Relendo a Bíblia, Revendo a Teologia Paulo Neto Análise crítica de alguns temas bíblicos de acordo com uma visão não dogmática. Mar/2007. Se eu estiver certo por mais que você esperneie ou grite isso não vai adiantar nada, mas se eu estiver errado, então, você não tem com o que se preocupar. Agradecimentos Os nossos sinceros agradecimentos a todos os membros do Grupo Apologético Espírita – GAE, (www.apologiaespirita.org) pelo apoio e incentivo nas pessoas dos amigos Maurício C. Pimenta, João Frazão e Hugo Alvarenga, pelas suas valiosas sugestões aos textos colocados nesse nosso livro. Créditos aos amigos Thiago Toscano Ferrari e Vladimir Vitoriano da Silva cujos textos “A Serpente é Satanás?”e “Deuteronômio – Lei divina ou mosaica?, respectivamente, os fizemos em conjunto. À minha esposa Rosana e aos meus filhos Ana Luísa, Rebeca e João Pedro, que souberam compreender o tempo que lhes retiramos para dedicar a esse livro. Índice Agradecimentos 3 Apresentação 5 Prefácio 7 Toda Escritura é mesmo inspirada? 9 O Paraíso Perdido 18 A serpente é satanás? 21 A Arca de Noé 23 Torre de Babel: o carro na frente dos bois Sodoma e Gomorra 32 Matança dos varões nascidos de hebreus 44 Moisés, o Libertador 48 Mar Vermelho: a travessia que não existiu E aconteceu no Sinai 57 Deuteronômio – lei divina ou mosaica? 63 Milagres de ordem cósmica 68 A morte de Saul 70 Os mortos estariam dormindo? 72 O caso do arrebatamento de Elias 75 A Lenda Bíblica de Jó 78 Satanás – ser ou não ser, eis a questão. Jonas e a baleia 86 Nascido de uma virgem 91 A Fuga para o Egito 93 Nazareno: o significado 95 Mediunidade no tempo de Jesus 102 Mistérios ocultos aos doutos e inteligentes João Batista é mesmo Elias? 116 Eucaristia: Jesus a instituiu? 126 Pedro, tu és Papa? 129 O Ritual do Batismo 154 27 51 83 113 A traição de Judas – uma história mal contada 162 A Questão do Bom ladrão 166 O Enigma do Sudário 169 Espíritos em Prisão 171 A morte de Agripa 173 A conversa de Jesus com Nicodemos 176 O Antigo Testamento foi revogado por Jesus? 183 Será que os profetas previram a vinda de Jesus? Ressurreição, o significado bíblico 207 Jesus ficava calado? 216 Ecos do Passado - O paganismo no cristianismo 224 Ressurreição da Carne? 229 Ressurreição ou Reencarnação? 233 Inferno ou Purgatório? 237 Os milagres existem? 245 A mulher na Bíblia 249 O que efetivamente nos salva? 252 O fim dos tempos 262 Comunicação com os mortos na Bíblia 274 Os textos originais na Bíblia 281 Podemos questionar as escrituras? 287 Inspiração dos textos sagrados 289 Ajustes a dogmas 298 O espírito é imortal? 302 Conclusão Final 314 Referências Bibliográficas 315 188 Apresentação A Bíblia é um livro excepcionalmente importante para toda a Humanidade. Foi o primeiro livro a ser impresso tipograficamente, sendo também a obra publicada no maior número de idiomas em todo o mundo. Para alguns, o livro representa a palavra de Deus, de capa a capa. Para outros, entretanto, seu texto deve conduzir à reflexão e apreciado como literatura alegórica, em muitas oportunidades. A Bíblia é chamada de “O Livro Sagrado”, pelo respeito exacerbado que, ao longo dos séculos, foi construído pela Igreja. A reforma protestante exaltou, ainda mais, o texto bíblico, buscando torná-lo inatacável. As gerações humanas se sucederam, sem que, mesmo quanto aos trechos da Bíblia notoriamente exagerados ou controversos se colocasse qualquer observação, sob pena de granjear, o audacioso que assim procedesse, o epíteto de herege ou sacrílego. É inegável o excepcional valor de muitos ensinamentos do livro. É inaceitável, contudo, afirmar-se ser, todo o seu conteúdo a palavra de Deus, tantas são as menções carentes de racionalidade. Com a evolução temporal, surgiram vários estudiosos que deliberaram esclarecer, debater e reparar as passagens bíblicas merecedoras de observação. No Brasil, anteriormente, destacaram-se, como críticos da Bíblia, o conspícuo Dr. Carlos Imbassahy, espírita convicto e militante e o Dr. Mário Cavalcanti de Melo, autor do livro “Da Bíblia aos Nossos Dias”, cujo subtítulo é: “Suas lendas, seus erros e contradições”, em obra prefaciada pelo Professor Deolindo Amorim. Hodiernamente, irrompe outro grande estudioso da Bíblia, em seus múltiplos aspectos, o estimado confrade Paulo da Silva Neto Sobrinho, com os mesmos objetivos colimados por aqueles precursores ilustres, qual seja, o de retirar as “escamas” que perduram nos olhos de tantos, incrustados num dogmatismo irremovível. O escopo de Paulo Neto, nesta obra, confunde-se integralmente ao daqueles baluartes, o que se pode depreender da transcrição que, com a devida vênia faremos, de excerto do prefácio do Professor Deolindo Amorim à obra de Mário Cavalcanti de Melo: “A preocupação do Autor, entretanto, é de quem, não estando conformado com certos ensinos bíblicos até agora aceitos como definitivos e verdadeiros, quer rasgar o véu que ainda encobre muitas passagens da Bíblia e, assim, afastar dúvidas ou equívocos sensivelmente prejudiciais à exata compreensão de muitos pontos da História.” A maior virtude desta nova obra analisadora e revisora dos textos bíblicos é o enfoque de novos aspectos, sob uma ótica, raciocínio e lógica diferentes. Entretanto, acontece com todos aqueles que buscam estudar a Bíblia com base no realismo, serem considerados heréticos e inimigos da fé. Anteriormente, Paulo Neto lançou outra apreciada obra sobre o mesmo tema: “A Bíblia à Moda da Casa”. Evidenciando o fato de que a análise do texto bíblico prossegue suscitando muito interesse, surgiu esta nova obra, com nova formatação, em que os temas são estudados em tópicos separados. As incongruências, insubsistências e diatribes são exaustivamente estudadas, e o Autor demonstra excepcional capacidade ao demonstrá-las, e mais, de extrair conclusões eivadas de racionalidade das suas colocações. Assim como aconteceu com a sua obra antecedente, “A Bíblia à Moda da Casa”, este novo trabalho do Autor é um libelo contra o fanatismo e o dogmatismo. Tudo porque o enfoque dado ao texto bíblico é calcado num raciocínio embasado na Doutrina dos Espíritos, de Allan Kardec. O Espiritismo trouxe novos conhecimentos e novas luzes, em campos do saber humano até então inamovíveis, seja pelo tradicionalismo, seja pela oclusão mental. “Mais vale repelir dez verdades do que admitir uma só mentira”, lecionou o Codificador. Paulo Neto embasa suas reflexões, observações e conclusões no conhecimento espírita, que vem amealhando ao longo de seus estudos, em estrita observância aos preceitos doutrinários. Todo o seu trabalho é, mui certamente, oriundo de exaustivas pesquisas e de uma busca incessante de fontes confiáveis, pois a abordagem e a temária mexe e incomoda aos exegetas de plantão. O embasamento é necessário e, muitas vezes, imprescindível, para abafar reações esdrúxulas dos que se sentem atingidos com a exposição realista que é apresentada. Não é possível, entretanto, que se continue aceitando como verdade intocável e inamovível certas colocações e certas passagens bíblicas, à vista de equívocos e impossibilidades que saltam à vista de quantos as compulsem. Esta não é uma obra de leitura, mas sim de estudo. Apresentada em tópicos , cada um deles vai suscitar reflexão por parte do leitor. Alguns dos raciocínios e explicações apresentados serão apreciados com surpresa, levando o leitor a uma pergunta inevitável: “como nunca pensei nisso antes?” Honra ao raciocínio, à crítica e à capacidade intelectiva de Paulo Neto, lançando esta nova obra sobre assunto tão delicado e tão profundo quanto o conteúdo da Bíblia. Usufruamos desse manancial de informações. Belo Horizonte, em 15/04/2005. Gil Restani de Andrade (1941-2006) N.A.: Infelizmente o nosso companheiro e mestre Gil Restani desencarnou em 29/11/2006. A ele nossa eterna gratidão. Prefácio Ao longo de nossos estudos da Bíblia sempre nos deparávamos com passagens controvertidas cujas respostas, oferecidas pela teologia dogmática, não nos deixavam satisfeitos. Assim, resolvemos fazê-los como se não tivéssemos nenhuma informação sobre o assunto enfocado para que nada pudesse nos influenciar, já que o que aprendemos no passado poderia nos levar, sem que o quiséssemos, ao mesmo lugar onde se encontram os equívocos teológicos, cujos conceitos parecem não preocupar a seus representantes. Estamos vivendo na Era da Informação e os naturais questionamentos pipocam, quando nos vemos diante de determinadas passagens bíblicas, nas quais percebemos, por força da razão, que as explicações que nos foram dadas fogem da realidade contextual, histórica, geográfica e científica. Por incrível que pareça, o raciocínio sempre nos guiou para resultados completamente diferentes dos que estávamos acostumados a acreditar. Entretanto, as bases consistentes e sólidas que buscamos para nossos questionamentos nos levaram a esses resultados, novos é verdade, porém dotados de razão e lógica para sustentá-los. Sabemos que o presente estudo poderá chocar alguns, mas não mais que nós próprios o ficamos, quando nos deparamos com situações até contrárias ao que tínhamos em nossa bagagem cultural, que, segundo acabamos por perceber, estava cheia de peças colocadas por pessoas que não tinham o mínimo compromisso com a verdade, fato que nos levou a pensar: e se o que nos passaram não corresponder à realidade? Foi assim, em busca da verdade que fomos, nesse tempo todo, pautando os nossos estudos, não nos preocupando a qual resultado final poderíamos chegar. O choque mais extraordinário que tivemos foi quando, no estudo das citadas profecias a respeito de Jesus, não encontramos uma só que pudéssemos nos apegar como uma verdadeira profecia, explícita e direta, a seu respeito. Acreditamos que isso também irá chocar a muitos, entretanto, achamos que a verdade deverá se sobrepor, até mesmo porque Jesus nos recomendou: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Agora, mais do que nunca, entendemos o verdadeiro sentido dessa frase. Falava o Mestre justamente das adulterações, das interpolações, das interpretações de conveniência que fariam de seus ensinamentos, buscando, principalmente, subjugar os fiéis, os quais se tornam, em suas mãos, nada mais que simples joguetes do interesse do poder social ou financeiro, base fundamental de seus princípios, que nada tem, é claro, a ver com a verdade que liberta. Poderá nosso estudo, se bem divulgado, causar descontentamento em determinada liderança religiosa, essa a qual mais evidência o interesse do poder e do dinheiro, da qual já falamos. Mas encontrará repercussão favorável naqueles em que, como nós, o mais importante é a verdade legítima, não a fabricada por interesses como essas que vigoram entre quase todas as denominações cristãs. Esperamos, sinceramente, que outros autores, mais gabaritados que nós, possam levar adiante esse estudo que ora iniciamos com esse livro Relendo a Bíblia, Revendo a Teologia, que oferecemos ao leitor, como um trabalho crítico, livre dos conceitos dogmáticos tradicionais. Uma revisão teológica, que achamos urgente e necessária de se fazer, acreditamos tem tudo para ser feita por um espírita, pois, em sua grande maioria, se desembaraça dos conceitos do passado, por ser um livre pensador, cujo compromisso é a verdade. Mas não são todos os espíritas que agem assim, já que em nosso meio existem ex-fiéis de quase todas as correntes religiosas, que ainda trazem, por atavismo, os conceitos equivocados da teologia tradicional. Muitos desses, ainda acreditam que a Bíblia seja totalmente de inspiração divina, de onde se deve, para entendê-la bem, buscar o significado oculto de suas narrativas. Por nossos estudos, estamos concluindo que, por ser um livro escrito por homens e como tal impregnado das visões distorcidas da realidade, mescladas com superstições e crendices, bem como inúmeros relatos que não encontrariam apoio científico, são, em parte, produtos da imaginação de seus autores. Podemos, então, estar apenas mostrando a ponta do iceberg, para que outros possam identificar o muito ainda que se encontra camuflado pela teologia dogmática. Esperamos que isso possa fazer com que as pessoas venham a acreditar muito mais nas coisas divinas, do que como acontece agora, pela maneira como nos são transmitidos esses conhecimentos teológicos ultrapassados, que, na realidade, funcionam como verdadeiras fábricas de ateus. Esperamos, sinceramente, que Deus possa iluminar alguém para enxergar a extrema necessidade disso. Estaremos fazendo esse nosso estudo de forma a abranger a Bíblia como um todo. Os textos serão colocados, quando for possível, na ordem em que os assuntos aparecem no AT e no NT, quando não, obedecerão a ordem cronológica em que foram escritos. Achamos, por bem, isolar um dos textos, porquanto servirá ao leitor para avaliar se vale a pena continuar ou não a leitura, para evitar que o conteúdo desse livro choque com os seus princípios religiosos, adquiridos ao longo do tempo. Trata-se do texto “Toda Escritura é mesmo Inspirada?” que virá em primeiro lugar. Paulo Neto Toda Escritura é mesmo inspirada? Sempre nos aparecem pessoas defendendo a origem divina da Bíblia, usando, para sustentar essa posição, a seguinte passagem: “Toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, preparado para toda boa obra” (2Tm 3,16-17). Ora, como foram os homens que escreveram a Bíblia, retirar, dela mesma, algo para provar sua veracidade não seria agir com bom senso. Seria como aceitar o argumento de um falsário de que aquilo que ele fez é verdadeiro. Como já dissemos, em outras oportunidades, usar desse tipo de argumentação, é ficar rodando em círculo. Aliás, os que fazem isso são, normalmente, aqueles que dificilmente lêem alguma coisa fora do meio religioso em que vivem. Aí vale a frase: “Quem ouve um sino só escuta um som, não podendo, portanto, saber se está afinado” (LETERRE, 2004). Essa forma de argumentação é, segundo Rodrigo Farias, do tipo “Raciocínio circular ou Petição de Princípio”, que assim explica: Esse é um erro comuníssimo em debates ou pregações religiosas. Trata-se simplesmente de afirmar a mesma coisa com outras palavras. Alguns exemplos: 1. "Por que a Bíblia é a Palavra de Deus? Ora, porque ela foi inspirada pelo próprio Criador." ou, ainda, no que eu chamaria de "variação Tostines": 2. "A Bíblia é perfeita porque é a Palavra de Deus. E como sabemos que ela é a Palavra de Deus? Pela sua perfeição." Esse exemplo é fácil de encontrar, especialmente nos meios evangélicos mais conservadores. É importante ressaltar que ele foi posto aqui apenas para ilustrar um tipo de raciocínio falacioso muito freqüente, não para desmerecer a Bíblia ou a crença de quem quer que seja. Um exemplo laico agora: 3. "Eu acho que alpinismo é um esporte perigoso porque é inseguro e arriscado." Dizer que algo é "inseguro e arriscado" não é o mesmo que dizer que ele é "perigoso"? Ora, o que essa "explicação" acrescentou que justificasse a idéia de que alpinismo é perigoso? Nada. Simplesmente, repetiu-se a primeira afirmação com outras palavras. 4. "Por que eu sou a pessoa mais indicada para o trabalho? Porque eu descobri que, dentre todos os outros candidatos, e considerando minhas qualificações, eu sou a melhor pessoa para o trabalho." Valem as mesmas observações. Porém prestemos atenção num detalhe: às vezes, quando a "justificativa" é muito longa, podemos nos perder e não notarmos que a pessoa acabou não dando evidências para aquilo que disse. Um exemplo trágico poderia ser a frase de Goebbels, propagandista do regime nazista alemão: "Uma mentira, repetida muitas vezes, acaba se tornando uma verdade." Afirmações muito repetidas podem ganhar um status tal que as pessoas podem nunca ter parado para pensar realmente no porquê de acreditarem nelas. Crenças inculcadas desde a infância ou em períodos de fragilidade emocional são casos típicos. Por isso, tenhamos a máxima prudência com aquilo que nos chega aos ouvidos e com a maneira como abordaremos certas crenças arraigadas num debate; antes de questionar os outros, convém darmos uma olhada na nossa própria fé em certas premissas, que talvez nunca tenhamos analisado criticamente. (FARIA, 2007). O filósofo Baruch de Espinosa (1632-1677), em seu livro Tratado Teológico-Político, fez uma interessante observação, que é atualíssima; vejamo-la: Toda a gente diz que a Sagrada Escritura é a palavra de Deus que ensina aos homens a verdadeira beatitude ou caminho da salvação: na prática, porém, o que se verifica é completamente diferente. Não há, com efeito, nada com que o vulgo pareça estar menos preocupado do que em viver segundo os ensinamentos da Sagrada Escritura. É ver como andam quase todos fazendo passar por palavra de Deus as suas próprias invenções e não procuram outra coisa que não seja, a pretexto da religião, coagir os outros para que pensem como eles. Boa parte, inclusive, dos teólogos está preocupada é em saber como extorquir dos Livros Sagrados as suas próprias fantasias e arbitrariedades, corroborando-as com a autoridade divina. (ESPINOSA, 2003, p. 114). Espinosa, falando a respeito das interpretações bíblicas, apresenta um argumento desconcertante, tanto quanto oportuno, qual seja: Os comentadores, porém, na tentativa de conciliar essas contradições manifestas, inventa cada um aquilo que pode e o engenho lhe deixa, e, enquanto estão assim adorando as letras e as palavras da Escritura, mais não fazem, como já o dissemos, que expor os autores da Bíblia ao ridículo, a ponto de parecer até que eles não sabiam falar nem expor com nexo aquilo que tinham para dizer. (ESPINOSA, 2003, p. 181). E, ainda, sobre os que crêem cegamente em tudo que consta da Bíblia, não deixou, também, de fazer suas valiosas considerações, com o seguinte teor: Julgam que é piedoso não se fiar na razão e no próprio juízo e que é ímpio duvidar daqueles que nos transmitiram os livros sagrados: mas isso não é piedade, é pura demência! Afinal, pergunto eu, o que é que os preocupa? O que é que receiam? Porventura a religião e a fé só podem ser mantidas se os homens forem totalmente ignorantes e despedirem definitivamente a razão? Se é isso o que pensam, então é porque a Escritura lhes inspira mais medo que confiança. (ESPINOSA, 2003, pp. 225226). Sempre estamos recorrendo a esse renomado filósofo, porquanto, vemos tudo aquilo que fala como coisas bem atuais, que, se não o citássemos como origem, certamente, elas seriam tomadas como sendo de um autor hodierno. Não vamos, neste momento, relacionar textos bíblicos para provar que eles não são inspirados, porquanto, já o fizemos isso, conforme se verá mais à frente. A nossa proposta aqui será apenas a análise dessa frase com a qual abrimos esse estudo. Entretanto, para uma visão geral, traremos a seguinte informação resultante do grupo The Jesus Seminar (Seminário de Jesus), que contou, entre exegetas e teólogos, com cerca de duzentos acadêmicos, que se debruçaram, por sete anos, no exame dos Evangelhos. Em última análise, esses acadêmicos chegaram à conclusão de que Jesus jamais disse 82% do que os evangelhos atribuem a ele. A maior parte dos 18% restantes foram considerados duvidosos, sobrando apenas 2% de dizeres incontestavelmente autênticos. (STROBEL, 2001, citando Gregory A. BOYDE, Jesus under siege, Wheaton, Victor, 1995, p. 88). Vê-se, portanto, que a coisa é muito mais séria do que, inicialmente, poder-se-á supor. Uma outra opinião, que reputamos de grande valor, é a do ex-evangélico Bart D. Ehrman, porquanto ele é considerado, segundo os entendidos, a maior autoridade em Bíblia do mundo. Ehrman é Ph.D. em Teologia pela Princeton University e dirige o Departamento de Estudos Religiosos da University of North Carolina, Chapel Hill. É especialista em Novo Testamento, igreja primitiva, ortodoxia e heresia, manuscritos antigos e na vida de Jesus. Gravou uma série de conferências, muito populares nos Estados Unidos, para a Teaching Company, além de ser prefaciador do livro Evangelho de Judas, publicado recentemente. Leiamos o que ele afirma em seu livro O que Jesus disse? O que Jesus não disse?: [...] Eu sempre voltava a meu questionamento básico: de que nos vale dizer que a Bíblia é a palavra infalível de Deus se, de fato, não temos as palavras que Deus inspirou de modo infalível, mas apenas as palavras copiadas pelos copistas – algumas vezes corretamente, mas outras (muitas outras!) incorretamente? De que vale dizer que os autógrafos (isto é, os originais) foram inspirados? Nós não temos os originais! O que temos são cópias eivadas de erros, e a vasta maioria delas são centúrias retiradas dos originais e diferentes deles, evidentemente, em milhares de modos. (EHRMAN, 2006, p. 17). (grifo nosso). [...] Uma coisa é dizer que os originais foram inspirados, mas a verdade é que não temos os originais. Então, dizer que eles foram inspirados não me serve de grande coisa, a não ser que eu possa reconstruir os originais. E além disso, a vasta maioria dos cristãos, em toda a história da Igreja, não teve acesso aos originais, fazendo de sua inspiração um objeto de controvérsia. Nós não apenas não temos os originais, como não temos as primeiras cópias dos originais. Não temos nem mesmo as cópias das cópias dos originais, ou as cópias das cópias das cópias dos originais. O que temos são cópias feitas mais tarde, muito mais tarde. Na maioria das vezes, trata-se de cópias feitas séculos depois. E todas elas diferem umas das outras em milhares de passagens. (EHRMAN, 2006, p. 20). (grifo nosso). Em suma, meus estudos do Novo Testamento grego e minhas pesquisas dos manuscritos que o contêm me levaram a repensar radicalmente o meu entendimento do que é a Bíblia. Antes disso – a começar de minha experiência de novo nascimento no ensino fundamental, passando por meu período fundamentalista no Moody, até chegar aos meus tempos de evangélico em Wheaton -, minha fé baseava-se completamente em uma certa visão da Bíblia como palavra infalível de Deus, integralmente inspirada. Agora, deixei de ver a Bíblia desse modo. A Bíblia passou a ser para mim um livro completamente humano. Do mesmo modo como os copistas humanos copiaram, e alteraram, os textos das Escrituras, outros autores humanos escreveram os originais dos textos das Escrituras. Ela é um livro humano do começo ao fim. E foi escrita por diferentes autores humanos, em diferentes épocas e em diversos lugares para atender a diferentes necessidades. Muitos desses autores sem dúvida se sentiam inspirados por Deus para dizer o que disseram, mas tinham suas próprias perspectivas, suas próprias crenças, seus próprios pontos de vista, suas próprias necessidades, seus próprios desejos, suas próprias compreensões, suas próprias teologias. Tais perspectivas, crenças, pontos de vista, necessidades, desejos, compreensões e teologias deram forma a tudo o que eles disseram. Por todas essas razões é que esses escritores diferem um do outro. Entre outras coisas, isto significava que Marcos não disse a mesma coisa que Lucas porque não quis dar a entender o mesmo que Lucas. João é diferente de Mateus – eles não são os mesmos. Paulo é diferente dos de Atos dos Apóstolos. E Tiago é diferente de Paulo. Cada autor é um autor humano e precisa ser lido por aquilo que ele (supondo que se trate sempre de autores homens) tem a dizer. A Bíblia, feitas todas as contas, é um livro inteiramente humano. Essa era uma perspectiva inédita para mim, obviamente em tudo distinta da visão que eu tinha quando era um cristão evangélico – e que não é a visão da maioria dos evangélicos de hoje. (ERMAN, 2006, pp. 2122). (grifo nosso). Mas será que Ehrman não estaria sendo radical? É o que veremos no decurso deste estudo. Esse texto, objeto de nosso exame, foi retirado da segunda carta a Timóteo, cuja autoria alguns exegetas ainda atribuem a Paulo. A nossa pesquisa, entretanto, nos remete a uma outra hipótese. O que julgamos importante dela é que constatamos que não foi só um crítico quem colocou, sob sérias dúvidas, essa suposta autoria de Paulo. É o que passaremos a ver a partir de agora. O primeiro da lista é Ernest Renan (1823-1892), filósofo e historiador, que, na sua obra sobre a vida apostólica de Paulo, disse: [...] Imperfeitas e pesadas são as Epístolas apócrifas do Novo Testamento, por exemplo as escritas a Tito e a Timóteo; [...] [...] Cabe destacar ainda que Márcion, que em geral também se inspirou na crítica dos textos de Paulo e que repudiava com convicção as Epístolas a Tito e a Timóteo, admitira sem contestar, na sua compilação, as duas Epístolas citadas. [Colossenses e Efésios]. (RENAN, Paulo 13º Apóstolo, 2004, p. 17) (grifo nosso). Sobram as duas Epístolas a Timóteo e a Epístola a Tito. Grandes obstáculos oferece a autenticidade destas três epístolas. Eu as considero como peças apócrifas. Para o provar, poderia demonstrar que a linguagem destes três textos não é a de Paulo; poderia destacar uma quantidade de períodos e de expressões ou exclusivamente próprias ou particularmente utilizadas pelo autor que, sendo características, deveriam encontrar-se em proporção análoga nas outras epístolas de Paulo, o que não acontece. Além disso, faltam-lhes outras expressões, que são como a assinatura de Paulo. Poderia principalmente mostrar que estas epístolas contêm um elevado número de detalhes que não se apropriam ao autor suposto, nem aos supostos destinatários.(36). A habitual característica das cartas elaborada com uma intenção doutrinária é a de que o falsário vê o público sobre a cabeça do destinatário e escreve a este coisas muito conhecidas, muito familiares, mas que o falsário pretende fazer conhecidas do público. As três epístolas que discutimos têm, num grau elevado, esta característica (37). Paulo, cujas cartas autênticas são tão especiais, tão precisas, Paulo que, acreditando num fim do mundo próximo, nunca supõe que virá a ser lido através dos séculos, teria sido aqui um pregador geral, despreocupado com o seu correspondente para lhe fazer sermões que não tinham nenhuma relação com ele e dirigir-lhe um pequeno código de disciplina eclesiástica, considerando o futuro (38). Mas estes argumentos, que por si só seriam decisivos, posso perfeitamente dispensálos. Para provar a minha tese, utilizarei apenas argumentos que o sejam por assim dizer materiais; procurarei demonstrar que não existe maneira desta epístolas encaixarem-se nem no quadro conhecido nem no quadro provável da vida de Paulo. Inicialmente muito importante é a semelhança perfeita destas três epístolas entre si, semelhança que nos impede a admiti-las como autênticas ou a repeli-las como apócrifas. As particularidades que as distinguem profundamente das outras epístolas de Paulo são as mesmas. As expressões pouco usuais ao estilo de Paulo, encontram-se por igual em todas as três. As imperfeições, que tornam a sua linguagem indigna de Paulo, são idênticas. É esquisito que cada vez que Paulo escreve aos seus discípulos, se esqueça da sua maneira corriqueira, caindo nas mesmas divagações, nas mesmas bobagens. As próprias idéias dão lugar a uma observação análoga. As três epístolas estão repletas de conselhos vagos, exortações morais de que Timóteo e Tito, familiarizados por um comércio cotidiano com as idéias do apóstolo, não tinham nenhuma necessidade. Uma espécie de gnosticismo são os erros que nelas se combatem. Nas três epístolas a preocupação do autor não muda; reconhece-se a idéia obsidiante e incansável de uma ortodoxia já formada e de uma hierarquia já desenvolvida. Muitas vezes os três escritos repetem-se entre si (39) e copiam as outras epístolas de Paulo (40). Sem dúvida que, se estas três epístolas foram ditadas por Paulo, todas são de um determinado período da sua vida (41), distante em muitos anos do tempo em que redigiu as outras epístolas. Qualquer hipótese que coloque entre estas três epístolas um intervalo de três ou quatro anos, por exemplo, ou que coloque entre elas algumas das outras epístolas, deve ser repudiada inteiramente. Existe apenas uma única hipótese para explicar a semelhança das três epístolas entre si e a sua dessemelhança com as outras, ou seja, que é a de que foram escritas num espaço de tempo muito curto e muito tempo após as outras, numa época em que todas as circunstâncias que rodeavam o apóstolo tinham mudado, tendo ele envelhecido e alterado as suas idéias e o seu estilo. A possibilidade de provar essa hipótese, não significa que se resolva a questão. O estilo de um homem pode mudar; mas de um estilo o mais impressionante e inimitável que nunca existiu, não se passa para um estilo prolixo e sem vigor (42). Além disso, tal hipótese é formalmente destruída pelo que nós conhecemos, com segurança, da vida de Paulo. A seguir, isso será demonstrado. ________ 36 Por exemplo, as direções solenes (confronte-se com Filém., 1; e contudo Paulo era menos amigo de Filémon do que de Tito e Timóteo); as longas dissertações que Paulo faz sobre o seu apostolado (I Tim., I, 11 e seg.; II, 7), dissertações que, sendo dirigidas a um discípulo, são completamente inúteis; a enumeração das suas virtudes (II Tim., 10,11); a sua convicção na salvação final (II Tim. IV, 8; cf. I Cor., IV, 3-4; IX, 27) I Tim., I, 13, é bem do estilo de um discípulo de Paulo. I Tim., II, 2, não pode explicar-se nos últimos anos de Nero; devia ser escrito depois da proclamação de Vespasiano. Ibid. V, 18, encontra-se aí citada com graphé uma passagem de Lucas, X,7: ora o Evangelho de Lucas não existia, pelo menos como graphé, antes da morte de Paulo. Por fim a organização das igrejas, a hierarquia, o poder presbiterial e episcopal são, nessas epístolas, muito mais desenvolvidos do que seria natural supor nos últimos anos da vida de Paulo (ver. Tit. I,5 e seg. etc.; Timóteo recebeu as insígnias espirituais pela imposição das mãos do colégio dos padres de Listres: I Tim., IV,14). A doutrina sobre o casamento I Tim., II, 15; IV,3: V,14 (cf. III, 4,12; V,10) é também de uma época mais atual e está em contradição com I Cor., VII, 8 e seg., 25 e seg. O destinatário das Epístolas a Timóteo supõe-se em Éfeso; por que não se encontra nestas epístolas nenhuma comissão, nenhuma saudação específica para os efésios? 37 Observe-se, por exemplo, II Tim., III,10-11, ou melhor, I Tim., I,3 e seg., 20; Tit., I,5 e seg., e a menção de Pôncio Pilatos, I Tim., VI, 13 etc. 38 Destaca-se a insignificância da passagem I Tim., III, 114-115, que procura mostrar razão destas inúteis ampliações. 39 Compare-se I Tim., I,4; IV,7; II Tim., II,23; Tit., III,9; I Tim. III, 2; Tit., I,7; I Tim., IV,1 e seg., II Tim., III, 1 e seg.; I Tim., II,7; II Tim., I,11. Observe-se a analogia na maneira de introduzir no assunto. I Tim., 1,3, e Tit. I, 5. 40 II Tim., I,3 (Rom.,l,9), 7 (Rom., VIII,15); II,20 (Rom., IX, 21); IV, 6 (Fil., I,30; II,17; III, 12 e seg.). 41 Nas duas epístolas que lhe são dirigidas observe-se que Timóteo figura como um homem ainda jovem: I Tim., IV,12; II Tim., II,22. 42 Apesar de Lamennais ter mudado muito, o seu estilo manteve sempre a mais perfeita unidade. (RENAN, Paulo - o 13º apóstolo, 2004, pp. 24-26). (grifo nosso). Na seqüência, Renan faz considerações sobre estas epístolas de Paulo, demonstrando que, pelas características e pelo conteúdo, não podem ser mesmo desse autor bíblico. Vejamos também o que o escritor e professor de História Antiga, Robin Lane Fox, disse: [...] as duas epístolas a Timóteo são postas sob suspeita pelo estilo, e são por fim desautorizadas por seu conteúdo e por sua localização (um bispo único; a falta de conhecimento de Timóteo e sua descrição descabida dos acontecimentos que o cercavam). Seus autores foram muito ousados em sua falsificação. “Pedro, apóstolo de Cristo”, “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus”, é como se dizem chamar. Talvez estivessem escrevendo o que achavam que Pedro e Paulo “devessem” ter escrito, mas ainda assim mentiram para seus leitores. Se a Primeira Epístola a Timóteo é obra do século II, bem podia estar levando em conta o terceiro Evangelho quando cita o texto sobre “o salário do trabalhador”. Também atribuída a Paulo um texto enfático contra a ordenação das mulheres: “Pois não permito que a mulher ensine, nem tenha domínio sobre o homem, mas que esteja em silêncio” (I Timóteo 2:12). É a Segunda Epístola a Timóteo que contém o texto que os fundamentalistas tanto idealizam: “Toda escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir” (II Timóteo 3:16). A tradução é discutível, bem como a autoridade do texto. Isto dá uma boa idéia das complexidades envolvidas na veracidade da Bíblia: o texto que foi indevidamente empregado em apoio de uma visão literal da inspiração divina de toda a Bíblia é, ele próprio, obra de um autor que mentiu sobre sua identidade. (FOX, 1996, pp. 125-125).(grifo nosso). Agora iremos ver, para ampliar a abrangência de nossa pesquisa, o que dizem alguns tradutores bíblicos, pessoas com inegáveis conhecimentos sobre a Bíblia, cujas opiniões destacamos: As cartas a Timóteo e a Tito são dirigidas a dois dos mais fiéis discípulos de Paulo (At 16,14; 2Cor 2,13). Elas dão diretivas para a organização e conduta das comunidades confiadas a eles. É por isso que se tornou costumeiro, desde o século XVIII, chamá-las “pastorais”. Essas cartas divergem de maneira significava de outras cartas paulinas. Há considerável diferença de vocabulário. Muitas das palavras comuns em outras epístolas desapareceram, e há também uma proporção muito maior de palavras não usadas em outro lugar por Paulo. O estilo não é mais apaixonado e entusiasta, mas mitigado e burocrático. O modo de resolver problemas mudou. Paulo simplesmente condena falso ensinamento em lugar de argumentar persuasivamente contra ele. Finalmente, é difícil situar essas cartas na vida de Paulo, assim como é conhecida dos Atos dos apóstolos. É compreensível, portanto, que a autenticidade das pastorais seja disputada. Muitos explicam as diferenças postulando um Paulo mais velho, que deve ter dado muito mais espaço a um secretário (possivelmente Lucas, 2Tm 4,11) e levando em conta que nada conhecemos da vida de Paulo subseqüente à sua libertação da prisão em Roma. Igual número de estudiosos rejeitam tais argumentos como subjetivos demais, e sustenta que as pastorais foram compostas por um discípulo de Paulo no fim do século I para tratar de problemas de uma igreja muito diferente. Embora não impossível em si mesma, esta hipótese não é sustentada por qualquer evidência de que cartas pseudo-epigráficas fossem comuns e aceitáveis. 2Ts 2,2 e Ap 22,18 mostram que os primeiros cristãos viam a necessidade de distinguir entre escritos autênticos e forjados. Uma posição intermediária entre esses dois extremos defende-a por uma minoria que acredita que um leal seguidor de Paulo herdou três cartas que Timóteo e Tito conservaram até sua morte. Ele então expandi essas cartas, acrescentando o que pensava que seria dito por Paulo diante das circunstâncias mudadas da igreja. As pastorais então não são do Apóstolo, mas contêm fragmentos paulinos autênticos (p.e., 2Tm 1,15-18; 4,9-15; Tt 3,12-14). A falta de concordância sobre a extensão e número dos fragmentos é uma séria fraqueza dessa hipótese, que também falha em prover qualquer evidência contemporânea desta pratica editorial postulada. A natureza insatisfatória de todas as hipóteses correntes sugere que poderia ter sido um engano tratar as pastorais como um bloco unificado. Nessa aproximação, observações e afirmações são confusas. O que é visto como verdadeiro para uma carta é afirmado como válido para as outras duas. O exame minucioso, porém, revela que 1Tm e Tt são mais próximas um da outra do que ambas a 2Tm. Se a última é considerada separadamente, não há objeções convincentes de elas terem sido escritas por Paulo. Dirigidas a indivíduo, sua divergência em relação a epístolas dirigidas a igrejas tem seu paralelo nas diferenças entre as cartas de Inácio à igreja de Esmirna e ao seu bispo, Policarpo. Uma vez que se reconheça que 2Tm 4,6 não é referência à morte próxima, 2Tm se coloca naturalmente dentro do último período da prisão de Paulo em Roma (At 28,16s), quando olhava para a liberdade. Se 2Tm é aceita como autêntica, o isolamento de 1Tm e Tt no corpus paulino torna-se cada vez mais marcante. Em particular elas desenvolvem uma visão do ministério que contrasta vividamente com o ethos missionário dinâmico de Paulo (1Ts 1,6-8; Fl 2,13-16. Predomina um conceito burguês pela respeitabilidade e aceitação, 1Tm 2,1-2; 6,2; Tt 3,1-2), e as qualidades dos ministros são as requeridas de todos os burocratas (1Tm 3,1-13; Tt 1,5-9). Deste modo houve uma evolução definida nas igrejas paulinas. Uma igreja entusiástica radiante com o Espírito tornou-se um cômodo lar. Todavia, embora a liderança carismática tenha dado caminho á direção institucional, não há evidência do tipo do episcopado monárquico atestado por Inácio de Antioquia. A autoridade na igreja é colegial, e os “bispos” (1Tm 3,22-5), têm as mesmas funções que os “anciãos” (1Tm 5,17). Cada “ancião” precisa ter as qualidades de “bispo” (Tt 1,6-9). Assim, 1Tm e Tt não deveriam ser datadas muito tardiamente no primeiro século. (Bíblia de Jerusalém, Introdução às Epístolas de Paulo, pp. 1963-1964). “Epístolas pastorais” é o nome dado aos escritos dirigidos a Timóteo e a Tito, companheiros de missão de Paulo. A expressão caracteriza bem a natureza destas cartas, desde o II século atribuídas a Paulo. Elas contêm instruções e exortações sobre o reto desempenho do ministério pastoral nas comunidades, sobre a organização da Igreja e a luta contra as heresias. As três epístolas foram escritas na mesma época e pelo mesmo autor. [...] É difícil enquadrar estes dados na vida de Paulo como nós é conhecida dos Atos e de suas epístolas autênticas. Agora Paulo está algemado (2,9), enquanto na primeira prisão em Roma vivia em prisão domiciliar (At 28,16). Clemente Romano e o Cânon de Muratori admitem que Paulo, depois da primeira prisão romana, pregou na Espanha por certo tempo, foi novamente preso e por fim martirizado em Roma. Ora, as epístolas pastorais supõem viagens de Paulo no Oriente após a prisão romana (61-63). Este quadro histórico depõe contra a autenticidade das Pastorais. Além do mais, a teologia, a linguagem e o estilo, a organização da Igreja e a luta contra as heresias dificilmente se coadunam com o que sabemos de Paulo a seu tempo. A hipótese de um secretário ter redigido as epístolas enquanto Paulo estava preso a segunda vez em Roma, ou de que nestas epístolas temos fragmentos autênticos, são insuficientes para afastar as sérias objeções da crítica contra a autenticidade das Pastorais. O mais provável é que o seu autor não seja um discípulo imediato de Paulo, mas um admirador da segunda ou da terceira geração cristã. Segundo o costume da literatura helenística e judaica da época, produziu estas cartas pseudônimas, atribuindo-as a Paulo a quem considerava o maior dos apóstolos. O motivo que o levou a escrever foi o desejo de ser fiel ao evangelho pregado pelo grande apóstolo, diante da ameaça das heresias e da necessidade de organizar bem as comunidades a fim de esconjurar os perigos para a fé apostólica. Neste sentido a 1Tm e Tt podem ser vistas como a primeira constituição eclesiástica, e a 2Tm como o discurso de despedida, ou o testamento espiritual de Paulo às vésperas de seu martírio. A data de composição pode ser colocada pelo ano 100. (Bíblia Sagrada Editora Vozes, As Epístolas Pastorais, p. 1407). (grifo nosso). Introdução [...] Supôs-se que as cartas fossem de Paulo, e acreditou-se nisso durante séculos. Porém surgiu a crítica dos estudiosos e, com ela, a dúvida, como indicam as passagens em que Paulo fala de si na primeira pessoa (p. ex. 1Tm 1,11.12-16; 2Tm 4,6-8.16-18 etc.) Autenticidade As razões contra a autenticidade são fortes; referem-se à linguagem, à mentalidade, à situação proposta, e afetam as três cartas como corpo. a) O vocabulário. Segundo um cálculo cuidadoso, de 848 palavras que as três cartas usam, 306 não aparecem no resto do chamado corpo paulino, 175 não constam no resto do NT; faltam palavras típicas do vocabulário paulino, outras freqüentes escasseiam, algumas mudam de significado; díkaios significa honrado, pístis é um corpo de doutrina. Estilo: apararam-se a vivacidade, a paixão e o movimento; não argumenta para provar seu ensinamento; predomina uma tonalidade pacata e suave. A língua grega é mais depurada, mais próxima do grego helenístico. b) Mentalidade. A preocupação central das três cartas é garantir as igrejas como instituição, conservar o ensinamento tradicional e defenderse das ameaças de desvio doutrinal. Para isso é preciso nomear chefes competentes e confiáveis, manter a ordem e a concórdia, regular o culto. O autor repete o adjetivo “são/sã” para referir-se à ortodoxia, fala da “verdade”, repete que “alguns se afastaram de...” Ao ímpeto de evangelizar sucede aqui o esforço por manter. c) O quadro em que as cartas se inserem não combina com o que sabemos por outras informações de Paulo. Se o apóstolo vai morrer em breve (2Tm 4,5-8), como pode chamar Timóteo de jovem (1Tm 4,11)? O ancião deverá ter saído da sua prisão romana para retomar sua atividade no Mediterrâneo oriental. Essas razões somadas são mais fortes, mas não determinantes. Os defensores da autenticidade as rebatem, principalmente com evasivas; que com os anos o vigor e a combatividade de Paulo amainaram; que um tema diferente exigia uma linguagem nova; que se valia de um secretário redator; que seu pensamento tinha evoluído. E que em nossa informação sobre a atividade de Paulo há importantes lacunas, e aí as cartas poderiam encaixar-se. As réplicas são fracas: um ancião muda radicalmente de vocabulário? Esquece seus temas preferidos? Teorias sobre o autor Aceitando como mais provável a não autenticidade das três cartas, pensa-se que é um discípulo imediato ou mediato, da geração seguinte. Recorre à pseudonímia, procedimento corrente naquela época. Dá às suas instruções a forma de carta, escolhendo como destinatários dois insignes personagens do círculo paulino. Aceitamos que pôde utilizar material original do apóstolo. Provavelmente sentia-se herdeiro legítimo de Paulo; talvez os rivais citassem Paulo, deformando seu ensinamento. Não faltou a teoria de um compilador que teria composto e dado forma às três cartas com fragmentos autênticos do apóstolo. Nada do que foi dito diminui o valor canônico das Pastorais. São parte integrante do NT, reconhecida sempre por todas as confissões religiosas. [...] A data de composição seria o final do séc. I ou começo do séc. II. (Bíblia do Peregrino, Introdução - Primeira e segunda carta a Timóteo e carta a Tito, pp. 2847-2848). (grifo nosso) Assim, por mais três fontes diferentes, chegamos à mesma conclusão de que a Epístola, em que se encontra o passo citado, visando tornar evidente a inspiração bíblica como sendo divina, não é de Paulo. À guisa de informação, detalhamos: Bíblia do Peregrino versão do Pe. Luís Alonso Schökel, contou com uma equipe de quatorze colaboradores; Bíblia Sagrada Ed. Vozes, coordenação geral Ludovico Garmus, junto com mais onze pessoas, entre tradutores e revisores, e a Bíblia de Jerusalém, em cujo corpo, composto de católicos e protestantes, havia três coordenadores e um número de dezoito tradutores/revisores. Como se vê é uma quantidade respeitável de pessoas envolvidas, cuja competência não poder-se-á ser colocada em dúvida. Vamos à análise do texto. Em nosso estudo, deparamos com essa frase escrita de duas maneiras diferentes, as quais transcrevemos apenas o início, porquanto, é ele o que nos interessa neste momento: “Toda Escritura é inspirada por Deus é útil para instruir,...” “Toda Escritura divinamente inspirada, é útil para ensinar,...” A primeira frase é encontrada nas Bíblias pelas versões Mundo Cristão, Traduções Novo Mundo, Santuário, Vozes, Ave Maria e Paulus: de Jerusalém, do Peregrino e Pastoral e a segunda pelas versões Barsa, Loyola, Paulinas, SBB. A equipe de tradutores da Bíblia de Jerusalém, que sabemos ter sido composta de exegetas católicos e protestantes, informa-nos (p. 2077) que, na Vulgata, ela se encontra dessa forma: “Toda Escritura, inspirada por Deus, é útil.” É interessante observar a mudança na redação dessa frase, porquanto dizer que “Toda Escritura é inspirada por Deus” é uma coisa bem diferente daquilo que se quer afirmar dizendo “Toda Escritura divinamente inspirada”. A idéia que se passa por essa última frase é que existem outras Escrituras, porém não inspiradas. Ora, isto vai ao encontro da afirmação de Paulo (e da conclusão apresentada pelos vários biblicistas citados), viabilizando-a como de maior chance de ser a mais próxima do original. Isso agora compromete os próprios tradutores bíblicos, deixando-nos a crer na possibilidade de que mais lhes preocupavam eram suas idéias do que a dos autores aos quais traduziam. A afirmação pela frase de que “Toda Escritura é inspirada por Deus”, aproxima-se daquilo que Faria, denominou de “raciocínio do '8 ou 80'”, no caso, por conta do significado da palavra “toda” nesta frase. O que se percebe dos que se apressam em apontar textos da Bíblia, para justificar sua origem divina, é que não se dão ao trabalho de pesquisa, não analisam nada. E questionar? Nem pensar! Já que, para eles, tudo que lá se encontra é absolutamente verdadeiro. É claro que, diante dessa premissa, certamente não conseguirão ver nenhum erro ou contradição, por mais óbvios que sejam. Apenas cabe-nos apresentar alguma coisa visando a corroborar tudo quanto foi colocado anteriormente, já que, pela consistência e coerência, inclusive, quanto ao número significativo de exegetas envolvidos nas traduções, revisões e estudos bíblicos aqui citados, nos alinhamos com as opiniões mostradas neste estudo. Começaremos por um questionamento bem simples: será que o termo “Escritura”, dito por Paulo, se refere à Bíblia como um todo? A resposta iremos encontrar na explicação ao passo 2Tm 3,15-16: “Neste tempo, o NT estava ainda em período de gestação. Por isso, o termo 'Escrituras' refere-se, em concreto aos livros do AT”. (Bíblia Sagrada Edição Santuário, p. 1768). Isso é um golpe mortal naquilo que se apresenta como forte indício da inspiração divina ser “capa a capa”. Mas estaria essa informação coerente com os textos bíblicos? Sim, pois Paulo foi, acima de tudo, um ferrenho defensor do Evangelho e que, ao mesmo tempo, combatia a Lei. Pode-se, por exemplo, vê-lo, num corpo a corpo, contra a circuncisão, ritual judaico, contido no Antigo Testamento (Lv 12,3) que determinava que todos os meninos deveriam ser circuncidados, aos oito dias de nascido. Isso era aplicado, talvez por analogia, aos convertidos não procedentes do judaísmo. Assim é que, nos primórdios do cristianismo, queriam aplicar essa lei aos que se convertiam a essa nova crença; mas que ainda não haviam sido circuncidados. A atitude de Paulo, quanto a isso, foi radical, disse ele: 1Cor 7,17-19: “De resto, cada um continue vivendo na condição em que o Senhor o colocou, tal como vivia quando foi chamado. É o que ordeno em todas as igrejas. Alguém foi chamado à fé quando já era circuncidado? Não procure disfarçar a sua circuncisão. Alguém não era circuncidado quando foi chamado à fé? Não se faça circuncidar. Não tem nenhuma importância estar ou não estar circuncidado. O que importa é observar os mandamentos de Deus”. Seu combate à legislação mosaica ainda poderá ser visto em: Rm 7,4-6: “Meus irmãos, o mesmo acontece com vocês: pelo corpo de Cristo, vocês morreram para a Lei, a fim de pertencerem a outro, que ressuscitou dos mortos, e assim produzirem frutos para Deus. De fato, quando vivíamos submetidos a instintos egoístas, as paixões pecaminosas serviam-se da Lei para agir em nossos membros, a fim de que produzíssemos frutos para a morte. Mas agora, morrendo para aquilo que nos aprisionava, fomos libertos da Lei, a fim de servirmos sob o regime novo do Espírito, e não mais sob o velho regime da letra”. Gl 2,21: “Portanto, não torno inútil a graça de Deus, porque, se a justiça vem através da Lei, então Cristo morreu em vão”. E o próprio Jesus, também estabelece essa divisão, entre a nova lei e a lei mosaica, quando disse que “a Lei e Profetas vigoraram até João” (Lc 16,16), ou seja, esse foi o período – de Moisés a João Batista -, no qual ela teve valor como regra religiosa, depois, só aquilo que estiver relacionado à missão de Jesus que foi a de implantar o Evangelho. Essa sim, foi a grande preocupação de Paulo, conforme, para exemplo, podemos ver nessas passagens: Rm 1,1: “Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo e escolhido para anunciar o Evangelho de Deus,” Rm 1,16: “Não me envergonho do Evangelho, pois ele é força de Deus para a salvação de todo aquele que acredita, do judeu em primeiro lugar, mas também do grego”. Rm 10,16: “Mas, nem todos obedeceram ao Evangelho. Isaías diz: 'Senhor, quem acreditou em nossa pregação?'" Rm 15,16: “Sou ministro de Jesus Cristo entre os pagãos, e a minha função sagrada é anunciar o Evangelho de Deus, a fim de que os pagãos se tornem oferta aceita e santificada pelo Espírito Santo”. 