Lectio Divina do Evangelho do IV Domingo Comum C 2013 21 Começou, então, a dizer-lhes: «Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir.» 22 Todos davam testemunho martyrein em seu favor e se admiravam com as palavras repletas de graça que saíam da sua boca. Diziam: «Não é este o filho de José?» (cf Mc6,3: Não é este o carpinteiro, o filho de Maria) 23 Disse-lhes, então: «Certamente, ides citar-me o provérbio: ‘Médico, cura-te a ti mesmo.’ Tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaúm, fá-lo também aqui na tua terra.» 24Acrescentou, depois: «Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua pátria. (Jer.11,18-21) 25Posso assegurar-vos, também, que havia muitas viúvas em Israel no tempo de Elias, 1 Rs 17,1-24; 18,1 quando o céu se fechou durante três anos e seis meses e houve uma grande fome em toda a terra; 26contudo, Elias não foi enviado a nenhuma delas, mas sim a uma viúva que vivia em Sarepta de Sídon. 27Havia muitos leprosos em Israel, no tempo do profeta Eliseu, 2 Rs 5,1-15. mas nenhum deles foi purificado senão o sírio Naaman.» 28Ao 29E, ouvirem estas palavras, todos, na sinagoga, se encheram de furor. erguendo-se, lançaram-no fora da cidade e levaram-no ao cimo do monte sobre o qual a cidade estava edificada, a fim de o precipitarem dali abaixo. 30Mas, passando pelo meio deles, Jesus seguiu o seu caminho (Lc.13,33: para Jerusalém) Invocação do Espírito Santo – cântico de Taizé: Tu és fonte de vida. Tu és fogo. Tu és Amor. Vem, Espírito Santo. Vem, Espírito Santo! I. Leitura 1. Contexto do Evangelho: Retoma o discurso programático ou «manifesto» de Jesus na Sinagoga de Nazaré, iniciado no Domingo III. Mostra-nos as reações à «homilia» de Jesus em Nazaré. 2. Em que dia sucede? Ao sábado, o dia do repouso, o dia em que nada se faz… 3. Qual é a reação inicial dos conterrâenos às palavras de Jesus? «Todos davam testemunho a seu favor… e admiravam-se» (Lc 4,23) … Qual a reação final dos conterrâneos: «encheram-se de furor… expulsam Jesus da sua terra» (Lc 4,28-29). As gentes de Nazaré olham, num primeiro momento, este Jesus com apreço e admiração, mas rapidamente passam a uma atitude hostil para com Ele. Passa-se rapidamente do entusiasmo à agressão, como aconteceu a Paulo (At.13,44-45). 4. Qual é a queixa dos conterrâneos de Jesus, que se deduz das próprias palavras de Jesus e que explica esta mudança? Apontam-lhe outra «paternidade»: «Não é este o “FILHO DE JOSÉ”?»; denunciam a sua inação: «o que ouvimos dizer que FIZESTE em Cafarnaum, FAZ também aqui na TUA PÁTRIA». 5. O que é Jesus faz? Neste SÁBADO INICIAL, Jesus NÃO FAZ nada de semelhante àquilo que fará nos outros SÁBADOS. Este SÁBADO INICIAL reclama aquele SÁBADO FINAL em que Jesus também NADA FAZ: passá-lo-á inteiramente deitado no sepulcro! E a própria Paixão é exatamente o contrário de uma manifestação de poder: é antes passividade e impotência de Jesus! Ele, que tinha salvado outros, não se salvará a si mesmo! 6. Que diz Jesus em resposta à crítica que ele lê nos seus ouvintes? Jesus continua também a não dizer nada de novo. Cita dois provérbios: «Médico, cura-te a ti mesmo» e «nenhum profeta é bem aceite na sua pátria», sendo que os provérbios são património de todos e de ninguém. A citação dos provérbios não é inocente. Mostra Jesus, como PROFETA. De facto, ao citar o provérbio «Médico, cura-te a ti mesmo», Jesus está a dizer o que ainda não foi dito, mas será dito no cenário da Paixão: «Salvou os outros, que se salve a si mesmo!» (Lucas 23,35), dirá o povo; «Salvate a ti mesmo!» (Lucas 23,37), dizem os soldados. E ao dizer: «Nenhum Profeta é bem recebido na sua pátria», Jesus está a apresentar-se como Profeta verdadeiro. A Palavra profética faz o caminho, e não é o caminho que faz a Palavra. Na verdade, a perseguição começará logo ali e será uma constante ao longo do seu caminho. É esse caminho profético que ele faz e segue, passando pelo meio deles. 