FEUDALISMO: uma nova forma de organização da produção A longa Idade Média, para fins didáticos, mas também levando-se em consideração características próprias, pode ser dividida em duas etapas: a Alta Idade Média, do século V ao X, e a Baixa Idade Média, do século XI ao XV. No entanto, admite-se outra periodização, que incluiria um terceiro período: os séculos XIV e XV, caracterizados pela crise do feudalismo e pelo início de processos históricos que marcaram o nascimento dos chamados “tempos modernos”. Estes, dependendo da corrente historiográfica a que o estudioso se associa, também podem ser denominados de época da transição do feudalismo para o capitalismo, que se estendeu até os séculos XVIII e XIX, dependendo das realidades socioeconômicas específicas das diversas sociedades europeias. Nessa perspectiva, e considerando-se que as relações servis constituíam a base do feudalismo, ressalte-se que elas somente foram extintas em definitivo na França no contexto da Revolução Francesa de 1789, quando os camponeses se livraram das obrigações feudais (decreto aprovado em 04 de agosto de 1789), e, na Rússia, em 1861 (decreto do czar Alexandre II). Foi durante a Alta Idade Média que ocorreu o lento processo de formação do feudalismo. Suas origens encontram-se na crise do escravismo romano do século III d.C. e na constituição do regime de colonato. TEXTO 1: Quem são os colonos? “O trabalho dos escravos deixou de render para os escravistas os lucros de antigamente. Manter escravos converteu-se em coisa muito cara, pois a produtividade deles continuava tão baixa quanto antes. Até os grandes latifundiários começaram a dividir com mais frequência as suas terras em pequenos lotes para dá-los em arrendamento a pequenos arrendatários, os colonos. Convertiam-se em colonos os pobres da cidade ou dos campos que não tinham outra alternativa. Além disso, os escravistas costumavam converter em colonos parte de seus escravos. A situação dos colonos, tanto livres como escravos, era muito dura, pois deviam pagar o arrendamento em dinheiro ou com parte da colheita. [...] O resultado foi que os colonos converteram-se em devedores dos latifundiários [...] e não podiam abandonar a terra, mesmo que quisessem, porque estavam presos a ela. Da escravidão se passava, progressivamente, ao sistema de camponeses dependentes.” (MICHULIN, A. V. História da Antiguidade, Lisboa.) Paralelamente ao surgimento do colonato, a parte ocidental do Império Romano passou por grandes transformações em função das “invasões” ou das migrações dos bárbaros germanos. Várias gerações de historiadores vêm repetindo que o Império Romano do Ocidente foi destruído como consequência das “invasões germânicas” dos séculos IV e V. Essa ideia, no entanto, não é mais um consenso entre os pesquisadores.[...] O que ocorreu foi um lento processo de fusão entre as culturas romanas e germânicas, permeada pelo cristianismo triunfante, que originiou aquilo que viria a ser o mundo medieval, e não uma oposição radical entre bárbaros e romanos. Com o desaparecimento do Império Romano do Ocidente, a antiga unidade político-territorial e até mesmo linquística – fundamentada no latim clássico e no latim vulgar – desapareceu à medida que foram se constituindo diversos reinos bárbaro-germânicos, consolidando-se assim uma fragmentação (divisão) do espaço europeu. Porém, esses diversos reinos bárbaros eram formados por povos que se caracterizavam por uma expressiva diversidade cultural, étnica e linguística. Durante os primeiros tempos da Idade Média, ocorreu uma interação entre bárbaros e romanos, com influências recíprocas. De qualquer forma, a antiga unidade do Império Romano do Ocidente, apesar de tentativas frustradas, não foi mais reconstruída. Alguns costumes germânicos se incorporaram ao modo de vida dos romanos, como o comitatus, ou companheirismo, segundo o que os guerreiros deviam fidelidade ou lealdade completa aos seus chefes militares. Entre os germanos era considerada uma vergonha um guerreiro sobreviver ao seu chefe num campo de