1Cor 1,17: “De fato, Cristo não me enviou para batizar, mas para anunciar o Evangelho, sem recorrer à sabedoria da linguagem, a fim de que não se torne inútil a cruz de Cristo”. 1Cor 9,16: “Anunciar o Evangelho não é título de glória para mim; pelo contrário, é uma necessidade que me foi imposta. Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho!”. 1Cor 15,2: “É pelo Evangelho que vocês serão salvos, contanto que o guardem do modo como eu lhes anunciei; do contrário, vocês terão acreditado em vão”. Ef 1,13: “Em Cristo, também vocês ouviram a Palavra da verdade, o Evangelho que os salva...” 2Ts 1,6-8: “Deus fará o que é justo: vai mandar tribulações para aqueles que os oprimem, e a vocês, que são agora oprimidos, como também a nós, ele dará descanso, quando o Senhor Jesus se manifestar. Ele virá do céu com seus anjos poderosos, em meio a uma chama ardente. Virá para vingarse daqueles que não conhecem a Deus e não obedecem ao Evangelho do Senhor Jesus”. 2Tm 1,9-11: “Ele nos salvou e nos chamou com uma vocação santa, não por causa de nossas obras, mas conforme seu próprio projeto e graça. Esta graça nos foi concedida em Jesus Cristo desde a eternidade, mas somente agora foi revelada pela aparição de nosso Salvador Jesus Cristo. Ele não só venceu a morte, mas também fez brilhar a vida e a imortalidade por meio do Evangelho, do qual eu fui constituído anunciador, apóstolo e mestre”. Deixaremos aos que, porventura, ainda queiram alegar que Paulo pregava a validade das “Escrituras”, como um todo, o ensejo de nos apresentarem as passagens em que ele estaria dando essa orientação. Nem mesmo a podemos considerar como toda a revelação divina, pois Cristo não deixou dúvida quanto a isso ao afirmar: “Tenho ainda muito que vos dizer, mas não podeis agora suportar” (Jo 16,12), reservando, portanto, para o futuro outras revelações, quando passariam a ter melhores condições de assimilá-las. E, para finalizar, vemos que todas as opiniões, que citamos neste estudo, a respeito de serem outros os autores das epístolas mencionadas, são, de fato, coerentes, o que poderemos confirmar com o próprio Paulo que reclamara sobre isso; vejamos: 2Ts 2,1-3: “Agora, irmãos, quanto à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e ao nosso encontro com ele, pedimos a vocês o seguinte: não se deixem perturbar tão facilmente! Nem se assustem, como se o Dia do Senhor estivesse para chegar logo, mesmo que isso esteja sendo veiculado por alguma suposta inspiração, palavra, ou carta atribuída a nós. Não se deixem enganar de nenhum modo!...”. Assim, não há alternativa mais coerente, senão aquela de aceitar a hipótese levantada por Renan de que as três cartas pastorais (as duas a Timóteo e uma a Tito) são, sem dúvida alguma, apócrifas. A conseqüência disso é que, por tabela, a pessoa encarregada de escolher os livros para comporem a “Vulgata”, S. Jerônimo, fatalmente, também, ele não estava “totalmente” inspirado pelo Espírito Santo, segundo afirmou Clemente VIII (papa de 1592 a 1605), derrubando todo o alicerce dos que advogam tal coisa. O biblicista José Reis Chaves trata deste assunto em seu livro A Face Oculta das Religiões, ele, pessoalmente, nos resumiu da seguinte forma: É óbvio que se existisse a tal de inspiração tal qual dizem, São Jerônimo teria que ser o mais inspirado, pois foi ele que escolheu os livros tidos como canônicos (legais), verdadeiros, o que não aconteceu com os apócrifos (ocultos, desconhecidos), para formar a Vulgata. Lembremo-nos de que a Vulgata já existia, mas foi a de São Jerônimo que se tornou oficial e aprovada pelo Papa Dâmaso e passou a ser a Bíblia do cristianismo, com seu Velho e Novo Testamentos. Por tudo isso, e, especialmente, por vários outros textos, nos quais estudamos inúmeras outras passagens bíblicas, acabam derrubando, inevitavelmente, e a contragosto de muitos bibliólatras, a crença literal de que é a palavra de Deus e de que ela é toda inspirada por Deus, colocando a Bíblia, como um livro de cunho eminentemente humano. Certamente, que nossa opinião, reconhecemos, não tem mesmo um grande valor, mas, pelo menos, ela vai ao encontro da conclusão pessoal a que também chegou Ehrman, considerado por muitos estudiosos como sendo a maior autoridade em Bíblia do mundo. Nosso conhecimento, pois, nem de longe se pode comparar com o dele. Antes de finalizar esse estudo, voltemos, mais uma vez, ao eminente filósofo holandês: [...] Não quero, no entanto, acusar de impiedade os adeptos das várias seitas por adaptarem às suas opiniões as palavras da Escritura. [...] Acuso-os de não querer reconhecer aos outros a mesma liberdade e perseguir como inimigos de Deus todos os que não pensam como eles, por mais honestos e praticantes da verdadeira virtude que sejam, ao mesmo tempo que estimam como eleitos de Deus os que os seguem em tudo, ainda quando se trata de pessoas moralmente incapazes. (ESPINOSA, 2003, p. 215). [...] A fé, portanto, concede a cada um a máxima liberdade de filosofar, de tal modo que se pode, sem cometer nenhum crime, pensar o que se quiser sobre todas as coisas. As únicas pessoas que ela condena como heréticas e cismáticas são as que ensinam opiniões que incitem à insubmissão, ao ódio, às dissensões e à cólera; em contrapartida, só considera fiéis aqueles que, tanto quanto a sua razão e as suas capacidades lhes permitem, espalham a justiça e a caridade. (ESPINIOSA, 2003, p. 222). Ao encerrar este estudo, convém deixar bem explícito que o nosso objetivo, desde o início, é somente a busca da verdade, aliás, essa deveria ser a meta de todos nós. Plena razão tem o teólogo alemão Kersten, quando disse: Uma pessoa que freqüenta uma igreja cristã não pode deixar de assumir uma postura crítica, frente à proliferação de obscuros artigos de fé, e dos deveres e obrigações que a envolvem. Sem termos tido outros conhecimentos, e por termos crescido sob a única e exclusiva influência do estabelecido, somos levados a acreditar que, por subsistirem há tanto tempo, devem, necessariamente, ser verdade. (KERSTEN, 1988, pp. 12-13) Em hipótese alguma deveremos deixar de procurar a verdade, porquanto, é através disso que estaremos indo ao encontro dessas palavras de Jesus: “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8,32). Descobrimos um pensamento de Paulo, do qual temos, freqüentemente, nos utilizado, e que é: “...o Senhor é o Espírito; e onde se acha o Espírito do Senhor aí existe a liberdade” (2Cor 3,17). Isso que nos leva à conclusão de que, onde não existe liberdade, o Espírito do Senhor não se encontra. Mas o que isso tem a ver com o assunto em pauta? Poderá alguém nos perguntar. Em princípio nada, mas quando ficamos sabendo o que ocorre “por detrás dos bastidores”, vemos sua aplicação prática. Leiamos o seguinte relato: Bruce me convenceu a tentar me tornar um cristão “sério” e a me dedicar por inteiro à fé cristã. Isso significava estudar Escrituras em período integral no Moody Bible Institute, o que, entre outras coisas, implicaria uma drástica mudança de estilo de vida. ...matriculei-me no Moody, entrei e lá permaneci até o segundo semestre de 1973. A experiência no Moody foi intensa. Decidi me formar em teologia bíblica, o que significava encarar muito estudo bíblico e vários cursos de teologia sistemática. Ensinava-se uma só perspectiva em todos esses cursos, subscrita por todos os professores (eles todos assinavam um termo de compromisso) e por todos os estudantes (nós também o assinávamos): a Bíblia é a palavra infalível de Deus. Ela não contém erros. É completamente inspirada e é, em todos os seus termos, “inspiração verbal plena”. Todos os cursos que fiz pressupunham e ensinavam e ensinavam essa perspectiva; qualquer outra era considerada desviante e até mesmo herética. Acho que alguém pode chamar isso de lavagem cerebral. [...] (EHRMAN, 2006, p. 14) (grifo nosso). Entendemos, assim, que, com esse modesto estudo vamos convencer a muitos, mas não aos doutos e críticos, já que estamos cientes de que a “técnica de lavagem cerebral” se aplica por ai a mancheias, o que resulta na validade do ditado popular: “o pior cego é aquele que não quer ver”. O Paraíso Perdido Sempre ouvimos falar dessa história do paraíso, mas até hoje não nos apontaram a sua exata localização. É de estranhar-se, pois, supondose, como querem muitos, que os relatos bíblicos sejam verdadeiros; isso não poderia ocorrer de forma alguma, por colocar em cheque a onisciência divina. Será que estamos diante de um paraíso perdido, isto é, não localizado? E, como é de se esperar, os bibliólatras de plantão não irão gostar desse nosso novo questionamento. Mas o que fazer?... Não abrimos mão de usar a inteligência que Deus nos deu, uma vez que é pelo uso dela que nos diferenciamos dos irracionais. A passagem em questão é: Gn 2,8-14: “Iahweh Deus plantou um jardim em Éden (b), no oriente, e aí colocou o homem que modelara. Iahweh Deus fez crescer do solo toda espécie de árvores formosas de ver e boas de comer, a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal. Um rio saía de Éden para regar o jardim e de lá se dividia formando quatro braços (d). O primeiro chama-se Fison; se encontram o bdélio e a pedra de ônix. O segundo rio chama-se Geon: rodeia toda a terra de Cuch. O terceiro rio se chama Tigre: corre pelo oriente da Assíria. O quarto rio é o Eufrates”. A descrição é tão confusa que nem mesmo os vários tradutores e exegetas bíblicos conseguiram explicá-la de maneira uniforme; senão vejamos: b) “Jardim” é traduzido por “paraíso” na versão grega, e depois em toda a tradição. “Éden” é nome geográfico que foge a qualquer localização, e inicialmente pode ter tido o significado de “estepe”: poderia ser comparado ao bit adini assírio-babilônico, região à margem do Eufrates de que falam também alguns textos bíblicos (Am 1,5; 2Rs 19,12; Is 37,12; Ez 27,23). Mas os israelitas interpretaram a palavra segundo o hebraico, “delícias”, raiz ‘dn. A distinção entre Éden e o jardim, expressa aqui e no v. 10, se esfuma em seguida; fala-se do “jardim de Éden (v. 15; 3,23.24) Em Ez 28,13 e 31,9, “Éden é o jardim de Deus”, e em Is 51,3, Éden o “jardim de Iahweh”, é o oposto ao deserto e à estepe. (Bíblia de Jerusalém, p. 36) Aqui está se admitindo, sem rodeios, que Éden é nome geográfico que foge a qualquer localização. Louvável atitude, pois, como veremos mais adiante, não se consegue mesmo saber a exata localização desse “paraíso”. Na seqüência explicam-nos: d) Os vv. 10-14 são um parêntesis, provavelmente introduzido pelo próprio autor, que utilizava velhas noções sobre a configuração da terra. Sua intenção não é localizar o jardim do Éden, e sim mostrar que os grandes rios, que são as artérias vitais das quatro regiões do mundo, têm sua fonte no paraíso. O Tigre e o Eufrates são muito conhecidos e têm sua fonte nos montes da Armênia, mas o Fison e o Geon são desconhecidos. Hévila é, segundo Gn 10,9, uma região da Arábia, e Cuch em outro lugar designa a Etiópia, mas não é seguro que esses dois nomes devam ser tomados aqui em sentido habitual. (Bíblia de Jerusalém, p. 36). Os versículos citados são os que nomeiam os rios que correm pelo jardim de Éden, que, em condições normais, seriam para identificar sua localização, conforme lemos: Este inciso é uma tentativa de localizar o paraíso, cuja posição permanece vaga. Trata do antigo tema do rio paradisíaco que irrigava os quatro pontos da terra. A bênção da fertilidade proporcionada pelos atuais rios é vista como uma sombra da fertilidade produzida pelo rio paradisíaco. (Bíblia Vozes, p. 30). Entretanto, aqui ocorreu justamente o contrário, ou seja, mantevese a confusão, uma vez que, paradoxalmente, “reúne os rios mais ilustres e caudalosos e lhes atribui um manancial único”. (Bíblia do Peregrino, p. 18). E, deixando-se de lado a descrição, explicam, tentando salvar a pátria, que: Éden em sumério significa “planície fértil”. Aqui indica uma região ao sul da Mesopotâmia. A ressonância do termo com a palavra hebraica que significa “delícia”, e a presente descrição, levaram a entender o jardim em Éden como “jardim de delícias” ou “paraíso” (cf. Is 51,3; Ez 31,9). (Bíblia Vozes, p. 29). Essa região ao sul da Mesopotâmia, é onde se localiza a Babilônia, cujo povo, certamente, era mais antigo que os hebreus e, culturalmente, mais desenvolvido, do qual, entre outras coisas, tomaram emprestados de sua cultura: a Torre de Babel e o dilúvio bíblico. Agora, pelo que foi dito, estabelecem essa região como sendo o paraíso. Também, não podemos deixar de registrar, que “os babilônios desenvolveram as leis morais mais tarde incorporadas por Moisés nos Dez Mandamentos e que ainda hoje constituem os alicerces do cristianismo” (VAN LOON, 1951, p. 103). Sempre aparecem os que, firmando o pé que a Bíblia não contém erros, buscam, desesperadamente, interpretar seus textos de maneira a demonstrar que nela não existem contradições. Vejamos o que Geisler e Howe, dizem sobre o assunto: Gn 2,8: O jardim do Éden foi um lugar real ou apenas um mito? Problema: A Bíblia declara que “plantou o Senhor um jardim no Éden, na banda do Oriente” (Gn 2,8), mas não há evidência arqueológica de que tal lugar tenha existido. Será apenas um mito? Solução: Em primeiro lugar, não seria de se esperar evidência arqueológica alguma, uma vez que não há indicação de que Adão e Eva tenham feito objetos de cerâmica ou construído edificações duradouras. Em segundo lugar, há uma evidência geográfica do Éden, já que dois dos rios mencionados ainda existem hoje – o Tigre (Hiddekel) e o Eufrates (Gn 2,14). Além disso, a Bíblia até mesmo os localiza na “Assíria” (v. 14), atual Iraque. Finalmente, qualquer evidência que tenha havido do Jardim do Éden (Gn 2,3), foi provavelmente destruída por Deus por ocasião do dilúvio (Gn 6-9). (GEISLER e HOWE, 1999, p. 38). A questão não é procurar evidência arqueológica, mas provar sua localização geográfica. A citada evidência geográfica apontando dois rios é parte da verdade, pois o texto bíblico diz que são quatro os rios afluentes de um outro maior que existia na região. Para elucidar melhor essa questão, vamos recorrer a Flávio Josefo, escritor e historiador judeu, que viveu entre 37 a 103, e que, contando a história de seu povo, diz: Moisés narra em seguida como Deus plantou do lado do oriente um jardim muito delicioso, que encheu de todas as espécies de plantas e, dentre outras, de duas árvores, uma das quais era a Árvore da Vida e a outra, a da Ciência que ensinava a discernir o bem do mal. Colocou Adão e Eva nesse jardim e mandou que cultivassem as plantas. Ele era regado por grande rio que o rodeava completamente e que se dividia em quatro outros rios. O primeiro, chamado Fison, que significa plenitude e os gregos chamam de Ganges, corre para a Índia e desemboca no mar. O segundo, que se chama Eufrates e Fora, em nossa língua, significa dispersão ou flor e o terceiro, a que chamam de Tigre ou Diglath, que significa estreito e rápido, ambos desembocam no mar Vermelho. O quarto, de nome Geon, significa quem vem do Oriente, e os gregos o chamam de Nilo, atravessa todo o Egito. (JOSEFO, 1990, pp. 48-49). Sem termos um mapa para visualizar a descrição de Josefo fica difícil perceber as aberrações contidas nesse trecho onde explica o capítulo 2 de Gênesis. Assim, vejamos: Como rios distantes um do outro podem formar um rio caudaloso que circulava o jardim em Éden? Seus nomes estão destacados, em vermelho, no mapa. Um no Egito, cuja nascente é na república de Burundi, (África), outro na Índia, que nasce no Himalaia, os dois restantes nascem na Turquia, evidenciando a impossibilidade total do relato. Por outro lado, o Eufrates e o Tigre, que formam a Mesopotâmia, em grego “entre rios”, deságuam no Golfo Pérsico e não no Mar Vermelho como dito por Josefo, sem dúvida refletindo a crença de sua época. Certamente não podemos considerar o relato bíblico como fato real, mas apenas uma lenda inventada para dar aos homens uma explicação sobre suas origens. Para corroborar o nosso pensamento, trazemos: Em Hesíodo, fala-se do homem formado do limo da terra, do caos primitivo e da luz que sucede às trevas. A Pérsia, por sua vez, conserva a mesma lenda, aquela de um só homem e de uma só mulher colocados em um jardim de delícias e expulsos dele por se terem deixado seduzir por Arhiman, o mistificador e mentiroso. (MELO, 1954, p. 16). A lenda do Éden, continua Will Durant(1), aparece em quase todos os folclores, na Índia, no Egito, no Tibet, na Babilônia, na Pérsia, na Grécia, na Polinésia, no México, etc. Muitos jardins do Éden possuem árvores e serpentes ou dragões que roubam a imortalidade do homem, ou envenenam o Paraíso. (1) Melo cita de Will Durant o livro História da Civilização. (MELO, 1954, p. 239). Outra citação que nos serve de apoio, é a seguinte: A Perda do Paraíso – A Pérsia considerava a lenda só de um homem e uma mulher, colocados em um jardim de delícias, expulsos por terem-se deixado seduzir por Arihman, o mistificador e mentiroso (158/24). P. Góes comenta que foi por intermédio de Zoroastro “que se popularizou, entre as nações civilizadas, a crença no paraíso”. Charles Potter, em “História das Religiões”, afirma que “paraíso” é uma palavra persa; e paraíso é a morada zoroastrina dos bem-aventurados. Zoroastro foi conduzido à presença de Deus, a fim de receber dele os princípios da verdadeira religião. Há uma perfeita semelhança com Hamurábi, recebendo as tábuas da lei, das mãos de Deus (166/89). (158) Mário Cavalcanti de Melo, “Da Bíblia aos nossos dias”, s/nome da Editora, Curitiba, PR, 1972. (166) Charles Francis Potter, “História das Religiões”, traduziu J. Sampaio Ferraz, Editora Universitária, SP, 1ª ed. (ARAÚJO, 2000, p. 119). (grifo do original). Nosso sonho é que um dia se mude a forma de ver a Bíblia, pois, a manter as interpretações vigentes, num futuro não muito distante, as novas gerações irão desprezá-la completamente. Por isso, julgamos necessário separar nela o joio do trigo, para que, quando se for jogar a água da bacia fora, não se jogue também a criança que está dentro dela. Para finalizar, passemos a palavra a Mário Cavalcanti: A verdade não conhece mistérios, nem dogmas, nem milagres. A necessidade de enganar, de iludir faz parte sempre dos mesmos mistérios, dogmas e milagres. (MELO, 1954, p. 91). Essas obscuridades existem em cada página da Bíblia e não podem ser clareadas senão por uma fé cega e incondicional que mate no homem todo o poder de raciocínio. (MELO, 1954, p. 145). A serpente é satanás? Primeiramente, devemos encontrar a definição para a palavra serpente citada em Gênesis. Kardec, em esclarecendo sobre o seu significado, disse: A palavra nâhâsch existia antes na língua egípcia, com o significado de negro, provavelmente porque os negros tinham o dom do encantamento e da adivinhação. Foi talvez por isso também que as esfinges, de origem assíria, eram representadas com a figura de um negro. Não foi senão na versão dos Setenta – que, segundo Hutcheson, corromperam o texto hebreu em muitos lugares, - escrita em grego no segundo século antes da era cristã, que a palavra nâhâsch foi traduzida para serpente. As inexatidões dessa versão, sem dúvida, prendem-se às modificações que a língua hebraica sofrera no intervalo; porque o hebreu do tempo de Moisés era então uma língua morta, que diferia do hebreu vulgar, tanto quanto o grego antigo e o árabe literário diferem do grego e do árabe modernos. (KARDEC, A Gênese, 1993, p. 219). Até hoje não conseguimos entender o porquê dos teólogos estarem sempre relacionando, no episódio da tentação de Eva, a serpente a satanás. Isso para nós é muito estranho, pois, sabendo que Jesus nos recomenda sermos “prudentes como as serpentes” (Mt 10,16), fato que torna sem sentido algum essa correspondência. Quem admitir a correlação entre a serpente e satanás fatalmente estará colocando Jesus numa situação insustentável, já que Ele, ao nos recomendar ter essa qualidade da serpente, estaria admitindo que satanás também possui a qualidade da prudência. E, além disso, não sabemos por que cargas-d’água, de contínuo, colocam essa palavra (serpente) com a inicial maiúscula, o que veementemente repudiamos; por isso nós sempre a escrevemos com letra minúscula mesmo, deixando para usar maiúscula apenas quando estamos nomeando a divindade. Ao se referir à serpente como o mais astuto de todos os animais (Gn 3,1), é porque ela agiu de moto próprio; portanto, não foi usada por ninguém para dizer o que disse, abstraindo-se da questão de que esse animal não fala. “É, pois, provável que Moisés entendesse, por sedutor da mulher, o desejo indiscreto de conhecer as coisas ocultas suscitadas pelo Espírito de adivinhação...” (KARDEC, A Gênese, 1993, p. 220). Mas Kardec, ao fazer suas considerações sobre esse versículo, disse: A serpente está longe de passar hoje pelo tipo da astúcia; está, pois, aqui, com relação à sua forma antes que pelo seu caráter, uma alusão à perfídia dos maus conselhos que deslizam como a serpente, e nos quais, freqüentemente, por essa razão, não se confia mais. Aliás, se a serpente, por ter enganado a mulher, foi condenada a rastejar sobre o ventre, isso queria dizer que ela antes tinha pernas, e, então, não era mais uma serpente. Por que, pois, impor à fé ingênua e crédula das crianças, como verdades, alegorias tão evidentes, e que, em fazendo seu julgamento, se faz com que, mais tarde, olhem a Bíblia como um enredo de fábulas absurdas? (KARDEC, A Gênese, 1993, p. 219). Aliás, estamos cansados de ouvir pessoas dizerem que satanás é o pai da mentira; entretanto, contrariamente, tudo quanto a serpente disse foi verdade. Vejamos que ao dizer que “É certo que não morrereis” (Gn 3,4) a serpente falou absolutamente a verdade, pois o casal continuou vivo; inclusive, relata-se que Adão viveu até completar 930 anos (Gn 5,5). Observemos que “Adão (haadam) é a personificação da Humanidade, sua falta individualiza a fraqueza do homem, em que predominam os instintos materiais, aos quais não sabe resistir” (KARDEC, A Gênese, 1993, p. 218). Ao explicar o porquê de Deus proibir que comessem do fruto da árvore, ela, a serpente, disse a Eva: “Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (Gn 3,5), exatamente como acontecido, pois os olhos de ambos se abriram (Gn 3,7) e passaram a ser conhecedores do bem e do mal como Deus, uma vez que se afirma “Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal” (Gn 3,22). Lembrando, também, que “a árvore, como árvore da vida, é o emblema da vida espiritual; como árvore da Ciência, é o da consciência do homem que adquire do bem e do mal para o desenvolvimento de sua inteligência,...” (KARDEC, A Gênese, 1993, p. 218). Como conseqüência, Deus, temendo que o casal comesse do fruto da árvore da vida, e em virtude disso se tornasse igualmente imortal, expulsa-o do jardim do Éden (Gn 3,23). Para nós a falta de Adão significa a infração da lei de Deus, e a vergonha de Adão e Eva, ante o olhar divino, é a confusão do culpado na presença do ofendido, e o suor no rosto, para conseguir sua alimentação, representa o trabalho, neste mundo, que se deve ter para atingir o progresso. Quanto à questão do “tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3,19), na verdade, era algo que Adão já devia saber, uma vez que, pela narrativa, trata-se apenas de uma explicação e não um castigo como muitos pensam; senão, vejamos o versículo na íntegra: “No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado: porque tu és pó e ao pó tornarás”. O “castigo” aqui é comer com o suor do rosto, pois se a morte fosse realmente um castigo, estaríamos em sérios apuros para explicar porque os animais e as plantas, que não pecaram, também morrem. Não podemos também nos esquecer de que, se supondo um castigo, ele foi aplicado somente a Adão e considerando que Eva já tinha recebido o seu (as dores do parto), por questão de justiça, não poderia ainda receber o de Adão, já que Adão não recebeu o dela. Não vimos nenhum homem “parir com dor” (graças a Deus!). Por outro lado, se Deus falou mesmo pelos profetas, Jeremias afirmou que “cada um, porém, será morto pela sua iniqüidade” (Jr 31,30) o que Ezequiel reafirmou quando disse “a alma que pecar, essa morrerá” (Ez 18,20) e, mais importante ainda, foi confirmado por Jesus “a cada um segundo suas obras” (Mt 16,27). Muitos estudiosos dizem, com razão, que a maioria das correntes religiosas ditas cristãs é, na verdade, puro “paulinismo” e não “cristianismo”, pois, para elas, a opinião de Paulo prevalece sob a de Jesus. A esses pegaremos uma de suas opiniões, sobre o assunto de que estamos tratando; leiamo-la: “... a serpente enganou a Eva com a sua astúcia,...” (2Cor 11,3), que, conforme podemos concluir, atribui à própria serpente, e não a satanás, a culpa de ter enganado a Eva. Não há como aludir a serpente com satanás, pois: Satã - significa "o adversário", "o acusador". O termo "acusador” existia no Império Persa, cuja função era a de percorrer secretamente o reino Persa e fiscalizar tudo o que estava sendo feito de mal no sentido de apresentar denúncias diante do imperador, que mandava chamar os funcionários faltosos e os castigava. Com a evolução da doutrina religiosa judaica, satã acabou se transformando, de um acusador dos pecados dos homens, num deus secundário, oposto a Javé. (GREGÓRIO, S. B. Anjos e Demônios, na Internet. [1]) Satã não é Lúcifer mencionado em Is 14,12, pois Isaías se referia ao Rei da Babilônia, já que a narrativa da passagem inicia-se no capítulo treze, que assim diz: “Sentença que, numa visão, recebeu Isaías, filho de Amós, contra a Babilônia”. (Is 13,1). Sentença que se proferia contra a Babilônia e não a um anjo que, inclusive, já houvera caído, segundo os que se apegam à letra que mata. Ele, satã, não é um anjo que se revoltou contra o Senhor. Ele é apenas um acusador, ou seja, um dos “olhos” do Senhor, que anda pela Terra e comparece perante o Senhor para acusar os faltosos e não para se opor contra Javé. Não poderemos deixar de citar uma outra interessante passagem onde, segundo o relato bíblico, o próprio Deus recomenda que se coloque num poste a imagem de uma serpente. Quem quiser comprovar é só ler Nm 21,8-9. Naquela ocasião, ainda no deserto, os hebreus chegaram a uma região infestada de serpentes venenosas, que, ingenuamente, atribuíram a um castigo de Deus. A serpente de bronze feita por Moisés, seguindo recomendação divina, serviu como meio de cura das pessoas que foram mordidas, que, após olharem para ela, ficavam curadas. Essa imagem foi objeto de adoração pelo período de cerca de 700 anos. Esta mesma serpente, levantada no deserto por Moisés, veio a ser mencionada por Jesus, quando este esteve com o fariseu Nicodemos “... E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado,” (Jo 3,14), fazendo a alusão de que Ele, Jesus, viria a ser elevado no madeiro, predizendo a sua crucificação. Curiosamente ela é o símbolo da medicina, que é representado por duas serpentes enroladas num poste, e o da farmácia que é uma serpente enrolada numa taça; em ambos representa o poder da cura. A Arca de Noé Iremos estudar, numa análise crítica, longe do fanatismo religioso, alguns textos bíblicos para que tenhamos uma visão sobre este assunto: ficção ou realidade, o que será? Para isto tomaremos alguns versículos dos capítulos 6 a 9 da Gênesis. Gn 6,6: “O Senhor arrependeu-se de ter criado o homem na terra, e teve o coração ferido de íntima dor”. Que Deus é este que chega ao absurdo de arrepender-se de ter criado o homem? Onde estava a sua onisciência? Talvez seja um Deus de carne e osso, ou seja, como um ser humano, pois até coração Ele tinha. Gn 6,7: “E disse: ‘Exterminarei da superfície da terra o homem que criei, e com ele os animais, os répteis as aves dos céus, porque me arrependo de os haver criado’”. Se Deus, após ver a maldade dos homens (“O Senhor viu que a maldade dos homens era grande na terra, e que todos os pensamentos do seu coração estavam continuamente voltados para o mal”, conforme se lê em Gn 6,5), arrepende-se e resolve eliminar os homens da face da terra, até que poderia ter lá suas razões; mas, quanto aos animais, aos répteis e às aves dos céus não tinha nenhum motivo para exterminá-los, a não ser por pura “maldade”, coisa que foi o motivo da condenação dos homens. E os animais que vivem nas águas, eram inocentes ou não? Gn 6,9: “Noé era um homem justo e perfeito no meio dos homens de sua geração. Ele andava com Deus”. Vejamos se ele comportava-se como um homem justo e perfeito: Gn 9,20-22: “Noé, que era agricultor, plantou uma vinha. Tendo bebido vinho, embriagou-se, e apareceu nu no meio de sua tenda. Cam, o pai de Canaã, vendo a nudez do seu pai, saiu e foi contá-lo aos seus dois irmãos”. Na seqüência: Gn 9,24-25: “Quando Noé despertou de sua embriaguez, soube o que tinha feito o seu filho mais novo. 'Maldito seja Canaã, disse ele; que ele seja o último dos escravos de seus irmãos'”. Embebedar-se e sair nu pelo acampamento é um comportamento exemplar para um homem perfeito? Ao castigar a Canaã, seu neto, ao invés de a seu filho Cam, que não parece ser o filho mais novo e sim o do meio (“Noé teve três filhos: Sem, Cam e Jafet”, em Gn 6,10), por ter visto a sua nudez, quando a culpa era dele mesmo, o próprio Noé, por ter saído nu como se estivesse desfilando no Sambódromo em pleno Carnaval, teria agido com justiça? Gn 6,14-16: “Faze para ti uma arca de madeira resinosa, dividi-la-ás em compartimentos e a untarás de betume por dentro e por fora. E eis como o farás: seu comprimento será de trezentos côvados, sua largura de cinqüenta côvados, e sua altura de trinta. Farás no cimo da arca uma abertura com dimensão dum côvado. Porás a porta da arca a um lado, e construirás três andares de compartimentos”. No livro A História da Bíblia, de Hendrik Willem Van Loon, tradução de Monteiro Lobato, podemos ler o seguinte: “Noé e os filhos puseram-se ao trabalho, sob a chacota dos vizinhos. Que estranha idéia construir um navio num lugar onde não havia água - rio nenhum, e o mar a mil milhas distante!” (p. 8). Ora, se uma milha equivale a 1.609 metros, temos, então, que estavam a 1.609 km do oceano. Pela distância que moravam deste é bem provável que não tinham a menor experiência sobre construção naval, não é mesmo? Assim, como conseguiram construí-la? Conforme pudemos apurar, o côvado equivale a 45 cm. Então temos: comprimento 135m, largura 22,5m e altura 13,5m; com isso cada um dos três andares mediria 3.037,5 m² e a área total da arca seria de 9.112,5m². Inegavelmente área muito pequena para caber tudo o que Deus ordenara a Noé colocar lá dentro, como veremos na passagem seguinte: Gn 6,19-22: “De tudo o que vive, de cada espécie de animais, farás entrar na arca dois, macho e fêmea, para que vivam contigo. De cada espécie de aves, e de cada espécie de animais que se arrastam sobre a terra, entrará um casal contigo, para que lhes possa conservar a vida. Tomarás também contigo de todas as coisas para comer, e armazena-los-ás para que te sirvam de alimento, a ti e aos animais. Noé obedeceu, e fez tudo o que o Senhor lhe tinha ordenado”. Imaginemos: Noé com sua família eram 8 pessoas; soma-se a isso um casal de todos os animais vivos e mais alimentação para todas essas criaturas que deveria durar por um ano - quando desembarcou Noé já tinha um neto, Canaã -, qual seria o peso e o volume disso tudo? Caberia nestes poucos mais de 9.000m²? Além de que a diversidade da alimentação dos bichos, como colocar isto dentro da arca? Mais ainda: como não foi ordenado a Noé pôr água dentro da arca, como os seres viveram, por pouco mais de um ano, sem esse precioso líquido para beber? E o que se come não é eliminado pelo organismo? Aonde foram jogados os dejetos do tudo quanto ali vivia, pois a embarcação que Noé construíra estava quase que totalmente fechada? E o ar lá dentro, como deveria estar? Haveria ainda oxigênio para se respirar nesta? Será que, com somente 8 pessoas, eles conseguiriam alimentar toda a bicharada diariamente, sem um único dia para o descanso, durante o período de um ano e pouco? Como os carnívoros foram alimentados? São inúmeras as interrogações. Gn 7,1-3: “O Senhor disse a Noé: 'Entre na arca, tu e toda a tua casa, porque te reconheci justo diante dos meus olhos, entre os de tua geração. De todos os animais puros tomarás sete casais, macho e fêmea, e de todos os animais impuros tomarás um casal, macho e fêmea, das aves dos céus igualmente sete casais, machos e fêmeas, para que se conserve viva a raça sobre a terra'”. Aqui se fala em sete casais de animais puros e também de sete casais das aves; mas, anteriormente, já não havia dito ser apenas um casal dessas espécies? (Gn 6,19-20) Não estaria em contradição um texto com o outro? Gn 7,17-20: “O dilúvio caiu sobre a terra durante quarenta dias. As águas incharam e levantaram a arca, que foi elevada acima da terra. As águas inundaram tudo com violência, e cobriram toda a terra, e a arca flutuava na superfície das águas. As águas engrossaram prodigiosamente sobre a terra, e cobriram todos os altos montes que existem debaixo dos céus; e elevaram-se quinze côvados acima dos montes que cobriam”. Na terra encontramos a água nos rios e mares, na atmosfera, nas nuvens, nos lençóis subterrâneos e, em forma de gelo, nas altas montanhas e nos pólos. Aquelas que nascem ou caem na superfície, fatalmente, escorrem para as partes mais baixas do planeta, formando os mares. E, segundo a ciência, 2/3 do nosso planeta é composto de água, com cerca de 97,5% dela compondo os oceanos. Para se ter tanta água, a ponto de cobrir todos os montes da terra, temos duas hipóteses: 1ª - afundamento de toda a superfície de terra; ou... 2ª - as águas da chuva vieram de outro lugar que não a Terra, pois a água do nosso planeta é pouca para cobrir todos os montes altos (Monte Everest 8.848 metros de altura). Se considerarmos um dilúvio localizado, em determinada região da Terra, e não nela toda, é bem possível a 1ª hipótese, fora disto só em filmes de Steven Spielberg: ficção pura! Interessante a nota de rodapé, desta passagem, constante na Bíblia Sagrada, Editora Vozes: “O dilúvio não foi universal mas uma grande inundação que cobriu o horizonte geográfico de Noé. A existência de histórias do dilúvio em outros povos primitivos mostra que há uma consciência geral sobre uma catástrofe que ameaçou a humanidade dos primórdios” (p. 35). Ótimo, confirma a possibilidade de ter sido localizado; entretanto, o que não compreendemos é que, apesar disso, ainda teimam em dizer que ele foi universal... Gn 7,11: “No ano seiscentos da vida de Noé, no segundo mês, no décimo sétimo dia do mês, romperam-se naquele dia todas as fontes do grande abismo e abriram-se as barreiras dos céus". Gn 8,13-14: “No ano seiscentos e um, no primeiro mês, no primeiro dia do mês, as águas tinham secado sobre a terra. Noé descobriu o teto da arca, olhou e viu que a superfície do solo estava seca. No segundo mês, no vigésimo sétimo dia do mês, a terra estava seca". Do início do dilúvio, até o dia em que a terra ficou totalmente seca, passaram-se, aproximadamente, 1 ano e 10 dias (considerando-se o mês de 30 dias). Período confirmado pelo nascimento de Canaã, neto de Noé, filho de Cam. Certamente, que com um período tão longo desses, toda a vegetação que cobria a terra deve ter apodrecido, assim como se alimentaram os animais herbívoros depois do dilúvio, porquanto, demandaria tempo para tudo se recompor novamente e haver alimentação para esses animais? Quanto aos animais carnívoros, com um só casal de cada espécie, não teriam extinto vários deles, visto uns se alimentarem dos outros? Observe, caro leitor, que Noé descobriu o teto da arca, o que leva a crer que, neste período todo, ela estava completamente fechada, numa escuridão total. Como viveram os que lá estavam, neste período todo, sem a luz do sol? Gn 8,1: “Ora, Deus lembrou-se de Noé, e de todos os animais e de todos os animais domésticos que estavam com ele na arca”. Ainda bem que Deus se lembrou, pois se isto não tivesse acontecido estaria chovendo até hoje, o que faria que as águas transbordassem do planeta. Gn 8,20: “E Noé levantou um altar ao Senhor: tomou de todos os animais puros e de todas as aves puras, e ofereceu-os em holocausto ao Senhor sobre o altar”. É incrível que depois de todo sacrifício para salvar os animais, queima alguns ao mesmo Deus que ordenara a Noé que os conservasse, guardando-os e mantendo-os vivos. Gn 8,21: “O Senhor respirou um agradável odor, e disse em seu coração: ‘Doravante, não mais amaldiçoarei a terra por causa do homem – porque os pensamentos do seu coração são maus desde a sua juventude -, e não ferirei mais todos os seres vivos, como o fiz’”. Os animais sendo oferecidos em sacrifício, queimando no altar, e Deus respirando o cheiro “agradável” de carne queimada. Aqui, novamente, Deus é de carne e osso, pois até respira e sente cheiro. Na fala entendemos que Deus, finalmente, por compreender que o homem tinha os pensamentos maus desde a juventude, coisa que parecia não saber quando o criou, se arrepende de o ter eliminado, então promete não mais ferir os seres vivos. Gn 9,2: “Vós sereis objeto de terror e espanto para todo o animal da terra, toda a ave do céu, tudo que se arrasta sobre o solo e todos os peixes do mar: eles vos são entregues nas mãos”. Bom, deve ter havido algum engano, pois se um leão faminto estiver em nossa frente ele não vai tremer por estarmos diante dele; com certeza, depois de comer-nos, vai deitar e roncar feliz da vida. Gn 9,12-15.17: “Deus disse:" Eis o sinal da aliança que eu faço convosco e com todos os seres vivos que vos cercam, por todas as gerações futuras. Ponho o meu arco nas nuvens, para que ele seja o sinal da aliança entre mim e a terra. Quando eu tiver coberto o céu de nuvens por cima da terra, o meu arco aparecerá nas nuvens, e me lembrarei da aliança que fiz convosco e com todo ser vivo de toda a espécie e as águas não causarão mais dilúvio que extermine toda criatura. Dirigindo a Noé, Deus acrescentou: “Este é o sinal da aliança que faço entre mim e todas as criaturas que estão na terra”. Como quase esqueceu que Noé estava na arca durante o dilúvio, e para não correr o risco de esquecer-se da aliança que agora fazia com Noé, Deus resolve colocar um arco nas nuvens, assim como pessoas que amarram fitinhas nos dedos para não se esquecerem de algo que não podem deixar de fazer. Afinal, sabem que arco é esse? Não? Então vamos ver o que é na Bíblia Sagrada, Editora Vozes, em Gênesis: Gn 9,14.16: “Quando cobrir de nuvens a terra, aparecerá o arco-íris. Quando o arco-íris estiver nas nuvens eu o olharei como recordação da aliança eterna entre Deus e todos os seres vivos, com todas as criaturas que existem sobre a terra”. É isto mesmo, o famoso arco-íris que aparece no céu após uma chuva como fenômeno natural; os raios do sol refletindo nas águas das nuvens se decompõem em sete cores principais. Processo também obtido com um prisma de cristal; mas Deus ainda não tinha conhecimento disto, não é mesmo? Gn 9,28-29: “Noé viveu ainda depois do dilúvio trezentos e cinqüenta anos; a duração total da vida de Noé foi de novecentos e cinqüenta anos, e morreu”. Entre outros de “longa vida”, temos Noé com 950 anos, frontalmente contra os argumentos dos cientistas que colocam a vida humana bem abaixo disto, com um tempo próximo ao que se diz nesta narrativa: Gn 6,3: “O Senhor então disse: ‘Meu espírito não permanecerá para sempre no homem, porque todo ele é carne, e a duração de sua vida será só de cento e vinte anos’”. É de se perguntar: será que Deus não se lembrou de Noé e ele conseguiu ultrapassar a duração da vida que Ele tinha fixado em 120 anos? Como conclusão, podemos verificar que existem fatos na Bíblia que fogem ao censo lógico e científico. Não deixando de citar as adulterações efetuadas, como no caso do arco-íris, que não consta da Bíblia editada pela Editora Ave Maria, sabe-se lá porque motivos. Assim, podemos aceitar que a história de Noé, como relatada, é fantasiosa. Entretanto, como a questão do dilúvio parece constar da cultura de outros povos, poderemos até aceitar; mas somente se ele tiver sido algo localizado e não sobre a terra toda. E para confirmar que a história de Noé não passa de uma lenda, vamos ver o que consta de um artigo na Revista Galileu nº. 115: As raízes de Noé Lendas sobre grandes dilúvios estão espalhadas entre diferentes culturas. Estima-se que cerca de 300 histórias desse tipo já tenham sido registradas. A de Noé, no entanto, é a mais famosa na civilização ocidental. Estudiosos apontam que o Dilúvio, parte do livro do Gênesis, tenha sido escrito entre 550 a.C. e 450 a.C., período em que os judeus mais influentes de Jerusalém foram aprisionados na Babilônia. “O Gênesis cumpria o papel de reforçar a identidade desse povo”, explica Fernando Altemeyer, professor de teologia da PUC. Inspirado na literatura babilônica, o livro mostrava que os judeus tinham uma história e um passado respeitável e deveriam buscar seu futuro a partir daqueles ensinamentos de seus antepassados. A história de Noé tem muito em comum com um poema babilônico escrito por volta de 1600 a.C., que faz parte do Épico de Gilgamesh. O poema trata de um rei mítico chamado Atrahasis, que é avisado a tempo pelos deuses de que um dilúvio está prestes a destruir a humanidade. Atrahasis constrói então uma enorme embarcação, e nela coloca sua família, seus pertences e alguns animais. As semelhanças entre o Gênesis e Gilgamesh são muitas. A lenda babilônica, por sua vez, também não é original, mas baseada em uma história suméria cerca de mil anos mais antiga, provavelmente assimilada pelos babilônicos durante a conquista da região. A versão babilônica não influenciou somente o Antigo Testamento. Entre os gregos, a lenda era muito popular, pois eles mesmos já tinham presenciado a fúria das águas devido à erupção de um vulcão no século 15 a.C. Dos gregos, a história passou aos romanos, e dessa vez, quem assume a autoria do dilúvio é o deus Júpiter, enfurecido com a má conduta humana. (FERRONI, 2001, p. 55-61). Já tínhamos dado por terminado esse texto, mas encontramos fatos novos que merecem ser incluídos neste estudo, pois, ao consultar a palavra dilúvio no Dicionário Bíblico Universal (p. 197), confirmamos muito do que já dissemos; veja: Os “dilúvios” extrabíblicos As mitologias populares, constatando inundações catastróficas das quais escaparam alguns raros preferidos dos deuses, são inúmeras. A literatura babilônica, que oferece um conjunto de textos referindo-se a um “dilúvio” ao qual teria escapado uma família, graças a uma “arca”, é apenas um exemplo. Este poema é chamado “epopéia de Gilgamesh”: uma versão sumérica e duas recensões acádicas chegaram até nós. As semelhanças entre as aventuras de Gilgamesh e as de Noé são impressionantes: a decisão de destruir a humanidade, o aviso feito a um homem para construir uma barca e embarcar nela animais, soltar aves quando as águas abaixassem, oferecer um sacrifício depois de passada a catástrofe e a bênção divina, tudo é idêntico. Mas existem diferenças significativas; segundo o relato bíblico, Javé é um deus único, enquanto que todos os deuses babilônicos se agitam no texto paralelo; e, mais ainda, o dilúvio não se deve à malvadez ou à inveja de Javé, mas é um castigo da humanidade pecadora, querido por Deus. É importante ressaltar um trecho dos comentários colocados, neste Dicionário, após a explicação sobre o dilúvio; vejamo-lo: “O texto bíblico do dilúvio é a versão israelita do mito babilônico. O original foi expurgado do politeísmo que o impregnava e utilizado por uma fé monoteísta e um sentido bem aperfeiçoado da divindade”. “A bênção que Deus Enlil concedeu a Ut-napishtim foi transposta para uma bênção de Javé a Noé; a promessa de não mais destruir a humanidade também foi conservada. Mas o relato bíblico exprime duas teses que são pontos essenciais da fé javista: a eleição e a aliança”. (p. 197). (grifo nosso). Assim, se confirma, mais uma vez, que os mais sérios estudiosos estão conscientes que o dilúvio não passa de uma versão israelita do mito babilônico. Torre de Babel: o carro na frente dos bois Em nossos estudos, sobre os mais variados temas bíblicos, sempre encontramos alguns que nos chamam mais a atenção, quer por se classificar entre os mais falados quer por ser inusitado. Alguns ficam insistentemente como que martelando em nosso pensamento, que só saem quando resolvemos fazer um estudo sobre eles. Se isso é inspiração não sabemos, mas que sentimos como algo fora de nós, isso sim. O nosso tema de agora é sobre a tão famosa Torre de Babel, que, segundo a Bíblia, deu o início à multiplicidade de línguas faladas na terra, como resultado do castigo Divino a seus construtores. Analisemos, então o texto bíblico. Iremos colocar o trecho um pouco mais longo do que poderia parecer necessário, pois há algo importante nele que iremos comentar oportunamente. Vamos empregar reticências naquilo que não julgamos, no momento, ser útil em relação ao nosso propósito. Leiamos os capítulos 10 e 11 do Gênese, cujo objetivo é relacionar toda a descendência de Noé a Abraão, os quais dividiremos em três partes. 