A dimensão reflexiva da avaliação

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A dimensão reflexiva da avaliação
Fonte: http://www.tvebrasil.com.br/salto/entrevistas/maria_teresa_esteban%20.htm
“No meu ponto de vista, o principal movimento da avaliação da escola, como um todo, deveria ser estabelecer práticas
dialógicas por meio das quais as diversas esferas escolares pudessem estar dialogando entre elas e dentro delas, e que essa
prática dialógica se torne uma prática que vá alimentando a reflexão sobre o processo educacional que se realiza ali, naquele
espaço”.
Salto – Qual é a relação entre avaliação e educação?
Maria Teresa – A avaliação é um dos processos fundamentais de
todo o processo educativo, então, se nós considerarmos, mesmo
nas práticas cotidianas, de educação informal, nós vamos ter um
conjunto de procedimentos de avaliação dessas práticas, desses
processos, dos seus efeitos.
Nas práticas mais formais, também, a avaliação vai acompanhando
e vai produzindo alguns procedimentos, alguns instrumentos,
alguns processos mais formais, sempre no sentido de estar
acompanhando o processo educativo e poder verificar os seus
efeitos, sobretudo nos educandos e no processo educativo como
um todo. Assim a avaliação é, pelo menos do meu ponto de vista,
um dos eixos centrais da educação, porque através dela é que a
gente pode ir equilibrando esse processo, tendo algumas
contribuições durante o próprio processo e não apenas após o seu
efeito já estabelecido, já visualizado, enfim, a gente pode ir
regulando as nossas próprias práticas.
Salto – Quais são os diferentes tipos de avaliação e os seus
significados na escola?
Maria Teresa – Parece-me que na nossa escola nós temos,
fundamentalmente, uma avaliação classificatória, que vai se realizar
através de instrumentos diversos e de procedimentos
diferenciados, muitas vezes em modalidades diferentes, mas que
têm como eixo fundamental a produção de uma hierarquia dos
estudantes, a partir de determinados padrões previamente
estabelecidos. Então, essa avaliação, ela vai estar muito articulada a
uma pedagogia, que alguns chamam da “pedagogia do exame”, em
que todos os procedimentos pedagógicos vão estar atravessados
por práticas que visam ao controle e à classificação. Dessa forma,
nós vamos ter uma avaliação que, a partir de um padrão
predefinido, vai criando mecanismos de verificação do ponto em
que cada estudante ou que cada grupo e cada setor se encontram,
de acordo com aquele padrão que é tomado como referência.
Quais os efeitos disso para o processo educacional? É que nós
vamos criando todo um conjunto de procedimentos, não só de
avaliação, mas todo um conjunto de procedimentos pedagógicos
que vão estar alimentando essa idéia da hierarquia — e que estão
também sendo alimentados por essa hierarquia — e aí nós vamos
estabelecendo algumas pautas que são, por princípio, excludentes.
Então, parece-me que a avaliação classificatória vai estar bastante
vinculada aos processos de produção da exclusão escolar, como
parte dos processos de exclusão social.
Salto – Como é possível avaliar a escola como um todo?
Maria Teresa – Acho que é fundamental que se coloque a escola,
como um todo, num processo dialógico. É claro que as práticas
classificatórias, elas muitas vezes propõem a avaliação da escola
como um todo. As práticas classificatórias não se limitam à
classificação dos estudantes, elas são práticas que têm modalidades
diferenciadas que vão atingindo essa instituição na sua totalidade.
Há formas classificatórias de se avaliar a escola como um todo mas,
no meu ponto de vista, o principal movimento da avaliação da
escola, como um todo, deveria ser estabelecer práticas dialógicas
por meio das quais as diversas esferas escolares pudessem estar
dialogando entre elas e dentro delas, e que essa prática dialógica se
torne uma prática que vá alimentando a reflexão sobre o processo
educacional que se realiza ali, naquele espaço. Nós podemos ir
criando mecanismos cotidianos e mecanismos mais pontuais que
possam favorecer esse movimento de reflexão sobre o trabalho
que nós estamos realizando, porque aí nós só podemos fazer essa
reflexão considerando todos os sujeitos que estão envolvidos nesse
processo, considerando as condições de trabalho, as
circunstâncias em que esse trabalho é realizado. Enfim, nós vamos
abrindo um pouco mais esse leque e podendo perceber o conjunto
de relações que vai sendo constituído nessa prática pedagógica e
também que formas nós temos para favorecer esse trabalho
pedagógico, criando mecanismos para potencializar o que esse
processo tem de melhor e para poder estar solucionando os seus
problemas.
