tem merecido, pela solicitude com que os promove e pela benevolencia com
que os acolhe. (Dias: 1858: XV). No começo do século XX, esse mesmo Instituto
publicou a obra de Stradelli (1929). Já Pedro Luiz Sympson (18401892) dedicou sua
gramática ao Imperador D.Pedro II como forma de demonstrar sua devoção e
patriotismo ao descrever a língua indígena. Esses autores estão, pois, de algum modo,
vinculados ao governo e a sua política de valorização da cultura brasileira.
É relevante, aliás, neste período, a inexistência de autores portugueses. Dos oito
autores que selecionamos para esse período, cinco são brasileiros e três são estrangeiros:
um italiano, um francês e um americano.
A maioria dos autores são homens que tinham certo tipo de prestígio e posição
social: exerciam a função de administradores em órgãos públicos, eram militares ou
políticos. João Barbosa Rodrigues (18421909), por exemplo, foi diretor do Jardim
Botânico do Amazonas e, posteriormente, do Rio de Janeiro e Sympson, além de
militar, foi um dos fundadores do próprio IHGB
A elaboração de gramáticas não era, pois, o único objetivo desses autores, que se
concentravam em outras atividades, fato que influencia, também, a estrutura da suas
obras. Diferentemente das obras do período missionário, há, nesses casos, o acréscimo
de outro tipo de material à descrição gramatical, como os estudos antropológicos de
Couto Magalhães (1876), por exemplo, ou a reunião de contos e lendas de origem
indígena (cf. Rodrigues 1890). Faria (1858) afirma ter escrito seu compêndio pela
necessidade de compreender a língua dos nativos quando comandava as fronteiras do
Pará, em expedições militares e Hartt (1872) declara ter escrito sua gramática em
virtude da necessidade de conhecer a etimologia dos nomes da geografia que tinham
como origem o Tupi.
Couto de Magalhães (1876) explicita, aliás, em seu prefácio, o clima de opinião
do período pós-colonização, que perpassava esse ufanismo brasilianista. Observe-se:
Para que os selvagens, que não sabem ler, que não possuem capitaes acumulados,
aprendam o portuguez, é necessario que nós, que sabemos ler, os habilitemos a isso
por meio dos interpretes os quaes, conhecendo a lingua delles, lhes possam ensinar
a nossa...Só essa conquista vale milhões; feita ella, porém, não conseguiriamos
somente a posse real da maior parte do territorio do imperio; conseguiriamos
tambem um milhão de braços aclimados, e os únicos que se prestam às indústrias,
que por muitos annos serão as únicas possíveis no interior – as extractivas e
pastoris.” (Couto de Magalhães: 1975: VIII)
3. Critérios de levantamento da metalinguagem descritiva na tradição do
Tupinambá / Nheengatu
Como dissemos anteriormente, o segundo dos objetivos do Projeto Documenta é
tornar acessível ao pesquisador contemporâneo, em forma de léxico, a metalinguagem
gramatical utilizada em documentos da tradição ibérica.
Tendo em vista essa orientação geral, apresentamos, a seguir, alguns dados
parciais obtidos dos levantamentos de metatermos realizados a partir da tradição
descritiva do Tupinambá / Nheengatu.
Quadro II -resumo dos termos gramaticais levantados em parte do corpus selecionado
Termos
Obras
Total
Maximais
Minimais
Isolados
Intermediários
COD69
374
225
292
162
19
DIA1858
388
169
280
86
25
FIG1621
390
206
276
128
36
HAR1872
330
86
250
35
29
MAG1876
859
608
680
439
10
STR1929
212
87
180
56
1
TAS1923
323
89
260
134
8
TOTAL
2307
1053
1801
672
125
O Quadro II acima dá uma medida apenas quantitativa dos termos levantados até o
momento. Designamos como ‘termos maximais’ termos que englobam outros termos,
mas não são englobados por nenhum outro. Como ‘termos minimais’, termos que são
englobados por outros termos, mas não englobam nenhum outro. E, como
intermediários, termos que se dispõem entre os maximais e os minimais. Os termos
isolados, por sua vez, são aqueles que, por apresentarem um significante diferenciado,
não estão incluídos, em princípio, em grupos hierárquicos de termos do ponto de vista
da sua forma significante.
O supertermo vogal apresentado a seguir (cf. Quadro III), ilustra esse primeiro
procedimento de agrupamento dos termos a partir da forma significante, classificados
como maximais, minimais, isolados e intermediários.
