A Semana de Arte Moderna e a Geografia Parece complicado estabelecer uma relação entre a Arte e a Geografia, certo?! Não, errado. A Arte sempre esteve relacionada à Geografia, ou seja, às questões cotidianas. Basta observarmos o quanto a Arte está ligada à realidade da sociedade. No Brasil, em específico, isso se torna algo bastante visível a partir de 1922, quando acontece a Semana de Arte Moderna, marco do rompimento com as influências européias e do surgimento de uma arte genuinamente brasileira. Propô-se, nesse evento icônico, uma arte que, de fato, expressasse a realidade e as paisagens do Brasil. Em 1922, a cidade de São Paulo foi palco de um dos maiores acontecimentos do mundo da arte. Mas esse fato não provocou influências somente nos artistas, e, sim em toda a sociedade brasileira, que passou a enxergar uma nova realidade diante do que os artistas estavam criando. Claro que, inicialmente, houve certa resistência por parte da elite social do País para com a nova proposta de arte. O evento marcou época ao apresentar novas ideias e conceitos que revolucionaram o meio artístico, como a poesia através da declamação e a música por meio de concertos utilizando-se de novos temas, a arte plástica exibida em telas que traziam traços da realidade brasileira, de suas paisagens e espaços e do povo, esculturas e projetos arquitetônicos mostravam desenhos arrojados e modernos. O novo passou a ser o marco de todas essas manifestações, que propunham algo, no mínimo, curioso e interessante. A Semana de Arte Moderna ocorreu em uma época cheia de turbulências políticas, econômicas, sociais e culturais no País e, por isso, não foi bem interpretada por parte daqueles que detinham o poder e daqueles que defendiam uma arte tradicional, tornando-se alvo de críticas pesadas. Num período em que o Brasil ainda era comandado pelas elites cafeeiras e pela política do café com leite, a nova proposta de arte depunha contra os interesses e escancarava a realidade vivenciada pelo povo. Grande parte do que se propunha de inovador era contra os interesses dessa elite que comandava até então, as questões políticas e sociais no País. A Semana de Arte Moderna consolidava o início de um período de transformações políticas e o crescimento do capitalismo e, com isso, também uma nova realidade social. A Arte Moderna simbolizou o nascimento de ideias que buscavam uma identidade própria para o Brasil, seu povo, seu espaço geográfico, suas paisagens e uma maneira mais livre de expressão. Muitas obras criadas após Semana de Arte Moderna, fruto de um Modernismo que passa a ser a característica de muitos artistas, evidenciam a realidade brasileira, seus problemas e impasses. A terra roxa mostrada na obra CAFÈ 1935, de Portinari, fazia parte da paisagem dos grandes cafezais brasileiros, nos quais muitos negro trabalhavam incansavelmente para garantir uma produtividade que enriqueria a elite. O MESTIÇO - 1934, também de Portinari, evidenciava a fisionomia e os traços de um povo que resultava da miscigenação entre etnias diferentes e que, em nada, se assemelhavam aos povos europeus. Outra artista de grande importância tanto na Semana de Arte Moderna como também nos anos que se seguem, foi Tarsila do Amaral. Tarsila era o retrato da mudança, uma protagonista do modernismo brasileiro. Suas obras apresentam cores nítidas e evidenciam um Brasil em início de desenvolvimento com as cidades em expansão, a indústria se tornando cada vez mais presente e criando um contingente de assalariados e os transportes dinamizando a sociedade capitalista. A obra EFCB – Estação de Ferro Central do Brasil – 1924, feita após uma viagem a Minas Gerais com o grupo modernista, foi pintada por Tarsila para a exposição-conferência sobre modernismo do poeta Blaise Cendrars realizada em São Paulo, em junho de 1924. A obra retrata a paisagem de um país no qual o transporte era ferroviário e a Central do Brasil era a ligação entre as várias regiões brasileiras, ferrovia na qual muitas histórias do povo brasileiro aconteciam cotidianamente. A obra OPERÁRIOS – 1933 traz a realidade vivenciada no espaço geográfico brasileiro e suas grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, em pleno processo de industrialização. A pintura evidenciava o homem simples, rude, o trabalhador sofrido na busca do pão de cada dia. Ao falarmos em Semana de Arte Moderna, é de grande relevância fazermos referência a um de seus idealizadores, o pintor Di Cavalcanti, que também evidencia em suas obras a realidade vivenciada nas grandes cidades, como no Rio de Janeiro, por exemplo. Em seus quadros, é possível perceber o crescimento da cidade carioca e a ocupação dos morros por uma classe da população caracterizada pelo menor poder aquisitivo, evidenciando os contrastes sociais do espaço urbano. Além disso, suas obras sempre valorizaram a nossa cultura, como o samba e as festas populares, e o cidadão originalmente brasileiro, com seus traços marcantes. Samba - 1928 - Favela - 1958 Vale ressaltar que a Semana de Arte Moderna não promoveu mudanças somente nas artes plásticas , mas também na literatura, na música, enfim, na arte brasileira que nascia indefesa como uma criança, mas que resistiu a todas as críticas, crescendo e se firmando como algo de valor reconhecido mundialmente . Pode ser que a Semana de Arte Moderna não tenha tido , na época, o alcance e a amplitude que posteriormente foram atribuídos ao evento. Mas é preciso reconhecer que, se hoje existe uma arte genuinamente brasileira, que reflete as origens do Brasil e do seu povo, tal feito se deve a esse marco da cultura no País.