1ª Parte - Gênesis 10,1-32: “Esta é a descendência dos filhos de Noé: Sem, Cam e Jafé, que tiveram filhos depois do dilúvio. Filhos de Jafé: Gomer, Magog, Madai, Javã, Tubal, Mosoc e Tiras... Foi destes que se separaram as populações das ilhas, cada qual segundo o seu país, língua, família e nação. Filhos de Cam: Cuch, Mesraim, Fut e Canaã... Cuch gerou Nemrod, que foi o primeiro valente na terra... As capitais do seu reino foram Babel, Arac e Acad, cidades que estão todas na terra de Senaar. Dessa terra saiu Assur, que construiu Nínive, Reobot-Ir, Cale e Resen, entre Nínive e Cale. Esta última é a maior... Esses foram os filhos de Cam, segundo suas famílias e línguas, terras e nações... Filhos de Sem: Elam, Assur, Arfaxad, Lud e Aram... Jectã gerou Elmodad, Salef, Asarmot, Jaré, Aduram, Uzal, Decla, Ebal, Abimael, Sabá, Ofir, Hévila e Jobab; todos esses são filhos de Jectã. Eles habitavam desde Mesa até Sefar, a montanha do oriente. Foram esses os filhos de Sem, conforme suas famílias e línguas, suas terras e nações...”. 2ª Parte Gênesis 11,1-9: “O mundo inteiro falava a mesma língua, com as mesmas palavras. Ao emigrar do oriente, os homens encontraram uma planície no país de Senaar, e aí se estabeleceram. E disseram uns aos outros: 'Vamos fazer tijolos e cozê-los no fogo!' Utilizaram tijolos em vez de pedras, e piche no lugar de argamassa. Disseram: 'Vamos construir uma cidade e uma torre que chegue até o céu, para ficarmos famosos e não nos dispersarmos pela superfície da terra'. Então Javé desceu para ver a cidade e a torre que os homens estavam construindo. E Javé disse: 'Eles são um povo só e falam uma só língua. Isso é apenas o começo de seus empreendimentos. Agora, nenhum projeto será irrealizável para eles. Vamos descer e confundir a língua deles, para que um não entenda a língua do outro'. Javé os espalhou daí por toda a superfície da terra, e eles pararam de construir a cidade. Por isso, a cidade recebeu o nome de Babel, pois foi aí que Javé confundiu a língua de todos os habitantes da terra, e foi daí que ele os espalhou por toda a superfície da terra”. 3ª Parte Gênesis 11,10-32: “Esta é a descendência de Sem: Quando Sem completou cem anos, gerou Arfaxad, dois anos depois do dilúvio. Depois do nascimento de Arfaxad, Sem viveu quinhentos anos, e gerou filhos e filhas... Quando Taré completou setenta anos, gerou Abrão, Nacor e Arã... Abrão e Nacor se casaram: a mulher de Abrão chamava-se Sarai; a mulher de Nacor era Melca, filha de Arã, que era o pai de Melca e Jesca. Sarai era estéril e não tinha filhos. Taré tomou seu filho Abrão, seu neto Ló, filho de Arã, e sua nora Sarai, mulher de Abrão. Ele os fez sair de Ur dos caldeus para que fossem à terra de Canaã; mas, quando chegaram a Harã, aí se estabeleceram...”. Essa divisão foi necessária, pois por ela dá para se desconfiar que o texto correspondente à segunda parte, exatamente o que fala da Torre de Babel, é uma interpolação, uma vez que, ele corta a seqüência natural do que vinha sendo narrado, que trata da descendência de Noé até Abraão, inclusive, pela Bíblia de Jerusalém ela recebe o título de: DO DILÚVIO A ABRAÃO. Isso é uma ocorrência que já tínhamos visto em outras oportunidades (ver vv de 3 a 10 em Mt 27,1-26 e vv de 12 a 16 em Jo 11,144), fazendo-se, portanto, lugar comum na Bíblia. Não nos pergunte com qual intenção, pois não saberemos responder exatamente o porquê disso. Entretanto, nos parece que o objetivo é que com esses enxertos nos textos bíblicos, formam base de apoio para neles sustentar crenças, em alguns casos, e dogmas em outros. Cumpre-nos esclarecer que, segundo o texto, foi a descendência de Cam que se instalou na região de Senaar (Gn 10,10). Para a qual encontramos a seguinte explicação: “Região de Senaar é a antiga Mesopotâmia Inferior, hoje Iraq, onde os dois rios, Tigre e Eufrates, se aproximam até uns 40 km entre si antes de lançar suas águas no golfo Pérsico”. (Edições Paulinas, p. 35). Vejamos o que encontramos como explicação dessa passagem: * Babel. Nome hebraico de Babilônia. Só em Gn 11,2 aparece como “terra de Senaar”, onde os descendentes de Sem começaram a construir a torre que faria seus nomes famosos. Por causa de seu orgulho Deus os confundiu e os espalhou pela terra. Seguindo a etimologia popular, os hebreus associaram a palavra Babel à palavra hebraica correspondente a “confusão”; mas sabese, hoje, que o verdadeiro significado de Bab-el é “porta do deus”. (Dicionário Prático Barsa, p. 29). * A tradição se interessou pelas ruínas de uma dessas altas torres em andares, de um zigurate que se construía na Mesopotâmia como símbolo da montanha sagrada e repositório da divindade. Os construtores teriam desse modo procurado um meio de encontrar seu deus. Mas o autor do relato bíblico vê nisso iniciativa de orgulho insensato. Este tema da torre combina com o da cidade: é condenação da civilização urbana (cf. 4,17+). (Bíblia de Jerusalém, p. 48). * Vários temas se mesclam neste breve e famoso relato. Um eco da rebelião dos titãs que tentaram escalar o céu; uma etiologia sobre a multiplicidade atual das línguas; uma crítica política. As línguas se multiplicaram como castigo de Deus, para que os homens não se entendam em seus planos soberbos – paranomásia popular com o nome de Babel. A cultura urbana, que poderia ser centro de convivência pacífica, desperta o desejo de domínio imperialista – crítica a Babilônia. A pirâmide sagrada ou zigurate, vista como a torre do assalto humano ao céu; mas que não chega, de modo que Deus deve descer para vê-la. A subida acaba em caída, a concentração em dispersão, o nome famoso em nome infamante. A maldição será anulada no dia de Pentecostes (At 2). (Biblia do Peregrino, p. 29). * Babel (Torre de) - Etim. Acádica: porta de Deus. Narrada no mesmo tom poético dos relatos que precedem, a anedota da Torre de Babel (Gn 11, 1-9) quer traduzir em imagens uma profunda verdade, útil a toda a humanidade. O relato tem origem popular: a aproximação etimológica de Babel e o hebraico babal, “confundir, misturar” é fictícia. O relato é composto de elementos arcaicos: Deus fica com receio dos projetos humanos e tem ciúme de suas façanhas (v. 6-7). O ponto de partida são as torres grandiosas, em forma de pirâmide, que os habitantes da Mesopotâmia erguiam ao lado de seus templos, as ziggurat. A da Babilônia deveria ter, na base, mais de 90m de lado, e uma altura equivalente. Escadas ou rampas a contornavam, levando a terraços de dimensões progressivamente menores. No vértice se achava um santuário. A Ziggurat da Babilônia se chamava Etemenanki, “casa em cima da qual são construídos o céu e a terra”; e se relacionava com a Esagil, “casa daquele que ergue a cabeça”, templo do deus Marduc. Essas torres representam, de forma convencional, as montanhas onde as civilizações primitivas situavam seus santuários e que consideram como o local da morada divina (cf. o v. 4). Assim a torre se tornava a escada que permitia aos homens subir até Deus (cf. Gn 28,11-19). Como talvez tivessem visto uma ou outra ziggurat inacabada ou já danificada pelas intempéries, os autores bíblicos viram nela o símbolo da vã pretensão dos homens a rivalizar com Deus (comparar Gn 3,3-5; Is 14,12-15; Ez 28,2-10.14-19), obstinados a organizar a sociedade independentemente do verdadeiro Deus, tendo como referência só esses ídolos que são afinal de contas apenas os espelhos onde o homem fita a própria imagem. (...) (Dicionário Bíblico Universal, pp 78). Como citado acima, não só os babilônicos, mas também os hebreus adoravam a Deus nos montes. Ver, por exemplo: Abraão constrói um altar e invoca no nome de Javé numa montanha (Gn 12,8); ao ordenar a Abraão para sacrificar seu filho Isaac, Deus o recomenda subir à montanha (Gn 22,14); Moisés chega ao Horeb (Sinai), a montanha de Deus (Ex 3,1), onde aconteceu o fenômeno da sarça é nesse local que Deus manda o povo O servir (Ex 3,12), é lá que se edifica um altar e onde também se recebe os Dez Mandamentos (Ex 24,12), fato acontecido com Jesus que procurava os montes para orar e onde fazia suas pregações. Conhecemos o famoso Sermão do Monte dito, obviamente num monte, (Mt 5,1), são nominalmente citados o da Oliveira e o Tabor. Aqui também percebemos que os teólogos tentam, de todas as maneiras, manter seus dogmas, já que têm conhecimento dos fatos, mas fingem não conhecê-los e pior é que mantêm o povo na ignorância, uma vez que não falam a verdade. No Jornal Infinito, na Internet(2), encontramos informações que confirmam isso, leiamos: INFERÊNCIAS O "Gênesis e o Antigo Testamento Bíblico" são comuns a todas as religiões judaico- cristãs. É o que se encontra impresso na "A BÍBLIA" das edições Paulinas: - recomendação - assinada por D. Luciano Mendes de Almeida, Presidente da CNBB - Arcebispo de Mariana. E pelo Bispo Primaz da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil e Presidente do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs - Glauco S. de Lima (Lima em assinatura pouco compreensível). Na "Introdução" ao GÊNESIS encontra-se: As Fontes: Ao contarem as origens do mundo e da humanidade, os autores bíblicos não hesitaram em haurir, direta ou indiretamente, das tradições do Antigo Oriente Próximo. As descobertas arqueológicas de aproximadamente um século para cá, mostram que existem muitos pontos comuns entre as primeiras páginas do GÊNESIS e determinados textos líricos, sapienciais ou litúrgicos da Suméria, da Babilônia, de Tebas ou Ugarit. Este fato nada tem de estranho quando se sabe que a terra em que Israel se instalou era aberta às influências estrangeiras e que o povo de Deus manteve relações com seus vizinhos. Mas os progressos da arqueologia revelam igualmente que os escritores bíblicos, responsáveis pelos primeiros capítulos do GÊNESIS, não foram imitadores servis. Souberam trabalhar as suas fontes, repensá-las em função das tradições específicas do seu povo, enfatizando a originalidade da fé javista. Está aí a confirmação de que sabem que muitas coisas da Bíblia são produto de tradições de outros povos. O que diz a arqueologia? Vejamos o que encontramos a esse respeito: Os pesquisadores alemães tiveram de retirar trinta mil metros cúbicos de entulho para descobrir uma parte do templo de Marduck, no Eufrates, o qual foi reconstruído sob Nabucodonosor. A obra, juntamente com os anexos, ocupava uma superfície de quatrocentos e cinqüenta por quinhentos e cinqüenta metros! Em frente ao templo erguia-se a Zigurate, a torre do santuário de Marduck. “Vinde, façamos tijolos e cozamo-los no fogo. E Serviram-se de tijolos em vez de pedras, e de betume em vez de cal traçada; e disseram: vinde, façamos para nós uma cidade e uma torre, cujo cimo chegue até o céu; e tornemos célebre o nosso nome” (Gênese 11.3,4). Até a técnica de construção da torre de Babel descrita na Bíblia corresponde aos resultados das pesquisas. Na construção, revelaram as pesquisas, foram, com efeito, empregados somente tijolos betumados, sobretudo nos alicerces. Isso se fez evidentemente por motivos de segurança do edifício. Pois nas construções perto do rio era preciso levar em conta as enchentes regulares e a permanente umidade. Com “betume”, isto é, asfalto, os muros se tornavam impermeáveis e resistentes. O início da construção é referido no Gênese, tendo lugar, portanto, antes do tempo dos patriarcas. Abraão viveu por volta do século XIX a.C., segundo se conclui dos achados feitos em Mari. Uma contradição? A história da torre “cuja ponta chegava até o céu” remonta a um passado obscuro. Mais de uma vez ela foi destruída e reconstruída. Depois da morte de Hamurabi, os hititas tentaram arrasar a imensa construção. Nabucodonosor renovou-a apenas. Quatro escalões, “quatro blocos quadrados”, se elevavam uns sobre os outros. A tabuinha de um “arquiteto” encontrada no templo estabelece que o comprimento, a largura e a altura deviam ser absolutamente iguais e que só os terraços deviam ter dimensões diferentes. As medidas da tabuinha dão para os lados da base um pouco mais de oitenta e nove metros. Os arqueólogos mediram noventa e um metros e meio. A torre devia ter, portanto, uns noventa metros de altura. A torre de Babel servia também a um culto sinistro. Heródoto informa a esse respeito: “Sobre a última torre (refere-se ao escalão superior) há um espaçoso templo, e dentro dele um sofá de tamanho incomum, ricamente adornado, com uma mesa de outro ao lado. Não há estátua de qualquer espécie no lugar, nem a câmara è ocupada à noite senão por uma única mulher babilônia, escolhida para si pela divindade entre todas as mulheres do país. Declaram eles também – mas eu por mim não lhes dou crédito – que o próprio deus desce em pessoa a essa câmara e dorme no sofá. Essa história é como a que me contaram os egípcios sobre o que acontece na sua cidade de Tebas, onde uma mulher também passa a noite no templo do Zeus tebano...” (KELLER, 2000, pp. 314-315). A versão da história é completamente diferente da dos teólogos. Aqui nada mais é que um templo religioso dos babilônios. A essa complexa construção que os autores bíblicos viriam como sendo uma ousadia dos homens em querer chegar ao céu, lugar onde presumiam ser a morada de Deus. Levantamos uma informação interessante na Internet, leiamos: A TORRE DE BABEL Etemananki, ou Torre de Babel, era o principal zigurate da Babilônia e o ponto mais importante da cidade. Cidades dos tempos sumérios, babilônicos e assírios possuíam zigurates, ou torres construídas em andares, de vários tamanhos. Erguendo-se a cerca de 91 metros de altura, o Etemananki foi o maior e mais imponente zigurate já construído. Ele dominava o céus da cidade e era o centro da vida religiosa na Babilônia. Etemananki significa "apedra de fundação do céu e da terra". O Etemananki começou a ser construído pelo rei Nabopolassar e foi completado por seu filho Nabucodonossor. Vista esquemática do zigurate de Marduk na Babilônia, o Etemananki FINALIDADE Em primeiro lugar, um zigurate não é uma pirâmide: a) zigurates têm andares, e são construídos em estágios, enquanto que uma pirâmide é triangular e de quatro lados; b) um zigurate tem função religiosa, enquanto que a pirâmide é um túmulo para um rei ou pessoa de importância; c) pirâmides são do Egito, enquanto que zigurates são encontrados na Mesopotâmia, América do Sul (incas) e Ásia. O Etemananki era um prédio religioso, com um templo dedicado a Marduk, o Deus principal da Babilônia, representando o poder deste Deus. No topo estava localizado este templo, onde o rei Nabucodonossor principalmente, tomou parte em muitos rituais. O templo tinha outros usos, como uma plataforma de observação para os astrônomos fazerem suas medições e observações. Também era usado como ponto de observação para proteção da cidade e arredores. Etemananki consistia de sete estágios e um templo, algumas vezes chamado de oitavo estágio. Planta dos andares (vistos a partir do lado Sul) (Fonte: http://www.angelfire.com/me/babiloniabrasil/torredebabel.html, consulta em 27.01.2006, às 21:00 hs.) Não eram só os babilônicos que construíram torres, leiamos: “Existem muitíssimos mitos das origens; não da origem da língua, mas da construção de uma torre que chegue a tocar o céu – os Nyambos têm uma no México, em Cholula, e, ainda no México os Toltecas têm uma também, também se apresenta entre os Cuki em Assam e entre os Karen na Birmânia: se trata sempre de manifestações de hybris, de soberba, de arrogância, da tentativa de escalar e de agredir a potência de Deus... (James Hillman, “Em louvor de Babel”, site http://www.rubedo.psc.br/artigosb/babel.htm, consulta em 16.09.2006, às 22:00 hs.). Pelo que observamos na Bíblia, a origem da grande diversidade de línguas do mundo foi proveniente de um castigo de Deus, cujos textos, entretanto nos apontam para a unicidade da língua nos tempos remotos. Situação que só mudou quando os homens se atreveram em construir uma torre que pudesse chegar ao céu. Isso foi o bastante para atiçar a ira divina e o castigo não tardou a chegar: confundiu-lhes a língua. Como ninguém mais entendia ninguém, tiveram que parar a construção desse ambicioso projeto. Interessante é que nessa anedota, repetindo o que disseram antes, Deus parece estar com medo do homem conseguir tal feito. Mas como? Se a uma altura de, aproximadamente, 10.000 metros o homem não consegue sobreviver, por falta de oxigênio, será que Deus não sabia disso? Como se não bastasse, a altura dessas torres era de cerca de 90 metros, então, como justificar que iriam alcançar o céu? Se uma torre de 90 metros de altura poderia chegar ao céu, imagine nos tempos de hoje que existe um prédio com 508 metros de altura. Veja: Taiwan inaugura prédio mais alto do mundo, com 508m de altura TAIPEI – Uma multidão compareceu à inauguração do edifício Taipei 101, uma construção de 508 metros de altura e 101 andares, que abrigam escritórios, um shopping e um observatório. A construção custou US$ 1,7 bilhão e os administradores do Taipei 101 pretendem alugar metade das salas de escritório do edifício até o fim do ano. O Taipei 101 supera as Torre Petrona, de Kuala Lumpur, na Malásia. As torres, que têm 452 metros de altura, eram tidas como o edifício mais alto do mundo. No entanto, há controvérsias quanto ao fato do Taipei 101 ser de fato a construção mais alta do mundo. No mês passado, o Conselho de Edifícios Altos e Habitats Urbanos disse que a construção de Taiwan não havia atendido a todos os prérequisitos para ser considerado o mais alto prédio do mundo. Ron Klemencic, o presidente da organização, diz que, para que um edifício pleiteie essa posição, é preciso que primeiro seja ocupado e esteja em uso. Fonte: http://www.nihonline.com.br/news/news_mundo/novembro/md151103.asp, consulta em 27.02.2007, às 16:30 hs. http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/story/2003/11/031114_edificiobg. shtml, consulta em 27.02.2007 às 16:30 hs. E, ao que parece, a corrida pelo prédio mais alto do mundo não acabou, pois em Xangai, na China, o prédio do Centro Financeiro Mundial, está em construção, e, segundo seus construtores, irá ocupar o primeiro lugar. Já sabemos que, você leitor, deve estar intrigado com relação ao título desse estudo. Correto, deixamos de propósito para o final. Gostaríamos que voltasse lá no início, quando colocamos os textos bíblicos; observe bem o que fizemos de destaque neles. Notou que há versículos falando da descendência dos filhos de Noé onde está dito que, em cada uma delas, já se falava segundo suas línguas (Gn 10,4.20.31)? Então, como explicar que depois disso, no episódio da torre de Babel, se fala que a partir dele é que os homens passaram a ter várias línguas? A descendência de Cam (Gn 10,10) é que foi habitar essa região, mas também ela está entre os que anteriormente já falavam várias línguas (Gn 10,20). Como ficamos diante disso? Esperamos que com isso tenhamos lhe respondido a questão do “carro na frente dos bois”. Sodoma e Gomorra Quem lê o Antigo Testamento, sem a viseira imposta pela teologia tradicional, certamente verá que foram atribuídos a Deus comportamentos típicos de nós, os seres humanos, como ira, raiva e vingança. Somente uma pessoa completamente bitolada, ou bem encabrestada por sua liderança religiosa, poderá admitir que tais sentimentos inferiores, próprios de seres atrasados, possam igualmente possuí-los a divindade. Curioso é que sempre nos afirmam que “Deus é amor”, inclusive, é uma expressão bíblica (1Jo 4,8.16); então como lhe atribuir coisas desse nível? Queremos que nosso leitor veja isso, por si mesmo, no assunto que iremos abordar agora. Embora, provavelmente, todos nós conheçamos a história onde, segundo os autores bíblicos, Deus, por castigo, destrói as cidades de Sodoma e Gomorra, vale a pena acompanhar a narração bíblica. Para isso iremos transcrever alguns trechos bíblicos, em relação aos quais teceremos os nossos comentários, esperando que você, caro leitor, possa também ver quanta coisa absurda há neles. Gn 13,13: “Ora, os homens de Sodoma eram maus e grandes pecadores contra o Senhor”. Em outras versões bíblicas ao invés de “homens” encontramos que foram os “habitantes”, o que amplia sobremaneira os “culpados”, pois assim estariam incluídas as mulheres e, obviamente, também as crianças e, como não há nenhuma exclusão, pasmem, até mesmo os bebês de colo. Ao que nos parece, os tradutores deveriam definir quem eram, na verdade, os criminosos e pecadores, para que se estabeleça a justiça. Como tal castigo atingiu gente inocente, então o que foi dito sobre Deus está furado? Veja: “Tu, porém, és justo, e governas todas as coisas com justiça. Consideras incompatível com o teu poder condenar alguém que não mereça castigo” (Sb 12,15). Chamamos sua especial atenção quanto ao nome da cidade, uma vez que aqui se atribuem tais coisas apenas aos que moravam em Sodoma, mas, como veremos mais adiante, os habitantes de outras cidades também foram castigados. A pergunta é: foram castigados mesmo não sendo criminosos e pecadores? É desnecessário repetir o que, por último, dissemos no parágrafo anterior. Sobre essa cidade nos informam: “Sodoma – a principal das cinco cidades da planície, cuja fertilidade rivalizava com a do Egito, situada perto do Jordão e do Mar Morto (Gn 13,10), e tristemente célebre por suas iniqüidades (Gn 13,13; 18,20; Is 3,9; Lm 4,6)”. (Dicionário Prático, Barsa, p. 257). Gn 14,10: “Ora, o vale de Sidim estava cheio de poços de betume;...”. Betume, segundo o dicionário Houaiss é: “mistura, escura e viscosa, de hidrocarbonetos pesados com outros compostos oxigenados, nitrogenados e sulfurados; usado como impermeabilizante, na pavimentação de estradas, na fabricação de borrachas, tintas etc.; asfalto, pez mineral”. Acreditamos que esse material é inflamável, o que poderia ocasionar um grande incêndio nessa região, desde que se manifestassem as condições necessárias para que ele pudesse ocorrer. Gn 18,20-21: “Disse mais o Senhor: Porquanto o clamor de Sodoma e Gomorra se tem multiplicado, e porquanto o seu pecado se tem agravado muito, descerei agora, e verei se em tudo têm praticado segundo o seu clamor, que a mim tem chegado; e se não, sabê-lo-ei”. Os tradutores da Bíblia de Jerusalém, afirmam que “O Javista recolheu e transformou uma velha lenda sobre a destruição de Sodoma, na qual intervêm três personagens divinas”. (p. 56). Então, por que ainda se faz de tudo para que os fiéis acreditem que tudo isso foi fato verdadeiro? Aqui já nos aparece a cidade de Gomorra, sem que se tivesse afirmado nada sobre ela. É muito interessante que Deus, apesar de ser onisciente, não tivesse conhecimento daquilo que ocorria nessas duas cidades, precisando “descer” para ver pessoalmente. Mas e como fica a passagem que afirma que Deus contempla e vê todos os homens e discerne todos os seus atos (Sl 33,13-15)? Não bastasse essa, ainda temos uma outra afirmando categoricamente que “o espírito do Senhor enche o universo, dá consistência a todas as coisas e tem conhecimento de tudo o que se diz” (Sb 1,7), demonstrando que nada acontece sem que Deus o saiba. Por outro lado, se entendermos clamor como reclamação ou queixa, fica-nos a interrogação: quem o estaria fazendo? Seriam os justos que viviam naquelas cidades? Foram as mulheres? Quem, afinal, não estava concordando com os crimes e pecados cometidos pelos que nelas moravam? Certamente quem fez isso tinha comportamento exemplar; mas, mesmo assim, mereciam ser mortos junto com eles? Gn 18,26-32: “Então disse o Senhor: Se eu achar em Sodoma cinqüenta justos dentro da cidade, pouparei o lugar todo por causa deles. ... Disse ainda Abraão: Ora, não se ire o Senhor, pois só mais esta vez falarei. Se porventura se acharem ali dez? Ainda assentiu o Senhor: Por causa dos dez não a destruirei”. Depois de Deus ter baixado à Terra e ver o que estava acontecendo, decidiu, literalmente, riscar do mapa a cidade de Sodoma. Uai, cadê Gomorra! Deus, apesar da dúvida, se devia ou não contar a Abraão, resolve expor-lhe o Seu “plano maligno”. Ao saber do plano, imediatamente o patriarca toma a defesa da cidade, e, de certa forma, repreende a Deus ao dizer: “Longe de fazeres tal coisa: fazer morrer o justo com o pecador, de modo que o justo seja tratado como o pecador”! Longe de ti! Não fará justiça o juiz de toda a terra? (Gn 18,25). O fato é tão absurdo que até mesmo foi reconhecido pelos tradutores da Bíblia de Jerusalém, que explicam: “Há mais injustiça em condenar alguns inocentes do que em poupar uma multidão de culpados”. (p. 57). A passagem citada é o momento em que Abraão defende os justos da cidade, conseguindo de Deus uma promessa que se nela fosse achado cinqüenta justos Ele não a destruiria. Abraão pechinchando, consegue que Deus abaixe a dez o número dos justos, a fim de poupar todos os habitantes de Sodoma do “riscamento” do mapa. Foi um cara ousado, não é mesmo? Mas ficamos a pensar... e se Abraão resolvesse perguntar a Deus, deixando-O numa situação difícil: destruirá mais três cidades – Zeboim, Adma e Gomorra - por conta do pecado de Sodoma? Gn 19,1-13: “À tarde chegaram os dois anjos a Sodoma. Ló estava sentado à porta de Sodoma e, vendo-os, levantou-se para os receber; prostrou-se com o rosto em terra, e disse: Eis agora, meus senhores, entrai, peço-vos, em casa de vosso servo, e passai nela a noite, e lavai os pés; de madrugada vos levantareis e ireis vosso caminho. Responderam eles: Não; antes na praça passaremos a noite. Entretanto, Ló insistiu muito com eles, pelo que foram com ele e entraram em sua casa; e ele lhes deu um banquete, assando-lhes pães ázimos, e eles comeram. Mas antes que se deitassem, cercaram a casa os homens da cidade, isto é, os homens de Sodoma, tanto os moços como os velhos, sim, todo o povo de todos os lados; e, chamando a Ló, perguntaram-lhe: Onde estão os homens que entraram esta noite em tua casa? Traze-os cá fora a nós, para que os conheçamos. Então Ló saiulhes à porta, fechando-a atrás de si, e disse: Meus irmãos, rogo-vos que não procedais tão perversamente; eis aqui, tenho duas filhas que ainda não conheceram varão; eu vo-las trarei para fora, e lhes fareis como bem vos parecer: somente nada façais a estes homens, porquanto entraram debaixo da sombra do meu telhado. Eles, porém, disseram: Sai daí. Disseram mais: Esse indivíduo, como estrangeiro veio aqui habitar, e quer se arvorar em juiz! Agora te faremos mais mal a ti do que a eles. E arremessaram-se sobre o homem, isto é, sobre Ló, e aproximavam-se para arrombar a porta. Aqueles homens, porém, estendendo as mãos, fizeram Ló entrar para dentro da casa, e fecharam a porta; e feriram de cegueira os que estavam do lado de fora, tanto pequenos como grandes, de maneira que cansaram de procurar a porta. Então disseram os homens a Ló: Tens mais alguém aqui? Teu genro, e teus filhos, e tuas filhas, e todos quantos tens na cidade, tira-os para fora deste lugar; porque nós vamos destruir este lugar, porquanto o seu clamor se tem avolumado diante do Senhor, e o Senhor nos enviou a destruí-lo”. Muito estranha essa história de dois anjos, que acompanharam Deus em sua descida do céu, serem recebidos por Ló, que, após insistir, os convence a pernoitar em sua casa. Só que os homens de Sodoma vão à casa de Ló exigir que os entregue para que eles os “conhecessem”. Conhecer aqui é um eufemismo empregado para esconder que os homens de Sodoma queriam, suas intenções eram ter relações sexuais com esses dois anjos. Mas será que seres carnais conseguiriam praticar um ato sexual com os anjos, que são seres espirituais? Meu Deus! Diante dessa situação, qual foi a atitude de Ló? Bom, para evitar tal perversidade para com os anjos, esse “bondoso” pai oferece suas duas filhas, ainda virgens, aos “sedentos” homens, para que fizessem com elas o que quisessem. Será que algum pai faria isso para com suas filhas? Entretanto, como esses anjos sabem se defender, o fazem ferindo de cegueira todos aqueles homens, e, ainda não satisfeitos, dizem a Ló, que irão destruir toda a cidade, como se não tivessem ido para lá, justamente para fazer isso. Coitados dos que não estavam nessa torpe empreitada... Seriam mortos por algo que não fizeram. Que justiça!... E olhem a incoerência: a vingança tinha o objetivo de destruir “este lugar”, ou seja, Sodoma e não toda a região como relatam ter acontecido. Gn 19,18-25: “Respondeu-lhe Ló: Ah, assim não, meu Senhor! Eis que agora o teu servo tem achado graça aos teus olhos, e tens engrandecido a tua misericórdia que a mim me fizeste, salvando-me a vida; mas eu não posso escapar-me para o monte; não seja caso me apanhe antes este mal, e eu morra. Eis ali perto aquela cidade, para a qual eu posso fugir, e é pequena. Permite que eu me escape para lá (porventura não é pequena?), e viverá a minha alma. Disse-lhe: Quanto a isso também te hei atendido, para não subverter a cidade de que acabas de falar. Apressa-te, escapa-te para lá; porque nada poderei fazer enquanto não tiveres ali chegado. Por isso se chamou o nome da cidade Zoar. Tinha saído o sol sobre a terra, quando Ló entrou em Zoar. Então o Senhor, da sua parte, fez chover do céu enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra. E subverteu aquelas cidades e toda a planície, e todos os moradores das cidades, e o que nascia da terra”. Curioso é que o anjo poupou da destruição a cidade de Zoar, porquanto Ló foi para lá, então por que não fez o mesmo com Sodoma porque ele morava lá, não é estranho isso? “Fez chover do céu enxofre e fogo” coisas que nos lembram algum fenômeno de ordem natural. E, pior ainda do que pensávamos, não só Gomorra, mas também outras cidades foram destruídas, sem que fossem citadas como pervertidas, coisa que, pelas narrativas, só se atribui a Sodoma; que injustiça! Encontramos a seguinte explicação para o versículo 24: É provável que Deus se tenha servido de algum cataclisma natural para castigar a cidade pecadora. São freqüentes nessas zonas, isto é, na região meridional do mar Morto. As cidades teriam sido submergidas no mar, ao sul do mesmo, de acordo com os últimos dados dos trabalhos arqueológicos, em execução ainda atualmente no fundo marítimo. (Bíblia Paulinas, p. 42). O que não entendemos é que, apesar de admitirem que tal fato foi um cataclisma natural, mesmo assim pregam que a destruição daquela região aconteceu por um “milagre” divino. E em relação ao enxofre e fogo, esclarecem-nos: “Depósitos de enxofre e asfalto (ou betume, cf. 14,10) têm sido encontrados naquela região. Possivelmente ocorreu um terremoto e relâmpagos provocaram a ignição dos gases liberados, provocando uma chuva de fogo e fumaça”. (Bíblia Anotada, p. 31). Nessa explicação também admitem a possibilidade de ter ocorrido algum fenômeno de ordem natural. Gn 19,26: “Mas a mulher de Ló olhou para trás e ficou convertida em uma estátua de sal”. Quando lemos esse versículo, instintivamente, lembramo-nos de um mágico, num palco de circo, fazendo suas mágicas para divertir o povo. Como é possível acreditar numa história dessas? Daí é que percebemos quanto é o atraso do ser humano na questão de compreender a divindade. Esclarecem-nos os tradutores bíblicos, sobre esse passo: Explicação popular de uma rocha de forma caprichosa ou de um bloco salino. (Bíblia de Jerusalém, p. 58). Explicação popular sobre a origem de alguma rocha com forma humana, coberta de sal, fato comum na região. É a punição pela desobediência e indecisão da mulher (19,17). (Bíblia Vozes, p. 46). Saga etiológica: havia na região uma formação salina que, vista de determinado ponto, se assemelhava a uma mulher. O povo a chamava ‘mulher de Ló’ e contava sua história temerosa. Olhou para trás com nostalgia ou curiosidade: sua figura petrificada passou à nossa cultura como símbolo de nostalgia covarde do passado, uma nostalgia que paralisa. Sb 10,7. (Bíblia do Peregrino, p. 42). O interessante é que, apesar de não concordarem com a “mágica” divina, ao transformar a mulher de Ló numa estátua de sal, mesmo assim, usam argumentos teológicos retrógrados, afirmando que é um fato real, resultado do castigo divino a uma mulher que poderia ter olhado para trás apenas por sentimento de compaixão com aqueles que estavam, literalmente, virando cinzas. Sobre esse assunto, vejamos o que Keller, tem a nos dizer: Quanto mais nos aproximamos da extremidade sul do mar Morto, mais deserta e selvagem se torna a região e mais sinistro e impressionante é o cenário das montanhas. Um eterno silêncio paira nos montes, cujas vertentes escalavradas pendem a prumo sobre o mar, onde se reflete sua brancura cristalina. A inaudita catástrofe deixou seu selo indelével de tristeza e desolação naquelas paragens. Raramente passa por algum daqueles vales fundos e escarpados um grupo de nômades a caminho do interior. Onde terminam as águas pesadas e oleosas, ao sul, termina também, bruscamente, o impressionante cenário de rochedos, dando lugar a uma região pantanosa de água salgada. O solo avermelhado é riscado por inúmeros ribeiros, perigosos para o viajante incauto. Essa baixada estende-se a grande distância para o sul até o deserto vale de Araba, que chega até o mar Vermelho. A oeste da costa sul, na direção do país do meio-dia bíblico, o Neguev, estende-se um espinhaço de quarenta e cinco metros de altura e quinze quilômetros de comprimento na direção norte-sul. O sol, batendo nas suas encostas, produz reflexos de diamante. É um estranho fenômeno da natureza. A maior parte dessa pequena serra é constituída de puros cristais de sal. Os árabes chamam-lhe Djebel Usdum, nome antiqüíssimo em que está contida a palavra "Sodoma". A chuva desloca numerosos blocos de sal que rolam até a base. Esses blocos têm formas caprichosas e alguns deles são eretos como estátuas. Às vezes em seus contornos a gente pensa distinguir, de repente, formas humanas. As estranhas estátuas de sal trazem logo à lembrança a história da Bíblia sobre a mulher de Lot, que foi transformada em estátua de sal. E tudo o que está próximo ao mar salgado ainda hoje se cobre em pouco tempo com uma crosta de sal. (KELLER, 2000, p. 92). Então, Keller confirma ser uma questão não real, ligada à superstição ou crendice popular que fez de blocos de sal, com forma semelhante a um ser humano, uma mulher verdadeira. Nada como a ciência para derrubar mitos! Gn 19,27-28: “E Abraão levantou-se de madrugada, e foi ao lugar onde estivera em pé do Senhor; e, contemplando Sodoma e Gomorra e toda a terra da planície, viu que subia da terra fumaça como a de uma fornalha”. Algum fenômeno natural produziu a fumaça que subia como a de uma fornalha. Essa comparação lembra-nos um vulcão em erupção, ou coisa bem próxima disso. E aqui temos a comprovação de que toda região foi destruída, tudo por conta da prevaricação de uma só cidade. Pela Bíblia de Jerusalém, tivemos conhecimento de que “A história de Sodoma, destruída pelos pecados de seus habitantes, pode ter sido primitivamente um paralelo transjordânico da narrativa do dilúvio” (p. 59). Essa hipótese compromete a realidade da narrativa, não é mesmo? Antes de terminar essa história, vamos seguir um pouco mais adiante para vermos como procederam as filhas de Ló que foram salvas, porquanto não eram criminosas nem pecadoras como os outros habitantes de Sodoma. Gn 19,30-38: “E subiu Ló de Zoar, e habitou no monte, e as suas duas filhas com ele; porque temia habitar em Zoar; e habitou numa caverna, ele e as suas duas filhas. Então a primogênita disse à menor: Nosso pai é já velho, e não há varão na terra que entre a nós, segundo o costume de toda a terra; vem, demos a nosso pai vinho a beber, e deitemo-nos com ele, para que conservemos a descendência de nosso pai. Deram, pois, a seu pai vinho a beber naquela noite; e, entrando a primogênita, deitou-se com seu pai; e não percebeu ele quando ela se deitou, nem quando se levantou. No dia seguinte disse a primogênita à menor: Eis que eu ontem à noite me deitei com meu pai; demos-lhe vinho a beber também esta noite; e então, entrando tu, deita-te com ele, para que conservemos a descendência de nosso pai. Tornaram, pois, a dar a seu pai vinho a beber também naquela noite; e, levantando-se a menor, deitou-se com ele; e não percebeu ele quando ela se deitou, nem quando se levantou. Assim as duas filhas de Ló conceberam de seu pai. A primogênita deu a luz a um filho, e chamou-lhe Moabe; este é o pai dos moabitas de hoje. A menor também deu à luz um filho, e chamou-lhe Ben-Ami; este é o pai dos amonitas de hoje”. As duas filhas de Ló o embebedam para ter relações sexuais com ele, cujo resultado foi o de terem ficado grávidas; em virtude disso, ele tornou tudo confuso, pois ele se tornou em pai e avô ao mesmo tempo dos filhos nascidos de suas filhas. Mas isso não é proibido por Deus? Ou seja, o pai ter relações sexuais com as filhas? O pior que não. Não??? Exato! Não é proibido; há várias outras uniões sexuais com parentes que não são permitidas, menos essa; vejamos as que estão proibidas: Lv 18,7-18: “Ninguém tenha relações sexuais com sua mãe. Ela é de seu pai, e é sua mãe;... ...com a concubina de seu pai;... ...com sua irmã, seja por parte de pai, seja de mãe, nascida em casa ou fora dela... ...com suas netas,... ...com a filha da concubina de seu pai,... ...com sua tia paterna,... ...com sua tia materna,... ...com a mulher dele [seu tio],... ...com sua nora,... ...com sua cunhada,... ...com uma mulher e com a filha dela,... ...com uma mulher e com a irmã dela,...”