7. O profeta Jesus, de que profetas, se reclama? Reclama a obra de dois Profetas antigos, Elias e Eliseu, para mostrar que também eles NADA FIZERAM, para as gentes da SUA PÁTRIA. Também Jesus saltará fronteiras e atenderá estrangeiros. Bem ao contrário, Israel e as gentes de Nazaré: cegos, não acolheram a ESCRITURA de ontem como Palavra para eles «HOJE», do mesmo modo que no FILHO DE JOSÉ não souberam ver o Profeta, aquele que, como a Escritura, traz a Palavra. Quebram dessa maneira o laço de união entre o FILHO e a PÁTRIA, terra dos pais. 8. Como reagem os conterrâneos às palavras duras de Jesus? E para vincar melhor a rejeição desta herança que é o seu FILHO, expulsam-no para fora da cidade. Pior ainda, tramam a sua morte: matando o FILHO, renegam a própria paternidade, perdendo assim a sua própria identidade. Perdendo-se, portanto. Da admiração inicial à rejeição final. 9. Algumas palavras típicas de Lucas: “esta passagem da Escritura” (cf. Lc.24: Emaús), “hoje” (A ideia do "hoje” da salvação é acentuada muitas vezes por Lc: 2,11; 5,26; 13,32; 19,9; 23,43); e “seguiu o seu caminho”. II. Meditação 1. Quais as queixas ou denúncias que fazemos em relação a Deus? Que argumentos usamos, para o expulsar Deus da cena da nossa vida? 1.1. Não faz milagres! “Multiplica o pão e faremos de ti rei” (Jo.6,15). O mundo está cheio de milagres… mas para quem não crê nunca são suficientes. Para quem tem o olhar puro, os milagres são até são excessivos… 1.2. Muitas vezes preferimos milagres e visões à Palavra de Deus… desejaríamos sinais que não deixam dúvidas, que nos livrem da fadiga e da lida de crer. .. 1.3. Mas Deus, pelo contrário, vem como murmúrio de uma brisa ligeira, com a aparência da pobreza. É um Deus oculto, para garantir a nossa liberdade… Se Ele fosse evidente, seríamos como que esmagados, condicionados, sem hipóteses de lhe resistir na fé…«Para ser humana, a resposta de fé, dada pelo homem a Deus, deve ser voluntária» (CIC, n. 160). 1.4. O modo de ser de Deus, na sua relação connosco, deixa-nos livres: Não invade. Propõe-se. Não se apodera, para ser obedecido; quer apenas ser amado. Não se salva a si próprio… dá a vida pelos outros; 2. Que preconceitos minam a minha relação com Deus e com os outros? A mesquinhez de quem julga que Deus não pode ter as mãos sujas de um trabalhador (carpinteiro, filho do carpinteiro), que não pode ser alguém da porta ao lado… Ora o Espírito Santo acende a sua sarça na esquina de cada rua… III. Oração: “Não esperes que Ele se ponha sobre Ti e diga «Sou». Ouve-lo, quando não sabes porque te arde o coração. É Ele que se em ti se exprime” (Rilke). Ó Maria, Mãe da Igreja, confiamos-Te a nossa vida consagrada, derrama sobre nós a plenitude da luz divina: ensina-nos a viver na escuta da Palavra de Deus, na humildade do seguimento de Jesus, teu Filho e Senhor nosso, no acolhimento da visita do Espírito Santo, na alegria diária do magnificat, no labor do Evangelho, na edificação da Igreja pela santidade de vida. Ámen! (Oração – Semana do Consagrado 2013) Cântico de Taizé: Magnificat anima mea Dominum! Magnificat… Magnificat anima mea Dominum! IV. CONTEMPLAÇÃO: Não me ajuda ver-te, Senhor. Basta-me o teu evangelho, o teu espírito, uma face amiga em cada ascensão do coração. V. AÇÃO: Missão profética diz respeito a todos. Estou disponível para o incómodo dessa missão? Do Catecismo da Igreja Católica sobre os milagres: os sinais do Reino de Deus 547. Jesus acompanha as suas palavras com numerosos «milagres, prodígios e sinais» (At 2,22), os quais manifestam que o Reino está presente n'Ele. Comprovam que Ele é o Messias anunciado (Lc.7,18-23). 548. Os sinais realizados por Jesus testemunham que o Pai O enviou (Jo.5,36). Convidam a crer n'Ele (Jo 10,38). Aos que se Lhe dirigem com fé, concede-lhes o que pedem (Mc. 5,25-34). Assim, os milagres fortificam a fé n'Aquele que faz as obras do seu Pai: testemunham que Ele é o Filho de Deus (Jo 10,31-38). Mas também podem ser «ocasião de queda» (Mt 11,6). Eles não pretendem satisfazer a curiosidade nem desejos mágicos. Apesar de os seus milagres serem tão evidentes, Jesus é rejeitado por alguns (Jo 11,47-48); chega mesmo a ser acusado de agir pelo poder dos demónios (Mc 3,22). O homem de hoje e o milagre «Os milagres incomodam-nos. Tempos houve em que se acreditava por causa deles. Hoje acreditaríamos mesmo contra eles! Mas isto talvez se deva ao facto de termos uma falsa ideia deles. Analisemos alguns pontos. O milagre é um sinal. O poste de sinalização à beira da estrada