batalha. O comitatus era uma instituição essencialmente guerreira, que ligava os jovens guerreiros aos chefes através de juramento de fidelidade comprovada. Esse costume contribuiu para que se fortalecesse os laços de dependência pessoal entre os indivíduos. Os germanos aprenderam a escrever suas leis e correspondências em latim e foram acrescentando palavras da língua germânica. Essa mistura entre o latim e as diversas línguas dos povos bárbaros deu origem aos vários idiomas que hoje são falados em diversos países da Europa e que, depois de séculos, se espalharam para a América e a África. Um lento processo de fusão entre as culturas romana e germânica originou aquilo que viria a ser o mundo medieval. Como os germanos constituíam a minoria da população, mantiveram, de uma maneira geral, a mesma administração, os mesmos impostos e os mesmos tribunais dos romanos. Além disso, precisavam dos serviços da antiga elite romana, que enviava seus filhos para a corte do rei para serem admitidos nos serviços mais importantes, até mesmo no exército. Em princípio, essa foi a forma que nasceu a nobreza feudal, que uniu a antiga aristocracia romana à aristocracia germana. A fragmentação política enfraqueceu o poder de cada um dos reinos que, fragilizados, não conseguiram conter uma série de novas incursões militares ocorridas a partir do século VIII e provenientes de diferentes regiões: Os “invasores” do sul – os árabes muçulmanos, que ocuparam as ilhas do Mediterrâneo Ocidental, a Córsega e a Sicília. Destas ilhas partiam expedições de pilhagem (saque) sobre a costa sul da Europa Ocidental. Estes, inclusive, desde o início do século VIII (711), ocuparam a Península Ibérica, permanecendo na região até o final do século XV, quando foram expulsos. Os “invasores” do leste – os húngaros, também denominados magiares, vindos da Ásia, na primeira metade do século X, e que, após se cristianizarem, se fixaram em várias regiões da Europa Central. Os “invasores” do norte – os vikings (ou north men), que, a partir do século IX, realizaram sucessivas incursões em diversas regiões do litoral europeu e que, durante mais de 200 anos, segundo cronistas da época, produziram uma verdadeira onda de pânico, a tal ponto que uma oração da época implorava: “Do terror normando, livrai-nos, Senhor”. Essas invasões além de terem, num primeiro momento, destruído e devastado diversas regiões, também contribuíram para: - revelar a fragilidade das monarquias cristãs medievais; - o fortalecimento do poder dos nobres que, não podendo contar com qualquer tipo de ajuda dos reis, defendiam suas propriedades com recursos materiais e humanos próprios, num processo de “privatização da defesa”; - a ruralização da economia e o predomínio dos grandes domínios senhoriais (grandes propriedades rurais, que chamaremos de feudo); - o surgimento de grandes construções fortificadas (castelos), o que acentuou o caráter privado da defesa; - o fortalecimento da Igreja Católica, cada vez mais percebida como a única instituição capaz de assegurar, até mesmo pela capacidade de conversão dos pagãos, alguma ordem e conforto espiritual. Neste período, muitos castelos foram construídos na Europa. A defesa das terras e das pessoas cada vez mais ficava sob a responsabilidade do senhor local, fosse ele leigo ou religioso (clérigo), já que os reis não tinham os recursos necessários. A sociedade, essencialmente rural, foi se “fechando” em torno dos castelos dos senhores, acentuando assim, a força particular da nobreza e a fragmentação do poder político. Quando construídos em regiões de fácil acesso, como planícies, edificavam-se grossas muralhas que protegiam não apenas seus habitantes, mas as populações das aldeias próximas, constituindo-se assim num espaço privilegiado de defesa da comunidade. Como resultado de todas as transformações que ocorreram no contexto histórico dos primeiros séculos da Alta Idade Média, constituiu-se a sociedade feudal, cujo núcleo central era o feudo. (Flávio BERUTTI, Caminhos do homem. Curitiba, 2010.) Texto adaptado.