. Destacamos dessa passagem aqueles parentes que não podiam ter relações sexuais com os demais. É brincadeira, pois não se pode ter relação sexual com nenhum parente; entretanto, quanto ao próprio pai não foi proibido. Falha da lei? Mas, sendo ela de origem divina, não pode haver nenhuma falha... Então, como é que ficamos nessa? Sim, já sabemos, pois alguém poderá dizer que, em sua Bíblia, o versículo 7 proíbe relações sexuais com o pai. Sem dúvida que fatalmente se encontrará isso em algumas traduções; mas corresponderá à realidade do texto? Vejamos as narrativas, conforme as Bíblias: Bíblia de Jerusalém: “Não descobrirás a nudez do teu pai, nem a nudez da tua mãe. É tua mãe, e tu não descobrirás a sua nudez”. Bíblia Pastoral: “Não tenha relações sexuais com sua mãe. Ela é de seu pai, e é sua mãe; não tenha relações sexuais com ela”. Bíblia Vozes: “Não desonrarás teu pai, tendo relações sexuais com tua mãe. É tua mãe: não terás relações com ela”. Bíblia do Peregrino: “Não terás relações com tua mãe. Ela é de teu pai e é tua mãe; não terás relações com ela”. Bíblia Anotada: “Não descobrirás a nudez de teu pai e de tua mãe: ela é tua mãe; não lhe descobrirás a nudez”. Não precisa ser muito inteligente para perceber que o segundo período é fatal para aqueles que quiseram mudar (ou seria adulterar?) o sentido do texto. Ainda que considerado, por alguns, como se fosse para os dois, ou seja, seu pai e sua mãe, vê-se que o texto se refere apenas a mãe, porquanto, caso fosse em relação aos dois, haveria de ser: São teus pais (ou é teu pai e é tua mãe) não terá relações sexuais com eles (ou com seu pai e com sua mãe). Aqui terminamos de transcrever as passagens bíblicas relacionadas com o nosso assunto; mas seria interessante, antes de continuar, ver o que o escritor e historiador hebreu Flávio Josefo (37-103), relata no livro História dos Hebreus sobre o episódio. Vejamos: [...] Os assírios para se vingar, voltaram segunda vez sob o comando de Marfede, de Arioque, de Codologomo e de Tidal, devastaram toda a Síria, submeteram os descendentes dos gigantes e encontraram nas terras de Sodoma, onde acamparam no vale que tinha o nome de poços de betume, por causa dos poços de betume que ali existiam então, mais que depois da destruição de Sodoma foi mudado num lago que se chama Asfaltite, porque o betume dele sai continuamente aos borbotões. [...] (JOSEFO, 1990 ,p. 56). Os povos de Sodoma, cheios de orgulho, por sua abundância e grandes riquezas, esqueceram-se dos benefícios que tinham recebido de Deus e não foram menos ímpios para com Ele do que ultrajosos para com os homens. Odiavam os estrangeiros e chafurdaram-se em prazeres inomináveis. Deus, irritado por seus crimes, resolveu castigá-los, destruir sua cidade de tal modo que não restasse o menor vestígio dela, tornando o país tão estéril que jamais pudesse produzir fruto ou planta alguma. (JOSEFO, 1990 , p. 57) [...] Deus então lançou do céu, os raios de sua cólera e de sua vingança contra essa cidade criminosa. Ela foi imediatamente reduzida a cinzas, com todos os seus habitantes; aquele mesmo fogo destruiu toda a região vizinha, como que já disse na minha história da guerra dos judeus. (JOSEFO, 1990 , p. 58). Eu penso ter mostrado bastante com quantos favores a natureza embelezou e enriqueceu as cercanias de Jericó; e eu creio dever falar agora do lago Asfaltite. Sua água é salgada, imprópria para os peixes; é tão leve que as coisas, mesmo as mais pesadas, não vão ao fundo. Vespasiano teve a vontade de lá ir e atirou à água, alguns homens que não sabiam nadar com as mãos atadas às costas. Todos voltaram à tona, como se alguma força estranha os impelisse de baixo para cima. Não se poderia assaz admirar de que esse lago mude de cor três vezes por dia, segundo os diversos aspectos do sol. Ele impele para vários lugares, massas de betume, negras, que parecem touros sem cabeça e que nadam nas águas. Os do país, que navegam no lago, vão com barcas recolher esse betume e como ele é tão extremamente pegajoso, gruda de tal modo que só pode ser desligado com urina de mulher e com aquele mau sangue de que elas se desfazem de tempos em tempos. Esse betume não somente serve para calafetar os navios, mas entra também em vários remédios, próprios para muitas doenças. O cumprimento desse lago é de quinhentos e oitenta estádios e ele se estende até Zoara, que está na Arábia. Sua largura é de cinqüenta estádios. As terras de Sodoma, vizinhas deste lago e que outrora eram abundantes não somente em toda espécie de frutos, mas também muito célebres por suas riquezas e pela beleza e suas cidades, agora só conserva a imagem espantosa daquele incêndio que a detestável impiedade de seus habitantes atraiu sobre ela, quando Deus, para castigar seus crimes, lançou do céu seus raios vingadores, que a reduziram a cinzas. Ali vemos ainda alguns restos das cinco cidades abomináveis e suas cinzas malditas produzem frutos por que parecem bons para se comer, mas apenas nós os apanhamos, reduzem-se logo a pó. Assim, não é somente pela fé que nos persuadimos desse horrível acontecimento; mas pode-se ainda constatálo com os próprios olhos. (JOSEFO, 1990, p. 629). (grifo nosso). O que podemos perceber desses relatos de Josefo é que inicialmente ele dá a entender que a destruição foi somente da cidade de Sodoma, mas ao final acaba por estender às outras cinco cidades, nisso não está concorde com a Bíblia que cita apenas duas delas - Sodoma e Gomorra – e que a cidade de Zoar teria sido poupada. Veja no mapa que colocamos logo no início a localização delas. O que de fato aconteceu? A essa altura do campeonato é difícil saber exatamente o que aconteceu; entretanto, algumas hipóteses são levantadas. A questão fica apenas em distinguir a que mais se aproxima da realidade e que seja isenta de fenômenos sobrenaturais como explicação. Vamos agora, portanto, ver algumas opiniões sobre o episódio. Sabemos que a sua equipe de tradutores da Bíblia de Jerusalém foi composta de católicos e protestantes. Ela é, segundo os mais entendidos, uma das melhores traduções bíblicas, embora isso não implique que ela não tenha os seus problemas. Vejamos o que dizem sobre Gn 19,25: “O texto permite situar o cataclismo na região meridional no mar Morto. De fato, o abaixamento da parte sul do mar Morto é geologicamente recente, e a região permaneceu instável até a época moderna...” (Bíblia de Jerusalém, p. 58). Pelo que entendemos a ocorrência é atribuída a um fenômeno de ordem natural, sem apelação para algum tipo de “milagre” que veio para castigar os que habitavam a região. No Dicionário Bíblico Universal a palavra Sodoma é explicada da seguinte forma: Primeira cidade da Pentápole do sul do mar Morto no limite de Canaã (Gn 10,19).... Podemos aproximar este relato de uma descoberta arqueológica recente. Entre 1975 e 1980 foram estudados quatro sítios arqueológicos da margem sudeste do mar Morto: todos foram destruídos pelo incêndio por volta da metade do Antigo Bronze, isto é, cerca de 2500 a.C. Não é impossível que uma lembrança local, ou uma reflexão sobre as ruínas ainda visíveis, tenha sido incorporada à tradição dos patriarcas que chegaram mais tarde. Devido ao fato de Ló ter morado nela, e também por sua proximidade de Jerusalém, Sodoma é mais freqüentemente mencionada na Bíblia do que as três outras cidades destruídas (Is 3,9; Ez 16,46; Lm 4,6). O nome de Sodoma foi transferido para o sudoeste do mar Morto, designando a montanha de sal do Djebel Usdum, ou Har Sedom, onde os visitantes reconheciam a estátua de sal da mulher de Ló (Gn 18,26). (Dicionário Bíblico Universal, p. 763). Se o local foi destruído em cerca de 2500 a.C., então essa catástrofe nada tem a ver com a história de Ló, uma vez que o seu tio Abraão, que o levou junto para Canaã, viveu por volta de 1850 a.C. (Superinteressante, julho 2002, p. 43). Assim, pode-se perceber que é realmente uma tradição incorporada à história dos hebreus; por isso, não corresponde aos fatos que estamos estudando. Pena que não deram alguma explicação para a ocorrência. Pela Revista Mistério o assunto é levado à conta de “mistério”, visto não se saber exatamente o que aconteceu. Mas leiamos o que dizem: Destruição de Sodoma e Gomorra Disse, pois, o Senhor: "O clamor de Sodoma e Gomorra aumentou, e o seu pecado agravou-se extraordinariamente". Fez, pois, o Senhor chover sobre Sodoma e Gomorra enxofre e fogo do céu; e destruiu essas cidades, e todo o país em roda, todos os habitantes da cidade, e toda a verdura da terra. E a mulher de Ló, tendo olhado para trás, ficou convertida numa estátua de sal. E viu que se elevavam da terra cinzas inflamadas, como o fumo de uma fornalha (Gn 18.20; 19.24,26,28). A sinistra força dessa narrativa bíblica tem impressionado profundamente os ânimos dos homens em todos os tempos. Sodoma e Gomorra transformaram-se símbolos de vício e iniqüidade, e também sinônimos de aniquilação completa. Assim, a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra tornou-se uma das mais emblemáticas passagens da Bíblia e um dos mais conhecidos desastres da história da humanidade. Embora ela seja encarada por diversos exegetas (intérpretes dos textos bíblicos) como apenas uma passagem simbólica, há décadas arqueólogos e pesquisadores buscam indícios ou mesmo provas concretas da existência das cidades gêmeas e, principalmente, dos motivos que as levaram elas a desaparecer. De acordo com o livro do Gênesis, ambas foram destruídas por enxofre e fogo. Os cientistas trabalham com conjeturas. As cidades realmente existiram? Qual fenômeno seria capaz de varrer as duas do mapa? O QUE DIZ A CIÊNCIA? Algumas pistas já foram levantadas na tentativa de esclarecer as perguntas. No "Quarterly Journal of Engineering Geology", os geólogos britânicos Graham Harris e Anthony Beardow apresentaram algumas evidências e teorias a cerca da localização e do trágico destino das cidades. De acordo com a dupla de pesquisadores, o legendário Vale de Siddim, berço de Sodoma e Gomorra, situava-se a nordeste da Península de Lisan, que divide o Mar Morto em duas bacias. Com base em análises do solo da região, Harris e Beardow chegaram à conclusão de que o Vale de Siddim foi assolado por um terremoto de grandes proporções. Além de pôr abaixo as edificações (o abalo teria feito aflorar grandes quantidades de betume, que incendiou-se, agravando a destruição), liquefez o solo e as rochas abaixo das cinco cidades que comporiam o Vale. Como conseqüência, Sodoma e Gomorra perderam-se nas águas da bacia norte do Mar Morto. O fenômeno apontado pelos geólogos já foi registrado em épocas e regiões bem distintas. Em 37 a.C, a antiga cidade grega de Helice desapareceu devido à liquefação, assim como uma extensa área da China, que desapareceu devido a sismos em 1921. Nos idos de 1950, uma parte de Valdez, no Alasca, também sucumbiu liquefeita. (Revista Mistério, s/d, p. 18). Vejamos agora o que o Werner Keller, em E a Bíblia tinha razão..., disse sobre essa questão: Só no começo deste século, com as escavações realizadas no resto da Palestina, foi despertado também o interesse por Sodoma e Gomorra. Os exploradores dedicaram-se à procura das cidades desaparecidas que nos tempos bíblicos estariam situados no vale de Sidim. Na extremidade a sudeste do mar Morto, encontram-se os restos de uma grande povoação. Esse sítio ainda hoje é chamado Segor. Os pesquisadores se regozijaram, pois Segor era uma das cinco cidades ricas do vale de Sidim que se recusaram a pagar tributo aos quatro reis estrangeiros. Mas as escavações experimentais realizadas trouxeram apenas decepção. Assim, há dúvidas ainda se Segor é o mesmo sítio citado na Bíblia. A verificação das ruínas descobertas revelou tratar-se de restos de uma cidade que floresceu no princípio da Idade Média. Da antiga Segor do rei de Bala (Gênese 14.2) e das capitais vizinhas não se encontrou vestígio. Entretanto, diversos indícios encontrados nos arredores da Segor medieval sugerem a existência de uma povoação muito densa naquele país em época muito anterior. Na costa oriental do mar Morto, estende-se mar adentro, como uma língua de terra, a península de El-Lisan. Em árabe, "el-Lisan" significa "a língua". A Bíblia menciona-a expressamente quando se refere à partilha do país depois da conquista. As fronteiras da tribo de Judá são traçadas com precisão. Para isso Josué dá uma estranha característica a fim de indicar os limites do sul: "O seu princípio é desde a ponta do mar salgado, e desde a língua que ele forma, olhando para o meio-dia" (Josué 15.2). Uma narrativa romana refere-se a essa língua de terra numa história que sempre foi injustamente considerada com grande ceticismo. Dois desertores fugiram para essa península. Os legionários que os perseguiram procuraram-nos em vão por toda parte. Quando finalmente os avistaram, era tarde demais. Os desertores já escalavam os altos rochedos da outra margem... Tinham atravessado o mar a vau! Evidentemente o mar naquela época era mais raso que hoje. Invisível, o fundo ali forma uma dobra gigantesca que divide o mar em duas partes. À direita da península, desce a prumo até quase quatrocentos metros de profundidade. À esquerda da península, o fundo é extraordinariamente raso. Medições feitas nos últimos anos acusaram profundidades de quinze a vinte metros apenas. Os geólogos tiraram dessas descobertas e observações outra interpretação, que poderia explicar a causa e fundamento da narrativa bíblica da aniquilação de Sodoma e Gomorra. A expedição americana dirigida por Lynch foi a primeira que, em 1848, deu a notícia da grande descida do Jordão em seu breve curso pela Palestina. O fato de, em sua queda, o leito do rio descer muito abaixo do nível do mar é, como só pesquisas posteriores comprovaram, um fenômeno geológico singular. "É possível que haja em algum outro planeta coisa semelhante ao que ocorre no vale do Jordão; no nosso não existe", escreve o geólogo George Adam Smith em sua obra A geografia histórica da Terra Santa. "Nenhuma outra parte não submersa da nossa Terra fica mais de cem metros abaixo do nível do mar." O vale do Jordão é apenas parte de uma fenda imensa na crosta da nossa Terra. Hoje já se conhece sua extensão exata. Começa muitas centenas de quilômetros ao norte da fronteira da Palestina, nas faldas da montanha do Tauro, na Ásia Menor. Ao sul, vai desde a costa sul do mar Morto, atravessa o deserto de Araba até o golfo de Ácaba e só vai terminar do outro lado do mar Vermelho, na África. Em muitos lugares dessa imensa depressão há vestígios de antiga atividade vulcânica. Nos montes da Galiléia, nos planaltos da Jordânia oriental, nas margens do afluente Jabbok, no golfo de Ácaba, há basalto negro e lava. Será que Sodoma e Gomorra afundaram quando - acompanhado por terremotos e erupções vulcânicas - um pedaço do chão do vale ruiu um pouco mais? E o mar Morto se alongou naquela época em direção ao sul, como é mostrado (figura 12) no esboço? A ruptura da terra liberou as forças vulcânicas contidas há muito tempo nas profundezas da greta. Na parte superior do vale do Jordão, junto a Basan, erguem-se ainda hoje as crateras de vulcões extintos, e sobre o terreno calcário há grandes campos de lava e enormes camadas de basalto. Desde tempos imemoriais, os territórios ao redor dessa depressão são sujeitos a terremotos. Repetidamente temos notícia deles, e a própria Bíblia fala a respeito. Como para confirmar a teoria geológica do desaparecimento de Sodoma e Gomorra, escreve textualmente o sacerdote fenício Sanchuniathon em sua História antiga redescoberta: "O vale de Sidimus (1) afundou e se transformou em mar, sempre fumegante e sem peixe, exemplo de vingança e morte para os ímpios". [...] Da mesma forma, a tradição de Sodoma e Gomorra parece ser ainda mais problemática do que a referente aos camelos de Abraão. Antes de mais nada, convém frisar que está fora de qualquer cogitação a hipótese segundo a qual a depressão do rio Jordão teria se originado somente há uns quatro milênios, pois, conforme as pesquisas mais recentes, a origem dessa depressão remontaria ao Oligoceno (Terciário, entre o Eoceno e o Mioceno). Portanto, neste caso é preciso calcular não em milhares, mas sim milhões de anos. Embora, em tempos posteriores, fosse comprovada uma atividade vulcânica mais intensa, relacionada com a abertura da depressão do rio Jordão, mesmo assim chegamos a parar no Plistoceno, encerrado há uns dez mil anos, e ficamos longe do chamado "período dos patriarcas", convencionalmente datado no terceiro ou até segundo milênio antes de Cristo. Ademais, justamente ao sul da península de Lisan, onde supostamente teria acontecido o ocaso de Sodoma e Gomorra, perdem-se todos os vestígios de erupções vulcânicas. Em outras palavras, naquela área as condições geológicas não permitem comprovar uma catástrofe ocorrida em época geológica bem recente que destruiu cidades e foi acompanhada por violentas erupções vulcânicas. Por outro lado, o que se achou a respeito da entrada do mar Morto na bacia do sul, mais rasa? No decorrer de sua história bastante movimentada, o mar Morto (e seus antecessores no Plistoceno) estendeu-se, freqüentemente, além da atual bacia meridional, invadindo o Uadi e 'Arab. Por vezes, seu nível ficou até cento e noventa metros mais alto do que hoje. Naqueles tempos, o lago imenso ali represado encheu toda a depressão do Jordão, desde o Uadi e 'Arab, e subiu até o lago de Genesaré. Em seguida, esse lago diminuiu, como o atestam nada menos que vinte e oito antigos terraços nas suas margens, ou, possivelmente, até secou, e somente depois (presumivelmente, acompanhado por fortes tremores de terra) houve a formação do mar Morto. Mas igualmente esse acontecimento ocorreu ainda em fins do Plistoceno, quando, embora o homem já existisse, ainda não havia cidades. Todavia, há uma vaga possibilidade de que se teria tratado de experiências vividas naquela região pelo homem da Idade da Pedra, que, transmitidas de boca em boca, geração após geração, criaram as tradições das "cidades devastadas" e vieram a dar origem à tradição em apreço, pois essa tradição parece ser muito antiga, bem mais antiga do que se supôs até agora. Logo mais, voltaremos ao assunto. Decerto, houve terremotos no mar Morto em tempos posteriores, como, por exemplo, o ocorrido em 31 a.C., cujos horrores foram relatados por Flávio Josefo, bem como o registrado em Qirbet Qumran (local do achado dos famosos "rolos manuscritos do mar Morto"), onde persistem os vestígios da destruição então causada. Contudo, em parte alguma há indícios de uma catástrofe que, no início do segundo milênio antes da nossa era, teria aniquilado cidades inteiras. Aliás, nomes de locais geográficos, como Bahr el Lat ("mar de Lot"), termo árabe para o mar Morto, Djebel Usdum ("monte de Sodoma") e Zoar, não precisam necessariamente ser oriundos de uma tradição autêntica, independente, imediata, primária e paralela à Bíblia. É bem possível que, posteriormente e em aditamento aos relatos bíblicos, esses locais recebessem seus nomes (no caso, poderia tratar-se de uma mera "tradição secundária"). Situação análoga apresenta-se com referência ao "canal de José" (em árabe: Bahr Yusuf), em Fayum, no Egito, a ser mencionado no próximo capítulo. Aliás, o "José egípcio" da Bíblia existe também na tradição islâmica, e provavelmente o nome do respectivo curso de água poderia (ou deveria) estar relacionado com ele. Foi apenas recentemente que a escavação do Tell el-Mardikh, na Síria setentrional (ao sul de Alepo), conduzida pelo cientista italiano Giovanni Pettinato, causou sensação. Ali, Pettinato achou Ebla, uma cidade do terceiro milênio antes da era cristã, e a esse respeito foram três os fatos que causaram espécie. Primeiro, em tempos pré-históricos, existia ali uma civilização avançada, com uma estrutura social altamente diferenciada para a época; segundo, Ebla possuía um rico arquivo de tabuinhas de barro. Como costuma acontecer com todos esses arquivos, sua descoberta promete uma série de conhecimentos novos, quando, por outro lado, tais noções recém-adquiridas bem poderiam abalar algumas das doutrinas até então consideradas certas e garantidas. Recentemente, um colega alemão do Prof. Pettinato comentou: "Depois de estudados e explorados os textos, provavelmente poderemos esquecer os resultados obtidos em todo um século de pesquisas do antigo Oriente". Contudo, a terceira e, no caso, a mais importante sensação causada pela descoberta do Prof. Pettinato prende-se ao fato de os textos de Ebla conterem nomes que nos são familiares pela leitura da Bíblia e, assim, aparecem no terceiro milênio antes de Cristo! Ali são mencionados tanto o nome de Abraão quanto os nomes das cidades pecadoras de Sodoma e Gomorra, aniquiladas pelo fogo, de Adma e Zeboim, no mar Morto. Aliás, quanto a isso, há um certo ceticismo entre alguns colegas do Prof. Pettinato. Será que ele interpretou corretamente aqueles textos? Sem dúvida, pois como já mencionamos em outro trecho, os nomes dos patriarcas foram encontrados também em outros locais. Mas o que se deve pensar do fato de os nomes Sodoma e Gomorra constarem de um arquivo encontrado na Síria, terceiro milênio antes de Cristo? Assim, será que essas cidades existiram de fato? Ou será que sua tradição remonta a tempos remotos, a ponto de antecederem o início convencionado para o "tempo dos patriarcas"? Decerto, ainda levará muito tempo para se encontrar respostas a todas essas perguntas. Em geral, o cientista não costuma ir à cata de sensações, e falta muito para reunirmos as condições necessárias para avaliar, sem sombra de dúvida, quanto de realmente sensacional há na arqueologia bíblica do Tell el-Mardikh, descontado todo sensacionalismo. ___________ (1) Isto é, Sidim. (KELLER, 2000, pp. 83-95). Richard Henning, autor do livro Os grandes Enigmas do Universo, também não deixou de falar sobre esse assunto. Leiamo-lo: SODOMA E GOMORRA “ENTÃO, o Eterno fez cair do céu fogo e enxofre sobre Sodoma e Gomorra. Destruiu estas cidades, a planície e aniquilou todos os habitantes, bem como as plantas... E eis que da terra se elevou uma coluna de fumo, como duma fornalha”. Os investigadores já procuraram muitas vezes desvendar o mistério desta catástrofe, que teve por teatro a primitiva Palestina. Com efeito, os tremores de terra ou as erupções vulcânicas nunca são acompanhadas por chuvas de fogo ou de enxofre. No entanto, trata-se dum acontecimento histórico, pois até os próprios historiadores pagãos o mencionam. Assim, Estrabão escreveu no ano 20 d.C.: “São dignas de crédito as tradições chegadas até nós através dos habitantes, as quais asseguram ter havido outrora treze prósperas cidades nesta região; afirma-se até que as muralhas de Sodoma, a cidade principal, ainda existem e que medem sessenta estádios de perímetro. O lago saiu do leito em virtude dum grande tremor de terra, tendo vomitado betume em ebulição misturado com água sulfurosa, ao mesmo tempo que as rochas eram calcinadas pelas chamas que brotaram do solo. As cidades afundaram-se parcialmente nas entranhas da Terra ou foram abandonadas pelos habitantes em pânico”. A descrição de Estrabão está, de fato, muito mais próxima da realidade do que a contida no Gênese, como veremos dentro em pouco. Todavia, Estrabão não foi o único escritor grego a conhecer a catástrofe, porquanto Ptolomeu não a ignorava, pois chama ao mar Morto Sodomorum Lacus, nem Fílon, que também se refere ao assunto. Entre os Romanos, Tácito evoca igualmente nas suas Histórias a destruição de Sodoma: «Não longe do mar Morto estendiam-se planícies que foram outrora muito férteis e onde se erguiam grandes cidades. Contudo, diz-se que estas foram destruídas pelo raio... Quanto a mim, admito perfeitamente que algumas cidades célebres tenham sido devoradas pelo fogo do céu.» O historiador Flávio José menciona por sua vez a catástrofe. Finalmente, o próprio Alcorão alude ao acontecimento no seguinte versículo: «Revolveu as cidades destruídas e o que elas recobriam recobriu-as por sua vez.» Não se trata, pois, duma lenda inventada duma ponta à outra. A natureza exata desta catástrofe e a região da Palestina em que ocorreu é que nos ocuparão a seguir na seqüência deste capítulo. Uma passagem da Bíblia relativa a uma época anterior à destruição das cidades assinala que os cinco «reis» de Sodoma, Gomorra, Hadama, Seboim e Zoer se tinham reunido no «vale de Siddim, que é atualmente o mar Salgado», para ali conduzirem em comum uma guerra. Muito provavelmente, este «mar Salgado» é o mar Morto, cujo teor em sal é extremamente elevado. Além disso, os apócrifos precisam que «caiu fogo» sobre as cinco cidades referidas e que o local onde cada uma delas se erguia ficou totalmente devastado «e ainda fumega em sinal de opróbrio». Sodoma, Gomorra, Seboim e Hadama foram destruídas e só a «pequena» cidade de Zoer, onde Loth se teria refugiado, foi poupada. Pode, pois, perguntar-se se realmente houve quatro cidades que foram riscadas do mapa. Sodoma era sem dúvida a mais importante. Aliás, é só dela que trataremos neste capítulo. Com efeito, não é certo que Gomorra, citada sempre ao mesmo tempo que Sodoma, fosse o nome duma cidade, mas tão-somente o duma planície vizinha, igualmente submersa, tanto mais que o significado etimológico da palavra é o de «planície que as águas tornaram a cobrir”. Desde já se pode admitir que a causa imediata da catástrofe foi um tremor de terra. Mas que pensar a respeito da chuva de fogo e de enxofre? A primeira idéia que vem à cabeça é que tal chuva se deveria a um vulcão que teria entrado em erupção. Com efeito, as regiões vizinhas do vale do Jordão e do mar Morto abundam em vulcões extintos, um dos quais, e não dos menos célebres, é o monte Tabor. No entanto, a verdade é que todos esses vulcões se encontram extintos há dezenas e dezenas de milhares de anos. Que um deles tenha acordado bruscamente no início dos tempos históricos é teoricamente possível. No entanto, um acontecimento geológico tão recente devia ter deixado vestígios fáceis de serem detectados pelos geólogos. Com efeito, tanto a lava como os produtos da erupção deveriam subsistir se o fenômeno tivesse ocorrido no início do segundo milênio antes de Jesus Cristo. Ora, a verdade é que em toda a região não aparece o menor vestígio, pelo que se pode afirmar com probabilidade mínima de erro que nenhum fenômeno vulcânico se verificou na Palestina nos últimos quatro mil anos. A fim de resolver esta contradição entre os textos e os dados fornecidos pela geologia, Gunkel e Edouard Meyer admitiram que a «lenda» da destruição das duas cidades teria provindo da Arábia, donde teria passado para a Palestina. Mas esta hipótese não conduz a coisa alguma. A tradição bíblica menciona com demasiada precisão a “mar Salgado”, de que faz ponto de referência da sua narrativa. Além disso, não existe na Arábia nenhum vulcão em atividade. Se é fato que, em 1256 e em 1276, se verificaram erupções isoladas perto de Medina, em 1824 na ilha Saddle, em 1834 no dejbel Tair, etc., a sua amplitude foi sempre limitada, não havendo prova alguma de que, desde as tempos históricos, se tivesse produzido na Arábia uma catástrofe vulcânica importante. Blackenhorn é que resolveu o enigma graças às pesquisas que excetuou no local: o mar Morto ter-se-ia formado parcialmente no Período Terciário, a seguir ao afundamento da «fosso leste africano». A crosta terrestre aluiu então desde o lago Niassa até à Síria, dando origem a numerosos vulcões, aos grandes lagos africanos, ao mar Vermelho, ao mar Morto e ao lago Tiberíades. A princípio, este constituía um todo com o mar Morto, mas naquele clima desértico e devido à evaporação constante das águas, a lago e o mar acabaram por se separar, enquanto ia aumentando o seu teor em sal. O mar Morto é, com o mar Cáspio e o lago Baikal, a mais profunda depressão continental da crosta terrestre. Com efeito, a fundo do mar Morto encontra-se a setecentos e noventa e três metros abaixo do nível do mar Mediterrâneo e a sua superfície está ainda a trezentos e noventa e quatro metros abaixo do nível mediterrânico devido à fortíssima evaporação das suas águas. Atualmente, o mar Morto mede setenta e oito quilômetros de comprimento, dezessete de largura e trezentos e noventa e nove metros de profundidade. Como nenhum grande rio, à exceção do Jordão, se lança nas suas águas, o seu teor em sal é seis vezes mais forte da que o dos oceanos. Por conseqüência, nenhum peixe ali pode viver ou, o que é o mesmo, não se encontram pescadores ao longo das suas margens. Nenhum barco o percorre, podendo pois dizer-se que o seu nome de mar Morto está plenamente justificado. Mas o mar Morto, que nasceu do afundamento do solo durante o Período Terciário, era então menos extenso do que nos nossos dias. Nessa época, terminava por alturas da actual península de El-Lisan, situada no seu litoral sudeste. Este primitivo mar Morto atingia cinco sextos daquele que hoje conhecemos, sendo aquela a parte mais profunda da depressão. Quanta à parte meridional, situada abaixa da península de ElLisan, é de formação muito mais recente, variando a sua profundidade entre um e seis metros. Por conseqüência, esta região só ficou submersa muito mais tarde. No início dos tempos históricos ainda era habitada e nela existiam várias povoações. Este afundamento foi obviamente um fenômeno de origem sísmica e foi ele que deve ter destruído Sodoma e Gomorra. A este respeito, Blanckenhorn escreveu o seguinte: «O solo da parte meridional do atual mar Morto aluiu bruscamente. Abriram-se fendas que engoliram cidades inteiras ou que as fizeram positivamente dar voltas nas profundezas da Terra, de tal maneira que o mar Morto acabou por cobrir toda a região... Não se pode considerar como hipótese séria a erupção dum vulcão situado debaixo dos pés dos Sodomitas, nem a de uma inundação de lava incandescente.» Todavia, um simples sismo, por mais violento que fosse, ao provocar o aluimento de uma região inteira, logo a seguir coberta pelas águas, não explica a narração bíblica no que ela tem de mais notável - a chuva de fogo e de enxofre. Mas a verdade é que este problema está hoje igualmente explicado. Com efeito, a região do mar Morto é rica em fontes termais, tanto sulfurosas como carbónicas, bem como em poços de betume e de asfalto, que são outros tantos testemunhos da intensa atividade vulcânica do subsolo da região. Assim, na margem meridional do mar Morto existe uma nascente freqüentemente visitada pelos turistas em virtude da intensidade do seu cheiro a enxofre, afirmando uma antiga tradição popular, aliás pouco digna de crédito, que, em virtude do odor fétido da referida nascente, as aves evitam sobrevoar o mar Morto. Estas verificações levam-nos a dar mais atenção à descrição de Estrabão do que à narração bíblica. A verdade é que não caiu sobre Sodoma qualquer «chuva» de fogo e de enxofre. As fendas do solo é que deixaram escapar toda a espécie de gases, os quais não tardaram a inflamar-se, provocando as chamas e o fumo que envolveram toda a região. «E eis que da terra se elevou fumo como duma fornalha», reconhece a Bíblia, o que é sem dúvida exato. Em Julho de 1927, esta interpretação recebeu uma brilhante confirmação. Ao norte do mar Morto, perto de Zerka, sentiu-se de repente um forte abalo, e uma nuvem de fumo, semelhante àquela a que a Bíblia se refere, elevou-se na atmosfera. Os gases brotaram do solo exatamente como o deviam ter feito há uns quatro mil anos, isto é, inflamaram-se quase a seguir, ao mesmo tempo que por toda a atmosfera se espalhava um forte cheiro a enxofre. Em 1929, o padre Mallon e o arqueólogo René Neuville, ao efetuarem pesquisas por conta do Instituto Bíblico do Vaticano, puseram a descoberto, a seis quilômetros da margem nordeste do mar Morto, uma cidade antiga datando da Idade do Bronze e que parecia ter sido teatro duma alta civilização. Entre as descobertas feitas pelos dois pesquisadores contavam-se casas, vastos depósitos de trigo, jóias artisticamente trabalhadas e incrustadas de pérolas, nácar e pedras preciosas, bem como fragmentos duma escrita até hoje desconhecida. Esta cidade devia ter sido destruída por um gigantesco incêndio por alturas do ano 2000 a.C. Como se ignorava tudo a respeito de qualquer cidade situada naquele lugar da antiga Palestina, veio imediatamente à idéia de que se trataria das ruínas de Sodoma. No entanto, a hipótese não podia ser mantida, pois, se atendermos à cronologia, a destruição de Sodoma devia ter sido mais recente do que a da cidade descoberta em Tel Gessul, como os próprios católicos admitiram pouco depois. Com efeito, a Bíblia chama expressamente a atenção para o fato de que o local onde outrora se encontrava Sodoma e Gomorra passou a estar ocupado pelo mar Salgado. Portanto, na margem nordeste do mar Morto esteve localizada uma cidade cujo nome não chegou até nós, embora se tenha de reconhecer, por outro lado, que Sodoma e Gomorra só podiam situar-se na região atualmente coberta pela zona meridional daquele mar. Com efeito, está hoje provado que Zoer, onde Loth se refugiou, se erguia a sudeste do mar Morto, num local que Flávio José ainda conheceu. Necessariamente, Zoer localizar-seia na vizinhança imediata de Sodoma, que, por conseqüência, só poderá ser procurada na zona sul do referido mar. A tradição bíblica fornece ainda outro argumento em apoio desta teoria: ao fugir da catástrofe, a mulher de Loth voltou-se, desobedecendo à proibição de Deus, tendo sido punida, e por isso ficou transformada numa estátua de sal. A explicação deste episódio parece fácil. Com efeito, a margem meridional do mar Morto está cheia de rochas de sal com as formas mais bizarras e variáveis, devido à influência do vento e dos fenômenos atmosféricos. Com um pouco de imaginação, muitos desses blocos podem assemelhar-se a silhuetas humanas ou a animais, e por isso um deles, que sem dúvida se parecia com uma estátua de formas femininas, serviu de base para a história da mulher de Loth. Ainda hoje os Árabes, a quem nunca faltou imaginação, designam determinado rochedo de sal por djebel Usdum - Usdum em árabe significa Sodoma - e consideram-no como sendo «a mulher de Loth». Seja qual for a verdadeira explicação, a verdade é que este pormenor da tradição bíblica mostra que só está em causa a margem meridional do mar Morto e não a região nordeste. Neste caso, a ciência e a história estão de acordo, pelo que o problema de Sodoma e Gomorra pode considerar-se solucionado. Para terminar este assunto, assinale-se ainda com as devidas reservas uma outra hipótese, aliás inverificável. Se realmente o desaparecimento de Sodoma e Gomorra foi conseqüência dum aluimento da crosta terrestre, existe a possibilidade de esta catástrofe se ter verificado ao mesmo tempo que a grande convulsão vulcânica que afetou o arquipélago de Santorin, da qual falaremos no capítulo seguinte. Com efeito, os dois acontecimentos datam aproximadamente da mesma época, ou seja, primeira metade do segundo milênio antes de Jesus Cristo. Com efeito, muitos abalos telúricos ou vulcânicos em determinado ponto do Globo provocam muitas vezes outros abalos em regiões diferentes. Ora a distância que separa o arquipélago de Santorin do mar Morto não é tão grande que se possa excluir a impossibilidade duma relação entre os dois fenômenos. No 'entanto, não se pode apresentar qualquer prova desta hipótese; quando muito, há uma possibilidade, aliás frágil, de que as coisas se tenham passado assim. (HENNING, 1950, pp. 55-62). (grifo nosso). Em o livro Da Bíblia aos nossos dias, o escritor Mário Cavalcanti de Melo, também fala sobre esse assunto; vejamos o que coloca citando Léo Taxil e Strabão: O mais interessante em tudo isso, é que os israelitas, segundo Strabão, não atribuem a destruição de Sodoma e Gomorra a castigos dos Céus, mas, apenas, a fenômenos naturais e erupções vulcânicas”. (80). Vejamos, agora, o que nos diz o grande geógrafo grego: “A região de Sodoma e Gomorra tem sido muito trabalhada pelo fogo, o que disso há muitas provas: rochedos queimados, numerosas crateras, uma terra de cinzas, rios que espalham de longe um odor infecto, e aqui e ali, habitações em ruínas. Tudo isto faz crer que outrora havia treze cidades e que Sodoma era a metrópole; mas que, por tremores de terra, erupções de fogo subterrâneo e as águas betuminosas e sulfurosas incendiadas, o fogo invadiu a terra e os rochedos guardam a marca do cataclismo. Entre estas cidades, umas foram tragadas, as outras abandonadas pelos habitantes que puderam salvar-se”. (81). ___________ (80) – Léo Taxil – La Biblie Amusante – pgs. 147 a 152; (81) – Strabão – Livro XVI c. II. (MELO, 1954, p. 163). Ao terminar esperamos ter oferecido dados para que você, leitor, possa tirar suas próprias conclusões a respeito do assunto. Uma coisa é certa: que tudo não passou de um fenômeno natural, tomado à conta do humor de Deus, é um fato. Naquela época, por exemplo, o trovão era voz de Deus (Ex 19,19) e os raios eram setas com as quais enchia as mãos para atirá-las num alvo certo (Jó 36,32); isso somente para corroborar quanto era ingênuo o pensamento de outrora sobre a divindade. Se Deus destruiu mesmo Sodoma, então ele não cumpriu o “a cada um conforme as suas obras” (Jó 34,11; Sl 62,13 e Mt 16,27), pois pessoas inocentes foram castigadas. Mas aí como fica o: “Tu, porém, és justo, e governas todas as coisas com justiça. Consideras incompatível com o teu poder condenar alguém que não mereça castigo” (Sb 12,15)? Fato que também é contrário a outra coisa que Deus “detesta”: condenar o inocente (Pr 17,15). Por outro lado, parece-nos que, se agiu desse modo, Deus não corrigiu como um pai corrige ao filho (Pr 3,11-12), nem mesmo teria tido compaixão de todos, não levando em conta os pecados dos homens (Sb 11,2223), contrariando esses passos. Castigar com fogo não é uma ação que possa ser enquadrada como algo feito com brandura (Sb 12,2), para que viesse a ser recuperado o pecador. Tão-pouco seria um castigo tipo “pouco a pouco”, de forma a dar oportunidade de arrependimento (Sb 12,10). Assim, podemos ver que várias passagens bíblicas são contrariadas a ser verdadeiro o castigo imposto a Sodoma. Mas não somos fanáticos a tal ponto de aceitar tal aberração; por isso, preferimos acreditar que tudo não passou mesmo de fenômeno de ordem natural, ao qual estamos sujeitos todos nós que estamos encarnados na Terra, que é um planeta de provas e expiações. Matança dos varões nascidos de hebreus Segundo S. Jerônimo “A verdade não pode existir em coisas que divergem”, ora, se isso de fato acontece, então estamos diante de uma situação constrangedora aos que acreditam piamente que os relatos bíblicos se pautam na mais pura verdade. Iremos ver mais um caso em que a “inerrância” bíblica fica arranhada pelos fatos históricos desvendados pela ciência humana. Quando os arqueólogos revolveram a poeira que escondia o passado, através de suas escavações, foram revelados fatos desconhecidos, mas também jogou baldes de água fria nos que eram tidos como verdades intocáveis. Leiamos a narrativa bíblica sobre o caso em estudo: Ex 1,6-22: “Depois José morreu, bem como todos os seus irmãos e toda aquela geração. Os israelitas foram fecundos e se multiplicaram; tornaram-se cada vez mais numerosos e poderosos, a tal ponto que o país ficou repleto deles. Chegou ao poder sobre o Egito um novo rei, que não conhecia José. Ele disse à sua gente: “Eis que o povo dos israelitas tornou-se mais numeroso e mais poderoso do que nós. Vinde, tomemos sábias medidas para impedir que ele cresça; pois do contrário, em caso de guerra, aumentará o número dos nossos adversários e combaterá contra nós, para depois sair do país”. Portanto impuseram a Israel inspetores de obras para tornar-lhe dura a vida com os trabalhos que lhe exigiam. Foi assim que ele construiu para Faraó as cidades-armazéns de Pitom e de Ramsés. Mas, quanto mais oprimiam, tanto mais se multiplicavam e cresciam, o que fez temer os israelitas. Os egípcios obrigavam os israelitas ao trabalho, e tornavam-lhes amarga a vida com duros trabalhos: a preparação da argila, a fabricação de tijolos, vários trabalhos nos campos, e toda espécie de trabalhos aos quais os obrigavam. O Rei do Egito disse às parteiras dos hebreus, das quais uma se chamava Sefra e a outra Fuá: “Quando ajudardes as hebréias a darem à luz, observai as duas pedras. Se for menino, matai-o. Se for menina, deixai-a viver”. As parteiras, porém, temeram a Deus e não fizeram o que o rei do Egito lhes havia ordenado, e deixaram os meninos viverem. Assim, pois, o rei do Egito chamou as parteiras e lhes disse: “Por que agistes desse modo, e deixastes os meninos viverem?” Elas responderam a Faraó: As mulheres dos hebreus não são como as egípcias. São cheias de vida e, antes que as parteiras cheguem, já deram à luz. Por isso Deus favoreceu essas parteiras; e o povo tornou-se muito numeroso e muito poderoso. E porque as parteiras temeram a Deus, ele lhes deu uma posteridade. Então, Faraó ordenou a todo o seu povo: “Jogai no Rio todo menino que nascer. Mas, deixai viver as meninas”. Explicam-nos, os tradutores da Bíblia de Jerusalém, que a cidadearmazém de Ramsés é o nome da residência do Faraó Ramsés II no Delta, identificada como Tânis ou Qantir. Essa menção aponta Ramsés II (12901224) como o Faraó opressor e fornece aproximadamente a data do Êxodo. (p. 103). Vamos, na seqüência, ver esse relato pela ótica do historiador hebreu Flávio Josefo. São essas as suas palavras sobre o acontecimento: 85. Êxodo 1. Como os egípcios são naturalmente preguiçosos e voluptuosos e só pensam no que lhes pode proporcionar prazer e proveito, eles olhavam com inveja a prosperidade dos hebreus e as riquezas que conquistavam com seu trabalho; conceberam mesmo certo temor pelo grande aumento de seu número. Tendo o tempo apagado a memória das obrigações que todo o Egito devia a José e tendo o reino passado a outra família, eles começaram a maltratar os israelitas e a oprimi-los com trabalhos. Empregaram-nos em cavar vários diques para deter as águas do Nilo e diversos canais para levá-las. Faziam-nos trabalhar na construção de muralhas para cercar as cidades, levantar pirâmides de altura prodigiosa e mesmo os obrigavam a aprender com dificuldade artes e diversos ofícios. Quatrocentos anos assim se passaram; os egípcios procurando sempre destruir nossa nação e os hebreus, ao contrário, esforçando-se por vencer todos esses obstáculos. 