Coutinho, Luciano. “A economia é política (e vice-versa)” São Paulo: Folha de São Paulo, 4 de março de 2001. Jel: H A economia é política (e vice-versa) Luciano Coutinho A fragilidade da economia brasileira -dada pela grande vulnerabilidade das contas externas deficitárias e pela alta sensitividade da rolagem da divida interna concentrada no curto prazo- ficará em evidência à medida que a incerteza política ganhe vulto nos próximos meses. As eleições gerais de 2002 serão decisivas para a definição da linha mestra da política econômica no futuro, e os mercados financeiros já emitem sinais discretos de inquietação. A atual equipe econômica, sensível como é aos meneios dos mercados, já busca obsequiosamente oferecer salvaguarda: a "autonomia" do Banco Central, com o mandato de uma diretoria "confiável" projetando-se ao longo do período do governo que será eleito no ano que vem. Esse expediente não será, contudo, suficiente para aplacar os temores. Até que fique clara a viabilidade eleitoral de uma candidatura situacionista, ou melhor, continuista, os mercados tremerão e cobrarão taxas de risco crescentes. A viabilidade do continuismo dependerá crucialmente do desempenho econômico nos próximos 18 meses. Em um cenário de crescimento moderado porém contínuo (digamos, de 4% ao ano), com melhora persistente do mercado de trabalho, será possível a montagem de uma candidatura situacionista potencialmente forte, capaz de unir a ampla base de sustentação partidária do governo FHC. Contudo essa operação política não será fácil e estará sujeita a incertezas. Depende, de um lado, da continuidade da trajetória de recomposição da popularidade do presidente Fernando Henrique Cardoso, habilitando-o a atuar como árbitro do processo de fixação do candidato oficial e, de outro, da habilidade política da equipe do Planalto em administrar a conflitiva competição dentro da base governista. Há um fator estrutural que favorece uma candidatura situacionista de união: a ampla base de prefeitos e de vereadores dos partidos conservadores. Numa eleição "casada" -que inclui deputados estaduais e federais, duas vagas para o Senado, governadores de Estado, além da Presidência e vicePresidência da República- essa base (com cerca de 4.250 prefeituras dentre os 5.000 municípios brasileiros e dezenas de milhares de vereadores) é extremamente importante, pois assegura a presença das candidaturas situacionistas nas pequenas cidades e zonas rurais. As oposições, em contraste, embora estejam fortes nas grandes cidades e capitais, contam com apenas 750 prefeituras em todo o país, carecendo de capilaridade em muitas regiões. Será necessário, porém, que as forças políticas de situação -especialmente os três grandes partidos, PMDB, PFL e PSDB- julguem que os benefícios potenciais da união de forças superem as vantagens de lançar candidaturas próprias com reafirmação de suas identidades partidárias. Tanto no PFL como, especialmente, no PMDB, há correntes respeitáveis que defendem candidaturas próprias. Por exemplo, o retorno do governador Itamar Franco ao PMDB, com o compromisso de lançamento de sua candidatura à Presidência, causaria sério estrago às hostes governistas. Será, portanto, inevitável que a incerteza sucessória afete a política macroeconômica, especialmente a partir do segundo semestre deste ano. As oposições, por sua vez, terão que reconhecer os efeitos dessas incertezas e lidar com eles. Em um cenário de crescimento moderado, favorável ao governo, precisarão demonstrar capacidade de propor uma nova política econômica que mantenha a estabilidade de preços, organize o crescimento e dê solidez à economia e às contas externas. Os mercados e a imprensa conservadora cobrarão caro se as suas propostas forem inconsistentes. Em contraposição, há a oportunidade, preciosa, de formular uma política alternativa que reconstrua bases financeiras, fiscais e cambiais de suporte ao desenvolvimento sustentável -decerto uma tarefa difícil e complexa mas altamente promissora para a sociedade brasileira (e para os próprios mercados, se estes tiverem alguma clarividência). Já em um hipotético cenário de crise internacional haveria possivelmente mais espaço para alternativas heterodoxas (se os efeitos da suposta crise já tiverem causado, por si, a disrupção dos mercados). Além desse desafio, as oposições (especialmente o PT) estarão expostas nos próximos meses às mazelas da difícil administração de importantes capitais e grandes cidades em todo o país. Em resumo, as nuvens semoventes da política exercerão influência substancial sobre o curso das expectativas econômicas (e, portanto, sobre o curso real da economia), assim como a trajetória da economia condicionará decisivamente o cenário político. Quem ignorar essa dialética da economia para a política e vice-versa poderá incorrer em equívocos de julgamento onerosos ou lamentáveis.