morfologia: a construção das palavras e seus sentidos

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MORFOLOGIA: A CONSTRUÇÃO DAS PALAVRAS E SEUS SENTIDOS
Numa tentativa de equacionar a imensa complexidade da estrutura das línguas, os
lingüistas estabeleceram diversos “níveis de análise”, definidos pelos vários pontos de vista sob os
quais se pode encarar os fenômenos gramaticais. Por exemplo, ao estudar uma frase como
(1) Ana desprezou Ricardo
Pode-se assumir o ponto de vista do estudo da pronúncia. Nesse caso, serão estudadas
regras de pronúncia como a que nos obriga a pronunciar o primeiro a de Ana como uma vogal
nasal, por ser tônico e estar logo antes de uma consoante nasal ( o n ); ou a que nos obriga a
pronunciar a vogal final de Ricardo como um u e não como um o etc. A esse estudo das regras de
pronúncia se dá o nome de fonologia.
Mas a mesma frase pode ser estudada de outros pontos de vista: por exemplo,
descrevendo a constituição interna das palavras. Desse ponto de vista, podemos observar que a
palavra desprezou é formada de mais de um elemento: a seqüência desprez- mais a seqüência –ou.
A primeira aparece também em outras formas relacionadas, como desprezo (tanto o substantivo
quanto a forma verbal), desprezível, desprezamos, desprezado etc.; mais a seqüência –ou, que
ocorre em outras formas verbais, como amou, desmanchou etc. Existem também regras que
governam a associação dessas partes de palavras ( denominadas morfemas), e que impedem a
formação de palavras como desprezi, Ricardou ou Ricardível. O estudo dos morfemas e de suas
associações se denomina morfologia.
Voltando à frase (1), podemos ainda definir um outro ponto de vista, que leva em conta as
maneiras como se associam as palavras para formas frases. Assim, podemos observar que existe
uma regra pela qual a terminação de desprezou de certo modo depende do elemento que se coloca
no lugar de Ana; tanto é assim que , se em lugar de Ana colocarmos nós, desprezou terá de se
transformar em desprezamos. Podemos, além disso, notar que na frase (1) o elemento que governa
a forma de desprezou ocorre em primeiro lugar na frase, e que modificações no último elemento
da frase (Ricardo) não afetam a forma de desprezou. Uma terceira observação é que existe um
pequeno número de palavras que só podem ocorrer no lugar de Ana, e outras, em número igual,
que só podem ocorrer no lugar de Ricardo; eu, nós etc. só ocorrem no lugar de Ana, e me, nos só
no lugar de Ricardo. Todas essas observações têm a ver com a estruturação interna da frase, e
constituem um estudo denominado sintaxe.
Finalmente, podemos levar em conta o significado transmitido por (1). Por exemplo,
podemos observar que Ana provavelmente designa uma mulher, e Ricardo um homem, que a
pessoa desprezada é Ricardo, e não Ana; que o fato de Ana desprezar Ricardo aconteceu no
passado, e assim por diante. Traços de significado como esses são, em parte, o resultado da
aplicação de certas regras, que integram a semântica.
Chamamos a essas disciplinas que se ocupam dos diferentes aspectos das expressões
lingüísticas os componentes da gramática. Assim, a gramática de uma língua inclui os seguintes
componentes: a fonologia, a morfologia, a sintaxe e a semântica dessa língua.
É importante notar que esses quatro componentes não esgotam tudo o que se pode estudar
a respeito de uma língua. Não tratam, por exemplo, da história das formas lingüísticas, nem do
uso das mesmas em diferentes situações sociais, nem do uso feito pelos falantes de seu
conhecimento geral do mundo para ajudar a compreender as frases, nem de muitos outros
aspectos importantes. A fonologia, a morfologia, a sintaxe e a semântica (...) constituem o estudo
da estrutura interna de uma língua – aquilo que a distingue das outras línguas do mundo, e que
não decorre diretamente das condições de vida social ou de conhecimento de mundo.