86. Este mal foi seguido por um outro, que aumentou ainda mais o desejo que os egípcios tinham de nos perder. Um dos doutores da sua lei, ao qual eles dão o nome de escribas das coisas santas e que passam entre eles por grandes profetas, disse ao rei, que naquele mesmo tempo deveria nascer um menino entre os hebreus, cuja virtude seria admirada por todo o mundo, o qual elevaria a glória de sua nação, humilharia o Egito e cuja reputação seria imortal. O rei, assustado com essa predição, publicou um edito, segundo o conselho daquele que lhe fazia essa advertência, pelo qual ordenava que se deveriam afogar todos os filhos dos hebreus do sexo masculino e ordenou às parteiras do Egito que observassem exatamente, quando as mulheres deveriam dar à luz, porque ele não confiava nas parteiras da sua nação. Esse edito ordenava também que aqueles que se atrevessem a salvar ou criar alguma dessas crianças seriam castigados com a pena de morte juntamente com toda a família. (JOSEFO, 1990, p. 79). A história aqui é outra, pois, pela pena de Josefo, o faraó Ramsés II, mandou matar as crianças por pura superstição, já que acreditou num presságio de que um menino hebreu seria a glória de sua nação e humilharia o Egito. A narrativa bíblica conta que isso ocorreu para limitar o nascimento dos hebreus, já que o faraó temia que eles viessem a sobrepujar o seu povo. Há uma outra versão sobre o episódio, que vem apoiar o que disse Josefo, é a que agora veremos num romance do antigo Egito. Certamente, alguém poderá objetar que o que estamos trazendo aqui, nesse ponto, não serve como prova. Concordamos plenamente, enquanto coisa isolada, entretanto, como isso vem corroborar uma das versões anteriores, achamos por bem colocá-la mesmo diante disso, já que ela se reveste de uma provável veracidade. Leiamos: Devo mencionar aqui um fato, que só vim a saber mais tarde, mas aqui o consigno por parecer-me conveniente: trata-se de uma profecia terrível, feita nessa ocasião por velho sacerdote de Heliópolis, célebre pelas suas revelações: - “Dentro em breve – teria dito o profeta – nascerá de pai hebreu uma criança do sexo masculino, que, ao atingir a maioridade, cobrirá o país de desgraças; por sua culpa, o Nilo sagrado será emprestado; as cidades e campos cobertos de cadáveres, a nação arruinada, todos os primogênitos do Egito feridos de morte e o sarcófago do Faraó que suceder a Ramsés, ostentando a coroa do Alto e Baixo Egito, permanecerá vazio para sempre, pois só haverá peixes no lugar em que o corpo do rei vai ser sepultado”. Ramsés, sobremaneira impressionado, convocou um conselho secreto e discutiu os meios de conjurar tão horrorosas desgraças. Deliberaram ocultar ao povo a predição, porque, tímido e supersticioso, poderia entregar-se a sanguinolentos excessos contra os semitas em geral. Por outro lado, porém, pretextando que os hebreus eram muitos prolíferos, resolveram eliminar, durante doze luas, todos os varões que lhes nascessem. (KRIJANOWSKY, 1999, pp. 23-24). A título de informação, já que ninguém é obrigado a saber disso, o espírito que se apresenta como Conde J. W. Rochester, afirma que foi, naquela época passada, o próprio Faraó Mernephtah. Pena que as coisas não ficaram somente nisso, pois há, ainda, uma outra versão diferente das anteriores. Vamos vê-la no livro A História da Bíblia, do qual transcrevemos: No século 14 a.C., quando Ramesés, o Grande governava o Egito, as relações entre os nativos e os judeus chegaram a ponto de explosão. Ia rebentar a luta. Os bem-vindos hóspedes de algumas centenas de anos antes haviam-se degradado de todas as maneiras. Os reis do Egito eram grandes construtores de obras públicas. As pirâmides já não estavam em moda, mas havia acampamentos, quartéis e diques a serem construídos, o que determinava uma constante procura de trabalhadores. Não era trabalho bem pago; os nativos evitavam-no; tinha, pois, de ser feito pelos judeus. Mesmo assim grande número de judeus comerciantes conseguiam manterse nas cidades, provocando a inveja dos egípcios que não podiam superálos em matéria comercial. Os prejudicados foram então pedir ao Faraó o extermínio dos judeus. O soberano, entretanto, pensou em outra solução. Deu ordem para que todas as crianças judias do sexo masculino fossem mortas – um remédio simples, embora cruel. Extinguiria a raça, sem perda dos atuais operários. (VAN LOON, 1981, p. 32). Agora a coisa se complicou ainda mais, porquanto, permanece a dúvida de qual das versões podemos tirar a realidade desses acontecimentos. Muitos tentam explicar isso. Mas, além dessa divergência em relação ao motivo, algo mais grave acontece em relação a tudo isso. É que iremos ver agora. Será que Ramsés II foi mesmo o Faraó daquela época? Trazemos a explicação dos autores dum livro que busca exatamente explicar as contradições bíblicas: ÊXODO 5:2 - Quem foi o Faraó de Êxodo? PROBLEMA: A posição predominante dos eruditos nos dias de hoje é que o Faraó de Êxodo era Ramsés II. Se assim for, isso significa que o êxodo ocorreu aproximadamente entre 1270 e 1260 a.C. Entretanto, de várias referências da Bíblia (Jz 11:26; 1 Rs 6:1; At 13:19-20), a data do êxodo é inferida como sendo 1447 a.C. Assim, de acordo com o sistema de datas normalmente aceito, o Faraó de Êxodo seria Amenotep II. Quem foi de fato o Faraó mencionado no livro de Êxodo, e quando foi que o êxodo ocorreu? SOLUÇÃO: Conquanto muitos eruditos da atualidade tenham proposto uma data posterior para o evento do êxodo, de 1270 a 1260 a.C., há evidências suficientes para se dizer que não é necessário aceitar essa data. Uma explicação alternativa nos fornece um melhor relato de todos os dados históricos, e coloca o êxodo por volta de 1447 a.C. Primeiro, as datas bíblicas para o êxodo o colocam nos anos em torno de 1400 a.C., já que 1 Reis 6:1 declara que ele ocorreu 480 anos antes do quarto ano do reinado de Salomão (o que foi por volta de 967 a.C.). Isso colocaria o êxodo por volta de 1447 a.C., de acordo com Juízes 11:26, que afirma que Israel passou 300 anos na terra, até o tempo de Jefté (o que foi cerca de 1000 a.C.). De igual modo, Atos 13:20 diz ter havido 450 anos de juízes, de Moisés a Samuel, sendo que este último viveu por volta de 1000 a.C. O mesmo ocorre com respeito aos 430 anos mencionados em Gálatas 3:17 (veja os comentários deste versículo), abrangendo o período de 1800 a 1450 a.C. (de Jacó a Moisés). O mesmo número é usado em Êxodo 12:40. Todas essas passagens indicam uma data em torno de 1400 a.C., não em torno de 1200 a.C., como os críticos afirmam. Segundo, John Bimson e David Livingston propuseram uma revisão da data tradicionalmente atribuída ao fim da Idade do Bronze Média e início da Idade do Bronze Avançada, de 1550 para um pouco antes de 1400 a.C. A Idade do Bronze Média caracterizava-se por cidades grandemente fortificadas, cuja descrição se enquadra muito bem com o relato que os espias trouxeram a Moisés (Dt 1:28). Isso significa que a conquista de Canaã se deu por volta de 1400 a.C. Como as Escrituras afirmam que Israel vagueou pelo deserto por cerca de 40 anos, isso dataria o êxodo por volta de 1440 a.C., totalmente de acordo com a cronologia bíblica. Se aceitarmos os registros tradicionais dos reinos dos Faraós, isso significaria que o Faraó do livro de Êxodo foi Amenotep II, que reinou de cerca de 1450 a 1425 a.C. Terceiro, outra possível solução, conhecida como a revisão de Velikovsky-Courville, propõe uma revisão na cronologia tradicional dos reinados dos Faraós. Velikovsky e Courville afirmam que há 600 anos a mais na cronologia dos reis do Egito. Evidências arqueológicas podem ser juntadas para substanciar esta proposta que de novo data o êxodo em 1440 a.C. De acordo com este ponto de vista, o Faraó nesse tempo era o rei Tom. Isto se harmoniza com a afirmação de Êxodo 1:11, de que os israelitas foram escravizados para construírem a cidade chamada Pitom (residência de Tom). Quando a cronologia bíblica é tomada como padrão, todas as evidências arqueológicas e históricas se encaixam direitinho. (Veja Geisler e Brooks, When Skeptics Ask [Quando os Cépticos Questionam], Victor Books, 1990, cap. 9). (GEISLER e HOWE, 1999, pp. 7374). Então temos duas datas aproximadas para o Êxodo, uma em 1440 a.C. e outra 1.270 a.C. Uma referência importante é encontrada na passagem bíblica transcrita, no início, onde, no versículo 11, lemos: “Foi assim que ele construiu para Faraó as cidades-armazéns de Pitom e de Ramsés”. Para definir qual é a data dos acontecimentos temos que saber quem foi que construiu esses armazéns. É unânime entre os historiadores que foi Ramsés II, o que evidencia uma contradição na Bíblia, quando, por suas narrativas, pode-se inferir também que a época seja 1440 a.C. Werner Keller, informa-nos: O quadro do túmulo aberto na rocha mostra uma cena da construção do templo de Amon na cidade de Tebas. As “clássicas” cidades da escravidão os filhos de Israel eram, entretanto, Pitom e Ramsés. Ambos esses nome aparecem sob forma um tanto modificada em inscrições egípcias. “Per-Itm”, “Casa do deus Atum”, é uma cidade que não existia antes da época de Ramsés II. E a já citada Per-Ramsés-Meri-Imen é a bíblica Ramsés. Uma inscrição do tempo de Ramsés II fala de “pr” “que arrastam pedras para a grande fortaleza da cidade de Per-Ramés-Meri-Imen”. A língua egípcia designa como “pr” os semitas. (KELLER, 2000, p. 126). Isso resolve em parte o nosso problema, entretanto, acaba criandonos um outro, senão vejamos. [...] as fontes egípcias relatam que a cidade de Pi-Ramsés (‘A Casa de Ramsés’) foi construída no delta na época do grande rei egípcio Ramsés II, que governou de 1279 a 1213 a.C, e que aparentemente semitas foram aproveitados na sua construção. ...a menção mais antiga de Israel num texto extrabíblico foi encontrada no Egito, na estela que descreve a campanha do faraó Meneptah3 – o filho de Ramsés II – em Canaã, no exato final do século XIII a.C. A inscrição relata uma destrutiva campanha militar egípcia naquela região, durante a qual um povo chamado Israel foi dizimado ao ponto de o faraó ter-se vangloriado de que “a semente de Israel não mais existe!” (FINKELSTEIN e SILBERMAN4, 2003, p. Se Israel é vencido pelo faraó Merneptah, como explicar o Êxodo conforme a narrativa bíblica que o coloca no reinado de Ramsés II? Se o povo hebreu saiu do Egito por volta de 1270 e tendo ficado 40 anos no deserto, isso nos remete ao ano de 1230 a.C. para a ocupação de Canaã. Mas nesse período o Egito era regido pelo faraó Ramsés II e não por Merneptah. Sabemos que Ramsés II morreu em agosto de 1213 a.C., com cerca de 90 anos (Nacional Geographic, p. 60), só então assumiu o trono Merneptah. Veja, caro leitor, que as coisas estão se complicando cada vez mais, tornando difícil saber o que de fato aconteceu neste período histórico. Ainda mais coisas colocam esses dois arqueólogos, que acabamos de citar: [...] nas abundantes fontes egípcias que descrevem a época do Novo Império em geral, e o século XIII em particular, não há referência aos israelitas, nem mesmo uma única pista. Sabemos sobre grupos nômades de Edom que entraram no Egito pelo deserto. A estela de Merneptah se refere a Israel como um grupo de pessoas que viviam em Canaã. Mas não há pistas, nem mesmo uma única palavra, sobre antigos israelitas no Egito: nem nas inscrições monumentais nas paredes dos templos, nem nas inscrições em túmulos, nem em papiros. Israel inexiste como possível inimigo do Egito, como amigo ou como nação escravizada. E simplesmente não existem achados arqueológicos no Egito que possam estar associados de forma direta com a noção de um grupo étnico distinto (em oposição a uma concentração de trabalhadores migrantes de muitos lugares), vivendo numa área específica a leste do delta, como subentendido no relato bíblico sobre os filhos de Israel vivendo juntos na terra de Gessen (Gênesis 46,27). Há algo mais: parece altamente improvável, como também é a travessia do deserto e o ingresso em Canaã, que um grupo, mesmo que pequeno, pudesse fugir do controle egípcio na época de Ramsés II. No século XIII a.C., o Egito estava no auge de seu poder e autoridade, o poder dominante do mundo. O controle sobre Canaã era firme; fortalezas foram construídas em diversas partes do país, e funcionários egípcios administraram os assuntos na região. Nas cartas de el-Amarna, datadas de um século antes, há a informação de que uma unidade de cinqüenta soldados egípcios era grande o bastante para apaziguar qualquer agitação em Canaã. E ao longo do período do Novo Império os extensos exércitos marcharam através de Canaã para o norte, até o rio Eufrates, na Síria. (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p. 90). Apenas para ilustrar e mostrar que nem mesmo as datas que os faraós reinaram são unânimes, por isso poder-se-á encontrar datas discrepantes nesse estudo. Vejamos: 19ª DINASTIA Ramsés I 1292-1290 Seti I 1290-1279 Ramsés II 1279-1213 Merneptah 1213-1204 (National Geographic, p. 49, Baseado em pesquisas de Rolf Krauss, do Museu Egípcio de Berlim). Pelo que conseguimos juntar nas pesquisas para esse nosso estudo, e apresentadas neste texto, a conclusão que se pode chegar não é outra senão que a narrativa bíblica não representa a verdade dos fatos. Não passa de uma ficção literária inventada pelos autores. Entretanto, quanto especificamente à questão do povo hebreu no Egito, há uma possibilidade que sejam os hicsos que foram expulsos por lá por volta de 1570 a.C (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p. 75), mas isso colocaria o Êxodo por volta de 1440 a.C, período em que reinava Tutmés III. Isso tudo nos leva a também desacreditar na história sobre a suposta ordem do Faraó de matar crianças dos hebreus. Moisés, o Libertador Antigamente, em quase todas as pequenas cidades do interior, invariavelmente, existia um cinema, por pequeno que fosse, pois era o único meio de diversão do povo. Hoje, o cinema foi substituído pela TV. Antes, saíamos sempre para ir ao cinema; atualmente, ficamos em casa defronte à “máquina de fazer doido”, horas e horas a fio. Foi nesse tempo que tivemos a oportunidade de assistir a um filme que contava a história de Moisés. Ficamos deveras impressionados com este personagem, pois, ao que tudo parecia, tinha mesmo parte com Deus, tantos os prodígios que fazia em nome Dele. Filme épico, que mostrava a história do povo hebreu, escravo no Egito, sendo libertado por esse nosso personagem. Criado no palácio real, teve uma formação cultural comum somente à nobreza. Devia ter conhecimento de todos os segredos que eram reservados somente aos iniciados. Mas, sempre ficamos a questionar se foi realmente verdadeira a história, que assistíramos boquiabertos. Hoje, querendo descobrir algo sobre este nosso herói, fomos pesquisar na Bíblia, a sua vida, para responder alguns questionamentos que nos saltaram à mente. Em Ex 2,1-4, lemos: “Um homem da família de Levi casou-se com uma mulher de seu clã. A mulher concebeu e deu à luz um filho. Vendo que era um lindo bebê, guardou-o escondido durante três meses. Não podendo escondê-lo por mais tempo, pegou uma cestinha de papiro, calafetou com betume e piche, pôs nela a criança e deixou-a entre os juncos na margem do rio. A irmã do menino postou-se a pouca distância para ver o que lhe aconteceria”. Encontramos a seguinte explicação para esta passagem: O relato do nascimento e salvamento de Moisés se assemelha à lenda contada a respeito de Sargão, o conquistador da Mesopotâmia (3º milênio AC). Nascido de pai desconhecido e de uma mãe que o abandonou nas águas do Eufrates numa cesta de vime calafetada com betume, foi salvo e criado por um jardineiro real. Depois, amado pela deusa Istar, se tornou rei durante 56 anos. Lendas semelhantes contam-se sobre a origem de Ciro, rei da Pérsia, e de Rômulo e Remo, fundadores de Roma. Com recurso a um tal clichê literário Moisés é colocado entre os grandes personagens da história. ( Bíblia Vozes, p. 97 ) (grifo nosso). Veja bem: se o relato do nascimento e salvamento de Moisés se assemelha a uma lenda e que lendas semelhantes contam-se a respeito de outras pessoas, podemos concluir que, por esse pensamento, a história de Moisés é também uma lenda. E quem lhe apareceu na sarça? Para responder esta questão teremos que recorrer ao que consta narrado em Ex 3,1-6: “Moisés... chegou ao monte de Deus, o Horeb. Apareceu-lhe o anjo do Senhor numa chama de fogo no meio de uma sarça. ...Moisés se aproximava para observar e Deus o chamou do meio da sarça: ...Moisés cobriu o rosto, pois temia olhar para Deus”. Ora, as passagens abaixo não dizem a mesma coisa: At 7,30: “Passados quarenta anos, um anjo apareceu a Moisés no deserto do Monte Sinai, entre as chamas da sarça ardente”. At 7,35-36: “... Moisés... Mas Deus é que o enviou como guia e libertador, por meio do anjo que lhe apareceu na sarça. Então, o anjo conduziu o povo para fora, realizando milagres e prodígios no Egito, no Mar Vermelho e no deserto, durante quarenta anos’”. At 7,38: “Foi ele quem... foi mediador entre o anjo que lhe falava no Monte Sinai...”. Afinal, quem apareceu a Moisés, foi o próprio Deus ou foi um dos seus anjos? Mais ainda, será que Moisés falava face a face com Deus, conforme narrado? Ex 33,11: “O Senhor se entretinha com Moisés face a face, como um homem fala com o seu amigo”. Ora, em outra passagem se diz que ninguém poderá ver a face de Deus e continuar vivo, conforme consta em: Ex 33,20: “Mas, ajuntou o Senhor, não poderás ver a minha face: pois o homem não me poderia ver e continuar a viver”. E, mais importante ainda, o próprio Jesus afirma que “ninguém jamais viu a Deus” (Jo 1,18). Então, o que será que realmente aconteceu? Porventura Moisés foi um mago ou um profeta? Os prodígios que ele fez, nos colocaram essa dúvida; vejamos as narrativas: Ex 7,10-12: “... Moisés e Arão ...fizeram assim como o SENHOR ordenara; e lançou Arão a sua vara diante de Faraó, e diante dos seus servos, e tornou-se em serpente. E Faraó também chamou os sábios e encantadores; e os magos do Egito fizeram também o mesmo com os seus encantamentos. ...”. Ex 7,19-22: “Disse mais o SENHOR a Moisés: Dize a Arão: Toma tua vara, e estende a tua mão sobre as águas do Egito,... E Moisés e Arão fizeram assim como o SENHOR tinha mandado; e Arão levantou a vara, e feriu as águas ...e todas as águas do rio se tornaram em sangue, ...Porém os magos do Egito também fizeram o mesmo com os seus encantamentos;...”. Ex 8,1-3: Disse mais o SENHOR a Moisés: Dize a Arão:... E Arão estendeu a sua mão sobre as águas do Egito, e subiram rãs, e cobriram a terra do Egito. Então os magos fizeram o mesmo com os seus encantamentos, e fizeram subir rãs sobre a terra do Egito. Se Moisés já havia transformado as águas do rio em sangue, como é que os magos do faraó fizeram o mesmo? É o que queremos saber e ainda não encontramos uma resposta lógica para isso. Estas passagens descrevem o cumprimento da determinação de Deus por Moisés e seu irmão Arão, para convencerem o Faraó a deixar o povo hebreu partir, liberto da escravidão, em busca da Terra Prometida. Ao analisá-las, ficamos numa dúvida cruel. Ora, se os magos do Faraó também conseguiram fazer essas proezas que Moisés e Arão fizeram, de duas uma: ou teremos que admitir que o deus do Faraó era tão prodigioso, que conseguia fazer tudo quanto o Deus de Moisés fez, ou deveremos entender que Moisés e Arão eram, na verdade, magos, iguais aos que acompanhavam o Faraó, já que eles conseguiram produzir esses mesmos fenômenos. A primeira hipótese é absurda, pois há um só Deus. Assim, teremos que, inevitavelmente, ficar com a segunda, ou seja, somos constrangidos a admitir que Moisés e Arão eram magos; isso se não formos daqueles que o fanatismo cega. Se bem que pelos textos, quem produziu os fenômenos foi somente Arão; Moisés era apenas um espectador. Admitindo isso, estas passagens se conflitam com a determinação contida em Dt 18,9-12, que, entre várias coisas, Deus proibia a magia. E aí, quem consegue sair desse dilema, sem usar qualquer tipo de apelação? Você, caro leitor, poderá até ponderar que essa determinação é posterior aos acontecimentos narrados. É um fato, e não temos como contestar; entretanto, também não temos como admitir Deus mudando de opinião, pois, para nós, Ele é imutável, e todas as Suas determinações são para todos os tempos e povos, a exemplo de: “Não matarás”, “Honrar pai e mãe”, “não furtarás”, ou o “não adulterarás”! Mas, e os tais milagres realizados por Moisés, de que tanto se fala, ocorreram ou não? Para buscar a resposta, vamos ver as narrativas: Ex 14,21-22: “Moisés estendeu a mão sobre o mar, e durante a noite inteira o Senhor fez soprar sobre o mar um vento oriental muito forte, fazendo recuar o mar e transformando-o em terra seca. As águas se dividiram, e os israelitas entraram pelo meio do mar em seco, enquanto as águas formavam uma muralha à direita e outra à esquerda”. A explicação para essa passagem está da seguinte forma: A descrição da passagem pelo mar Vermelho corresponde a um fenômeno de ordem natural, como o sugere a menção do ‘vento forte’ que põe o mar, isto é, uma região pantanosa, em seco. Tal fenômeno foi providencial para salvar os israelitas e fazer perecer os egípcios: de madrugada as condições climáticas foram favoráveis à passagem segura dos israelitas; de manhã mudaram bruscamente e os egípcios pereceram. Nisto Israel viu a mão providencial de Deus, expressa pela nuvem e pelo fogo, pelas águas que formaram alas para os israelitas passarem e pela vara milagrosa de Moisés. (Bíblia Vozes, p. 99). Assim, podemos concluir, que, na realidade, a passagem do Mar Vermelho, quando o mar abriu-se em duas muralhas, é, nada mais nada menos, que um fenômeno de ordem natural. Mas, por que ainda continuam a afirmar que se trata de um milagre? Vejamos agora essa outra narrativa: Ex 16,13: “De tarde, realmente veio um bando de codornizes e cobriu o acampamento;...”. A explicação dada a essa passagem foi: “As codornizes são aves migratórias que, duas vezes por ano, aparecem em abundância na península do Sinai, tanto no Golfo arábico como na costa mediterrânea. Exaustas do longo vôo, podem ser facilmente apanhadas”. (Bíblia Vozes, p. 99). Nós aqui em Minas Gerais, diríamos: Uai! Então não foi milagre? Não entendemos porque ainda continuam dizendo que foi. Uma outra passagem para análise é a seguinte: Ex 16,14-15: “Quando o orvalho evaporou, na superfície do deserto apareceram pequenos flocos, como cristais de gelo sobre a terra. Ao verem, os israelitas perguntavam-se uns aos outros: ‘Que é isto?’, pois não sabiam o que era”. Explicam-nos que: Da pergunta ‘que é isto?’, em hebraico man hú, a etimologia popular fez derivar o nome de maná. O maná é o produto da secreção de certos insetos que se alimentam da seiva de uma variedade de tamareira do deserto. Em forma de gotas de orvalho, o maná cai no chão donde é ajuntado, peneirado e guardado para servir de alimento. Os árabes ainda hoje chamam a essa substância açucarada, man. (Bíblia Sagrada Vozes, p. 99). (Grifo nosso) Noooossa! Então o maná também não foi um milagre. Essa ocorrência, como as anteriores, são simples fenômenos de ordem natural. Como explicar que os teólogos sempre disseram que todas elas são milagres? Ficamos a pensar quantas outras coisas que estão na Bíblia podem ser apenas fenômenos naturais, vistos, pelos conhecimentos da época, como milagres. Desculpe-nos, caro leitor, se transferimos a você as nossas dúvidas. Mar Vermelho: a travessia que não existiu Relatam-nos os textos sagrados, que o povo hebreu, ao sair do Egito, defrontou-se com o Mar Vermelho, que se dividiu em duas muralhas após Moisés estender a mão sobre ele, de modo que todo o povo o atravessou a pé enxuto. Os egípcios, que o perseguiam, foram tomados pelas águas quando elas se juntaram novamente, perecendo todo o exército do Faraó. Apesar desse “milagre” nos impressionar, nunca deixamos de questionar se realmente isso aconteceu, tal como se encontra relatado na Bíblia. Pelo que vimos nos filmes épicos, é muita água! Veremos, neste estudo, se conseguiremos desvendar esse mistério. Das várias Bíblias, fonte de nossa pesquisa, somente a intitulada Bíblia de Jerusalém traz a verdadeira denominação do local da passagem. Optamos por colocar todas as narrativas que iremos mencionar dela, uma vez que a equipe formada para sua tradução foi composta por tradutores católicos e protestantes; portanto, uma versão de consenso que, segundo pensamos, evita, muito mais que qualquer outra, textos adaptados à conveniência religiosa de um segmento específico. Ex 13,17-18: “Ora, quando o Faraó deixou o povo partir, Deus não o fez ir pelo caminho no país dos filisteus, apesar de ser o mais perto, porque Deus achara que diante dos combates o povo poderia se arrepender e voltar para o Egito. Deus, então, fez o povo dar a volta pelo caminho do deserto do mar dos Juncos, e os israelitas saíram bem armados do Egito”. Em nota de rodapé explicam os tradutores: A designação “o mar dos Juncos”, em hebraico yam sûf, é acréscimo. O texto primitivo dava apenas uma indicação geral: os israelitas tomaram o caminho do deserto para o leste ou o sudeste. – o sentido desta designação e a localização do “mar de Suf” são incertos. Ele não é mencionado na narrativa de Ex 14, que fala apenas do “mar”. O único texto que menciona o “mar de Suf” ou “mar dos Juncos” (segundo o egípcio) como cenário do milagre é Ex 15,4, que é poético. (Bíblia de Jerusalém, p. 121). (grifo nosso). Veremos, mais à frente, que Keller, autor do livro E a Bíblia tinha razão..., reforça essa afirmativa sobre a designação desse local. Ex 14,21-28: “Então Moisés estendeu a mão sobre o mar. E Iahweh, por um forte vento oriental que soprou toda aquela noite, fez o mar se retirar. Este se tornou terra seca, e as águas foram divididas. Os israelitas entraram pelo meio do mar em seco; e as águas formaram como um muro à sua direita e à sua esquerda. Os egípcios que os perseguiam entraram atrás deles, todos os cavalos de Faraó, os seus carros e os seus cavaleiros, até o meio do mar... Moisés estendeu a mão sobre o mar e este, ao romper da manhã, voltou para o seu leito. Os egípcios, ao fugir, foram de encontro a ele. E Iahweh derribou os egípcios no meio do mar. As águas voltaram e cobriram os carros e cavaleiros de todo o exército de Faraó, que os haviam seguido no mar; e não escapou um só deles”. Transcrevemos da nota de rodapé a seguinte explicação: Esta narrativa apresenta-nos o milagre de duas maneiras: 1º) Moisés levanta a sua vara sobre o mar, que se fende, formando duas muralhas de água entre as quais os israelitas passam a pé enxuto. Depois, quando os egípcios vão atrás deles, as águas se fecham e os engolem. Esta narrativa é atribuída à tradição sacerdotal ou eloísta. 2º) Moisés encoraja os israelitas fugitivos, assegurando-lhes que nada têm que fazer. Então, Iahweh faz soprar um vento que seca o “mar”, os egípcios ali penetram e são engolidos pelo seu refluxo. Nesta narrativa, atribuída à tradição javista, somente Iahweh é que intervém; não se fala de uma passagem do mar pelos israelitas, mas apenas da miraculosa destruição dos egípcios. Esta narrativa representa a tradição mais antiga. É somente a destruição dos egípcios que afirma o canto muito antigo de Ex 15,21, desenvolvido no poema de 15,1-18. Não é possível determinar o lugar e o modo deste acontecimento; mas aos olhos das testemunhas apareceu como uma intervenção espetacular de “Iahweh guerreiro” (Ex 15,3) e tornou-se um artigo fundamental da fé javista (Dt 11,4; Js 24,7 e cf. Dt 1,30; 6,2122; 26,7-8). Este milagre do mar foi posto em paralelo com outro milagre da água, a passagem do Jordão (Js 3-4); a saída do Egito foi concebida de maneira secundária à imagem da entrada em Canaã, e as duas apresentações misturam-se no cap. 14. A tradição cristã considerou este milagre como uma figura da salvação, e mais especialmente do batismo (1Cor 10,1). (Bíblia de Jerusalém, pp. 121-122). Muitas vezes explicam certas passagens bíblicas de um jeito, mas não levam em consideração as suas próprias explicações para análise de outros textos. Por isso, insistem que tal ocorrência se trata de “milagre”; mas, como já deixamos transparecer, logo de início, só se por delírio poético do autor bíblico. Ficamos em dúvida de como as coisas realmente aconteceram, já que, pelo relato, Moisés estendeu a mão sobre o mar, enquanto que o historiador Josefo, dizendo sobre o que se encontra nos Livros Santos, narra da seguinte forma: Este admirável guia do povo de Deus, depois de ter acabado a sua oração, tocou o mar com sua vara maravilhosa e no mesmo instante ele se dividiu, para deixar os hebreus passar livremente, atravessando-o a pé enxuto, como se estivessem andando em terra firme. (JOSEFO, 1990, p. 87). (grifo nosso). Assim, temos duas versões para o mesmo fato. Por outro lado, Josefo registra de forma espetacular o retorno das águas ao leito do mar, com o perecimento dos egípcios, o que não encontramos na Bíblia da mesma forma. Vejamos: O vento juntara-se às vagas para aumentar a tempestade: grande chuva caiu dos céus; os relâmpagos misturaram-se com o ribombo do trovão, os raios seguiram-se aos trovões e para que não faltasse nenhum sinal dos mais severos castigos de Deus, na sua justa cólera, punindo os homens, uma noite sombria e tenebrosa cobriu a superfície do mar; do modo que, de todo esse exército, tão temível, não restou um único homem que pudesse levar ao Egito a notícia da horrível catástrofe. (JOSEFO, 1990, p. 87). (grifo nosso). A rota do êxodo está toda traça nas narrativas. Inicialmente partiram de Ramsés para Sucot, daí seguiram a Etam, de onde foram até Piairot, ponto em que partiram e atravessaram o mar, acampando em Mara, no Deserto de Etam. (Ex 13,20; 14,2.9.15; 15,22; Nm 33,5-8). Ver no mapa 2 abaixo, essa rota traçada em linha vermelha: Mapa 1: Ampliação do local da passagemMapa 2: Visão global da rota do êxodo Observe no Mapa 1 (destaque da área realçada no retângulo azul no Mapa 2) que, na região da passagem pelo “Mar Vermelho”, existe até uma rota comercial (linha pontilhada), demonstrando que não se necessitava de nenhum milagre para passar pelo local. Keller, num mapa colocado em seu livro E a Bíblia tinha razão..., informa que essa área é denominada de “mar dos Juncos”, o que de fato pode-se confirmar no mapa acima que foi retirado da Bíblia Anotada, Mundo Cristão. Bem abaixo, ainda no Mapa 1, na região indicada como de ajuntamento de água, se refere ao Golfo de Suez. Não se trata especificamente do Mar Vermelho, que fica bem mais abaixo, conforme se pode ver mais claramente no Mapa 2, que, segundo nossos cálculos, dista cerca de 360 km do local da passagem. Temos, então, pela geografia da região, que o Mar Vermelho é, vamos assim dizer, dividido pela Península do Sinai em dois golfos, o Golfo de Suez e Golfo de Acaba. Como se diz popularmente “cada um é cada um”, ou melhor, geograficamente falando, golfo é golfo, não é o mar propriamente dito. O historiógrafo Laurence Gardner, deu a seguinte opinião sobre isso: Ao estudar o relato do Êxodo no Antigo Testamento e a travessia do Mar Vermelho, cujas águas se partiram, tornando-se “qual muro à sua direita e à sua esquerda (Êxodo 14:22), descobrimos que, na verdade, não havia mar para que os israelitas cruzassem. Contam-nos que Moisés levou o povo de Avaris (pi-Ramsés) na planície de Goshen, no Delta do Nilo, de onde viajaram ao Sinai (Êxodo 16:1) por um caminho para Midiã (Êxodo 18:1). Mas essa rota atravessa o deserto a norte do Mar Vermelho, onde o Canal artificial de Suez, de 165 km, aberto em 1869, está atualmente. Logicamente, isso coloca a história da divisão das águas por Moisés no mesmo reino mítico do conto do cesto de juncos. (GARDENER, 2004, p. 61) Fora as que já fornecemos, logo após as passagens anteriormente transcritas, seria ainda interessante lermos outras explicações que se nos apresentam os tradutores: O local da travessia do Mar Vermelho foi provavelmente a extensão norte do Golfo de Suez, ao sul do atual porto de Suez. Embora a expressão literal seja “mar dos Juncos”, a referência é ao mar Vermelho, não simplesmente a alguma região alagadiça. (Bíblia Anotada, em relação à Ex 13,18, p. 98). (grifo nosso). Mar Vermelho: lit. “mar dos Juncos”. A expressão designa tanto o atual mar Vermelho como também a região pantanosa e de lagunas, atravessada hoje pelo canal de Suez. É o cenário da passagem dos israelitas pelo “mar Vermelho” (Bíblia Sagrada Vozes, em relação à Ex 10,19, p. 91). (grifo nosso). A descrição da passagem pelo mar Vermelho corresponde a um fenômeno de ordem natural, como o sugere a menção do “vento forte” (v.21) que põe o mar, isto é, uma região pantanosa, em seco. Tal fenômeno foi providencial para salvar os israelitas (v.24) e fazer perecer os egípcios (v.27): de madrugada as condições climáticas foram favoráveis à passagem segura dos israelitas; de manhã mudaram bruscamente e os egípcios pereceram. Nisto Israel viu a mão providencial de Deus (v.31), expressa pela nuvem e pelo fogo (13,21), pelas águas que formam alas para os israelitas passarem (14,22) e pela vara milagrosa de Moisés (v.16.21.26). (Bíblia Sagrada Vozes, em relação à Ex 14,21-31, p. 97). (grifo nosso). Em toda essa narração da passagem do mar Vermelho é difícil estabelecer o que haja de verdadeiramente histórico e o que haja de fruto de reelaborações épicas. Tampouco é possível indicar o ponto exato em que se deu a travessia. Por certo, há uma intervenção milagrosa de Deus que, embora servindo-se de fenômenos naturais, pode ordená-los no tempo e lugar para que facilitassem a fuga dos hebreus e o castigo dos egípcios. Em todo o A.T. a passagem do mar Vermelho foi sempre considerada como o exemplo mais esplêndido do socorro providencial de Deus, e em o N.T. é ainda considerada como a figura da salvação, mediante a ablução batismal. (Bíblia Sagrada Vozes, em relação à Ex. 14,15-31, p. 97). (grifo nosso). Mesmo que em algumas delas se reconheça que não é realmente o mar Vermelho, mas o mar dos Juncos, ou que o que aconteceu foi um fenômeno de ordem natural, cujo efeito foi colocar a região pantanosa em seco, não deixam de envidar esforços, em seus argumentos, para levá-lo à conta de milagre, contrariando o bom senso, base da fé racional, em detrimento da fé cega. Ficamos curiosos em saber o que a arqueologia diz a respeito disso. Agora, sim, é que iremos ver o que Keller tem mesmo a nos dizer sobre esse assunto. Vejamos: Esse “milagre do mar” tem ocupado incessantemente a atenção dos homens. O que até agora nem a ciência nem a pesquisa conseguiram esclarecer não é de modo algum a fuga, para a qual existem várias possibilidades reais. A controvérsia que persiste é sobre o cenário do acontecimento, que ainda não foi possível fixar com certeza. A primeira dificuldade está na tradução. A palavra hebraica “Yam suph” é traduzida ora por “mar Vermelho”, ora por “mar dos Juncos”. Repetidamente se fala do “mar dos Juncos”: “Ouvimos que o Senhor secou as águas do mar dos Juncos[1] à vossa entrada, quando saístes do Egito...” (Josué 2.10). No Velho Testamento, até o profeta Jeremias, fala-se em “mar dos Juncos”. O Novo Testamento diz sempre “mar Vermelho” (Atos 7.36; Hebreus 10.29). Às margens do mar Vermelho não crescem juncos. O mar dos juncos propriamente ficava mais ao norte. Dificilmente se poderia fazer uma reconstituição fidedigna do local – e essa é a segunda dificuldade. A construção do Canal de Suez no século passado modificou extraordinariamente o aspecto da paisagem da região. Segundo os cálculos mais prováveis, o chamado “milagre do mar” deve ter acontecido nesse território. Assim, por exemplo, o antigo lago de Ballah, que ficava ao sul da estrada dos filisteus, desapareceu com a construção do canal, transformando-se em pântano. Nos tempos de Ramsés II, existia ao sul uma ligação do golfo de Suez com os lagos amargos. Provavelmente chegava mesmo até mais adiante, até o lago Timsah, o lago dos Crocodilos. Nessa região existia outrora um mar de juncos. O braço de água que se comunicava com os lagos amargos era vadeável em diversos lugares. A verdade é que foram encontrados alguns vestígios de passagens. A fuga do Egito pelo mar dos Juncos é, pois, perfeitamente verossímil. [1] As traduções em português consultadas citam sempre “mar Vermelho”. (N. do T.) (KELLER, 2000, p. 146). (grifo nosso). As observações de Keller, perfeitamente, se encaixam algumas das explicações dadas pelos tradutores, ficando, desta forma, sem propósito qualquer argumento contrário, a não ser que algum dia a ciência venha em socorro dos que querem enxergar as coisas sob um ponto de vista religioso, sustentando os fatos como milagres. É bom deixar registrado que, enquanto em outras bíblias a palavra Mar Vermelho aparece vinte e nove vezes, na Bíblia de Jerusalém[5], encontramos: dezessete vezes usando Mar dos Juncos, apenas sete vezes como Mar Vermelho, três vezes lê-se Mar de Suf e uma vez é citado Mar dos Caniços. A respeito da passagem do Mar Vermelho, Josefo nos relata outro acontecimento idêntico: (...) ninguém deve considerar como coisa impossível, que homens, que viviam na inocência e na simplicidade desses primeiros tempos, tivessem encontrado, para se salvar, uma passagem no mar, que se tenha ela aberto por si mesma, quer isso tenha acontecido por vontade de Deus, pois a mesma coisa aconteceu algum tempo depois aos macedônios, quando passaram o mar da Panfília, sob o comando de Alexandre, quando Deus se quis servir dessa nação para destruir o império dos persas, como o narram os historiadores que escreveram a vida desse príncipe. Deixo, no entanto, a cada qual que julgue como quiser. (JOSEFO, 1990, p. 87). Observe que nesta fala de Josefo é dito dum fato semelhante acontecido com os macedônios, que também a pé enxuto passaram o mar da Panfília. No livro de Josué (3,14-17) o povo de Israel atravessou o rio Jordão, após as suas águas terem se dividido, fato semelhante à narrativa da passagem do Mar Vermelho. Muitos também têm esse episódio como um milagre. Entretanto, vejamos as seguintes notas explicativas dos tradutores: Sabemos que as águas do Jordão, no seu leito estreito e profundo, vão minando as margens, provocando de vez em quando grandes desabamentos de terras que podem obstruir por completo, a torrente. A partir desse lugar, o leito permanece seco até que as águas rompem uma passagem e encontram de novo o seu caminho. A história conta-nos que isso aconteceu em 1267, 1914 e 1927. Em nada diminuiria a ação de Deus se se tivesse servido miraculosamente, nesse momento exato, destes elementos locais. (Bíblia Sagrada, Ed. Santuário, em relação à Js 3, 16, p. 286). Relaciona-se esse fato com o ocorrido em 1267, segundo o cronista árabe [de nome Huwairi, conforme Ed. Paulinas, pág. 222] o Jordão cessou de correr durante dez horas, porque desmoronamentos do terreno haviam obstruído o vale, precisamente na região de Adamá-Damieh. (Bíblia de Jerusalém, em relação à Js 3, 16, p. 317). ... O Jordão, de fato, é um pequeno rio que, em alguns lugares, permite a travessia a pé enxuto, principalmente graças à abundância de pedras em seu leito. (Bíblia Sagrada, Ed. Vozes, em relação à Js 4, 3, p. 238). Sempre que estivermos pesquisando algo para saber o que de fato aconteceu, é recomendável vermos outras fontes. Vejamos uma outra versão da saída dos hebreus do Egito: “Estas são as etapas que os israelitas percorreram, desde que saíram da terra do Egito, segundo os esquadrões, sob a direção de Moisés e Aarão. Moisés registrou os seus pontos de partida, quando saíram sob as ordens de Iahweh. Estas são as etapas, segundo os seus pontos de partida. Partiram de Ramsés no primeiro mês. No décimo quinto dia do primeiro mês, no dia seguinte à Páscoa, partiram de mão erguida, aos olhos de todo o Egito... Os israelitas partiram de Ramsés e acamparam em Sucot. Em seguida partiram de Sucot e acamparam em Etam, que está nos limites do deserto. Partiram de Etam e voltaram em direção de Piairot, que está diante de Baal-Sefon, e acamparam diante de Magdol. Partiram de Piairot e alcançaram o deserto, depois de terem atravessado o mar, e depois de três dias de marcha no deserto de Etam acamparam em Mara. Partiram de Mara e chegaram a Elim. Em Elim havia doze fontes de água e setenta palmeiras; ali acamparam. Partiram de Elim e acamparam junto ao mar dos Juncos. Em seguida partiram do mar dos Juncos e acamparam no deserto de Sin. Partiram do deserto de Sin e acamparam em Dafca. Partiram de Dafca e acamparam em Alus. Partiram de Alus e acamparam em Rafidim; o povo não encontrou ali água para beber. Partiram de Rafidim e acamparam no deserto do Sinai...”. Nessa versão, que reduzimos até a chegada ao Sinai, não há a menor menção à abertura do mar Vermelho, não é interessante? Mas poderia alguém nos perguntar, de onde você a retirou? Responderemos serenamente: da Bíblia! Como! da Bíblia? Sim, é isso mesmo, essa passagem foi transcrita dela, quem o quiser comprovar que então leia Nm 33,1-49. Com qual das versões ficaremos como sendo a verdadeira? Por ela a passagem pelo mar dos Juncos foi coisa normal, e não poderia ser de outra forma, já que até mesmo uma rota comercial existia naquele local, conforme poder-se-á comprovar pela linha pontilhada no mapa 1. Para nós existem conflitos inexplicáveis. Primeiramente, ficamos sem saber por qual motivo os hebreus saíram do Egito. O Faraó os deixou sair (Ex 13,17)? Ou será que, ao invés disso, foram expulsos (Ex 12,39)? Quem sabe, se não fugiram (Ex 14,5)? Ou, talvez, teria sido o próprio Deus quem os tirou da servidão, conforme Ele afirma (Ex 20,2)? O mais provável que tenha acontecido é que houve uma fuga, razão pela qual não seguiram o caminho mais indicado, o que ligava o Egito à Ásia, pois nele havia uma fortaleza egípcia (Muralha dos Príncipes). Isso é levantado por Keller: A primeira parte do caminho seguido pelos fugitivos é fácil de acompanhar no mapa. Ele não conduzia – convém notá-lo – em direção ao que se chamou mais tarde “caminho dos filisteus” (Êxodo 12.17), a grande estrada que se estendia do Egito à Ásia, passando pela Palestina. Essa grande estrada para caravanas e colunas militares seguia quase paralela à costa do mar Mediterrâneo e era o caminho mais curto e melhor, mas também o mais bem vigiado. Um exército de soldados e funcionários, estabelecido no forte da fronteira, exercia rigoroso controle de todas as entradas e saídas. Esse caminho, portanto, oferecia grande perigo. Por esse motivo, o povo de Israel seguia para o sul. [...]