tem uma realidade (ferro, cimento), uma forma (redondo, triangular); estas podem variar, não tem importância; o essencial é a mensagem que o poste transmite: anuncia uma curva, ou cruzamento... Assim também o milagre tem uma realidade histórica: um facto que sai das normas, o bastante para que a gente repare. Mas o essencial é a sua mensagem, o que ele anuncia. Que diz ele? O milagre é sinal só para o crente. Um presente entre amigos só é «presente» porque já são amigos; um objeto dado na rua por um desconhecido não é um sinal, mas uma interrogação. Para reconhecer, num determinado facto, um «milagre», é necessário ter já a fé. O Departamento Médico de Lourdes, composto de médicos crentes e não-crentes, declara apenas: Esta cura é inexplicável para a ciência. O crente poderá, em seguida, se o quiser, ver nela um «milagre». E para isso é preciso que o acontecimento se dê num determinado contexto, deve estar relacionado com outros factos, com palavras. Lourdes é, antes de mais, um lugar de oração, e é neste contexto que as curas podem ter um sentido. Os milagres de Jesus estão sempre ligados ao Seu ensinamento. Para o não-crente, o milagre é uma interrogação, nunca uma «prova». Se desconheço o código da estrada, aquele objeto estranho na berma da estrada é para mim um ponto de interrogação; mas de nada me serve ficar a examiná-lo; tenho mas é de me informar junto de alguém que saiba. Este explica-me o significado e é esse que eu aceito. Do mesmo modo, um facto inexplicado pode levar o não-crente a fazer a pergunta: Que é isto? O crente pode então dar-lhe a sua interpretação: É um sinal do meu Deus. O não-crente pode aceitar esta interpretação fazendo-se crente, ou pode recusá-la, procurando outra explicação. O milagre não é uma «prova»; ninguém se converte por causa do milagre - este coloca apenas uma interrogação -, mas por causa do sentido transmitido pelos crentes. O milagre é um sinal relativo a uma época: Factos há que podem ser «extraordinários» numa época e não sê-lo já noutra. O Departamento Médico de Lourdes declara: Esta cura é atualmente inexplicável para a ciência. Poderá ser explicada um dia. Pouco importa. Se o milagre fosse uma prova, seria desonesto da parte de Deus aproveitar-Se da nossa ignorância para nos «apanhar», como um missionário que provasse a existência de Deus pondo a trabalhar um gravador. Se é um sinal, pouco importa o seu suporte: o nosso empenhamento tem como fundamento uma doutrina, não um prodígio. Certos milagres de Jesus poderiam parecer-nos explicáveis hoje. Mas é uma falsa pista tentar reconstituir «0 que se passou». Tomemos um exemplo: um animista negro anuncia-me: Os deuses estão encolerizados; vomitam fogo no cimo da montanha! É a sua interpretação de crente. Mas qual é a realidade? Se desconheço o país, sei que aconteceu qualquer coisa, mas não posso dizer se se trata duma erupção vulcânica, dum incêndio numa floresta ou duma trovoada. Na época de Jesus, o «milagre» era corrente entre os Judeus e os grandes santuários milagrosos gregos, como Pérgamo ou Epidauro, com os seus ex-votos e os seus hospitais eram tão importantes como Lourdes. Jesus não teria sido um homem religioso do Seu tempo se não tivesse feito milagres. O essencial não é, certamente, verificar a historicidade de tal milagre, mas saber o que pode ser hoje «milagre» para os nossos contemporâneos. E o «extraordinário» deslocou-se. É talvez menos do domínio material - a ciência ensinou-nos que se pode (que se poderá?) explicar tudo - que do domínio espiritual: poderá ser, por exemplo, um gesto de perdão. Num mundo duro, violento, de luta pela vida, o gesto gratuito - e ainda o do perdão - é extraordinário e pode levar o não-crente a fazer a pergunta: Por que fazes isso? Os relatos de milagre da Bíblia não deveriam levar-nos a fazer a pergunta: «Que aconteceu?», mas esta: Como é que, hoje, posso ser «milagre», sinal de interrogação para aqueles que comigo vivem? Entre esposos, tudo é sinal de amor. O contacto frequente com a Bíblia deve levar o crente a descobrir que o mundo inteiro é «milagre», sinal da ternura de Deus». ETIENNE CHARPENTIER, Para ler o Novo Testamento, [Iniciação/2], Ed. Perpétuo Socorro-Difusora Bíblica, Lisboa 1986, 68.