Mário A Perini. Gramática Descritiva do Português
MORFOLOGIA LEXICAL - campo dedicado ao estudo dos mecanismos morfológicos por meio
dos quais se formam novas palavras.
MORFOLOGIA FLEXIONAL - campo voltado para a análise dos mecanismos morfológicos que
apresentam informações gramaticais
OBJETO DE ESTUDO DA MORFOLOGIA:
CLASSES DE PALAVRAS - divisão das palavras da língua de acordo com critérios morfológicos
( sua forma e flexão), semânticos ( tipos de significação de que são portadoras) ou funcionais (
função que exercem nos enunciados).
10 classes – relações básicas
artigo
numeral
SUBSTANTIVO
pronome
-
adjetivo
Classes de ligação: preposição e conjunção
VERBO
advérbio
classe especial: interjeição
Conceito de Léxico:
1. Conjunto de morfemas (do grego morphe, “forma”, é o signo lingüístico mínimo, isto é, uma
unidade gramatical que expressa uma relação arbitrária entre som e significado, e que não pode
ser analisada em unidades menores);
2. Conjunto de palavras ( é uma unidade lingüística mínima de som e significado que entra na
composição dos enunciados da língua);
3. Conjunto de unidades ou palavras de classe aberta.
PALAVRAS GRAMATICAIS (ou palavras-formas, palavras vazias ou instrumentos gramaticais) –
pouco numerosas, alta freqüência – função relacionada com o ato de enunciação, com a organização
do discurso ou texto, ou com a estruturação da frase.
FUNÇÕES:
 Relacionar o enunciado com a situação de enunciação, indicando os participantes da
comunicação, o espaço e o tempo em que ela se dá (dêiticos);
 Substituir ou referir algum elemento presente no enunciado (anafóricos ou representantes);
 Atualizar os nomes, transformando-os de elementos do paradigma em elementos do sintagma;
 Indicar quantidade e intensificação;
 Relacionar palavras no sintagma e orações na frase;
 Estabelecer coesão textual.
O emprego das palavras gramaticais diz respeito à sintaxe e à organização textual, seguindo regras
mais ou menos fixas. Pode ocorrer, porém, alteração ou violação das regras para um efeito
expressivo.
PALAVRAS LEXICAIS (lexicográficas, nocionais, reais, plenas) – despertam em nossa mente uma
representação de seres, ações, qualidade de seres ou modos de ação. Têm significação
extralingüística ou externa. Remetem a algo que está fora da língua e que faz parte do mundo físico,
psíquico ou social.
EXERCÍCIO:
Filósofo e brasileiro são palavras que podem ser categorizadas como substantivos e como adjetivos,
o que é comprovável em sintagmas como o brasileiro filósofo e o filósofo brasileiro. Considerando
apenas três possíveis critérios de classificação morfológica – o formal (ou flexional), o semântico e
o sintático -, aponte o critério mais decisivo para determinar a classe gramatical desse tipo de
palavras, justificando porque você o escolheu e excluiu os demais.
HISTÓRIA DA GRAMÁTICA
MORFOLOGIA: os resultados da invenção
A introdução das letras gregas na escrita, em algum momento por volta de 700 a.C.,
deveria alterar a natureza da cultura humana, criando um abismo entre todas as sociedades
alfabéticas e suas precursoras. Os gregos não inventaram um alfabeto: eles inventaram a cultura
letrada e a base letrada do pensamento moderno. Nas condições modernas, parece haver apenas
um lapso de tempo entre a invenção de um dispositivo e sua plena aplicação social e industrial, e
nós nos acostumamos a pensar nisso como um fato de tecnologia. Isso não foi o que aconteceu
no caso do alfabeto. As formas e os valores das letras tiveram de atravessar um período de
variação local antes de tornar-se padronizados para toda a Grécia. Mesmo depois que a técnica
foi padronizada, ou quase – sempre houve duas versões concorrentes, a oriental e a ocidental -,
seus efeitos registraram-se devagar na Grécia; esses efeitos foram, depois, parcialmente
anulados, durante a Idade Média européia; e só chegaram a uma plena realização com o posterior
invento do prelo. Mas convém expor aqui e agora as plenas possibilidades teóricas que adviriam
do uso do alfabeto grego, supondo-se que todos os obstáculos à sua realização pudessem ser
removidos, de modo a colocar essa invenção em seu lugar histórico apropriado.