. (KELLER, 2000, p. 145). Para quem estava fugindo, o melhor caminho era aquele onde não havia nenhuma tropa do exército do Faraó para guarnecê-lo, razão pela qual essa hipótese torna-se a mais provável. Poderemos ainda corroborá-la com a perseguição levada a efeito pelo Faraó (Ex 14,6-9), isso não aconteceria se ele tivesse deixado os hebreus saírem, mas plenamente justificável se houvesse uma fuga, fato que tornaria o passo Ex 14,5 como sendo o ocorrido. Com isso também não ficaria fora de propósito no caso de os hebreus terem saído sem levar nenhuma provisão de alimentos para a jornada, conforme narrado em Ex 12,39, embora, nessa passagem, se afirme que eles foram expulsos. Continuando, leiamos as seguintes passagens: Ex 14,6-9: “O Faraó mandou aprontar o seu carro e tomou consigo o seu povo; tomou seiscentos carros escolhidos e todos os carros do Egito, com oficiais sobre todos eles. E Iahweh endureceu o coração de Faraó, rei do Egito, e este perseguiu os israelitas, enquanto saíam de braço erguido. Os egípcios perseguiram-nos, com todos os cavalos e carros de Faraó, e os cavaleiros e o seu exército, e os alcançaram acampados junto ao mar, perto de Piairot, diante de Baal Sefo”’. Ex 14,23: “Os egípcios que os perseguiam entraram atrás deles, todos os cavalos de Faraó, os seus carros e os seus cavaleiros, até o meio do mar”. Ex 14,28: “As águas voltaram e cobriram os carros e cavaleiros de todo o exército de Faraó, que os haviam seguido no mar; e não escapou um só deles”. O primeiro conflito é: como os egípcios poderiam estar ainda usando os cavalos, uma vez que, quando a peste maligna, uma das pragas divinas, os atingiu fazendo morrer todos os seus animais (Ex 9,6)? O segundo é em relação ao Faraó. Conforme os estudiosos, é provável que o Faraó daquela época tenha sido Ramsés II. O relato diz que todos morreram, exército e Faraó, não escapando um só. Mas será que um evento desse, envolvendo o próprio Faraó, não teria sido registrado pelos egípcios? Será que houve uma lamentável falha entre os historiadores daquela época? Apesar de nossos esforços em procurar saber como Ramsés II morreu, só encontramos essas referências: “Ramsés morreu com aproximadamente 90 anos e gerou pelo menos 90 filhos. Quando estudaram a múmia de Ramsés, viram grandes problemas com seus dentes. Pode ser que tenha morrido por infecção. Sabe-se que nos seus últimos dias sofreu bastante”. (6); Rich Gore, no texto Ramsés, o Grande, afirmou que “Como o grande Ramsés? Provavelmente de velhice. (National Geographic Ed. 26 A, p. 35) e em outro artigo nessa mesma revista R. Weeks, no texto Vale dos Reis, diz que: “Ramsés II morreu em agosto de 1213 a.C., com cerca de 90 anos. (p. 60). Entretanto, fosse sua morte provocada pela maneira descrita na Bíblia, fatalmente haveria registro disso em outras fontes. Por conseguinte, caso o Faraó não tenha morrido afogado, o que é o mais provável, então o relato bíblico é fictício; eis o dilema. De nada adianta usar as interpretações piedosas de muitas das religiões tradicionais para sustentar esses fatos, pois, ao homem inquiridor dos dias atuais, alegações desse tipo não convencem, já que ele prefere que se busque a verdade dos fatos. Devemos, mesmo à custa de muita indignação por parte de algumas pessoas, apontar os equívocos de interpretação, as interpolações, bem como as deliberadas adulterações, para mostrar a verdade limpa e pura, que muito mais agrada que uma mentira evidenciada pelos fatos. Devem, pois, os teólogos rever seus conceitos que, diga-se de passagem, em sua maioria são dum passado remoto e que, por força dos conhecimentos atuais, tornaram-se obsoletos. “A verdade ainda que tardia”, diria Tiradentes numa situação dessa. Finalizando, veremos a opinião de Espinosa a respeito de milagres desse tipo: O homem comum chama, portanto, milagres ou obras de Deus aos fatos insólitos da natureza e, em parte por devoção, em parte pelo desejo de contrariar os que cultivam as ciências da natureza, prefere ignorar as causas naturais das coisas e só anseia por ouvir falar do que mais ignora e que, por isso mesmo, mais admira. Isso, porque o vulgo é incapaz de adorar a Deus e atribuir tudo ao seu poder e à sua vontade, sem elidir as causas naturais ou imaginar coisas estranhas ao curso da natureza. Se alguma vez ele admira a potência de Deus, é quando imagina como que a subjugar a potência da natureza. (ESPINOSA, 2003, p. 96). O que temos dito é que o maior milagre, no caso da travessia do Mar Vermelho, não é propriamente abrir as águas em duas muralhas, mas o seu deslocamento, por cerca de 360 km, para atribuir a essa travessia o caráter de milagre. Então para nós é válida essa fala de Paulo: “... se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas” (2Tm 4,4). E aconteceu no Sinai Há tempos que estamos pensando em fazer um estudo específico sobre os acontecimentos no Monte Sinai, mas acabávamos sendo envolvidos por outros assuntos; por isso, este foi sendo postergado. Entretanto, essa idéia ainda nos persegue. Vejamos, então, o que poderemos fazer. Primeiramente, devemos dizer porque tal idéia surgiu. Como sempre estamos lendo textos da Bíblia, em certa oportunidade, deparamos com um que afirmava que as “Leis do Sinai” haviam sido promulgadas pelos anjos. Isso nos despertou a curiosidade, pois, até então, sabíamos que Deus pessoalmente teria passado essas leis a Moisés. Mas, antes de entrar no assunto, vejamos o seguinte relato a respeito dos fenômenos ocorridos naquela ocasião: Ex 19,16-20: “Três dias depois, pela manhã, houve trovões e relâmpagos e uma nuvem espessa desceu sobre a montanha, enquanto o toque da trombeta soava fortemente. O povo que estava no acampamento começou a tremer. Então Moisés tirou o povo do acampamento para receber Deus. E eles se colocaram ao pé da montanha. Toda a montanha do Sinai fumegava, porque Javé tinha descido sobre ela no fogo; a fumaça subia, como fumaça de fornalha. E a montanha toda estremecia. O som da trombeta aumentava cada vez mais, enquanto Moisés falava e Deus lhe respondia com o trovão. Javé desceu no topo da montanha do Sinai e chamou Moisés lá para o alto”. Chamamos sua atenção, caro leitor, para “trovões, relâmpagos, nuvem espessa, o Sinai fumegava, o fogo, a montanha toda estremecia” coisas que, presumimos, estariam bem próximas de uma ocorrência natural, tipo vulcânica. Essa região, que faz parte da placa tectônica Africana, fica bem próxima dos limites das placas da Grécia e da Arábica e, como sabemos, é no encontro delas que ocorrem as manifestações vulcânicas. Se nessa região esses fenômenos não acontecem nos dias de hoje poderia muito bem ter acontecido naquela ocasião, uma vez que a mesma possui as condições geológicas para tal e, por outro lado, a própria narrativa nos leva a isso. Destaquemos as seguintes passagens: Nm 16,32: “Logo que Moisés acabou de falar, o chão rachou debaixo dos pés, a terra abriu a boca e os engoliu com suas famílias, junto com os homens de Coré e todos os seus bens”. Nm 16,35: “Saiu um fogo da parte de Javé e devorou os duzentos e cinqüenta homens”. Observe que os fatos como “o chão rachou debaixo dos pés” e “um fogo devorou”, que nos levam a ter que esses acontecimentos estão próximos de ocorrências naturais em regiões vulcânicas? Não é esse o caso daquela região? Esses dois acontecimentos se deram em Cades, local situado cerca de 230 km a nordeste do Monte Sinai; portanto, dentro do que se poderia esperar para uma região deste tipo. Podemos, ainda, para corroborar essas ocorrências na região, apresentar fatos históricos narrados por Flávio Josefo. Esse historiador hebreu relata, em Antiguidades Judaicas (capítulo 7 do Décimo Quinto Livro), um abalo sísmico ocorrido acerca de 380 km do Sinai, mais precisamente na cidade de Jerusalém, acontecido, segundo pudemos levantar, no ano 31 a.C. (AGOLLO, 1994): No sétimo ano do reinado de Herodes, que era o mesmo em que dera a batalha de Ácio, entre Augusto e Antônio, aconteceu na Judéia o maior terremoto de que jamais ali se soube; a maior parte do gado morreu e perto de dez mil homens ficaram esmagados sob as ruínas das casas. (JOSEFO, 1990, p. 355) Ressaltamos que, sendo esse “o maior terremoto que jamais ali se soube”, pode-se perfeitamente disso concluir que: a) terremotos eram fatos comuns àquela região; b) entre vários outros, esse especificamente foi o maior. Tendo em vista essa catástrofe, Herodes faz um discurso para levantar o ânimo dos soldados, apesar de que nada sofreram de mal nessa ocorrência. Vejamos a narrativa de Josefo, da qual transcrevemos o trecho: Nossos males não foram, sem dúvida tão grandes como eles e outros os apregoam, pois esse terremoto não foi causado pela cólera de Deus, contra nós; mas por um daqueles acidentes que as causas naturais produzem. E mesmo que tivesse acontecido pela vontade de Deus, poderíamos nós duvidar de que sua cólera não se tenha satisfeito com esse castigo, pois de outro modo, Ele não o teria feito cessar, nem manifestado, como fez, com sinais evidentes, que Ele aprova a justa guerra que empreendemos? (JOSEFO, 1990, p. 356). E, como naquela época o nível de conhecimento desses fenômenos da natureza era completamente nulo, deviam ficar mesmo apavorados com essas ocorrências. Alguns deles julgavam ser a manifestação da ira de Deus, conforme podemos claramente ver pelo discurso de Herodes. Muitos desses fenômenos aconteciam no céu, local onde acreditavam ser a morada de Deus, assim, pressupunham que tudo que vinha de lá era proveniente do Criador; como exemplo, citamos: “... enquanto Moisés falava e Deus lhe respondia com o trovão” (Ex 19,19); fica aí a comprovação da ignorância desses fenômenos, como neste exemplo de considerar o trovão como a voz divina, que são de ordem natural; mas naquele tempo eram considerados como sobrenaturais, representando, para eles, o estado de humor do Pai Supremo. Na seqüência da narrativa, que estamos analisando, é que Moisés recebe em duas tábuas os Dez Mandamentos: “Quando Javé terminou de falar com Moisés no monte Sinai, entregou-lhe as duas tábuas da aliança; eram tábuas de pedra, escritas pelo dedo de Deus”. (Ex 31,18). Até aqui as coisas não estavam tão complicadas, a não ser pelos fenômenos ocorridos no monte Sinai e, por isso, em tudo acreditávamos sem qualquer conflito. Entretanto, inesperadamente, as coisas “estremeceram”, depois de lermos no livro Atos dos Apóstolos: At 7,38: “Foi ele [Moisés], na assembléia do deserto, quem serviu de intermediário entre o anjo que lhe falava no monte Sinai e os nossos pais. Ele recebeu as palavras de vida, para transmiti-las a nós”. A narrativa diz “o anjo” e, pela concepção da época, isso significava que o próprio Deus teria se manifestado; entretanto, nessa passagem, segundo o que pensamos, não seria essa a idéia a prevalecer. Um pouco antes, está narrado: “Quarenta anos depois, apareceu-lhe no deserto do monte Sinai um anjo na chama de uma sarça que ardia” (At 7,30) e, posteriormente, no versículo 53 se dirá anjos, fugindo, portanto, do conceito tradicional. E, se não estivermos enganados, em At 7,38 deveria estar “um anjo”, ao invés de “o anjo”, já que, no primeiro caso, seria o artigo indefinido ficando, portanto, condizente com At 7,30. Em outras oportunidades encontramos a confirmação de que as leis foram passadas pelos anjos, no plural mesmo, indicando terem sido mais de um. Concluímos que, é bem provável, seja essa a realidade, pois não concebemos o próprio Deus, criador do Universo infinito, vir pessoalmente entrar em contato com os seres humanos, uma vez que usaria para isso os seus mensageiros ou anjos, pois “não são todos eles espíritos encarregados para um serviço, enviados para servir àqueles que deverão herdar a salvação?” (Hb 1,14). Vejamos, então, as seguintes passagens: At 7,53: “Vocês receberam a Lei, promulgada através dos anjos, e não a observaram!” Gl 3,19: “... A Lei foi promulgada pelos anjos e um homem serviu de intermediário”. Hb 2,2: “De fato, se a palavra transmitida por meio dos anjos se mostrou válida, e toda transgressão e desobediência recebeu um justo castigo,...”. Assim, na própria Bíblia, encontramos elementos que nos levam à conclusão de que não foi realmente Deus quem esteve no monte Sinai. Pelo próprio conteúdo dessas leis já questionávamos sobre isso. Nos é passado o nono mandamento como “não cobiçar a mulher do próximo”; mas duas coisas nós podemos colocar sobre ele. Primeiro, Deus jamais diria um absurdo desse, pois, se trata, com certeza, de uma determinação altamente machista, atitude incompatível com a criação do ser humano por Deus, já que, quando Ele o criou os fez macho e fêmea. Além disso, partindo do pressuposto de que o que não é proibido é permitido, diríamos que a mulher poderá cobiçar o marido da outra sem nenhum problema, o que demonstra um “furo” nessa Sua determinação. O segundo, é que, apesar de sempre o colocarem dessa forma, na verdade, esse mandamento é mais abrangente: Ex 20,17: “Não cobice a casa do seu próximo, nem a mulher do próximo, nem o escravo, nem a escrava, nem o boi, nem o jumento, nem coisa alguma que pertença ao seu próximo”. Isto posto, iremos concordar com o pensamento do escritor Hélio Pinto que diz que os Dez Mandamentos na realidade são nove. No texto bíblico a mulher é colocada como propriedade do homem, coisa que naquela época era normal; não nos dias de hoje. E, além desse novo absurdo, podemos ainda dizer que uma Lei, para ser de origem divina, deve ser, acima de tudo “atemporal”, ou seja, serve para todos os tempos; também deve servir para todos os povos, o que não ocorre como se encontra escrita na passagem em relação a escravo, boi ou jumento, pois eram coisas de muito valor na época, já que, por exemplo, o jumento era instrumento de transporte (hoje temos os automóveis), ter bois significava ser alguém de posses; e quanto aos escravos, nos tempos atuais, dá até cadeia para quem escravizar alguém. Nossa surpresa maior foi quando nos deparamos com a seguinte afirmativa: “Os babilônios desenvolveram as leis morais mais tarde incorporadas por Moisés nos Dez Mandamentos e que ainda hoje constituem os alicerces do cristianismo”. (VAN LOON, 1981, p. 103). Mas será que é isso mesmo? Entretanto, pesquisas posteriores acabaram por nos revelar a verdade. Kersten, por exemplo, nos passa a seguinte informação: Moisés continua a ser considerado um grande legislador, porém, é fato sabido que os Dez Mandamentos nada mais eram que o resumo de leis que vigoraram entre povos do Oriente Próximo e da Índia, muito antes do nascimento de Moisés e que eram comuns também na Babilônia, já há 700 anos. A famosa lei do rei babilônico de Hamurabi (1728-1686 a.C.), inspirada no Rig-Veda dos hindus, já continha todos os dez mandamentos. (KERSTEN, 1988, p. 56). Vejamos a correlação de algumas leis: Leis MosaicasCódigo de HamurabiNão tenha relações sexuais com sua mãe. Ela é de seu pai, e é sua mãe; não tenha relações sexuais com ela. (Lv 18,7).Se alguém for culpado de incesto com sua mãe depois de seu pai, ambos deverão ser queimados. Se alguém ferir o seu próximo, deverá ser feito para ele aquilo que ele fez para o outro: fratura por fratura, olho por olho, dente por dente. A pessoa sofrerá o mesmo dano que tiver causado a outro: (Lv 24,29-30).Se um homem quebrar o osso de outro homem, o primeiro terá também o seu osso quebrado. Se homem arrancar o olho de outro homem, o olho do primeiro deverá ser arrancado (olho por olho). Se um homem quebrar o dente de um seu igual, o dente deste homem também deverá ser quebrado (dente por dente).Os juízes deverão fazer cuidadosa investigação. Se a testemunha for falsa e tiver caluniado o seu irmão, então vocês a tratarão do mesmo modo como ela própria maquinava tratar o seu próximo. Desse modo, você eliminará o mal do seu meio. (Dt 19,1820).Se alguém “apontar o dedo” (enganar) a irmã de um deus ou a esposa de outro alguém e não puder provar o que disse, esta pessoa deve ser levada frente aos juízes e sua sobrancelha deverá ser marcada. Se um homem for pego em flagrante tendo relações sexuais com uma mulher casada, ambos serão mortos, tanto o homem como a mulher. Desse modo, você eliminará o mal de Israel. (Dt 22,22).Se a esposa de alguém for surpreendida em flagrante com outro homem, ambos devem ser amarrados e jogados dentro d’água, mas o marido pode perdoar a sua esposa, assim como o rei perdoa a seus escravos. Isso já tinha desestruturado todas as nossas convicções a respeito do assunto, não precisava de mais nada; entretanto, mais uma informação chega às nossas mãos. Foi a gota d’água que veio, por definitivo, mudar conceitos antigos, que aprendemos como se fossem verdades absolutas. Desta vez o autor foi Werner Keller, que, no seu livro e a Bíblia tinha razão... demonstrou, de forma categórica, tudo quanto já tínhamos visto anteriormente. Vejamos suas colocações: Era perfeitamente possível concluir pela singularidade das leis morais, dadas por Deus ao povo de Israel, sem modelo nem paralelo no antigo Oriente, antes da descoberta dos elementos, indicando clara e inequivocamente que, precisamente em um dos seus trechos de maior relevo, ou seja, os Dez Mandamentos e demais leis promulgadas para Israel, a Bíblia não está sozinha, pois sobretudo ali ela se revela como imbuída do espírito do antigo Oriente. Assim, os Dez Mandamentos representam uma espécie de ‘documento de aliança’, ou a ‘lei básica’ da aliança entre Israel e seu Deus. Em absoluto, não surpreende o fato de corresponder, perfeitamente, aos acordos de vassalagem, celebrados no antigo Oriente, para regulamentar os vínculos entre um soberano e os reis vassalos, por ele instituídos para governar os povos subjugados. Os textos desses contratos de vassalagem sempre começavam citando o nome, título e os méritos do respectivo ‘grão-rei’. Correspondentemente, a Bíblia reza: ‘Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei do Egito, da casa da servidão’ (Êxodo 20.2). Logo, também, ali cita-se primeiro o nome (a palavra ‘Senhor”, segundo a praxe bíblica, substituindo o nome verdadeiro de Jeová, cujo pronunciar era proibido), o título (‘Deus”) e o mérito decisivo (‘que te tirei da terra do Egito’) do grão-rei; só que, neste caso específico, tratava-se do divino ‘grão-rei’ de Israel, do Deus da aliança. Ademais, os vassalos eram proibidos de estabelecer relações com soberanos estrangeiros. A isso corresponde o mandamento ‘Não terás outros deuses diante de Mim’ (êxodo 20.3). A forma imperativa de ‘tu deves’, ‘tu não deves’ está sempre presente nos acordos entre um grão-rei e seus vassalos; portanto, ao contrário do que supõem alguns cientistas, ela absolutamente não se restringe aos Dez Mandamentos bíblicos. Por exemplo, um daqueles tratados de vassalagem reza: ‘Não cobiçarás nenhuma região do país de Hatti’, conquanto a Bíblia diga: ‘Não cobiçarás a casa do teu próximo...’ (Êxodo 20.17). Foram apuradas ainda outras concordâncias, como as referentes à guarda das tábuas como os mandamentos na arca da aliança (as cópias dos contratos de vassalagem também eram guardadas no interior do santuário), bem como à selagem dos contratos, respectivamente, dos mandamentos, com bênção e maldições, pois também Moisés falou (Deuteronômio 11.26 a 28): ‘Eis que eu ponho hoje diante dos vossos olhos a benção e a maldição; a benção, se observardes aos mandamentos do Senhor vosso Deus, que eu hoje vos prescrevo; a maldição, se não obedecerdes aos mandamentos do Senhor vosso Deus, mas vos apartardes do caminho que eu hoje vos mostro...’ Aliás, o renomado cientista católico, pesquisador de Bíblia, Roland de Vaux, já mencionado por várias vezes, encontrou em diversos acordos de vassalagem hititas a disposição de ler, em intervalos regulares, o texto do acordo, as leis bíblicas deveriam ser lidas em público, pois ‘todos os sete anos, no ano da remissão, na solenidade dos tabernáculos, quando todos os filhos de Israel se juntarem para aparecer diante do Senhor teu Deus... lerás as palavras desta lei diante de todo o Israel, o qual ouvirá... para que, ouvindo, aprendam e temam o Senhor vosso Deus, e guardem e cumpram todas as palavras desta lei’ (Deuteronômio 31.1,10 a 12). Tudo isso refere-se somente à forma externa dos Dez Mandamentos. No entanto, o que há em relação ao seu conteúdo espiritual? Tampouco, quanto a isso, faltam paralelos. Assim, na Assíria, um sacerdote, ao exorcizar os ‘demônios’ de um doente, teve de perguntar: ‘Será que ele (o doente) ofendeu um deus? Menosprezou uma deusa?... Menosprezou seu pai e sua mãe? Menosprezou a irmã mais velha?... Teria ele falado ‘não é assim, ao invés de ‘é assim’ (ou vice-versa)? ... Teria ele feito pesagem falsa? Invadido a casa do seu próximo? Ter-se-ia aproximado demasiadamente da mulher do seu próximo? Teria vertido o sangue do seu próximo?.... Por fim, seguem-se ainda alguns exemplos, tirados do chamado ‘ensinamento de Amenemope’, em uso no antigo Egito: ‘Não retirarás a pedra demarcando os limites do campo e não alterarás a linha, seguida pela fita do metro; não cobiçarás nem um côvado de terra e não derrubarás a demarcação das terras de uma viúva’. ‘Não cobiçarás a propriedade de um homem de posses modestas e não terás fome do seu pão’. ‘Não regularás a balança de maneira errada, não adulterarás os pesos e não diminuirás as peças da medida dos cereais’. ‘Não farás a desgraça de ninguém perante o tribunal e não corromperás a justiça’. ‘Não darás risada de um cego, não farás troça de um anão e não desfarás os planos de um paralítico’. Da mesma forma, o ‘exemplo clássico’ que hoje em dia costuma ser citado pelos pesquisadores da Bíblia é a chamada ‘confissão negativa’, mencionada na introdução ao centésimo vigésimo quinto capítulo do Livro dos Mortos. No antigo Egito era crença que o defunto ingressaria em uma ‘sala de justiça’, onde, perante quarenta e dois juízes dos mortos, deveria fazer as seguintes declarações: ‘Não fiz adoecer ninguém. Não fiz chorar ninguém. Não matei ninguém. Não fiz mal a ninguém. Não diminuí os alimentos nos templos. Não maculei os pães oferecidos aos deuses. Não roubei os pães destinados aos mortos, como oferendas fúnebres. Não tive relações sexuais (proibidas). Não tive relações sexuais contrárias à natureza’. E assim por diante. Em outra parte veremos ainda que, graças às pesquisas mais recentes, hoje em dia já se tornou bem menos acentuada a diferença, outrora gritante, entre conceitos: ‘Aqui, a sublime fé monoteísta – ali, a multidade bizarra de deidades’. Em certa época, pelo menos nos tempos primitivos, aquela multidade de deidades existiu, inclusive em Israel, conquanto a idéia da grandiosidade de figuras divinas, reais, fosse divulgada igualmente nas crenças religiosas de outros povos, habitando as imediações da Terra Santa. Da mesma forma, cumpre fazer constar que também alhures houve moralidade; além das fronteiras de Israel, o povo era igualmente responsável, tinha modos, observava os preceitos da lei, ordem, ética e moral, e também ali as normas regendo o comportamento humano encontravam uma expressão que, tanto no espírito quanto na letra, correspondia perfeitamente aos regulamentos sagrados vigentes em Israel. E, mais uma vez, a Bíblia tem razão, no sentido de que, nos seus textos jurídicos, cuja peça principal são os Dez Mandamentos, ela nos transmite um trecho pertinente, comprovado por respectivos paralelos na história cultural e moral do antigo Oriente. O quadro assim constituído, e de modo a dificultar que fosse mantida a outrora levantada pretensão da singularidade das leis bíblicas, talvez confunda e intrigue a mente de algumas pessoas. Lamentavelmente, não há condições de eliminar tal confusão e insegurança. No entanto, hoje em dia, a confirmação extrabíblica dos respectivos textos bíblicos revela o relacionamento de Israel com seu ambiente cultural e histórico, bem como suas máximas, de uma maneira bastante mais clara e precisa do que antes.... (KELLER, 2000, pp. 157-160). Foi aqui, finalmente, que jogamos, de vez, “a toalha no chão”, vamos assim dizer, não resistindo aos inapeláveis argumentos históricos desenvolvidos por Keller. Não bastasse isso, ainda nos pipocava na mente, mais um fato acontecido naquela ocasião. Leiamos: Ex 32,1-6: “Quando o povo notou que Moisés estava demorando para descer da montanha, reuniu-se em torno de Aarão, e lhe disse: 'Vamos! Faça para nós um deus que caminhe à nossa frente, porque não sabemos o que aconteceu com esse Moisés que nos tirou do Egito'. Aarão respondeu-lhes: 'Tirem os brincos de ouro de suas mulheres, filhos e filhas, e tragam aqui'. Então todo o povo tirou os brincos e os levou para Aarão. Este recebeu o ouro, fundiu-o num molde e fez a estátua de um bezerro. Então eles disseram: 'Israel, este é o seu deus, que tirou você do Egito'. Quando Aarão viu isso, construiu um altar diante da estátua, e proclamou: 'Amanhã será festa em honra de Javé'. No dia seguinte, levantaram-se bem cedo, ofereceram holocaustos e levaram sacrifícios de comunhão. O povo sentou-se para comer e beber, e depois se levantou para se divertir”. Para um povo que sempre se dizia ser adorador de um Deus único, bastou um mês e pouco a fim de que O trocasse por um bezerro de ouro. Explicam-nos: O “bezerro” de ouro, assim chamado por ironia, é de fato imagem de novilho, um dos símbolos divinos do antigo Oriente. Um grupo concorrente com o grupo de Moisés, ou fracção dissidente desse grupo, quis ou pretendeu ter como símbolo da presença do seu Deus uma figura de touro em vez da arca da Aliança. [...] (Bíblia de Jerusalém, p. 148). Percebe-se claramente, nessa explicação, a intenção de amenizar o fato, querendo atribuir a imagem do bezerro de ouro, a uma condição de objeto substituto para a arca da Aliança, quando é provável que tal coisa aconteceu tendo em vista a possibilidade deles não terem, como sempre se diz, Javé como sendo o seu Deus. Observemos que, pelo texto, Aarão, irmão de Moisés, atende ao pedido do povo para fazer uma imagem, sem qualquer tipo de contestação; inclusive, é ele quem sugere o ouro para a confeccionar, fato que sugere que isso era coisa comum entre eles. Apenas para que o leitor não se perca, é bom lembrar que entre os deuses egípcios havia um de nome Ápis que era nada mais nada menos que um touro. Também “em Canaã e na Síria, o touro servia para representar a divindade” (Bíblia Sagrada Vozes, p. 115). Assim, “este tipo particular de idolatria foi um retrocesso à sua vida no Egito” (Bíblia Anotada, p. 125). O pior é que isso não é um fato isolado, pois Jeroboão I (933-911 a.C.), rei de Israel, também mandou fundir dois bezerros deste nobre metal, conforme se pode comprovar em 1Rs 12,28. Diante disso não nos resta alternativa senão a de ver como contraditória a atitude de Moisés, pois, por conta dessa idolatria, Deus queria exterminar o povo deixando apenas ele para fazer uma grande nação, só não o fazendo porque ele suplicou não o fizesse. Entretanto, parece que Moisés “incorporou” a indignação divina e mandou matar, a fio de espada, “parentes, amigos ou vizinhos” (Ex 32,27), de sorte que, “naquele dia tombaram cerca de três mil homens do povo” (Ex 32,28). Esse é o preço para incutir naquele povo que o seu Deus é que deveria ser adorado. Pode ser que eventualmente isso venha a chocar a muitos; entretanto, muitas vezes acontece isso mesmo, quando ficamos sabendo da verdade. Alguns, com certeza nos chamarão de heréticos, como se isso fosse mudar os fatos. Além de que, se o somos, estaríamos muito bem acompanhados, pois Jesus foi também herético no seu tempo. Outros, talvez, dirão que estamos possuídos por satanás, aos quais pedimos estudar mais a história, pois irão ver que esse ser foi incorporado, na Bíblia, por influência da cultura persa, pela doutrina de Zoroastro. Deveríamos fazer um estudo mais aprofundado desses assuntos bíblicos, demonstrando, por separação, a realidade da fantasia, sob pena de, no futuro, ninguém mais dar valor algum a ela. Pelos estudos que temos feito da Bíblia, a conclusão que inevitavelmente estamos chegando é que, apesar dela ter sido imposta como sendo “a palavra de Deus”, ela é sim um livro histórico, em que também se encontram registrados os conceitos religiosos do povo hebreu, muitas vezes, cheios de superstições, misturadas com mitologia, lendas e conceitos pagãos; daí a necessidade de seu estudo sem preconceitos. Ressalva faremos apenas ao Evangelho de Jesus. Mas, apesar disso tudo, ainda poderemos aceitar que os Dez Mandamentos são realmente de inspiração divina. Entretanto, teremos que identificar quem foi o “Moisés” que antes os recebeu, já que, de certa forma, eles constam de culturas religiosas bem anteriores à do líder hebreu, conforme evidenciado no decorrer desse estudo. Deuteronômio – lei divina ou mosaica? Como sempre, usam desse livro bíblico para condenar o Espiritismo, afirmando que a evocação dos mortos é proibida por Deus. Assim, resolvemos, por agora, desenvolver uma análise para saber até onde assiste razão aos que assim pensam. Pouco tempo atrás (abril 2006), um bispo católico apresentou aos fiéis o nosso livro A Bíblia à Moda da Casa, isso durante uma missa em que era o celebrante, dizendo ao público: “A pessoa que o escreveu é muito inteligente, mas esse livro só podia ser de um espírita”. Não poucas vezes ouvimos essa mesma cantilena. Entretanto, não ficamos chateados com isso, pois estamos certos de que realmente só poderia mesmo vir de um espírita, pois ao espírita é dito para não aceitar as coisas passivamente, que deve questionar tudo, uma vez que os que não agem assim são encabrestados pelos que se julgam donos de um determinado conhecimento. O Sr. bispo recomendou às suas ovelhas que não lessem o tal livro. Engraçado, como são as coisas, pois, para nós, quando nos proíbem de ler algo é porque não estão tão certos da verdade que acreditam proteger, porquanto, quem tem certeza de estar com ela, não teme absolutamente nada, nem mesmo pensamentos contrários. Há, ainda, aqueles que buscam mesmo é escondê-la, sem nenhum rubor no rosto. Como nós estamos constantemente a procurá-la, como jóia rara, não tememos ler nenhum livro ou artigo que seja contrário ao que achamos por certo, pois se os argumentos colocados nos convencerem de que a verdade está ali, abandonamos nosso pensamento anterior sem qualquer tipo de constrangimento: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8,32). É no livro Deuteronômio que buscam a base para a condenação do Espiritismo, resta-nos saber se ele é uma lei divina ou uma lei de Moisés. Nós procuraremos demonstrar que são completamente incoerentes nessa assertiva, uma vez que, além de confundirem o objeto da proibição, nem eles mesmos fazem questão de cumpri-lo, usando, portanto, de dois pesos e duas medidas. Primeiramente é importante saber o que significa Deuteronômio: O título grego do livro significa segunda lei ou cópia da lei: lei, porque o livro tem muito de código legal; segunda, porque outra a precedeu. Os judeus o chamavam debarim, ou seja, palavras: porque o livro, até o final do capítulo 33, é um longo discurso de Moisés. Um discurso no qual cabem muitas coisas. Se nos limitarmos a indicações programáticas, apontaríamos: começa o retrospectivo (1,1); começa a legislação (4,44); começa a aliança (28,69); começam as bênçãos (33,1). (Bíblia do Peregrino, p. 292). O que contém: O Código deuteronômico contém também prescrições alheias ao Código da Aliança e por vezes arcaicas, que provêm de fontes desconhecidas. (Bíblia de Jerusalém, p. 30). Antes de morrer, Moisés dá início ao assentamento das tribos. Promulga um código que prevê e decide as situações mais importantes da comunidade: monarquia, sacerdócio, profetismo, culto, justiça social, guerra e paz, família, escravidão e sociedade, direito civil, processual e penal. (Bíblia do Peregrino, p. 292). 12,1-26,19. A Lei deuteronômica contém leis que se referem aos vários aspectos da vida nacional, como leis sociais, cultuais e criminais. (Bíblia Sagrada Vozes, p. 211). O livro não é uma simples repetição da legislação contida nos livros precedentes, mas além de leis novas, oferece complementos, esclarecimentos e modificações às primeiras. É, de certo modo, uma segunda lei, promulgada no fim da longa peregrinação dos israelitas, paralela à lei dada no Sinai e destinada a regular mais de perto a vida do povo escolhido, no solo da Terra Prometida à qual eles estavam para chegar e dela tomar posse definitiva. (Bíblia Sagrada Paulinas, p. 183). Qual é a sua verdadeira origem? Resposta: “O Decálogo, dentro da Aliança, é a única Lei que provém diretamente de Deus; tudo o mais vem de Moisés” (Bíblia Sagrada Santuário, p. 242). (grifo nosso). Quem quiser pode confirmar, que várias prescrições contidas nele podem ser encontradas, conforme já o demonstramos, no Código de Hamurabi, escrito cerca de 1780 antes de nossa era: “A lei sobre os escravos já aparece no Código da Aliança (Ex 21,15), como aparece também no Código de Hamurabi (art. 117), mas é fácil ver-se a grande diferença com a escravatura greco-romana”. (Bíblia Sagrada Santuário, p. 255). “A lei de talião assenta-se em instituições sedentárias (Ex 21,24; Lv 24,19), contra os costumes nômades baseados nas represálias (Gn 4,15- 24). O equilíbrio dos clãs exigia a lei de talião, em que o culpado é posto no lugar de sua vítima, existente no Código de Hamurabi (195, 197, 200, 210, 230)”. (Bíblia Sagrada Santuário, p. 260). “O código de Hamurabi (par. 129) é mais benigno para estes casos que a lei de Israel”. (Bíblia Sagrada Santuário, p. 264). Entendemos que, se esse livro, o Deuteronômio, fosse mesmo todo de origem divina, os que têm a Bíblia como fundamento de sua religião, não deveriam deixar de segui-lo. Entretanto, não é o que observamos, já que, entre várias outras coisas, não cumprem: Dt 21,15-16: “Se um homem tiver duas mulheres, uma a quem ama e outra a quem aborrece, e uma e outra lhe derem filhos, e o primogênito for da aborrecida, no dia em que fizer herdar a seus filhos aquilo que possuir, não poderá dar a primogenitura ao filho da amada, preferindo-o ao filho da aborrecida, que é o primogênito”. Dt 21,18-21: “Se alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedece à voz de seu pai e à de sua mãe, e, ainda castigado, não lhes dá ouvidos, pegarão nele seu pai e sua mãe e o levarão aos anciãos da cidade, à sua porta, e lhes dirão: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz: é dissoluto e beberrão. Então todos os homens da sua cidade o apedrejarão, até que morra; assim eliminarás o mal do meio de ti: todo o Israel ouvirá e temerá”. Dt 22,10: “Não lavrarás com junta de boi e jumento”. Dt 22,23-24: “Se houver moça virgem, desposada, e um homem a achar na cidade e se deitar com ela, então trareis ambos à porta daquela cidade, e os apedrejareis, até que morram; a moça, porquanto não gritou na cidade, e o homem, porque humilhou a mulher do seu próximo; assim eliminarás o mal do meio de ti”. Dt 23,2: “Aquele a quem forem trilhados os testículos, ou cortado o membro viril, não entrará na assembléia do Senhor”. Dt 23,3: “Nenhum bastardo entrará na assembléia do Senhor; nem ainda a sua décima geração entrará nela”. Dt 23,14: “Dentre as tuas armas terás um pau; e quando te abaixares fora, cavarás com ele, e, volvendo-te, cobrirás o que defecaste”. Dt 25,5: “Se irmãos morarem juntos, e um deles morrer, sem filhos, então a mulher do que morreu não se casará com outro estranho, fora da família; seu cunhado a tomará e a receberá por mulher, e exercerá para com ela a obrigação de cunhado”. Dt 25,11-12: “Quando brigarem dois homens, um contra o outro, e a mulher de um chegar para livrar o marido da mão do que o fere, e ela estender a mão, e o pegar pelas suas vergonhas, cortar-lhe-ás a mão: não a olharás com piedade”. Diante do exposto, só mesmo por um fundamentalismo exacerbado pode-se atribuir tais passagens como fruto de inspiração divina. Jesus disse, por várias vezes, “aprendeste o que foi dito” (leiase: com Moisés), eu porém vos digo, conforme narra Mateus (5,21.27.31.33.38.43); sendo que algumas delas foram radicalmente contra o que se constava na legislação anterior, lei mosaica, como a questão do olho por olho, a do adultério e sobre o divórcio (Dt 19,21; 22,22; 24,1). Ele recomendou-nos amar até os inimigos, enquanto Moisés permitia odiálos (Lv 19,18 e Mt 5,43). Entretanto quanto aos Dez Mandamentos, Jesus não os altera ou modifica, apenas os vincula, como dependentes destes dois princípios: “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo” (Mt 22,37-40). E quando lhe perguntam o que fazer para herdar a vida eterna, ele, primeiramente, cita que se deve cumprir os Dez Mandamentos, para depois também ressaltar a caridade em favor do próximo (Lc 18,18-22). Há uma passagem muito clara quanto ao tempo em que vigoraram a lei e os profetas; leiamos: “A lei e os profetas vigoraram até João; desde então é anunciado o evangelho do reino de Deus, e todo homem forceja por entrar nele”. (Lc 16,16) logo, podemos concluir que a partir dele, Jesus, o que prevalece é o Evangelho. Mas, apesar de tudo isso, uma passagem é sempre citada como sendo a corroboração de Jesus em relação a se seguir o Antigo Testamento: “Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir” (Mt 5,17). Entretanto, falta aos que assim pensam um maior conhecimento bíblico, pois Jesus com o “a lei ou os profetas”, se é que disse isso, estava se referindo às profecias, que acreditavam existir a seu respeito, como podemos comprovar em: Lc 24,44-48: “Depois lhe disse: São estas as palavras que vos falei, estando ainda convosco, que importava que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Então lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras; e disse-lhes: “Assim está escrito que o Cristo padecesse, e ao terceiro dia ressurgisse dentre os mortos; e que em seu nome se pregasse o arrependimento para remissão dos pecados, a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sois testemunhas destas coisas'”. E para que não paire nenhuma dúvida que Moisés implantou diversas leis que, para dar sustentação à sua liderança frente ao povo judeu, disse terem vindo de Deus; vemos que, quando guarda as leis divinas dentro da Arca da Aliança (Dt 10,5), ele só coloca os Dez Mandamentos, gravados nas duas tábuas; as outras, as que ele mesmo instituiu, nitidamente reguladoras das relações sociais, foram deixadas do lado de fora da Arca (Dt 31,26), numa evidente demonstração da superioridade das primeiras em relação às segundas, já que ele nem ousou guardá-las dentro da Arca, consciente de que não provinham mesmo de Deus. As seguintes passagens confirmam o que estamos falando: Dt 4,1-2.5-6: “Agora, pois ó Israel, ouve os estatutos e as normas que eu hoje vos ensino a praticar, a fim de que vivais e entreis para possuir a terra que vos dará Iahweh, o Deus de vossos pais. Nada acrescentareis ao que eu vos ordeno, e nada tirareis também: observareis os mandamentos de Iahweh vosso Deus tais como vo-los prescrevo. Eis que vos ensinei estatutos e normas, conforme Iahweh meu Deus me ordenara, para que os ponhais em prática na terra em que estais entrando, a fim de tomardes posse dela. Portanto, cuidai de pô-los em prática, pois isto vos tornará sábios e inteligentes aos olhos dos povos”. Dt 4,13-14: “Ele vos revelou então a Aliança que vos ordenara cumprir: as Dez Palavras, escrevendo-as em duas tábuas de pedra. Nessa ocasião Iahweh ordenou-me ensinar-vos estatutos e normas, para que os cumprais na terra para a qual passais, a fim de tornardes posse dela”. Jr 7,21-22: "Assim diz o SENHOR dos Exércitos, o Deus de Israel: Ajuntai os vossos holocaustos aos vossos sacrifícios, e comei carne. Porque nunca falei a vossos pais, no dia em que os tirei da terra do Egito, nem lhes ordenei coisa alguma acerca de holocaustos ou sacrifícios." Observe que é clara a separação entre os Dez Mandamentos e os estatutos e normas, obviamente porque são frutos do pensamento de Moisés, não sendo, portanto, de inspiração divina. Quanto aos holocaustos ou sacrifícios em Êxodo e Levítico há inúmeras determinações sobre esse ritual, certamente instituído por Moisés, uma vez que, em Jr 7,21-22, Deus nega ser o autor disso. Em algumas Bíblias percebemos que os tradutores sabem muito bem dessa separação, veja: O autor distingue as “Dez Palavras” (cf. 5,4s), escritas pelo próprio Deus sobre as tábuas de pedras (Ex 34,18; Dt 5,22), e os “estatutos e normas”, isto é, o Código Deuteronômico (cf. 12,1; 26,16). (Bíblia de Jerusalém, p. 263). Conforme a concepção do Dt, Moisés recebeu no Horeb só as “dez palavras” (5,22). Recebeu também a ordem genérica de dar mais tarde aos israelitas uma série articulada de “mandatos e decretos”. No deserto, os israelitas se atêm aos dez mandamentos; em Moab, Moisés promulga novos decretos, que de algum modo especificam e comentam o Decálogo (como veremos). (Bíblia do Peregrino, p. 301). Continuando com as passagens: Dt 4,44: “Esta é a Lei que Moisés promulgou para os israelitas. São estes os testemunhos, os estatutos e as normas que Moisés comunicou aos israelitas, quando saíram do Egito”. Dt 5,22: “Tais foram as palavras que, em voz alta, Iahweh dirigiu a toda a vossa assembléia no monte, do meio do fogo, em meio a trevas, nuvens e escuridão. Sem nada acrescentar, escreveu-as sobre duas tábuas e as entregou a mim”. Dt 10,1-5: “Iahweh disse-me então: ‘corta duas tábuas de pedra como as primeiras e sobe até mim, na montanha. Faze também uma arca de madeira. Escreverei sobre as tábuas as palavras que estavam sobre as primeiras tábuas que quebraste, e tu as colocarás na arca’”. ... Ele, então, escreveu sobre as tábuas o mesmo texto que havia escrito antes, as Dez Palavras que Iahweh vos tinha falado na montanha, do meio do fogo, no dia da assembléia. A seguir Iahweh entregou-as a mim. Depois voltei-me, desci da montanha e coloquei as duas tábuas na arca que eu havia feito. E elas permaneceram lá, conforme Iahweh me ordenara”. Dt 10,12-13: “E agora, Israel, o que é que Iahweh teu Deus te pede? Apenas que temas a Iahweh teu Deus, andando em seus caminhos, e o ames, servindo a Iahweh teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma, e que observes os mandamentos de Iahweh e os estatutos que eu te ordeno hoje, para o teu bem”. Dt 31,24-26: “Quando acabou de escrever num livro esta Lei até o fim. Moisés ordenou aos levitas que carregavam a Arca da Aliança de Iahweh: “Tomai este livro da Lei e colocai-o ao lado da Arca da Aliança de Iahweh vosso Deus. Ele estará ali como um testemunho contra ti”. Passagens que não deixam dúvidas quanto à questão de existir a Lei de Deus, de caráter moral e permanente, consubstanciada nos Dez Mandamentos, e as leis mosaicas de cunho cerimonial e transitório. Quando do término do templo construído por Salomão, introduzem a Arca da Aliança para seu interior; aí é confirmado o que contém a Arca; leiamos: “Nada havia na arca, senão as duas tábuas de pedra, que Moisés ali pusera, junto a Horebe, quando o Senhor, fez um pacto com os filhos de Israel, ao saírem eles da terra do Egito” (1Rs 8,9). Então o que continha a Arca eram exatamente as duas tábuas com os Dez Mandamentos, que ninguém duvida que sejam mesmo provenientes da vontade de Deus, já que esse objeto era sagrado e por esse motivo nele se guardava o que reputavam como sendo da divindade. O que aqui colocamos são elementos suficientes para convencer aos de mente aberta, os que não estão presos a dogmas ou “verdades” estabelecidos pela liderança religiosa, que nada mais refletem senão os seus interesses financeiros, já que a esmagadora maioria dela vive de sua religião, quando deveriam viver para a mesma. E reafirmando ainda mais o que já dissemos, diremos que realmente não é a palavra de Deus, já que não fazem também questão de manter a fidelidade ao texto original, o que seria improvável de se fazer, caso pensassem mesmo serem tais determinações provindas do Criador. Se “A verdade não pode existir em coisas que divergem” (S. Jerônimo), então estaremos aguardando alguém nos apontar qual delas é a mais verdadeira que as outras, aquela em que poderemos confiar ser fielmente tal e qual aos originais. Vejamos o seguinte quadro: Deuteronômio 18,10-11: a respeito da proibição de consultar os mortos Análise das três últimas recomendações citadas nessa passagem:Bíblias Católicasde Jerusaléminterrogue espíritosadivinhosinvoque os mortosBarsaconsulte Pítonadivinhosindague dos mortos a verdadeAve Mariaespiritismoà adivinhaçãoà evocação dos mortosPaulinasquem consulte aos nigromantesadivinhosindague dos mortos a verdadeSantuárioespiritismoaos sortilégiosà evocação dos mortosdo Peregrinoespiritistasadivinhosnem necromantesVozesconsulte médiunsinterrogue espíritosevoque os mortosPastoralconsulte espíritosadivinhosinvoque os mortosBíblias ProtestantesSBBquem consulte um espírito adivinhantemágicoconsulte os mortosNovo Mundoalguém que vá consultar um médium espíritaum prognosticador profissional de eventosconsulte os mortosMundo Cristãonecromantemágicoconsulte os mortos O que vemos aqui é uma pequena amostra das modificações e adulterações grosseiras dos textos sagrados, para se ajustarem às suas conveniências doutrinárias ou objetivando perseguir a uma determinada corrente religiosa, no caso, o Espiritismo. Para os que não sabem os termos Espiritismo, Espiritista e médium foram criados por Kardec, trazidos a público em 18 de abril de 1857, quando da primeira publicação de O Livro dos Espíritos; inclusive tais termos não existem na língua hebraica, grega e latina, conforme nos informa Severino Celestino, em Analisando as Traduções Bíblicas. Se fosse mesmo proibida por Deus a comunicação com os mortos, então Jesus teria infringido uma lei divina, quando, no monte Tabor, estabelece contato com os espíritos Moisés e Elias; e não nos venham com a falácia de que Jesus pode! Como Jesus não infringiu nós, os espíritas, também não estamos infringindo, pois não disse ele que “tudo o que eu fiz vós podeis fazer e até coisas inda maiores” (Jo 14,12), nos colocando no mesmo plano dele? Paulo disse: "Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo" (1Cor 11,1). Então, se houve mesmo uma proibição à evocação de mortos, esse episódio é a revogação plena dessa determinação. Fica-nos a dúvida se os que se apegam à proibição de necromancia acreditam que os mortos possam se comunicar, pois nos parece incoerente proibir-se algo que não possa acontecer. No entanto, o episódio da Transfiguração revela ser possível essa comunicação, enquanto o episódio de Saul com a necromante nos mostra que o objeto da proibição (necromancia) se deve, ao que nos parece, à finalidade e à forma de evocação e não ao fato em si. E se os mortos não se comunicam, quem se apresentou se fazendo passar por Jesus, três dias após sua morte? O demônio disfarçado? Ilusão dos discípulos? Ficção dos “inspirados” autores bíblicos? Deixamos essas perguntas para reflexão do leitor. Raciocinemos: se nós, simples mortais, não criamos algo que só venha, o tempo todo, a nos causar aborrecimento, por ser absolutamente ilógico, por que, então, alguns de nós admitimos a possibilidade de ser abominável para Deus a comunicação com os mortos? Ora, se os mortos se comunicam conosco, foi porque Ele criou uma lei para o intercâmbio entre os dois mundos. Além disso, é forçoso admitir a realidade do fato, porquanto também seria ilógico proibir algo que não pudesse acontecer. Milagres de ordem cósmica Os que estudam a Bíblia, sem se utilizarem das conveniências dogmáticas, devem estranhar certos acontecimentos, cujos relatos fogem ao mais elementar senso de lógica. É assim que ficamos quando nos deparamos com as narrativas de dois fenômenos