Salto – Como é que é possível construir uma avaliação que
ultrapasse os limites técnicos?
Maria Teresa - Essa questão da perspectiva técnica da avaliação
vem sendo bastante criticada porque, tradicionalmente, o que nós
temos em torno da discussão da avaliação são os instrumentos e os
procedimentos.
Quais são os melhores instrumentos de avaliação? Em que
circunstâncias, como é que eu procedo numa situação ou noutra?
Então, nós ficamos na questão técnica. Como fazer? Mas nós não
temos tão consolidada, na discussão sobre avaliação, o próprio
sentido da avaliação e o sentido do processo educacional que está
sendo implementado, que está sendo proposto. Nesse sentido,
parece-me que é fundamental recuperarmos a idéia de que avaliar
vem de atribuir valor, portanto, é preciso uma reflexão não só sobre
os procedimentos utilizados, sobre os instrumentos que estão
sendo trabalhados mas, sobretudo, que valores estão orientando a
proposição desse processo pedagógico, que vai se relacionar nos
diversos contextos educacionais. Que valores são esses? Para que
nós estamos educando? Quais são as nossas finalidades
fundamentais no processo educativo? Parece-me que também é
muito importante que a gente vá pensando quais são as
conseqüências do resultado que essa avaliação vai revelando e
trazendo essa discussão não apenas para o contexto mais limitado,
do que a gente pode chamar de ensino-aprendizagem no sentido
de domínio de conteúdos ou desenvolvimento de competências,
mas que a gente possa estar pensando esse processo educacional
como parte da produção da vida dos sujeitos, como parte da
produção da vida social e, portanto, que valores estão
encaminhando essa prática pedagógica como uma prática humana
e como uma prática social.
Salto – Agora, gostaríamos de que você falasse um pouco mais
sobre o papel da avaliação no processo de ensino-aprendizagem
Maria Teresa – Acho que, sobretudo, a avaliação tem um papel
reflexivo, na medida em que, nos procedimentos de avaliação e no
processo de avaliação amplamente considerado, nós temos a
possibilidade de estar retornando ao que vem sendo realizado. Nós
temos, também, a possibilidade de estar projetando novas
possibilidades, novos caminhos, novas questões, então a avaliação
traz em si uma dimensão reflexiva bastante forte e eu entendo que
essa deva ser a dimensão a ser ressaltada na avaliação porque, como
eu dizia, o que temos ressaltado, sobretudo, nas práticas
classificatórias, é o controle e a seleção. É claro que até para realizar
controle e seleção é preciso uma dimensão de reflexão. Eu entendo
que seja necessário inverter. A prioridade está no processo
reflexivo. Para que eu realize a reflexão, uma reflexão que me ajude
a compreender melhor esse processo ensino-aprendizagem, essa
dinâmica estabelecida, os resultados alcançados, os múltiplos
processos que a dinâmica pedagógica vai instaurando na própria
sala de aula. Para que eu possa estabelecer essa dinâmica reflexiva,
preciso de alguns mecanismos de controle, sim. Mas aí o controle
está subordinado à reflexão e não a reflexão subordinada ao
controle, o que me parece que é o movimento mais freqüente que
nós temos. Essa avaliação marcada pela idéia da reflexão, que
alguns de nós temos chamado de avaliação como uma prática de
investigação, ela é parte do processo ensino-aprendizagem,
principalmente como um processo que vai tentar compreender
melhor esse processo ensino-aprendizagem, compreender melhor a
multiplicidade que atravessa uma sala de aula, multiplicidade de
Equipe de Educação Infanto-Juvenil – 2° segmento – Formação continuada – Tema: Avaliação
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culturas, de conhecimentos, de formas de aprender, de processos
de aprendizagem, de resultados. Como é que as práticas
pedagógicas vão sendo mais favoráveis a determinados modelos de
aprendizagem? Freqüentemente, elas são menos favoráveis a
outros modelos, então para isso é preciso que a gente compreenda
essa diferença, para poder proporcionar atividades pedagógicas,
dinâmicas de ensino, proposições que sejam favoráveis à
aprendizagem de todos e não só à aprendizagem daqueles que se
encaixam nos modelos previamente selecionados. Essa dimensão
reflexiva ou investigativa da avaliação potencializa o processo
educacional, numa projeção de futuro. Nós realizamos uma
reflexão até aqui, nós fizemos assim, chegamos assim, temos essas
questões, solucionamos desse modo, não solucionamos de outro e,
para que a gente possa continuar, mostra-se mais favorável esse
tipo de intervenção, ou aquele outro tipo, ou tipos diferenciados,
na medida em que toda turma é heterogênea e demanda processos
diferenciados.