Essa invenção democratizou o conhecimento da escrita, ou antes, tornou possível a
democratização. Isso é freqüentemente afirmado, porém em termos simplistas, como se fosse
uma mera questão de aprender um certo número de letras, ou seja, aprender a escrevê-las. Daí
que até ao sistema semítico se tenha atribuído este avanço. Se as sociedades semíticas da
Antigüidade mostraram tendências democráticas, não foi porque fossem letradas. Ao contrário,
na medida em que sua democracia foi modificada pela teocracia, com os cargos sacerdotais
investidos de considerável prestígio e poder, elas mostraram todos os sintomas de uma cultura
perito-letrada. O sistema grego, graças a sua superior análise do som, pôs a capacidade de ler
teoricamente ao alcance de crianças num estágio em que ainda estavam aprendendo os sons de
seu vocabulário oral. Adquirida na infância, essa competência podia converter-se num reflexo
automático e assim passível de espalhar-se pelas maioria de uma população determinada, desde
quando se aplicasse ao vernáculo. Mas isso significava que a democratização dependeria não
apenas do invento em apreço, mas também da organização e manutenção de ensino escolar de
leitura num nível elementar. Isso não foi alcançado na Grécia senão, talvez, trezentos anos
depois que o problema técnico fora resolvido; e essa conquista foi abandonada de novo na
Europa durante um longo período depois da queda de Roma. Quando funcionou, ela tornou o
papel do escriba ou clérigo obsoleto, e retirou o status elitista do conhecimento da escrita,
característico das épocas perito-letradas.
Erik A. Havelock, A Revolução da Escrita na Grécia.
Téchne grammatike de Dionísio da Trácia tem quinze páginas e vinte e cinco seções, apresentando
uma explicação sumária da estrutura do grego.
...começa com uma exposição do contexto de estudos gramaticais tal como era visto pelos
alexandrinos. Escreve Dionísio: “A gramática é o conhecimento prático do uso lingüístico comum
aos poetas e prosadores. Divide-se em seis partes: primeira, leitura exata (em voz alta), com a
devida atenção à prosódia; Segunda, explicação das expressões literárias das obras; terceira, preparo
de notas sobre fraseologia e temática; Quarta, descobrimento das etimologias; Quinta, determinação
das regularidades analógicas; Sexta, crítica das composições literárias, que é a parte mais nobre da
gramática.”
(...)
A descrição começa com uma apresentação dos valores fonéticos das letras do alfabeto grego. As
letras são definidas como ... componentes primários e indivisíveis da linguagem articulada.
(...)
Dionísio faz da frase (lógos) e da palavra (léxis) as unidades máxima e mínima da descrição
gramatical. A frase é nocionalmente definida como “a expressão de um pensamento completo.”
Dionísio distinguiu oito classes de palavras:
Ónoma (nome): parte do discurso que possui flexão de caso e que significa pessoa ou coisa;
Rhêma (verbo): parte do discurso sem flexão de caso, mas flexionada em tempo, pessoa e número,
que significa atividade ou processo executado ou experimentado;
Metoche (particípio): parte do discurso que compartilha das características do verbo e do nome;
Árthron (artigo): parte do discurso que possui flexão de caso e que vem antes ou depois dos nomes;
Antonymia (pronome): parte do discurso que se pode substituir por um nome e que leva a marca de
pessoa;
Próthesis (preposição): parte do discurso que se coloca antes de outras palavras no domínio da
composição ou da sintaxe;
Epirrhema (advérbio): parte do discurso que não possui flexão e que modifica ou acompanha o
verbo;
Sýndesmos (conjunção): parte do discurso que funciona como elemento de ligação e que ajuda na
interpretação do enunciado.