de ordem cosmológica, os quais se acredita serem “milagres” divinos. Vejamos, então, duas extraordinárias ocorrências com o Sol. A primeira, quando o Sol parou; a segunda, quando a sombra voltou a um ponto anterior. Diante dos amorreus Deus realiza um “milagre” fenomenal, fazendo com que o Sol ficasse parado, de tal sorte que a claridade do dia aumentou consideravelmente. Vejamos a narrativa: Js 10,12-14: “Josué falou ao Senhor no dia em que ele entregou os amorreus nas mãos dos filhos de Israel, e disse em presença dos israelitas: 'Sol, detém-te sobre Gabaon. E tu ó lua, sobre o vale de Ajalon'. E o Sol parou e a lua não se moveu até que o povo se vingou de seus inimigos. Isto acha-se escrito no Livro do Justo. O Sol parou no meio do céu, e não se apressou a pôr-se pelo espaço de quase um dia inteiro. Não houve, nem antes nem depois, um dia como aquele, em que o Senhor tenha obedecido à voz de um homem, porque o Senhor combatia por Israel”. Supomos que quem fez todas as leis naturais, deve ter pleno conhecimento do funcionamento delas; mas, nesse caso, será que isso acontece? Bom; é interessante como os dogmáticos não fazem a mínima questão de analisar os textos; apenas interpretam da maneira como aprenderam, de tal forma que erros teológicos do passado vão se perpetuando. Haverá de aparecer um “herético” para mudar esse estado de coisas. Nos candidatamos a essa função, já que não correremos mais o risco de alguém nos fazer abjurar isso publicamente sob pena de nos colocar numa fogueira ou “por piedade” nos dê a opção de tomar alguma bebida letal. Quem redigiu o texto bíblico demonstra não possuir o mínimo de conhecimento da realidade cósmica. Observe-se que aqui fazemos questão de tirá-lo à conta de inspiração divina, pois se isso tivesse mesmo acontecido, o Sol poderia ficar parado para todo o sempre, que o dia não aumentaria sua claridade em um minuto sequer. Sabe por que? É bem simples; porque a lei natural que nos dá o ciclo dia e noite é o movimento de rotação da terra sobre o seu próprio eixo. Assim, para essa ocorrência, pouco importa a questão do Sol estar parado ou não. E por mais que esse fato inverossímil pudesse mesmo ocorrer, ele fatalmente iria refletir em todo o globo terrestre, o que deixaria perplexos todos os povos do outro lado do hemisfério, aquele em que a noite, conseqüentemente, ficaria aumentada em sua duração. Será que um fenômeno tão extraordinário desse com repercussão em todo o planeta, não tenha sido registrado por mais ninguém, a não ser pelos hebreus? Pasme: “O dia em que Deus obedeceu a um homem”; o que nos obriga a afirmar: “Não houve, nem antes nem depois, nem nunca haverá, um dia como aquele”. Vejamos a outra narrativa desses fenômenos que estamos analisando: Is 38,1-8: “Naquele tempo, Ezequias esteve doente, quase à morte. O profeta Isaías, filho de Amós, veio ter com ele e lhe disse: 'Eis o que disse o Senhor: Põe em ordem a tua casa porque vais morrer, não te restabelecerás'. Então Ezequias voltou-se para a parede e se pôs a orar ao Senhor; 'Senhor, disse ele, lembrai-vos de que tenho andado diante de vós com lealdade, de todo o coração segundo a vossa vontade'. E chorava abundantemente. Depois a palavra do Senhor foi dirigida a Isaías nestes termos: 'Vai dizer a Ezequias; Eis o que diz o Senhor, o Deus de Davi, teu pai: Ouvi tua oração e vi tuas lágrimas, prolongarei tua vida por quinze anos, livrar-te-ei, a ti e a esta cidade, das mãos do rei da Assíria. Protegerei esta cidade. E eis o sinal, da parte do Senhor, para convencer-te de que cumprirá a promessa: Farei a sombra recuar os dez graus que o Sol já lhe fez descer no relógio solar de Acaz'. E o sol voltou dez graus para trás”. (ver tb 2Rs 20,1-11). Ficamos estarrecidos diante de tanta injustiça, quantas pessoas, talvez até mais fiéis a Deus que Ezequias, não foram livradas da morte, apesar de terem implorado a Deus para que não morressem... Quantas mães virtuosas choraram a morte de seus filhos, porque Deus ficou insensível às suas orações?... Será que o “Deus não faz acepção de pessoas” (At 10,34) foi deixado de lado? Analisando o fenômeno, podemos supor, já que é a única coisa que nos resta fazer, que o escritor bíblico acreditava que o Sol voltando um pouco faria com que a sombra também voltasse, o que justificaria o “milagre”, cujo objetivo era um sinal para provar a Ezequias que Deus faria o que tinha prometido. Entretanto, conforme explicação anterior, isso nada adiantaria, pois a sombra continuaria avançando sempre pra frente obedecendo a lei cósmica irrevogável de rotação da Terra. Resta-nos, na tentativa de salvar a narrativa, supor que, então, talvez a Terra é que tenha voltado, já que é o único fato que faria a sombra retroceder. Mas o que aconteceria se isso viesse ocorrer? É fácil analisar as conseqüências. Vamos dar um exemplo. Suponhamos que tenhamos em nossas mãos uma bacia cheia de água e que, inicialmente, comecemos a caminhar, para ir, gradativamente, apertando o passo até que, em determinado momento, estivéssemos a correr. Imagine a cena. Agora, imaginemos que fizéssemos uma parada brusca e, imediatamente, voltássemos a um ponto qualquer lá atrás. O que aconteceria com a água dentro da bacia? Faça uma comparação em relação à água do mar e tire as suas conclusões sobre o que sucederia com ela. E ainda mais, o que ocorreria conosco; seríamos lançados para o espaço sideral? O que será que acontece com as pessoas? O que as fazem abdicar do sagrado dever de usar a inteligência que Deus deu a cada um de nós? Digo sagrado dever, pois é ela que nos difere dos animais. Por que agimos com preguiça mental de estudar, analisar e de pesquisar, simplesmente aceitando tudo quanto nos passam como verdade sem o mínimo questionamento? Até quando iremos agir dessa forma? Não já é hora de acordarmos e caminharmos por nossas próprias pernas, em busca dos conhecimentos necessários para a nossa libertação definitiva do jugo dessa liderança religiosa, que só se preocupa com o seu “ganha-pão” (dízimo)? Já não passou do momento de entender Jesus na recomendação: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”? Não estaria Ele falando justamente disso que ocorre conosco, quando nos submetemos ao que nos dizem os outros? A verdade, caro leitor, nós só a encontraremos, quando questionarmos tudo, mas absolutamente tudo. “Examinai tudo, retende o que é bom” (1Ts 5,21). Os que ficam nos proibindo de ler isso ou aquilo, podemos ter certeza, não estão com a verdade, já que a proibição é fruto do medo de que alguém descubra que ele não está com a verdade, que mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente, ela aparecerá por uma pessoa que irá iluminar-lhes as consciências. A morte de Saul Pouco depois que os hebreus saíram do Egito, onde ficaram 430 anos em escravidão, já no deserto, dois meses e pouco após iniciar o êxodo (aproximadamente 1.250 a.C.), os amalecitas os atacam, tentando, com isso, impedi-los de passar pelo seu território. Sob o comando de Josué, o povo israelita, derrota Amalec (neto de Esaú), e passa a fio de espada toda a tropa do inimigo. Neste dia, Javé faz um juramento: “Escreva isso num livro como memória e diga a Josué que eu vou apagar a memória de Amalec debaixo do céu” (Ex 17,14), porque ficou completamente indignado com a ação dos amalecitas de fazerem guerra ao “povo escolhido”, vindo a prejudicar a chegada dos hebreus à Terra prometida. Entre os anos de 1.030 a 1.010 a.C., no reinado de Saul (primeiro rei de Israel), é que Javé resolve levar adiante seu plano de vingança, contra Amalec, e determina a Saul a sua execução: 1Sm 15,2-3: “Assim diz Javé dos exércitos: Vou pedir contas a Amalec pelo que ele fez contra Israel, cortando-lhe o caminho, quando Israel subia do Egito. Agora, vá, ataque, e condene ao extermínio tudo o que pertence a Amalec. Não tenha piedade: mate homens e mulheres, crianças e recémnascidos, bois e ovelhas, camelos e jumentos”. Saul atende à determinação de Javé e ataca os amalecitas, matando todo o povo; entretanto, ao invés de exterminar, captura a Agag, rei dos amalecitas. E, além disso, poupa o gado gordo e os cordeiros, só abatendo os que não tinham valor. Javé, pela boca do profeta Samuel, alega não ter gostado da atitude de Saul, e diz: “Estou arrependido de ter feito Saul rei, porque ele se afastou de mim e não executou as minhas ordens” (1Sm 15,11). E, apesar de Saul ter-se justificado que o gado e os cordeiros que não tinha matado eram para serem oferecidos em sacrifício a Javé, e que o rei dos amalecitas fora capturado, não aceita a justificativa, e diz: “Javé arranca hoje de você o reinado sobre Israel e o entrega a outro mais digno do que você” (1Sm 15,28). Algum tempo depois, os filisteus reuniram-se para atacar Israel. Diante disso, Saul ficou desesperado, fez de tudo para saber o que lhe aconteceria diante da iminente guerra. Consultou a Javé, e não obteve nenhuma resposta; aí então resolve procurar uma necromante, indo até Endor. Chegando à casa da mulher, Saul pede para ela adivinhar o futuro, evocando o espírito de Samuel, que morrera, havia algum tempo. E Samuelespírito se manifesta, por intermédio da necromante, e repete o que já lhe havia dito quando vivo, ou seja, que Javé iria entregá-lo, juntamente com seus filhos e seu povo, ao inimigo. Mesmo depois disto, Saul entra em guerra com os filisteus. Foi uma fulminante derrota, pois os filisteus ganharam a batalha, matando muita gente, entre eles os filhos de Saul. Os arqueiros atingiram a Saul, e ele, não querendo cair vivo nas mãos dos inimigos, pede a seu escudeiro que o mate com uma espada. Como não foi atendido, pois o escudeiro se recusou a matar o seu rei, não lhe restou outra alternativa, senão pegar a sua própria espada e lançar-se sobre ela, morrendo em seguida (1Sm 31,4). Assim, a morte de Saul foi por suicídio. A segunda versão diferente da morte de Saul, nós vamos encontrá-la em 2Sm 1, quando um homem dizendo-se amalecita relata a Davi a morte de Saul e seus filhos, da seguinte forma: 2Sm 1,6-10: “... Eu estava casualmente no monte Gelboé e vi Saul apoiado em sua própria lança, enquanto os carros e cavaleiros se aproximavam. Saul virou-se, me viu, e me chamou. ...Então Saul me disse: ‘Aproxime-se e mata-me, pois estou agonizando e não acabo de morrer’. Então eu me aproximei dele e o matei, porque eu sabia que ele não iria mesmo sobreviver depois de caído”. A terceira versão, da morte de Saul está narrada em 2Sm 21,12: “Então Davi foi pedir os ossos de Saul e de seu filho Jônatas aos cidadãos de Jabes de Galaad, que os tinham levado da praça de Betsã, onde os filisteus os haviam enforcado, quando venceram Saul em Gelboé”. Até aqui ficamos sem saber como realmente Saul morreu: suicidouse? Teria pedido a um amalecita que o matasse? Ou será que foi enforcado? Três versões diferentes para um só fato. Por isso, se dissermos que toda a Bíblia é de inspiração divina, teremos que admitir que o próprio Deus tenha ditado as três versões; não há como sair deste absurdo. No primeiro livro de Crônicas (10,1-12), é relatada a morte de Saul, exatamente como está narrada em 1 Samuel, capítulo 31, primeira versão. Entretanto, nos versículos 13 e 14, foi colocada como causa da morte de Saul, o seguinte: 1Cr 10,13-14: “Saul morreu por ter sido infiel a Javé: não seguiu a ordem de Javé e foi consultar uma mulher que invocava os mortos, em vez de consultar a Javé. Então Javé o entregou à morte e passou o reinado para Davi, filho de Jessé”. Nessa última narrativa, apesar dela vir a coincidir com uma anterior, a causa da morte de Saul não corresponde ao fato ali narrado. E veja a que conclusão nos leva essa narrativa. Por ela nós temos a impressão de que Saul morreu porque não cumpriu a determinação divina de não evocar os mortos, fato completamente contrário ao acontecido, pois acreditamos que a questão da infidelidade de Saul que o cronista queria passar seria a de que Saul não tinha exterminado os amalecitas exatamente como Javé tinha ordenado. Quanto à questão de não ter consultado a Javé, está narrado que ele O consultou. Nesse caso, deve ter havido uma interpolação, para associar a morte de Saul ao fato de que ele teria ido consultar a necromante, cujo objetivo seria fazer da morte de Saul um castigo de Javé, por ele, Saul, ter-se comunicado com Samuel-espírito. Quem quer que busque a verdade, encontrará essas e muitas outras incoerências na Bíblia. Mas, ainda existem muitos que querem, a ferro e fogo, manter a Bíblia como sendo, toda ela, de total inspiração divina. Não se apercebem de que, com esse exagero, o número dos incrédulos aumenta cada vez mais. E esse número só não é maior, porque ainda existem muitas pessoas que preferem ser encabrestadas por líderes religiosos, os quais insistem, a todo custo, em fazer com que, por medo de Deus, não se ponham a questionar alguns pontos da Bíblia, sob o argumento de ser ela de “inspiração divina”, esquecendo-se de que foram os homens que a escreveram e nela colocaram seus pensamentos conforme o seu conhecimento da época, incluindo nela lendas, coisas da mitologia antiga, misturadas, é óbvio, às muitas revelações provindas de Deus. E é pelo “temor” de desagradarem a Deus, que, quando buscam a verdade que possa estar contida na Bíblia, não enxergam essas falhas dos seus autores. E isso, com a complacência de muitos de seus dirigentes que, muitas vezes, apercebem-se dessas falhas, mas preferem o silêncio – para manterem na ignorância interessada, os seus fiéis – ao esclarecimento deles, pois esclarecê-los poderá causar prejuízos aos interesses particulares desses dirigentes. Entretanto, temos por nós, que, se Deus dotou o homem de inteligência, é para que ele a use em plenitude; não devemos, pois, agir como se fôssemos “avestruzes”, escondendo a “cabeça” diante da verdade pura e cristalina! Os mortos estariam dormindo? Se não fosse trágico, seria até hilariante, pois os que tomam tudo ao pé da letra não se dão conta de que, muitas vezes, caem no ridículo. É o caso daqueles que acreditam que os mortos estão dormindo. Bibliólatras desse tipo não abrem mão da literalidade bíblica e, se lhes pedirmos, apontarão inúmeras passagens para corroborar a sua forma de interpretação. Via de regra, são pessoas que só lêem livros que tenham o referendo de sua liderança religiosa, não sabem que: “quem ouve um sino só escuta um som, não podendo, portanto, saber se ele está afinado” (LETERRE, 2004) Cabe-nos, por compromisso com a verdade, demonstrar que pensam erradamente; entretanto, nosso objetivo não é convertê-los, já que dificilmente abrirão mão daquilo que pensam, mas explicar aos de mente aberta como deveriam ser interpretadas as passagens que falam sobre isso, isto sim, sentimo-nos no dever de fazê-lo. No sentido que estamos a questionar, a palavra “dormiu” aparece, na Bíblia, dependendo da tradução, por 36 vezes [7]; concentrando sua maioria no livro de Reis (I e II) e no de Crônicas (II). Para evitar a repetição, citaremos apenas os seguintes exemplos: 1Rs 2,10: “Depois Davi dormiu com seus pais, e foi sepultado na cidade de Davi”. 1Rs 11,43: “E Salomão dormiu com seus pais, e foi sepultado na cidade de Davi,...”. 1Rs 14,20: “...Jeroboão reinou foi vinte e dois anos. E dormiu com seus pais;...”. 1Rs 14,31: “E Roboão dormiu com seus pais, e foi sepultado com eles....”. 1Rs 15,8: “Abião dormiu com seus pais, e o sepultaram na cidade de Davi...”. Se falássemos de alguém usando uma destas expressões: abotoou o paletó, apagou, bateu as botas, bateu a caçoleta, comeu capim pela raiz, desceu ao túmulo, desocupou o beco, disse adeus ao mundo, empacotou, entregou a alma ao Diabo, espichou a canela, esticou o cambito, fechou os olhos, foi para a cidade dos pés juntos, foi para o beleléu, passou desta para melhor, pifou, vestiu o pijama de madeira, virou presunto, foi pro andar de cima, etc.; o que se entenderia? Iríamos tomá-las ao pé da letra ou entendê-las no sentido figurado? Sabemos que certas palavras quer pelo uso comum, quer por ter se tornado uma gíria, assumem significado diferente do sentido normal, para adquirir um outro; por isso, devemos ter o cuidado de verificar qual é o seu verdadeiro sentido no texto. De igual modo, vemos nessas passagens, em relação à palavra dormir, que não há outra maneira senão de interpretá-la como morrer; portanto, não quer dizer que alguém literalmente esteja dormindo. Pesquisando essas passagens em outras Bíblias encontramos em lugar de dormiu o seguinte: repousou, morreu, adormeceu, desceu ao sepulcro, descansou, deitou-se e foi reunir-se, deixando claro que se trata apenas de expressões para designar mesmo a morte. Vejamos uma passagem: At 7,57-60: “Então eles deram fortes gritos, taparam os ouvidos e avançaram todos juntos contra Estêvão. Arrastaram-no para fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas deixaram seus mantos aos pés de um jovem chamado Saulo. Atiravam pedras em Estêvão, que repetia esta invocação: ‘Senhor Jesus, recebe o meu espírito’. Depois dobrou os joelhos e gritou forte: ‘Senhor, não os condenes por este pecado’. E, ao dizer isso, adormeceu”. Não há dúvida alguma que o significado de “adormeceu” é realmente morreu, entendimento que vale para todas as outras palavra usadas, incluindo, obviamente, “dormiu”. Por outro lado, se matematicamente, na multiplicação, a ordem dos fatores não altera o produto, aqui não vale essa proposição. Isso porque a morte, por ser uma ocorrência natural, obedece a Razão Maior, chamada Deus; e esse fenômeno é o último a que o homem é submetido no plano físico. Assim, se alguma analogia houver a ser feita com uma operação matemática, a morte corresponderá ao sinal de igualdade (=), após o que vem o resultado: ser enterrado, cremado, etc. A ordem, no sentido de seqüência, é: primeiro dormiu, depois foi enterrado, onde, forçosamente, o significado de dormir é morrer, e não foi enterrado e dormiu, que muito bem poderia ser entendida como os bibliólatras entendem em relação à outra forma. Quem examina a Bíblia, e não apenas lê, percebe que a idéia que os judeus faziam da vida após a morte era imprecisa. Pensavam que todos os mortos, bons e maus, iriam para o sheol (= hades ou inferno), lugar onde não teriam mais consciência; daí autores bíblicos dizerem: Sl 88,11-13: “Farás maravilhas pelos mortos? As sombras se levantarão para te louvar? Falarão do teu amor nas sepulturas, e da tua felicidade no reino da morte? Conhecem tuas maravilhas na treva, e a tua justiça na terra do esquecimento?” Sl 115,17: “Os mortos já não louvam a Javé, nem os que descem ao lugar do silêncio”. Ecl 9,5-6.10: “Os vivos estão sabendo que devem morrer, mas os mortos não sabem nada, nem terão recompensa, porque a lembrança deles cairá no esquecimento. Seu amor, ódio e ciúme se acabam, e eles nunca mais participarão de nada que se faz debaixo do Sol. Tudo o que você puder fazer, faça-o enquanto tem forças, porque no mundo dos mortos, para onde você vai, não existe ação, nem pensamento, nem ciência, nem sabedoria”. Entretanto, essa idéia vai sendo discutida nos textos, e se modificando aos poucos, até que em Jesus ela é elucidada definitivamente, já que, em se referindo a Abraão, Isaac e Jacó, ele afirma que Deus não é Deus de mortos, mas de vivos (Mt 22,31-32). E quem está vivo tem consciência, pensamento, sabedoria e existe ação; não é mesmo? Um parêntese. Já em Eclesiástico, nós encontramos essas duas interessantes passagens: Eclo 18,7-14: “O que é o homem, e para que serve? Qual é o seu bem e qual é o seu mal? A duração de sua vida é de cem anos no máximo. Como gota no mar e grão na areia, tais são os seus poucos anos frente a um dia da eternidade. É por isso que o Senhor tem paciência com os homens, e derrama sobre eles a sua misericórdia. Ele vê e reconhece que o fim deles é miserável, e por isso multiplica para eles o seu perdão. A misericórdia do homem é para o seu próximo, porém a misericórdia do Senhor é para todos os seres vivos. Ele repreende, corrige, ensina e dirige, como o pastor conduz o seu rebanho. Ele tem compaixão dos que aceitam a correção, e dos que se esforçam para lhe cumprir os mandamentos”. Eclo 30,17: “É melhor a morte do que viver com amargura, e o descanso eterno vale mais do que doença crônica”. Como conciliar a idéia do inferno eterno com a primeira passagem? Pela segunda, poderemos concluir que o autor faz apologia ao suicídio para as pessoas amarguradas ou as com doença crônica. Assim, fica claro que não podemos pegar tudo ao pé da letra e, muito menos, aceitar como revelação divina, já que é flagrante que muita coisa se trata de opinião do autor bíblico; certo? Continuando, vamos agora analisar algumas passagens bíblicas que demonstram que os mortos não estão dormindo. Vejamos: Em 1Sm 28,3-21 é narrado o episódio em que Saul vai a Endor e, através da pitonisa, põe-se a conversar com o espírito Samuel, que lhe prediz o fim como resultado da guerra com os filisteus, fato confirmado no livro Eclesiástico, onde é afirmado que Samuel, mesmo depois de morto, profetizou (Eclo 46,13-20). Até onde sabemos, isso não poderia acontecer se o espírito Samuel estivesse mesmo dormindo e não fosse consciente, no sentido que querem dar ao vocábulo. A não ser que se pretenda usar esse entendimento para justificar que não foi Samuel que se apresentou a Saul através da médium de Endor. Não podemos deixar de citar o célebre momento da transfiguração de Jesus no monte Tabor, em que conversa com os espíritos Moisés e Elias, na presença de Pedro, Tiago e João (Mt 17,1-9), numa evidente prova de consciência e atividade após a morte. Segundo dizem alguns teólogos, quem se manifesta são os demônios, e não os espíritos das pessoas que aqui viveram. Se assim for, Jesus foi enganado pelo “demo”? Por outro lado, onde estaria, na própria Bíblia, a regra, clara e incontestável, em que se diz que os homens, depois de mortos, estão sempre dormindo; e os demônios, sempre acordados? Será que Deus permite aos demônios ficarem acordados influenciando o homem terreno ao mal, enquanto os espíritos daqueles que sempre praticaram o bem são obrigados a ficarem dormindo? Não existe algo de estranho nisso? Há uma passagem interessante onde Jesus narra a situação depois da morte de um pobre e de um rico. Embora seja conhecida, vamos transcrevêla: Lc 16,19-31: “Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino, e dava banquete todos os dias. E um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, que estava caído à porta do rico. Ele queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico. E ainda vinham os cachorros lamber-lhe as feridas. Aconteceu que o pobre morreu, e os anjos o levaram para junto de Abraão. Morreu também o rico, e foi enterrado. No inferno, em meio aos tormentos, o rico levantou os olhos, e viu de longe Abraão, com Lázaro a seu lado. Então o rico gritou: 'Pai Abraão, tem piedade de mim! Manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua, porque este fogo me atormenta'. Mas Abraão respondeu: 'Lembre-se, filho: você recebeu seus bens durante a vida, enquanto Lázaro recebeu males. Agora, porém, ele encontra consolo aqui, e você é atormentado. Além disso, há um grande abismo entre nós: por mais que alguém desejasse, nunca poderia passar daqui para junto de vocês, nem os daí poderiam atravessar até nós'. O rico insistiu: 'Pai, eu te suplico, manda Lázaro à casa de meu pai, porque eu tenho cinco irmãos. Manda preveni-los, para que não acabem também eles vindo para este lugar de tormento'. Mas Abraão respondeu: 'Eles têm Moisés e os profetas: que os escutem!' O rico insistiu: 'Não, pai Abraão! Se um dos mortos for até eles, eles vão se converter'. Mas Abraão lhe disse: 'Se eles não escutam a Moisés e aos profetas, mesmo que um dos mortos ressuscite, eles não ficarão convencidos'”. Apesar de ser uma parábola, podemos perceber que o texto não diz que Abraão e Lázaro estavam inconscientes e dormindo; ao contrário, dá-se para concluir que estavam bem ativos, já que é narrado o diálogo que Abraão teve com o rico, que, por sua vez, também não estava dormindo. Aos que tomam tudo ao pé da letra, perguntaremos: Se o juízo final não aconteceu, como podemos explicar que Abraão esteja no céu? A passagem coloca que, imediatamente após a morte tanto o rico como Lázaro tiveram seu destino, fatalmente delineado por um julgamento. Mas, qual julgamento, se o dia do juízo final não havia chegado? Em Jo 11,1-44, conta-se sobre a morte e ressurreição de Lázaro, irmão de Marta e Maria (não confundi-lo com o da passagem anterior). Supondo-se que Lázaro tenha verdadeiramente morrido, Jesus ao chamá-lo de volta não disse: “Lázaro, acorde e saia para fora”? Assim, a conclusão é que o amigo de Jesus não estava dormindo e nem inconsciente. Vale lembrar que, se Lázaro estava realmente morto, conforme crença geral, então Jesus, ao mandá-lo sair do sepulcro, nada mais fez que conversar com os mortos. Esta foi a conclusão a que chegou o Pastor Neemias Marien, bispo da Igreja Presbiteriana Bethesda, sabidamente o brasileiro com maior conhecimento de Bíblia nos tempos atuais. É aceito por todos nós que Jesus morreu e após sua morte apareceu aos discípulos, fato que vem comprovar que os mortos não ficam dormindo coisa nenhuma; e muito menos permanecem na inconsciência; inclusive, sabemos que Jesus foi pregar o Evangelho “até aos mortos” (1Pe 4,6). Ora, isso só poderia acontecer se esses mortos, para os quais Jesus pregou, estivessem conscientes. Por outro lado, é evidente que há possibilidade de conversão ao Evangelho após a morte; senão Jesus teria pregado em vão... Esperamos, caro leitor, que nosso estudo tenha possibilitado uma melhor compreensão de qual é a realidade após a morte. Obviamente, não estamos impondo nosso ponto de vista a ninguém; somente apresentamos as nossas conclusões, tiradas do estudo da Bíblia. Gostaríamos de ressaltar, ainda, que para nós é importante não ficarmos presos às interpretações dogmáticas ou as equivocadas, que mais demonstram a precariedade de suas análises dos textos, sem a mais leve crítica, que sempre produzem interpretações completamente fora do contexto da narrativa. O caso do arrebatamento de Elias O episódio do arrebatamento de Elias, sempre é utilizado, especialmente pelos dogmáticos, para negar que João Batista seja Elias reencarnado. Em verdade, negam a Jesus, pois foi ele quem disse: “E se quiserdes aceitá-lo, ele (João Batista) é o Elias, que há de vir”. Como sabia que a incredulidade ainda viria a vigorar por muito tempo, completa: “Quem tem ouvidos ouça”. (Mt 11,14-15). Por outro lado, é difícil para nós aceitarmos esse arrebatamento, porquanto, além das razões que iremos mostrar logo abaixo, uma outra afirmativa de Jesus não deixa nenhuma dúvida: “Ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu: o Filho do homem” (Jo 3,13). Quando se diz que Elias foi arrebatado, o que querem dizer? Baseados numa passagem bíblica, que veremos um pouco mais à frente, dizem que Elias foi levado por Deus ao Céu, de corpo e alma, ou seja, pensam que na verdade Elias não morreu (???). Se Elias não morreu, ficamos em dúvida por não saber o porquê desse privilégio, pois até mesmo Jesus, o Cristo, que lhe era muito superior, morreu, e ainda, pregado numa cruz. Por outro lado, ficamos, também, sem entender o que Elias faria com o corpo físico no mundo espiritual. Seria o mesmo que mandarmos alguém viver debaixo d’água do jeito que ele vive aqui na superfície, sem lhe dar nenhum equipamento apropriado àquele lugar. A coisa não lhe parece absurda? Entretanto é o que esperam em relação a Elias, ou seja, que ele vá viver numa outra dimensão, totalmente diferente daquela que é adequada à matéria, como se nessa dimensão fosse necessário o corpo físico para se viver a vida do espírito. Também não encontramos nenhum respaldo para esse absurdo no que Jesus deixou como legado à humanidade através das narrativas dos evangelistas. Muito ao contrário, entendemos que Ele afirma justamente o oposto. Vejamos que, conforme consta no evangelho, Jesus afirmou: “O espírito é o que dá a vida, a carne não serve para nada”. (Jo 6,63). Perguntamos: se a carne não serve para nada, ainda assim ela serviria para alguma coisa depois da morte? Pelas palavras de Jesus, “Deus é Espírito” (Jo 4,24); então, ficaremos novamente diante de um outro absurdo, qual seja: na dimensão espiritual nós seremos ainda matéria, enquanto que o próprio Criador é um ser espiritual. Acrescentamos mais ainda: Jesus, pouco antes de expirar, disse: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Por que será que ele não entregou o corpo? É por pura coerência, já que antes havia dito que a carne de nada serve; não é mesmo? Não se pode alegar ignorância dessa realidade, pois até mesmo no Antigo Testamento encontramos a indiscutível separação entre o corpo e espírito; vejamos: “O pó volte à terra, onde estava, e o espírito volte para Deus, seu autor” (Ecl 12,7). E Paulo de Tarso, se dirigindo aos coríntios, arremata categórico: “Mas isto vos digo, irmãos: a carne e o sangue não podem possuir o Reino de Deus, nem a corrupção herdará a incorrupção” (1Cor 15,50). Não está afirmando, em outras palavras, que é o espírito que vai herdar o reino de Deus? Pouco antes havia dito: “Pois, se há um corpo animal, há também um corpo espiritual” (v. 44), quando explicava a eles qual era o corpo da ressurreição. Vamos, agora, ver a passagem em que é citado o tal do arrebatamento de Elias, que está narrado em 2Rs 2,11: “Ora, enquanto seguiam pela estrada conversando, de repente apareceu um carro de fogo com cavalos também de fogo, separando-os um do outro, e Elias subiu para o céu no turbilhão”. Depois disso, procuraram Elias por todos os lugares e não o encontraram. Interessante colocarmos as explicações dos tradutores da Bíblia de Jerusalém acerca disso: “A busca infrutífera certifica apenas que Elias não é mais deste mundo; seu destino é mistério que Eliseu não quer desvendar. O texto não diz que Elias não morreu, mas facilmente se pôde chegar a essa conclusão” (Bíblia de Jerusalém, pp. 508-509) (grifo nosso). Só que esse facilmente parece não ser tão fácil assim, pois ainda existem muitas pessoas que acreditam que Elias não morreu; foi de corpo e alma para o céu. Verdade que esses fanáticos religiosos aceitam-na, com base numa fé cega, apesar de absurda. Pelos acontecimentos anteriores a esse arrebatamento, narrados em 2Rs 2, lemos que Eliseu, discípulo de Elias, pressentindo o final do seu mestre, lhe faz um pedido: “Eu gostaria de receber uma porção dupla de teu espírito” (v. 9). Ao que lhe respondeu Elias: “Fizeste um pedido difícil. Mas se me vires ao ser arrebatado do teu lado, terás o que pediste; se não me vires, não o terás” (v 10). O que será que aconteceu? Não deixaremos para o próximo capítulo, caro leitor, pois não o queremos ver “morrendo” de curiosidade. Bom; a única coisa que sobrou de Elias, após o tal arrebatamento, foi o seu manto. Eliseu pega esse manto e bate com ele na água do rio Jordão, que fez com que suas águas se dividissem em duas partes, fato que os outros profetas da comunidade viram. Diante desse fenômeno incomum, e como Elias já tinha também feito isso, disseram: “O espírito de Elias repousou sobre Eliseu” (v.15). O que numa linguagem popular ficaria assim: “O espírito de Elias baixou em Eliseu”. Por isso, nós diremos que de fato Elias morreu, pois fica comprovado que, do plano espiritual, influencia Eliseu. Na narrativa bíblica sobre o arrebatamento, se afirma que Elias foi levado num turbilhão (ou redemoinho, segundo algumas traduções). Será que o acontecido não teria sido um fenômeno produzido pela natureza como um tufão, um ciclone ou um tornado? Não sabemos que nesses fenômenos são tragados até mesmo objetos de peso considerável? Seria este o caso de Elias? Sinceramente, ficamos inclinados a aceitar essa hipótese, pois se não foi assim, teremos que aceitar que Elias foi levado pelo demônio! Como? Veja que a narrativa diz que apareceu um carro de fogo com cavalos de fogo. Ora, não se afirma que todas as coisas do demônio são de fogo? Assim, podemos pressupor que ele, em pessoa, veio, em seu exuberante veículo de transporte, buscar Elias, deu uma voltinha com ele no céu (o azul) e o levou diretamente para “a fornalha ardente do inferno. (Cruz!!!). Será que alguém conseguirá provar o contrário? Provar não, mas acreditar numa outra hipótese, sim. Os aficionados em disco voador, por exemplo, poderão dizer que Elias foi abduzido por um OVNI; também aqui ninguém poderá provar o contrário. Por outro lado, considerando que no mesmo capítulo 2, no versículo 16 consta: “... Talvez o espírito do Senhor o tenha levado e jogado num desses montes ou vales”, fica evidente, que, naquela época, ainda não se entendia que o corpo de Elias tenha ido para os céus. Mas há um outro fato que será uma ducha de água fria nessa crença. É o que veremos na seqüência. O escritor Paulo Finotti, autor do livro intitulado Ressurreição”, dá-nos uma informação interessantíssima. Diz ele: [...] Posteriormente, a Bíblia informa que Jeorão recebeu uma carda de Elias (II Crônicas, 21:12/15). Assim, quando Jeorão, rei de Judá, começou a reinar, já havia ocorrido o que está escrito em II Reis 2:11,12, e se Elias ainda podia enviar uma carta ao rei Jeorão é porque, após a sua “ascensão”, continuava aqui na terra profetizando para o reino de Judá. (FINOTTI, 1971, pp. 26-27). Engraçado como muitas vezes não enxergamos o óbvio, pois, realmente, segundo a narrativa bíblica citada, Elias, depois de ter sido supostamente arrebatado, enviou mesmo uma carta a Jeorão8, filho e sucessor de Josafá, de Judá. Confirmam isso os tradutores da Bíblia de Jerusalém, quando nos oferecem a seguinte explicação para essa passagem: “De acordo com a cronologia de 2Rs, Elias tinha desaparecido antes do reinado de Jorão de Israel (2Rs 2; 3,1) e, portanto, antes de Jorão de Judá (2Rs 8,16; cf. no entanto 2Rs 1,17). O cronista deve utilizar uma tradição apócrifa.” (p. 607). Mas o que há de extraordinário nisso? Bom; se a passagem mencionada for verdadeira, e aqui os defensores da inerrância bíblica, por coerência, não podem aceitá-la de outro modo, estaremos diante de duas alternativas: 1ª) que Elias não foi arrebatado, aos céus, mas, sim, na forma entendida pelos servos de Eliseu, isto é, que Elias tenha sido levado para algum monte ou algum vale, já que envia uma carta. Isso, para nós, é o mais provável que tenha de fato ocorrido, uma vez que é difícil sustentar que alguém tenha sido arrebatado de corpo e alma, levando-se em conta que, se “Deus é espírito” (Jo 4,24), nós também somos seres espirituais, já que fomos criados à Sua imagem e semelhança. Por outro lado, se “o espírito é que dá vida, a carne não serve para nada” (Jo 6,63) e que “a carne e o sangue não podem herdar o reino dos céus” (1Cor 15,50), não há como compatibilizar corpo físico na dimensão espiritual. 2ª) por certo essa poderá deixar alguns fanáticos perplexos; é que, se aceitarmos que não há exceção nas Leis Divinas, Elias morreu, fato que acontece com todo ser humano; daí, por força das circunstâncias, teremos que admitir que, do plano espiritual, ele envia uma carta ao rei. Portanto, uma ocorrência mediúnica, com alguém servindo de médium para receber essa carta e enviá-la ao destinatário, significando isso uma autêntica psicografia. A título de curiosidade, observamos que os termos usados nessa narrativa aparecem, nas diversas traduções bíblicas, ora como “uma carta”, ora como “uma mensagem” e ora como “um escrito”; mas, no fundo, tudo isso é a mesma coisa. Lembramo-nos aqui do saudoso Chico Xavier que recebia, com facilidade, uma imensidão de cartas dos “mortos”. Na primeira hipótese acima citada, não há nenhum fato bíblico entre “os arrebatados” que venha a sustentar a possibilidade de que, em algum momento, um deles tenha se comunicado, por qualquer meio, com os encarnados. Entretanto, quanto à segunda hipótese, ou seja, a de que Elias tenha morrido, podemos comprovar biblicamente, por dois acontecimentos, os quais vêm apoiar uma ocorrência dessa ordem. O primeiro é um fenômeno mediúnico de psicofonia, que se encontra narrado em 1Sm 28,1-25, onde se relata a ocasião em que o rei Saul vai a Endor, para que, através de uma pitonisa (médium), que residia nessa localidade, pudesse aconselhar-se com o profeta Samuel, já desencarnado. Como estava numa situação angustiante, pois se encontrava cercado pelo exército dos filisteus, queria saber do espírito Samuel, que, quando encarnado, fora profeta em seu próprio reinado, sobre o seu futuro em relação a essa iminente guerra. O segundo, sempre “esquecido” dos contraditores da comunicação com os “mortos”, é quando os espíritos de Moisés e Elias apareceram a Jesus, Pedro, Tiago e João, e conversaram com o Mestre (Mt 17,1-9; Mc 9,2-10; Lc 9,28-36). Classificamos esse fenômeno mediúnico como de “materialização”, pois esses dois espíritos também foram vistos pelos três discípulos que testemunharam o fato, os quais, ao que tudo indica, deviam ser os médiuns doadores da energia necessária para a produção do fenômeno, a qual chamamos de ectoplasma. Inclusive, podemos observar que, nos principais fenômenos mediúnicos produzidos por Jesus, vistos por alguns como milagres, os três apóstolos citados eram convidados por Ele, para deles participarem, certamente porque Jesus sabia que, só os três, entre os que O seguiam, possuíam essa energia de forma mais acentuada. Há ainda um outro evento, que nunca é falado, pois não teria como ser negado: trata-se do acontecido com o próprio Jesus, que depois de morto comunicou-se com inúmeras pessoas. E, plagiando o que o apóstolo dos gentios disse aos coríntios, diríamos: “Pois se os mortos não se comunicam, também Cristo não se comunicou. Se Cristo não se comunicou, ilusória é a nossa fé”. Assim, com essa carta de Elias, acreditamos estar diante de mais uma ocorrência bíblica, que vem provar a comunicação entre os dois planos da vida, embora negada sistematicamente por alguns, mas que pode ser considerada como corroborada pela própria Bíblia, quando Moisés proíbe a comunicação com os mortos (Dt 18,9-14), já que Moisés não era tão louco assim para proibir algo que não exista. Está, portanto, comprovada biblicamente, a realidade da comunicação entre os habitantes do mundo físico com os do mundo espiritual. E como diria Jesus: “Quem tem ouvidos, ouça” (Mt 11,15). De nossa parte ficamos convictos de que Elias não foi arrebatado coisíssima nenhuma. Mas sabemos que isso ainda não será uma realidade para os dogmáticos. A Lenda Bíblica de Jó Em busca da solução para a dor e o sofrimento, os povos primitivos inventaram uma lenda com a qual pensavam justificá-los. Daí, surgiu a lenda de Jó. Não, caro leitor, nós ainda não estamos necessitando ser dominados com uma camisa de força; mas usaremos a força dos argumentos para provar o que estamos falando com essa análise que faremos deste livro bíblico. Alguns tradutores afirmam: A literatura sapiencial floresceu em todo o Antigo Oriente. Ao longo de sua história, o Egito produziu escritos de sabedoria. Na Mesopotâmia, desde a época sumérica, foram compostos provérbios, fábulas e poemas sobre o sofrimento que se assemelham ao livro de Jó. (...) Não é de admirar que as primeiras obras sapienciais de Israel se pareçam muito com a de seus vizinhos: todas elas provêm do mesmo ambiente. (Bíblia de Jerusalém, p. 797). (...) o autor usa uma antiga lenda sobre a retribuição (1,1-2,13; 42,7-17), omitindo o final (42,7-17) e substituindo-o por uma série de debates que mostram o absurdo da teologia em voga, incapaz de atender à nova situação (3,1-42,6). (Bíblia Sagrada – Edição Pastoral, p. 639). O autor toma como ponto de partida uma lenda comum na época e, com leves retoques, a relata em 1,1-2,13. O final primitivo dessa lenda se encontra em 42,7-17. A intenção é substituir o final da lenda pelo debate que se encontra em 3,1-42,6. (Bíblia Sagrada – Edição Pastoral, p. 640). Da natureza poética do livro se segue que não se deve insistir na veracidade histórica de cada passo da discussão. Além disso, a própria índole do diálogo supõe que o autor não tenha querido aprovar todas as idéias expressas pelos interlocutores. A chave da composição conexa está em 42,1-8: Jó, embora tendo um conceito elevado de Deus, pecou por presunção e violência; aos seus amigos, pelo contrário, faltou o conceito adequado de Deus e de sua Providência. O prólogo e o epílogo são ficções literárias. Discute-se a historicidade da pessoa de Jó; a opinião mais plausível é a de que também seja uma personagem fictícia, pois o objetivo da obra não é contar a história de um sofredor, e sim, oferecer uma solução e um consolo a todos os que sofrem... (Bíblia Sagrada – Edições Paulinas, p. 579). Como se vê, desde tempos imemoriais, os “donos” das religiões sempre fizeram suas interpolações (usando até lendas, como aqui) e que, para fortalecerem-nas, atribuíam-nas à divindade a que eles prestavam culto. Lembramo-nos muito bem, quando, nos primeiros contatos com as letras, nossa professora primária, para entreter a turma e desenvolverlhes a imaginação, contava as famosas histórias infantis. Invariavelmente iniciava assim: “Era uma vez...” buscando atrair a atenção dos alunos e criando, desde o início, um clima de expectativa. Bom, poderá nos perguntar: mas o que tem isso a ver com o assunto que você se propõe a falar? O que estamos propondo, caro leitor, é uma relação direta entre essas histórias e a história de Jó; veja como se inicia o relato bíblico: Jó 1,1: “Era uma vez um homem chamado Jó, que vivia no país de Hus. Era um homem íntegro e reto, que temia a Deus e evitava o mal”. É estonteante a correlação entre as histórias infantis e essa que estamos citando. Aliás, sobre esse país de Hus instala-se cizânia geral sobre onde se localiza: Hus, não identificada, mas por certo, situada ao oriente da Palestina. Há quem a coloque no Hauran, sul de Damasco (cf. Gen. 36,28; Lam 4,21),... (Bíblia Sagrada – Edições Paulinas, p. 580) Embora não saibamos com certeza onde se encontra Hus, sabemos que não é território israelita. (Bíblia do Peregrino, p. 1062). Terra de Hus é o território de Edom, fora de Israel... (Bíblia Sagrada – Vozes, p. 634). ... Jó, que viveu em Hus, provavelmente a sudoeste do Mar Morto,... (Bíblia Sagrada - Santuário, p. 733). Ficava a sudeste da Palestina, na Iduméia ou Edom (cf. Lm, 4,21). (Bíblia Barsa, p. 389). Certamente ao sul de Edom (cf. Gn 36,28; Lm 4,21). (Bíblia de Jerusalém, p. 803). No fundo, ninguém tem certeza de onde é, mas, para escapar dessa dúvida, alguns querem situá-la num lugar conhecido, esperando que os néscios acreditem neles. Consultamos vários mapas bíblicos e em nenhum deles encontramos a localização de Hus, obviamente por não saberem mesmo onde era ou, conforme acreditamos, não passa de uma ficção literária. Mas, continuando: Jó 1,2-5: “Tinha sete filhos e três filhas. Possuía também sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois, quinhentas mulas e grande número de empregados. Jó era o mais rico dos homens do Oriente. Os filhos de Jó costumavam fazer banquetes, um dia na casa de cada um, e convidavam as três irmãs para comer e beber com eles. Quando terminavam esses dias de festa, Jó os mandava chamar, para purificá-los. Ele madrugava e oferecia um holocausto para cada um deles, pensando: ‘Talvez meus filhos tenham pecado, ofendendo Deus em seu coração’. E Jó fazia assim todas as vezes”. Tal qual as estórias infantis, aqui também é realçada a riqueza de Jó e um pouco de sua vivência diária. Interessante, nesse relato, é que não são citados os nomes de seus filhos, como seria de se esperar, caso o relato fosse verdadeiro; nem mesmo o de sua mulher. Observe as quantidades citadas nos vv. 2 e 3, pois na análise da última passagem (Jó 42,12-15) desse livro, nós a citaremos numa comparação. Embora não seja o que pretendemos abordar, vale uma digressão para um outro assunto, não menos curioso. É a questão de satanás, como sendo o deus do mal; leiamos: Jó 1,6-12: “Certa vez, foram os filhos de Deus apresentar-se ao Senhor; entre eles veio também Satanás. O Senhor, então, disse a Satanás: 'Donde vens?' - 'Dei uma voltas pela terra, andando a esmo', respondeu ele. O Senhor lhe disse: 'Reparaste no meu servo Jó? Na terra não há outro igual: é um homem íntegro e reto, teme a Deus e se afasta do mal'. Satanás respondeu ao Senhor: 'Mas será por nada que Jó teme a Deus? Porventura não levantaste um muro de proteção ao redor dele, de sua casa e de todos os seus bens? Abençoaste seus empreendimentos e seus rebanhos cobrem toda a região. Mas estende a mão e toca em todos os seus bens; eu te garanto que te lançará maldições em rosto!' Então o Senhor disse a Satanás: 'Pois bem, tudo o que ele possui, eu o deixo em teu poder, mas não estendas a mão contra ele!' E Satanás saiu da presença do Senhor”. A expressão satanás (ou satã, segundo algumas traduções), conforme nos informam vários tradutores bíblicos, quer dizer “acusador”, não sendo, portanto, um ser, mas apenas uma função. Imaginemos num Tribunal de Júri, o promotor de justiça que age na linha de acusação do réu, exatamente o que, no texto, se atribui a esse anjo. Confirmamos o que dizemos pela nota a seguir, relativa a essa passagem: “A corte celeste, que decide os rumos da história, se reúne no estilo de uma corte oriental. Satã, que significa adversário no tribunal, não é aqui a personificação do mal, e sim uma espécie de investigador...” (Bíblia Sagrada – Edição Pastoral, p. 640). Observemos que, se na narrativa está se afirmando que entre os anjos, que se apresentaram a Javé, estava também satanás, é porque ele, evidentemente, era um deles. E se estava junto com os outros não era anjo mau coisíssima nenhuma. Seria o mesmo que se dizer que o Promotor Público, que é o outro pólo de que necessita a sociedade para o equilíbrio da Justiça, é um advogado mau, pelo simples fato de exercer a função de acusador. Entretanto, não sabemos de onde a teologia retira que ele, satanás, é um anjo mau. Só por pura extrapolação, pois, pelo que se vê do relato bíblico, a única coisa que fez foi ferir um pouco o orgulho de Javé. Isso porque, quando Javé disse que Jó era um homem íntegro, o anjo respondeu que ele era assim só porque “os braços” de Javé se estendiam sobre ele, protegendo-o e proporcionando-lhe as regalias terrenas, mas que, se não tivesse isso, talvez Jó não se comportasse daquele modo. Aí Javé deixa que o anjo retire de Jó tudo quanto tinha para ver se assim ele ainda se manteria firme na sua integralidade, como se em algum momento Deus pudesse ter dúvida sobre qualquer coisa ou sentisse a necessidade de alguém lhe provar algo que pensava ser verdadeiro. Muitos têm a Jó como o “paciente sofredor”; mas será mesmo? Veja: Jó 3,1-4: “Então Jó abriu a boca e amaldiçoou o dia do seu nascimento, dizendo: ‘Morra o dia em que nasci e a noite em que se disse: 'Um menino foi concebido'. Que esse dia se transforme em trevas; que Deus, do alto, não cuide dele e sobre ele não brilhe a luz”. A pergunta é: uma pessoa paciente amaldiçoa o dia em que nasceu? Ou isso é típico dos impacientes? Como se diz; perguntar não ofende... Mas, não bastasse isso, continua o impaciente e já revoltado Jó: Jó 3,11-16: “Por que não morri ao sair do ventre de minha mãe, ou não pereci ao sair de suas entranhas? Por que dois joelhos me receberam, e dois peitos me amamentaram? Agora eu repousaria tranqüilo e dormiria em paz, junto com os reis e governantes da terra, que construíram túmulos suntuosos para si, ou com os nobres que possuíram ouro e encheram de prata seus mausoléus. Agora eu seria um aborto enterrado, uma criatura que não chegou a ver a luz”. O nosso amigo apelou feio, pois disse ter sido preferível que tivesse sido abortado. Atitude compreensível para os que, advogando a vida única, não encontra explicação para a dor e o sofrimento, cujo entendimento só poderá ser justificado se aceitarmos a reencarnação como única situação em que a justiça de Deus se manifesta em plenitude. Mas, apesar disso tudo, encontramos em Jó verdades que bem se aplicam aos que acreditam na reencarnação: Jó 4,8: “Pelo que eu sei, os que cultivam injustiça e semeiam miséria, são esses que as colhem”. Jó 5,7: “E o homem gera seu próprio sofrimento, como as faíscas voam para cima”. Dessa fala de Jó retiramos a Lei de Causa e Efeito, comumente denominada de carma, cuja relação com a reencarnação é direta; quem acredita em uma delas acredita também na outra. Há em Jó uma afirmação que os teólogos fazem de tudo para mudarlhe o sentido. Leiamo-la: Jó 4,15-16: “Então um espírito passou por diante de mim; fez-me arrepiar os cabelos do meu corpo; parou ele, mas não lhe discerni a aparência; um vulto estava diante de meus olhos; houve silêncio, e ouvi uma voz:...”