Salto – Como é que a gente pode relacionar fracasso e sucesso
escolar com inclusão e exclusão social, nessa perspectiva da
avaliação?
Maria Teresa – A avaliação não é responsável nem pelo fracasso
escolar, nem pela exclusão social e, portanto, não é apenas
mudando os procedimentos de avaliação que nós vamos produzir
sucesso escolar e inclusão social. No entanto, as práticas de
avaliação, como as demais práticas pedagógicas, ao direcionarmos a
questão para a avaliação, as práticas de avaliação estão marcadas
por essa dinâmica social de inclusão e exclusão e por esta tensão
social, que é uma tensão de inclusão/exclusão dos sujeitos na
própria dinâmica social. Estão marcadas também por essa tensão
escolar, que vai se dando nesse diálogo entre o sucesso e o
fracasso. Dessa forma, volto lá na avaliação classificatória, quando
nós produzimos uma avaliação que tem por princípio a produção
de uma hierarquia que classifica e seleciona. Se eu classifico e eu
seleciono, para que que eu classifico e seleciono? Para incluir os
melhores classificados e excluir os piores classificados? Se nós
estamos preocupados efetivamente com uma educação de
qualidade para todos, o princípio não pode ser esse. Então, nós
precisamos produzir outras modalidades de avaliação, que tenham
como ponto de partida a certeza de que todos aprendem, todos
têm direito a uma escola de qualidade, cabe a nós, enquanto escola
e sociedade, criar condições para uma escola de qualidade para
todos. Aí a avaliação é um procedimento importantíssimo pela sua
dimensão reflexiva, como eu falei anteriormente, pela sua
possibilidade de projetar possibilidades e reflexões, e por esta
perspectiva que ela traz, de poder regular os processos
pedagógicos, mas não no sentido de promover a seleção, mas
regular os processos pedagógicos no sentido de proporcionar,
favorecer a inclusão de todos. A avaliação não resolve, mas sem
dúvida é necessário que sejam construídos procedimentos mais
democráticos de avaliação, que possam sintonizar com o
movimento de democratização da escola e da sociedade.
Salto – Como é possível pensar o processo de avaliação na
perspectiva da complexidade?
Maria Teresa – Acho que é fundamental, porque se nós
pensarmos no processo ensino-aprendizagem, na dinâmica da sala
de aula, na dinâmica da escola ou das diversas instituições que
promovem, que realizam o processo educacional, nós vamos ver
que uma das marcas centrais é a complexidade. A aprendizagem
não é um efeito linear do ensino ou, pelo menos segundo
determinadas concepções, não é assim que a aprendizagem se
apresenta. A sala de aula é um espaço extremamente marcado pela
diferença, se nós pensamos qualquer coletivo, qualquer grupo é
marcado pela diferença. E a diferença, no processo educacional, ela
é freqüentemente compreendida como algo a ser evitado, há uma
série de procedimentos no sentido de produzir turmas
homogêneas, de criar mecanismos para reduzir essa diferença, isso
me parece o inverso do movimento mais produtivo. A
heterogeneidade, ela potencializa, quanto mais diferentes nós
formos, mais nós temos a ensinar e a aprender uns com os outros.
Se todos sabemos a mesma coisa, a nossa possibilidade de troca é
muito reduzida. Então, a sala de aula, que é constituída por pessoas
diferentes, com histórias de vidas diferentes, com culturas
diferentes, com modos de viver diferentes, com problemas
diferentes, com possibilidades de solução também diferentes, vai
sendo um espaço marcado por formas diferentes de aprender,
processos diferenciados e também resultados diferenciados. A
avaliação, nessa perspectiva, não pode trabalhar a partir de um
padrão preestabelecido, porque esse padrão preestabelecido, por
princípio, ele já está eliminando alguns, se nós trabalharmos com a
idéia de que a diferença é uma das marcas desse processo.