ROBINS (1983:27)
A Gramática de Prisciano (Roma, circa 500 d. C.)
Nomem (nome, incluindo os adjetivos): é característica do nome indicar substância ou qualidade,
atribuindo uma propriedade comum ou particular a todo objeto corpóreo ou coisa.
Verbum (verbo): é propriedade do verbo indicar uma ação que se pratica ou que se experimenta;
tem formas modais e temporais, mas não possui flexão de caso.
Participium (particípio): classe de palavras morfologicamente ligadas ao verbo; possui categorias do
verbo e do nome (tempos e casos) e por isso se distingue de ambos. Essa definição está de acordo
com a que foi dada pelos gregos.
Pronomen (pronome): é característica do pronome substituir os nomes próprios, especificando as
pessoas do discurso. (...) mais adiante, Prisciano afirma, repetindo pensamento de Apolônio, que
uma das propriedades do pronome é indicar substância sem qualidade. Isto é um modo de dizer que
os pronomes podem, sem qualquer restrição, referir-se anaforicamente a todos os nomes.
Adverbium (advérbio): é propriedade do advérbio subordinar-se semantica- e sintaticamente ao
verbo.
Praepositio (preposição): é característica da preposição poder ser usada como elemento
independente diante de palavras declináveis e como elemento prefixado a palavras que tenham ou
não flexão de caso.
Interiectio (interjeição): classe de palavras, sintaticamente independente do verbo, que indica
sentimento ou estado de espírito.
Coniunctio (conjunção): é propriedade das conjunções unir sintaticamente dois ou mais vocábulos
das outras classes, estabelecendo entre eles certo tipo de relacionamento.
ROBINS (1983:45)
FORMAÇÃO DAS PALAVRAS
Você certamente já usou, várias vezes e em vários contextos, a palavra “palavra”. Mas será que está
claro, para você, o que vem a ser essa unidade lingüística a partir da qual se forma os enunciados?
Para tentar definir em que consiste o estudo da morfologia, vamos descrever algumas situações em
que foram criadas novas palavras.
Situação 1: Pai e filho passeiam pelo terreiro. De repente, o filho vê uma formiga e pisa em cima
dela. Como ela permanece imóvel, o filho afirma:
- Pai, a formiga morreu!
Segundos depois, a formiga volta a andar e o filho exclama:
- Pai, a formiga desmorreu!
Situação 2: Perguntado sobre o que seria quando crescer, o mesmo filho da situação 1 respondeu:
- Fabricador de carro!
Por que causa estranheza a formação de palavras como desmorrer e fabricador, se a língua possui
palavras como desmerecer e pescador?
Por que formamos novas palavras?
Como formamos novas palavras?
Quando formamos novas palavras?
Por que formamos determinadas palavras e não, outras?
Quais são as partes de uma palavra?
Quando variamos uma mesma palavra e quando criamos uma nova palavra?
Qualquer pessoa pode criar uma nova palavra?
Baseado em que critério se pode dizer que uma palavra existe em uma língua?
Existem “palavras impossíveis”?
Os processos de formação de palavras mais usados no português atual são, por ordem de
importância, a sufixação, a prefixação e a composição.
PROCESSO
SUFIXAÇÃO
EXEMPLOS
-ismo/ -ista/ ando/ -ento/ -ável/ -udo/ -aço/ -ite/ -ose/ -íssimo/ -ês/
-esco/ -arada/ -ar/ -ir: vestibulando, piolhento, panelaço, filharada,
economês etc.
PREFIXAÇÃO
anti-/des-/disque-/hiper-/in-/maxi-/macro-/mega-/micro-/mini-/não- /sem/super-/tele-:anticandidato, disquepizza, hipermercado,
megainvestidor,
microempresa, o não-governo, televenda etc.
COMPOSIÇÃO determinado+determinante (seguro-desemprego, greve-relâmpago,
contafantasma etc.) ou determinante+determinado (motoboy, dinossauromania etc.)
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