Critérios mais gerais do que a forma significante, entretanto, nos orientam para o
levantamento e a seleção de metatermos. Incluem nosso elenco os termos:
a) empregados expressamente pelo autor com intenção metalingüística;
b) utilizados como descritores, isto é, com intenção metalingüística, embora façam
parte do vocabulário coloquial do autor;
c) utilizados para representar a tradição descritiva do autor e/ou utilizada por ele;
d) empregados para descrever a visão do autor (ou o clima intelectual de sua época)
sobre a língua descrita ou demais línguas e/ou trazer informações complementares
sobre elas;
e) correspondentes a designações sobre a(s) língua(s) descrita(s);
Quadro III – ilustração de agrupamento de termos pela forma significante
f) sobre personagens/autores da época;
g) sobre atividades pertinentes à tradição descritiva;
h) sobre lugares mencionados;
i) sobre teorias didáticas, tradutológicas ou sociolingüísticas (explícitas ou
implícitas);
j) sobre eventos históricos mencionados, fatos antropológicos, menções a outros
registros lingüísticos, formas de tratamento etc.
A rigor, pretende-se, pois, que a rede léxica a ser construída em forma de
dicionário
se
constitua,
de,
pelo
menos,
quatro
subconjuntos
vocabulares
correspondentes às quatro dimensões sobre as quais se erige essa dimensão do
Documenta:
a) um, constituído de dados referentes à obra: autor, no. de edição, datação, língua
descritora, autores citados, obras citadas;
b) outro, constituído de dados externos sobre as línguas descritas: como as
designações a elas associadas, por ex., língua da costa, língua geral, língua
brasílica, Tupinambá; Tupi, Tapuio, Nheengatú, etc. e o estatuto a elas atribuído;
se língua, variedade de língua, língua matriz, dialeto, etc..;
c) um terceiro, constituído pela metalinguagem de descrição das categorias
gramaticais tais como, vogal, numero, singular, plural, caso, voz, nome adjetivo,
nome substantivo, nominativo, artículo, partícula, pronome etc..
d) um quarto, constituído pelas formas lingüísticas associáveis, tanto às
designações propostas pelos diferentes autores, nos seus textos, quanto à
terminologia gramatical por eles empregada.
A rede semântica a ser construída procurará articular a meta-informação disponível
para cada texto na forma de elementos contextualizadores da sua produção: autor, data,
fonte, formato, forma de composição, gênero, etc..
A essa meta-informação será associado o conjunto das designações atribuídas
pelo autor à língua (ou línguas), ou variedade de línguas que descreve.
A terceira dimensão da rede se constituirá, não da meta-informação registrada
para cada documento, mas de termos relativos ao seu próprio conteúdo, procurando
estabelecer relações hipotextuais, hipertextuais, contextuais e paratextuais que permitam
a associação e o inter-relacionamento de termos e metatermos dos textos que constituem
o corpus.
Esta descrição gramatical das línguas-objeto fez uso, certamente, em diferentes
momentos históricos, de diferentes categorias descritivas que, eventualmente, poderão,
ou não, ser reduzidas umas às outras. A quarta dimensão da rede, aquela constituída
pelas formas lingüísticas correspondentes à metalinguagem descritora será o principal
parâmetro a partir do qual se procederá a essa redução da metalinguagem através das
diversas relações a serem estabelecidas entre os metatermos: se de sinonímia,
antonímia, hiponímia, hiperonímia, holonímia, meronímia, troponímia, etc..
A rede será ampliada e refinada na proporção da detecção dos termos e
metatermos propostos pelos textos, de modo a constituir um glossário histórico da
terminologia técnica utilizada nos vários textos compilados, bem como das definições,
abonações e glosas características, por recurso à anotação metateórica e metalingüística
do corpus.
4. A TÍTULO DE CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados aqui apresentados ilustram parte das atividades desenvolvidas no
Projeto Documenta Grammaticae et Historiae – Projeto de Documentação Lingüística
e Historiográfica (CNPq – CEDOCH/DL-USP), na tradição descritiva do Tupinambá /
Nheengatu, no período compreendido entre os séculos XVI e o início do século XX. Da
constituição de uma base de textos digitalizados ao levantamento dos metatermos
gramaticais dessa tradição descritiva, as atividades empreendidas até o momento
caracterizam um plano-piloto que nos dá subsídios para a continuidade do Projeto em
outras tradições descritivas, como a Portuguesa, a Quéchua e a Guarani, entre outras.
Nossas intenções com o Projeto Documenta visam à expansão gradual do
escopo da documentação lingüística representativa da tradição ibérica e à contribuição
para a preservação documental das línguas em foco.
REFERÊNCIAS
ALTMAN, Cristina. 2003. As línguas gerais sul-americanas e a empresa missionária:
linguagem e representação nos séculos XVI e XVII. In: BESSA FREIRE, José
Ribamar & ROSA, Maria Carlota. Política lingüística e catequese na América do Sul
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__________. 2007. Artigos e pronomes na tradição lingüística missionária da língua
mais falada na costa do Brasil. In: SCHRADER-KNIFFKI, Martina & GARCÍA,
Laura Morgenthaler (eds.) La Romania em interacción: entre historia, contacto y
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ANCHIETA, Joseph de. 1990[1595]. Arte de grammatica da lingoa mais usada na
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