Portanto, é preciso que o processo de avaliação se abra para essa
heterogeneidade e é nesse sentido que nós temos defendido a idéia
da avaliação como uma prática de investigação. Na medida em que
eu não posso definir, num primeiro momento, como será o
processo e quais serão os seus resultados, mas eu posso atravessar
todo esse processo por uma prática investigativa que vá me
mostrando como é que ele está se realizando, que múltiplos
resultados ele está proporcionando e como é que nós vamos
criando mecanismos pedagógicos para potencializar essa diferença
que vai emergindo a cada dia na sala de aula, então me parece que
compreender esse proceso, na perspectiva da complexidade, levanos a considerar a heterogeneidade como uma questão
fundamental no processo pedagógico. E surge a necessidade de
criar instrumentos e procedimentos de avaliação que possam
potencializar a heterogeneidade naquilo que ela tem de mais rico e
não reduzir a potencionalidade da heterogeneidade, que é o que
nós fazemos quando nós queremos que todos entrem no mesmo
padrão.
Salto – Como é que você imagina que os projetos políticopedagógicos devem encarar ou devem abordar essa questão da
avaliação?
Maria Teresa – Acho que a avaliação é um dos procedimentos
necessários à realização do projeto político-pedagógico. Para que
nós possamos organizar na escola um projeto político-pedagógico,
é preciso conhecer essa escola e aí nós temos uma dimensão de
avaliação, avaliar o que essa escola tem feito, como ela tem se
proposto, que questões, que problemas, que possibilidades, que
soluções, então demanda todo um processo de avaliação. A sua
proposição, se é um projeto político-pedagógico, parece-me que é
fundamental que seja um projeto democraticamente constituído
pelos sujeitos que estão ali interagindo. Então, é preciso que esse
projeto também vá prevendo mecanismos de avaliação que possam
favorecer o diálogo, a reflexão e a interação entre esses diversos
sujeitos, é preciso que haja a interação entre os diversos pontos de
vista que eles podem ir trazendo sobre essa escola e sobre a sua
dinâmica.
Salto – Maria Teresa, você estava dizendo que o projeto políticopedagógico não pode, não deve sair de uma via que não seja uma
escolha democrática entre todos os atores envolvidos ali, no
cotidiano da escola.
Maria Teresa – Pois é, é fundamental que os diversos sujeitos e
não só os diversos setores — porque aí, me parece que tem uma
questão da representação, da representatividade que nem sempre é
garantida — então, é preciso que esses diversos pontos de vista, as
diversas vozes, esses diversos saberes e culturas que constituem a
escola possam dialogar na produção desse projeto políticopedagógico e, ainda, que seja proposto um processo de avaliação
compatível com essa dinâmica, compatível com essa diversidade,
compatível com essa idéia de que a escola é para todos e que deve
ser e que tem que ser de qualidade para todos. Então, essa idéia da
avaliação que vai estar sendo um instrumento pensado pelo
próprio projeto político-pedagógico, como um instrumento de
avaliação do próprio projeto que está sendo proposto. Então a
avaliação perpassa toda a elaboração, toda a realização desse
projeto e não apenas, como muitas vezes se coloca, acontece ao
final de uma determinada etapa ou ao final de um determinado
processo. Para que a gente possa ter informações, elementos,
questões, ao final, é preciso que a gente vá realizando essa prática,
coletando informações, tendo dados durante toda a realização do
processo. E aí eu queria só fazer uma pequena observação, porque
o diálogo é uma palavra muito bonita, mas o diálogo nem sempre é
facíl, sobretudo quando a gente pressupõe a diferença. O diálogo
freqüentemente traz consigo o conflito, e essa é uma marca que eu
entendo que nós temos que considerar, nesse processo de avaliação
reflexivo e diálogico: a existência do conflito, sendo que conflito é
algo que, ao ser trabalhado, pode nos ajudar a avançar em alguns
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elementos do processo que estavam, de certa forma, truncados ou
mal elaborados, incorporando efetivamente a diferença, inclusive,
aqueles aspectos que num primeiro momento nos parecem
negativos, mas que são parte do processo e que devem ser
considerados.
Salto – Então, tudo já deve começar de uma avaliação? Num
projeto pedagógico, como você disse?
Maria Teresa – Eu acho que a avaliação é parte deste princípio,
não só a avaliação, mas o começo do trabalho tem que constar
também de processos de avaliação.
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