. Aqui fica evidente, por demais, o fato de Jó ter percebido um espírito; entretanto, os não comprometidos com a verdade, mas com seus próprios dogmas, mudam a palavra “um espírito” por “um sopro” (Bíblias: Vozes, Ave Maria, Paulus) ou por “um vento” (Bíblia Pastoral). Lamentável! Um conselho de Jó: Jó 8,8-10: “Consulte as gerações passadas e observe a experiência de nossos antepassados. Nós nascemos ontem e não sabemos nada. Nossos dias são como sombra no chão. Os nossos antepassados, no entanto, vão instruílo e falar a você com palavras tiradas da experiência deles”. Mesmo não sendo o sentido que iremos dar, é, por sinal, um sábio conselho, pois os nossos antepassados podem nos orientar com suas experiências pessoais, de modo que não venhamos a errar em coisas que poderemos ter conhecimento para fazer da forma certa. Considerando que àquela época havia muito pouca coisa escrita, como consultar as gerações passadas se seus componentes já morreram e levaram para o sepulcro seus conhecimentos? Simples: Evocando-os para lhes consultar o espírito, e, evidentemente, estamos falando aos que acreditam na possibilidade da comunicação com os mortos. Aos que não acreditam, perguntaremos: Teria algum sentido Moisés proibir de se comunicar com os mortos se isso não existisse ou não fosse possível? Muitos acreditam que o homem ainda vem pagando pelo pecado de Adão e Eva; e disso tiram que os filhos pagam pelos erros dos pais; mas Jó parece não concordar com isso: Jó 21,19-21: “Dizem que Deus castiga os filhos do injusto! Ora, faça que o injusto mesmo pague e aprenda: que veja com seus próprios olhos a desgraça, e beba a ira do Todo-poderoso. Pois, o que lhe importa a sua família depois de morto, quando o tempo de sua vida tiver chegado ao fim?” Pena que, em sua justificativa, Jó demonstra não acreditar na vida após a morte, evidenciando uma posição incontestavelmente materialista: “morreu acabou”. Um ponto fundamental levantado por Jó, mas, infelizmente, ainda não assimilado pela grande maioria das pessoas: Jó 34,11-12: “Deus paga ao homem conforme as suas obras e retribui a cada um conforme a sua conduta. Deus, na verdade, não age de modo injusto. O Todo-poderoso nunca viola o direito”. E mesmo assim, alguns ainda acham que, por pertencerem a determinada corrente religiosa ou por aceitarem Jesus como seu Senhor e salvador, já estejam salvos. Doce ilusão! A justiça é clara: “a cada um segundo suas obras” (Mt 16,27). Diante da afirmação acima de que Deus “retribui a cada um conforme sua conduta”, como explicar que alguém tenha nascido aleijado se “Deus corrige o homem também com o sofrimento na cama” (Jó 33,19)? Explicação lógica somente se acreditarmos na pré-existência do espírito e na reencarnação; aliás, para nós, é o grande problema insolúvel de Jó: mesmo justo ainda sofre. Como não podiam atribuir esse sofrimento a Deus, por ser injusto, inventaram esse “teste de paciência”. A falta de conhecimento das leis da natureza fazia com que o povo hebreu atribuísse a uma atitude de Deus determinados fenômenos naturais como, por exemplo: Jó 36,32-33: “Enche as mãos com raios e atira-os no alvo certo. O trovão anuncia a chegada dele, e a sua ira se acende com a injustiça”. E ainda há quem diga que a Bíblia é totalmente de inspiração divina. Ô, coitado! Mas a coisa fica bem pior, quando atribuem solidez ao céu (firmamento): Jó 37,18: “Por acaso você já estendeu com ele o firmamento, sólido como espelho de metal fundido?” A palavra firmamento vem de firme, já que acreditavam que o céu, esse azul que vemos acima de nossas cabeças, era totalmente sólido. Para o povo hebreu havia de ser assim, pois era a única maneira de explicar a existência das águas que caíam por ocasião das chuvas, já que não conheciam o fenômeno da evaporação da água. É interessante observarmos que em Gêneses já encontramos essa idéia: Gn 1,6-8: “Deus disse: ‘Que exista um firmamento no meio das águas para separar águas de águas!’ Deus fez o firmamento para separar as águas que estão acima do firmamento das águas que estão abaixo do firmamento. E assim se fez. E Deus chamou ao firmamento ‘céu’...". Essa é também mais uma das inúmeras passagens que não podemos atribuir como sendo de inspiração divina, já que são evidentemente frutos da cultura daquela época. Muito curioso é que algumas passagens sugerem a idéia da préexistência da alma, bem como, a reencarnação, como essa, por exemplo: Jó 38,21: “Certamente você sabe disso tudo, pois já então havia nascido e já viveu muitíssimos anos”. Como alguém poderia ter vivido muitíssimos anos senão reencarnando várias vezes? Se alguém nos descrevesse um animal dessa forma: Suas costas são fileiras de escudos, ligados com lacre de pedra; são tão unidos uns com os outros, que nem ar passa entre eles; cada um é tão ligado com o outro, que ficam travados e não se podem separar. Seus espirros lançam faíscas, e seus olhos são como a cor rosa da aurora. De sua boca irrompem tochas acesas e saltam centelhas de fogo. De suas narinas jorra fumaça, como de caldeira acesa e fervente. Seu bafo queima como brasa, e sua boca lança chamas. Em seu pescoço reside a força, e diante dele dança o terror. Que idéia nós iríamos ter desse animal? Exato: um dragão! Pois é, caro leitor, na Bíblia há a descrição de um animal assim... Veja: Jó 40,25-41,26: “Por acaso você é capaz de pescar o Leviatã com anzol e amarrar-lhe a língua com uma corda? Você é capaz de furar as narinas dele com junco e perfurar sua mandíbula com gancho? Será que ele viria até você com muitas súplicas ou lhe falaria com ternura? Será que faria uma aliança com você, para você fazer dele o seu criado perpétuo? Você brincará com ele como se fosse um pássaro, ou você o amarrará para suas filhas? Será que os pescadores o negociarão, ou os negociantes o dividirão entre si? Poderá você crivar a pele dele com dardos ou a cabeça com arpão de pesca? Experimente colocar a mão em cima dele: você se lembrará da luta, e nunca mais repetirá isso! Veja! Diante dele, toda segurança é apenas ilusão, pois basta alguém vê-lo para ficar com medo. Ninguém é tão corajoso para provocá-lo. Quem poderia enfrentá-lo cara a cara? Quem jamais se atreveu a desafiá-lo, e saiu ileso? Ninguém debaixo de todo o céu. Não deixarei de descrever os membros dele, nem sua força incomparável. Quem abriu sua couraça e penetrou por sua dupla armadura? Quem abriu as duas portas de sua boca, rodeadas de dentes terríveis? Suas costas são fileiras de escudos, ligados com lacre de pedra; são tão unidos uns com os outros, que nem ar passa entre eles; cada um é tão ligado com o outro, que ficam travados e não se podem separar. Seus espirros lançam faíscas, e seus olhos são como a cor rosa da aurora. De sua boca irrompem tochas acesas e saltam centelhas de fogo. De suas narinas jorra fumaça, como de caldeira acesa e fervente. Seu bafo queima como brasa, e sua boca lança chamas. Em seu pescoço reside a força, e diante dele dança o terror. Os músculos do seu corpo são compactos, são sólidos e imóveis. Seu coração é duro como rocha e sólido como pedra de moinho. Quando ele se ergue, os heróis tremem e fogem apavorados. A espada que o atinge não penetra, nem a lança, nem o dardo, nem o arpão. Para ele o ferro é como palha, e o bronze como madeira podre. A flecha não o afugenta, e as pedras da funda se transformam em palha para ele. A maça é para ele como estopa, e ele zomba dos dardos que assobiam. Seu ventre, coberto de escamas pontudas, é uma grade de ferro que se arrasta sobre o lodo. Ele faz ferver o fundo do mar como caldeira, e a água fumegar como vasilha quente cheia de ungüentos. Atrás de si deixa uma esteira brilhante, e a água parece cabeleira branca. Na terra ninguém se iguala a ele, pois foi criado para não ter medo. Ele se confronta com os seres mais altivos, e é o rei das feras soberbas". Vejamos como nos explicam a palavra Leviatã: Leviatã (ou também o Dragão, a Serpente Fugitiva – cf. 26,13; 40,25+; Is 27,1; 51,9; Am 9,3; Sl 74,14; 104,26) era, na mitologia fenícia, monstro do caos primitivo (cf. 7,12+); a imaginação popular podia sempre recear que despertasse, atraído por uma eficaz maldição contra a ordem existente... (Bíblia de Jerusalém, p. 805). Assim, vemos aqui que a cultura de outros povos está influenciando um autor bíblico. Daí concluirmos que realmente não dá para aceitar que a inspiração divina seja responsável por isso. Vamos agora analisar a última passagem do livro de Jó: Jó 42,12-15: “E Javé abençoou a Jó, mais ainda do que antes. Ele possuía agora catorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de bois e mil jumentas. Teve sete filhos e três filhas: a primeira chamava-se Rola, a segunda Cássia e a terceira Azeviche. Em toda a terra não havia mulheres mais belas do que as filhas de Jó. E o seu pai repartiu a herança entre elas e os irmãos delas”. Esse final glorioso do livro de Jó é deveras muito intrigante, pois, enquanto os seus filhos continuaram na mesma quantidade, os seus bens duplicaram em relação à sua situação anterior, veremos isso comparando Jó 1,2 com 42,13 e Jó 1,3 com 42,12, respectivamente. Será que ter bens terrenos é mais importante que ter filhos, uma vez que a quantidade de filhos permaneceu a mesma, enquanto que seus bens – ovelhas, camelos, bois e jumentas -, foram duplicados? Essa é a comparação que falamos, quando analisamos a passagem Jó 1,2-5. Outra coisa: para o povo judeu a mulher não tinha nenhum valor; por isso é estranha a citação dos nomes das filhas de Jó, quando o esperado, se fosse para citar algum nome, seriam os dos seus filhos. Por outro lado, elas só receberiam a herança na falta daqueles, conforme está determinado em Nm 27,8. Por essa passagem fica confirmado que a idéia de uma vida após a morte ainda não era pensamento comum; daí suporem que as bênçãos de Deus deveriam ser dadas em bens terrenos e não em bens espirituais, ou seja, para uma vida no plano espiritual. De certa forma a nossa opinião já foi dada no desenrolar deste estudo; por isso, vamos, por termos achado fantástica, transcrever a opinião de Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin, tradutores da Bíblia Sagrada – Edição Pastoral, publicação da Paulus: (...) percebemos que o livro de Jó é uma crítica de toda teologia que se pretenda definitiva e universal. Essa teologia pode se tornar um verdadeiro obstáculo para a própria experiência de Deus. E aqui o autor dá o seu recado: É preciso pensar a religião a partir da experiência de Deus e não de uma teoria a respeito dele. (...) O livro é um convite para nos libertar da prisão das idéias feitas e continuadamente repetidas, a fim de entrar na trama da vida e da história, onde Deus se manifesta ao pobre e se dispõe a caminhar com ele para construir um mundo novo. Tal solidariedade de Deus se transforma em desafio: Estamos dispostos a abandonar nossas tradições teológicas para nos solidarizar com o pobre e fazer com ele a experiência de Deus? (p. 639). Como se diz popularmente: falou pouco e disse tudo. Satanás – ser ou não ser, eis a questão. Tentaremos fazer uma pesquisa sobre esse tema, para ver se realmente tal ser existe ou não. Primeiramente, devemos buscar conhecer sua origem. No livro A História da Bíblia, Hendrik Willem Van Loon, com tradução de Monteiro Lobato, Ed. Cultrix, Cap. XVIII - Judéia, Província Grega, encontramos: Durante a longa residência na Pérsia, os judeus travaram conhecimento com um novo sistema religioso. Os persas seguiam um grande mestre de nome Zaratustra, ou Zoroastro. Zaratustra considerava a vida como uma eterna luta entre o Bem e o Mal. O deus do Bem, Ormuzd, estava sempre em guerra com o deus do Mal e da ignorância - Ariman. Ora, isto era uma idéia nova para a maior parte dos judeus. Até então haviam eles reconhecido a um senhor único, ao qual deram o nome de Jeová. Quando as coisas corriam mal, quando eles eram derrotados nas batalhas ou assolados por moléstias, invariavelmente atribuíam o desastre à falta de devoção do povo. A idéia de que o pecado proviesse de interferência dum espírito do mal, nunca lhes ocorrera. A própria serpente no Paraíso parecia-lhes menos culpada que Adão e Eva, os quais conscientemente haviam desobedecido à vontade divina. Sob a influência das doutrinas de Zaratustra, os judeus começaram a crer na existência dum espírito que procurava desfazer a obra de Jeová. A esse adversário deram o nome de Satã. Passaram a odiá-lo e temê-lo, e no ano 331 convenceram-se de que Satã andava pela terra. (VAN LOON, 1981, p. 122). Informação importantíssima, traz-nos Hendrik, pois agora sabemos que a cultura persa acabou por influenciar os nossos antepassados no tocante à existência de satanás (letra minúscula é proposital). A primeira vez que essa palavra aparece na Bíblia é em 1Cr 21,1. Entretanto, a esse respeito podemos citar as observações do Dr. Severino Celestino da Silva, autor do livro Analisando as Traduções Bíblicas, no qual expõe o seguinte: Uma outra observação interessante é que o livro de Samuel foi escrito antes da influência persa no ano de 622 a.C. e, no II livro de Samuel em seu capítulo 24:1, você lê com relação ao Recenseamento de Israêl o seguinte: ‘A cólera de IAHVÉH se inflamou novamente contra Israêl e excitou David contra eles, dizendo-lhe; Vai recensear Israêl e Judá’. Agora veja esta mesma passagem no I livro das Crônicas, que foi escrito no começo do ano 300 a.C., portanto, já sob a influência do Zoroastrismo persa, com o já conhecimento de ‘Ahriman’ – ‘Satanás’. No capítulo 21:1 desse livro, está escrito: Recenseamento: ‘e levantou-se Satã contra Israêl, e excitou David a fazer o recenseamento de Israêl’. Portanto, o que era IAHVÉH no livro de Samuel aparece agora no livro das Crônicas como SATANÁS. (Confira em sua Bíblia). Assim, está evidenciado que Satanás não é um conceito original da Bíblia, e sim, introduzido nela, a partir do Zoroastrismo Persa. (SILVA, 2001, pp. 278-279). Desta forma, a prova da incorporação da cultura religiosa persa se nos apresenta de maneira clara. E, a título de informação, o domínio persa sobre os judeus se deu no período de 539 a 400 a.C. Seguindo, vamos encontrá-lo novamente no livro de Jó, que narra: Jó 1,6-12: “Certa vez, foram os filhos de Deus apresentar-se ao Senhor; entre eles veio também Satanás. O Senhor, então, disse a Satanás: ‘Donde vens?’ –‘Dei umas voltas pela terra, andando a esmo’, respondeu ele. O Senhor lhe disse: ‘Reparastes no meu servo Jó? Na terra não há outro igual: é um homem íntegro e reto, teme a Deus e se agasta do mal’. Satanás respondeu ao Senhor: ‘Mas será por nada que Jó teme a Deus? Porventura não levantaste um muro de proteção ao redor dele, de sua casa e de todos os seus bens? Abençoastes seus empreendimentos e seus rebanhos cobrem toda a região. Mas estende a mão e toca em todos os seus bens: eu te garanto que te lançará maldições em rosto!’ Então o Senhor disse a Satanás: ‘Pois bem, tudo o que ele possui, eu o deixo em teu poder, mas não estendas a mão contra ele!’ Mas Satanás saiu da presença do Senhor”. Informam-nos os tradutores da Bíblia Sagrada Vozes, em nota de rodapé, que “Satanás não é o demônio da concepção cristã, mas mero personagem funcional da narrativa” (p. 634). Deduzimos, pela informação, que não se trata, portanto, de um ser. Por volta do ano 520 a.C., em pleno domínio persa, aparece no cenário bíblico o profeta Zacarias. Em seu livro encontramos mais uma vez referência a satanás; vejamos: “Ele me fez ver o sumo Sacerdote Josué, que estava de pé diante do anjo do Senhor, e Satã, que estava de pé à sua direita para acusá-lo” (Zc 3,1). Os mesmos tradutores citados há pouco nos dão a seguinte informação: “Satã não é ainda o Espírito do Mal ou o Demônio da concepção cristã. Não é uma pessoa, mas antes alguém que exerce uma função, a de contradizer a Deus; só aos poucos é visto como um ser pessoal” (p. 1161). Confirmam o que disseram anteriormente, mas agora de uma maneira ainda mais clara que não permite outro tipo de interpretação. É muito comum citarem numa passagem de Isaías 14, como uma referência a satanás. Vejamo-la: Is 14,12-15: “Como caíste do céu, ó estrela d’alva, filho da aurora! Como foste atirado à terra, vencedor das nações! E, no entanto, dizias no teu coração: ‘Subirei até o céu, acima das estrelas de Deus colocarei o meu trono, estabelecer-me-ei na montanha da Assembléia, nos confins do norte. Subirei acima das nuvens, tornar-me-ei semelhante ao Altíssimo’. E, contudo, foste precipitado ao Xeol, nas profundezas do abismo”. Na publicação “Mundo Novo”, Bíblia usada pelos protestantes, nós encontramos, em nota de rodapé dos tradutores (p. 866), que seria uma referência a satanás. Já na Bíblia Sagrada Vozes, de orientação católica, a nota diz que essa passagem é “provavelmente uma alusão a um mito cananeu. Há diversos paralelismos com textos da literatura ugarítica, descobertos em Rãs-Shamra” (p. 903). Esse trecho pode estar relacionado ao mito cananeu; entretanto, importante dizer que ele, na verdade, é uma sátira que Deus manda Isaías fazer ao rei da Babilônia, conforme podemos verificar no início do texto (13,1 e 14,4). Assim, o contexto não autoriza ninguém a atribuir tal referência a alguém a não ser ao rei da Babilônia. Igual procedimento fizeram em relação a Ezequiel 28,11-15, que, também, não se refere a satanás, mas a uma lamentação (canto de tristeza) que Deus ordena que se faça sobre o rei de Tiro (v. 12). O sentido correto de que satanás quer dizer adversário, podemos confirmar em Mateus: Mt 16,21-23: "E Jesus começou a mostrar aos seus discípulos que devia ir a Jerusalém, e sofrer muito da parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos doutores da Lei, e que devia ser morto e ressuscitar ao terceiro dia. Então Pedro levou Jesus para um lado, e o repreendeu, dizendo: ‘Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!’ Jesus, porém, voltou-se para Pedro, e disse: ‘Fique longe de mim, Satanás! Você é uma pedra de tropeço para mim, porque não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens!’". Por essa passagem podemos ver que Cristo não estava dizendo que Pedro estava com satanás, mas que ele estava exercendo a função de adversário, que expressa o verdadeiro conteúdo semântico dessa palavra. Podemos até ressaltar que em momento algum Jesus expulsou satanás de alguém, mas somente "demônios", ou seja, espíritos maus, provando desta forma que ele não é um ser como querem os teólogos. Vejamos, agora, a análise mais completa que o Dr. Severino Celestino faz em seu livro Analisando as Traduções Bíblicas: Satanás Satanás é uma figura muito controvertida na Bíblia. A palavra ‘Satã’ significa acusador. Aparece, pela primeira vez no livro de Jó, sendo como um promotor celestial. A sua intimidade com Deus e o direito de entrar no ‘Céu’, de ir e vir livremente e dialogar com Ele, torna-o uma figura de muito destaque. Veja o livro de Jó 1:6 ‘Um dia em que os filhos de Deus se apresentaram diante do Senhor, veio também Satanás entre eles’. O livro de Jó foi escrito depois do Exílio Babilônico. Sabemos que o povo judeu, tendo retornado a Israel com a permissão de Ciro, rei persa, no ano de 538 a.C., assimilou muitos costumes dos persas. Isso ocorreu devido à simpatia e apoio que receberam do rei, que inclusive permitiu a construção do Segundo Templo judaico e ainda devolveu muitos de seus tesouros, que haviam sido roubados. A religião dos persas, o Zoroastrismo, influenciou sobremaneira o judaísmo. No Zoroastrismo, existe o Deus supremo ‘Ahura-Mazda’ que sofre a oposição de uma outra força poderosa, conhecida como ‘Angra Mainyu, ou Ahriman’, ‘o espírito mau’. Desde o começo da existência, esses dois espíritos antagônicos têm-se combatido mutuamente. O Zoroastrismo foi uma das mais antigas religiões a ensinar o triunfo final do bem sobre o mal. No fim, haverá punição para os maus, e recompensa para os bons. E foi do Zoroastrismo que os judeus aprenderam a crença em um ‘Ahriman’, um diabo pessoal, que, em hebraico, eles chamaram de ‘Satanás’. Por isso, o seu aparecimento na Bíblia só ocorre no livro de Jó e nos outros livros escritos após o exílio Babilônico, do ano de 538 a.C. para cá. Nestes livros, já aparece a influência do Zoroastrismo persa. Observe ainda que a tentação de Adão e Eva é feita pela serpente e não por Satanás, demonstrando assim, que o escritor do Gênesis não conhecia Satanás. Os sábios judaicos interpretando o Eclesiastes 10:11, afirmam (Pirkei de Rabi Eliezer 13), que na verdade, a cobra que seduziu Adão e Eva era o Anjo Samael que apareceu na terra sob forma de serpente. E que Ele é conhecido como o ‘dono da língua’. O Anjo Samael, que apareceu sob a forma de serpente, usou sua língua, e este poder pode ser usado somente para dominar o sábio. Ele não pode prevalecer sobre um ignorante. Uma outra observação interessante é que o livro de Samuel foi escrito antes da influência persa no ano de 622 a.C. e, no II livro de Samuel em seu capítulo 24:1, você lê com relação ao Recenseamento de Israêl o seguinte: ‘A cólera de IAHVÉH se inflamou novamente contra Israêl e excitou David contra eles, dizendo-lhe; Vai recensear Israêl e Judá’” Agora veja esta mesma passagem no I livro das Crônicas, que foi escrito no começo do ano 300 a.C., portanto, já sob a influência do Zoroastrismo persa, com o já conhecimento de ‘Ahriman’ – ‘Satanás’. No capítulo 21:1 desse livro, está escrito: Recenseamento: ‘e levantou-se Satã contra Israêl, e excitou David a fazer o recenseamento de Israêl’. Portanto, o que era IAHVÉH no livro de Samuel aparece agora no livro das Crônicas como SATANÁS. (Confira em sua Bíblia). Assim, está evidenciado que Satanás não é um conceito original da Bíblia, e sim, introduzido nela, a partir do Zoroastrismo Persa. Passa a existir a partir daí, ‘uma lenda’ entre o povo judeu de que Satanás é considerado como o rei dos demônios, que se rebelara contra Deus sendo expulso do céu. Ao exilar-se do céu, levou consigo uma hoste de anjos caídos, e tornou-se seu líder. A rebelião começou quando ele, Satanás, o maior dos anjos, com o dobro de asas, recusou prestar homenagem a Adão. Afirmam ainda que esteve por trás do pecado de Adão e Eva, no Jardim do Éden, mantendo relação sexual com Eva, sendo portanto, pai de Caim. Ajudou Noé a embriagar-se com vinho e tentou persuadir Abraão a não obedecer a deus no episódio do sacrifício do seu filho Isaac. Muitas pessoas acreditam no poder de Satanás e até o enaltecem em suas igrejas, razão pela qual, acharmos que seriam fechadas muitas igrejas se os seus dirigentes deixassem de acreditar em Satanás. (SILVA, 2001, pp. 277-283). Endossamos essas últimas palavras do Dr. Severino. Somente pessoas retrógradas ou de mente fechada é que podem acreditar na existência de duas potências – a do bem e a do mal - a lutar perpetuamente pela “posse” das almas. De duas uma: ou Deus é tudo ou não é nada. Como não admitimos a segunda hipótese, temos convicção que Deus é tudo. E tudo o que existe é criação sua, e como Deus não criaria o mal, pressupomos que o mal é temporário. Por outro lado, não poderia criar um ser perfeito que posteriormente viesse a decair, pois, assim, chegaríamos à conclusão de que Deus não o teria criado sem defeito. Ora, sendo o Criador a perfeição absoluta, tudo que faz é perfeito por natureza e origem. Mas o homem, ainda não compreendendo a grandeza de Deus, vem, infelizmente, perpetuando esse dualismo entre o bem e o mal, principalmente no meio das religiões cristãs tradicionais. Erro teológico, que a nosso ver é grave, pois é com esse pensamento, que sustentam uma pedagogia negativa, querendo que seus fiéis façam o bem somente por medo do “tridente de satanás”, ao invés, do que seria óbvio e lógico, fazer o bem por amor ao Pai Celestial. Jonas e a baleia Quanto mais estudamos a Bíblia, mais nos convencemos que ela não é mesmo a palavra de Deus, muito embora possa ter uma coisa ou outra que realmente seja. Partimos do pressuposto de que para um ensinamento ter como origem a divindade ele não poderá ser ambíguo de forma a levar as pessoas a não se entenderem sobre o seu sentido. Espinosa, célebre filósofo do século XVII, muito lucidamente, disse que se a Bíblia fosse um livro de grandes mistérios ela só seria entendida pelos eruditos, ficando sem entendê-la a massa de fiéis; assim, precisaríamos de uma academia de sábios para decifrá-la para nós outros. É muito interessante, conforme iremos ver mais à frente, como se instala uma verdadeira balbúrdia, quando buscamos a opinião de vários autores sobre determinada passagem bíblica, inclusive, umas contradizendo as outras; é um verdadeiro caos. Veremos, neste estudo, a história de uma pessoa que foi engolida por uma baleia (ou peixe grande?) que, depois de três dias, foi regurgitada na praia. Isso nos parece ser ocorrência única, pois não nos lembramos de ter ouvido falar de outro caso igual. Vejamos o relato bíblico: Jn 1,1-16: “A palavra de Iahweh foi dirigida a: Jonas, filho de Amati: 'Levanta-te, vai a Nínive, a grande cidade, e anuncia contra ela que a sua maldade chegou até mim'. E Jonas levantou-se para fugir para Társis, para longe da face de Iahweh. Ele desceu a Jope e encontrou um navio que ia para Társis, pagou a passagem e embarcou para ir com eles para Társis, para longe da face de Iahweh. Mas Iahweh lançou sobre o mar um vento violento, e houve no mar uma grande tempestade, e o navio estava a ponto de naufragar. Os marinheiros tiveram medo e começou a gritar cada qual para o seu deus. Lançaram ao mar a carga para aliviar o navio. Jonas, porém, havia descido para o fundo do navio, tinha-se deitado e dormia profundamente. O comandante do navio aproximou-se dele e lhe disse: 'Como podes dormir? Levanta-te, invoca o teu Deus! Talvez Deus se lembre de nós e não pereceremos'. E eles diziam uns aos outros: 'Vinde, lancemos sortes para saber por causa de quem nos acontece esta desgraça'. Eles lançaram as sortes e a sorte caiu sobre Jonas. E lhe disseram então: 'Conta-nos qual é a tua missão, donde vem, qual a tua terra, a que povo pertences'. Ele lhes disse: 'Sou hebreu e venero a Iahweh, o Deus do céu, que fez o mar e a terra'. Então os homens foram tomados por grande temor e lhe disseram: 'Que é isto que fizeste?' Pois os homens sabiam que ele fugia para longe da face de Iahweh, porque lhes tinha contado. Eles lhe disseram: 'Que te faremos para que o mar se acalme em torno de nós?' Pois o mar se tornava cada vez mais tempestuoso. Ele lhes disse: 'Tomai-me e lançai-me ao mar e o mar se acalmará em torno de vós, porque eu sei que é por minha causa que esta grande tempestade se levantou contra vós'. Então os homens remaram para atingir a terra, mas não puderam, pois o mar se tornava cada vez mais tempestuoso contra eles. Eles invocaram então a Iahweh e disseram: 'Ah! Iahweh, não queremos perecer por causa da vida deste homem! Mas não ponhas sobre nós o sangue inocente, pois tu agiste como quiseste'. E tomaram Jonas e o lançaram ao mar e o mar cessou o seu furor. Os homens foram então tomados por um grande temor para com Iahweh, ofereceram um sacrifício a Iahweh e fizeram votos!”. Jn 2,1-11: “E Iahweh determinou que surgisse um peixe grande para engolir Jonas. Jonas permaneceu nas entranhas do peixe três dias e três noites. Então orou Jonas a Iahweh, seu Deus, das entranhas do peixe. Ele disse: 'De minha angústia clamei a Iahweh, e ele me respondeu; do seio do Xeol pedi ajuda, e tu ouviste a minha voz. Lançaste-me nas profundezas, no seio dos mares, e a torrente me cercou, todas as tuas ondas e as tuas vagas passaram sobre mim: E eu dizia: Fui expulso de diante de teus olhos. Todavia, continuo a contemplar o teu santo Templo! As águas me envolveram até o pescoço, o abismo cercou-me, e a alga enrolou-se em volta de minha cabeça. Eu desci até às raízes das montanhas, à terra cujos ferrolhos estavam atrás de mim para sempre. Mas tu fizeste subir da fossa a minha vida, Iahweh, meu Deus. Quando minha alma desfalecia em mim, eu me lembrei de Iahweh, e minha prece chegou a ti, até o teu santo Templo. Aqueles que veneram vaidades mentirosas abandonam o seu amor'. Quanto a mim, com cantos de ação de graças, oferecer-te-ei sacrifícios e cumprirei os votos que tiver feito: a Iahweh pertence a salvação! Então Iahweh falou ao peixe, e este vomitou Jonas sobre a terra firme”. (Bíblia de Jerusalém). Antes de mostrar as opiniões sobre se essa passagem é um fato real ou ficção, vamos ver dois versículos especiais. No capítulo 2, o versículo 3 é divergente nas várias bíblias (Barsa, de Jerusalém, Vozes, Santuário, Paulinas, Ave Maria, do Peregrino e a Anotada), nas quais encontramos os termos: ventre do inferno (uma vez); do seio do xeol (duas vezes); do meio da morada dos mortos (duas vezes); desde o ventre do sepulcro (uma vez) e do ventre do abismo (duas vezes). O que nos leva a concluir que Jonas não dizia do ventre do peixe, mas pensava estar no lugar para onde se acreditava iam todos os mortos. Isso pode ser facilmente confirmado pelo versículo 6, quando o termo usado foi abismo (seis vezes) e oceano (duas vezes), que não tem nada a ver com estar no ventre de algum peixe. Agora, vejamos algumas opiniões que a coloca como fato não histórico: Este livro não é uma profecia, mas a história de determinada missão de Jonas a Nínive. Ainda se discute sobre seu gênero literário que parece ser didático. O Espírito Santo, por meio do autor inspirado, narra uma história fictícia para ensinar que Deus governa todas as criaturas inclusive os homens, mesmo quando estes não querem obedecer, e que as profecias de castigos futuros visam principalmente a conversão dos interessados mesmo que estes sejam pagãos, além de outros muitos ensinamentos que vão aparecendo no desenrolar da história. (Bíblia Barsa, p. 748). O livro de Jonas não contém oráculos proféticos, mas uma narração envolvendo a pessoa de um tal de Jonas filho de Amati. O livro refere-se provavelmente ao mesmo Jonas mencionado em 2Rs 14,25. Não se trata, porém, de um relato histórico. O livro de Jonas pertence ao gênero literário midráxico e é um ensinamento didático de caráter sapiencial. (Bíblia Vozes, p. 1137). O livro não é histórico. É evidente que há muitas coisas improváveis. Tampouco é um livro profético. Somente o nome de seu herói, tirado de 2Rs 14,25, e a missão a ele confiada o fizeram entrar no rol dos profetas. O estilo, o vocabulário, os aramaísmos levam a pensar no período pós-exílico. A maioria dos autores pensa no V Século. O Salmo 2,3-10 é um acréscimo. O livro constitui uma sátira, impregnada de humor sorridente, mas eficaz, do profetismo e de sua mensagem, bem como da consciência israelita educada pelos profetas. [...] (Dicionário Bíblico Universal, p. 431). Muitos perguntam a si mesmos se é preciso tomar à letra a narrativa maravilhosa de Jonas. Com São Gregório Nazianzeno, cremos que é preciso ver aí um ensinamento religioso velado sob as formas de uma parábola. (Bíblia Ave Maria, p. 41). A parábola de Jonas nos oferece um grande ensinamento, por meio de uma ironia sustentada, que num ponto chega a sarcasmo, e conclui com uma pergunta desafiadora. Jonas é o antiprofeta que não quer ir aonde o Senhor o envia, nem dizer o que lhe ordena. Assim se torna o mau, enquanto que os bons são primeiro os marinheiros pagãos, depois os ninivitas agressores. Jonas tem de enfrentar os inimigos mitológicos, o mar e o cetáceo, e aprender que o Senhor os controla e os submete a seu serviço. (Bíblia do Peregrino, p. 2228). Entretanto, contrariamente, outras opiniões nos dão conta que esse relato é histórico; leiamos: História ou Alegoria. Alguns consideram este livro uma alegoria, escrito por volta de 430 a.C. para combater o exclusivismo de Esdras e Neemias. Sob esta ótica, Jonas representa a nação israelita desobediente; o mar representa os gentios; o grande peixe, Babilônia; os três dias no ventre do peixe, o cativeiro dos judeus em Babilônia. De acordo com 2Rs 14:25, entretanto, além de ser uma pessoa real, Jonas foi também um profeta nacionalmente reconhecido e oriundo de GateHefer, próximo a Nazaré. Além disso, Jesus tratou Jonas e sua experiência no ventre do peixe como fato histórico (Mt 12,39-41). E, naturalmente, o livro apresenta um relato histórico direto e simples. Isso não exclui a presença de lições, através de tipos, ilustrados pelos incidentes históricos. (Bíblia Anotada, p. 1126). Seria, portanto – pode-se perguntar – o livro de Jonas uma parábola, e não o relato de fatos realmente ocorridos? É o que pensam hoje muitos, fora da Igreja católica e também alguns de seus membros. Mas não se apresentam razões decisivas para essa afirmação. Aquilo que a obra nos conta de maravilhoso, não constitui dificuldade para quem admite, como se deve admitir, a possibilidade do milagre. O fim didático funda a possibilidade, não a necessidade de uma ficção literária. Os fatos reais têm igualmente força para instruir a mente e maior eficácia para mover a vontade. Estando assim neste ponto as conclusões, não é de prudência cristã duvidar da realidade histórica dos fatos, levada em conta pelo próprio Jesus. (Bíblia Paulinas, pp. 1000-1001). Apesar de aqui se apelar para a veracidade, usando como argumento o fato de Jesus ter citado essa passagem, encontramos, ainda sem sair do âmbito dos tradutores, considerações contrárias a essa alternativa para se afirmar sobre a realidade da narrativa: O fato de ter N. Senhor se referido à pregação de Jonas e à sua estadia no ventre de um peixe, como tipo ou prefiguração de sua própria pregação (Mt 12,39-41; 16,4; Lc 11,29-32), não é argumento para provar que esta história não seja uma simples parábola, pois para a existência de um tipo bíblico (q.v) basta a realidade literária como se vê claramente na Hebr 7,3, onde Melquisedec é apresentado como tipo do Messias por não ter sido (apenas literariamente) princípio nem fim. Aparece Jonas com freqüência pintado nas catacumbas como tipo de Jesus Cristo. (Dicionário Prático da Bíblia Barsa, p. 149). Em Mt 12,31 e Lc 11,29-42, Nosso Senhor apresentará como exemplo a conversão dos ninivitas e Mt 12,30 verá em Jonas encerrado no ventre do monstro uma figura da permanência de Cristo no sepulcro. Este uso da história de Jonas não deve ser tomado como prova de sua historicidade: Jesus utiliza este apólogo do Antigo Testamento como os pregadores cristãos se servem das parábolas do Novo; em ambos os casos existe a mesma preocupação de ensinar por meio de imagens familiares aos ouvintes, sem emitir nenhum juízo sobre a realidade dos fatos. (Bíblia de Jerusalém, pp. 1252-1253). Como dissemos no princípio, ninguém se entende sobre o que efetivamente é a passagem, uma vez que, preocupados em sustentar a verdade da Bíblia, passam, a passos largos, sobre fatos que a razão e a lógica não aceitam como reais. Vale aqui o que Paulo disse aos coríntios: “Quando era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Depois que me tornei homem, fiz desaparecer o que era próprio de criança” (1Cor 13,11). Sempre nos aparece um fundamentalista desesperado em querer provar por “a” mais “b”, que os textos bíblicos são verdadeiros. Para isso, pouco lhe importa a razão e a lógica, desde que seus argumentos, segundo pensa, estejam denotando os daqueles que não acreditam na inerrância bíblica. Vejamos, por exemplo, o que se encontra no Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e “Contradições” da Bíblia: JONAS 1:1- O livro de Jonas é uma história real ou é ficção? PROBLEMA: Os eruditos bíblicos tradicionais sustentaram que o livro de Jonas registra acontecimentos que de fato ocorreram na história. Entretanto, devido a seu estilo literário e à narração de surpreendentes aventuras vividas pelo profeta Jonas, muitos eruditos da atualidade propõem que não se trata de um livro que narra fatos reais, mas sim uma história de ficção com o propósito de comunicar uma mensagem. Os fatos narrados no livro de Jonas realmente aconteceram, ou não? SOLUÇÃO: Há uma boa evidência de que os fatos registrados no livro de Jonas são literais e que aconteceram na vida desse profeta. Primeiro, a tendência de negar a historicidade do livro de Jonas provém de um preconceito contra coisas sobrenaturais. Se é possível acontecer milagres, não há razão alguma para se negar que o livro de Jonas seja histórico. Segundo, Jonas e seu ministério profético são mencionados no livro histórico de 2 Reis (14:25). Se sua profecia sobrenatural é mencionada num livro histórico, por que rejeitar então o aspecto histórico de seu livro? Terceiro, o argumento mais devastador contra a negação da precisão histórica do livro de Jonas é encontrado em Mateus 12:40. Nessa passagem, Jesus prevê a sua própria morte e ressurreição, e provê aos incrédulos escribas e fariseus o sinal que eles lhe pediram. O sinal é a experiência de Jonas. Jesus diz: "Porque assim como esteve Jonas três dias e três noites no ventre do grande peixe, assim o Filho do Homem estará três dias e três noites no coração da terra". Se a história da experiência de Jonas no ventre do grande peixe fosse apenas uma ficção, isso não daria respaldo profético algum ao que Jesus declarava. O motivo de Jesus fazer referência a Jonas era que, se eles não acreditavam na história de Jonas ter estado no ventre do peixe, também não acreditariam na morte, no sepultamento e na ressurreição de Cristo. Para Jesus, o fato histórico de sua própria morte, sepultamento e ressurreição tinha a mesma base histórica de Jonas no ventre do peixe. Rejeitar uma seria o mesmo que rejeitar a outra (cf. Jo 3:12). De igual modo, se cressem numa dessas bases, teriam de crer na outra. Quarto, Jesus prosseguiu mencionando detalhes históricos significativos. A sua própria morte, sepultamento e ressurreição era o sinal supremo que atestaria suas reivindicações. Quando Jonas pregou aos gentios descrentes, eles se arrependeram. Mas achava-se Jesus na presença de seu próprio povo, do povo de Deus, e assim mesmo eles recusavam-se a crer. Portanto, os homens de Nínive se levantariam em juízo contra eles, "porque [os de Nínive] se arrependeram com a pregação de Jonas" (Mt 12:41). Se os eventos do livro de Jonas fossem simplesmente parábolas ou ficção, e não uma história real, então os homens de Nínive na realidade nunca teriam se arrependido, e seu juízo sobre os fariseus impenitentes seria injusto e indevido. Por causa do testemunho de Jesus, podemos ter certeza de que Jonas registra uma história real. Finalmente, há confirmação arqueológica da existência de um profeta de nome Jonas, cujo túmulo encontra-se no Norte de Israel. Adicionalmente, foram desenterradas algumas moedas antigas, com a inscrição de um homem saindo da boca de um peixe. (GEISLER e HOWE, 1999, pp. 315-316). As evidências colocadas pelos autores são de uma inconsistência de causar dó. Somente os fanáticos, que são cegos de entendimento, não percebem isso. O argumento da existência de milagres, reporta-nos à completa falta de conhecimento das coisas que levava os hebreus a reputar como “milagre” tudo quanto era fenômeno da natureza, admirados que ficavam diante deles. O mais simples fenômeno natural que viesse a acontecer de forma a favorecê-los colocava-o como ação divina a seu favor. A respeito disso, interessante o que disse Espinosa (1632-1677): O vulgo, com efeito, pensa que a providência e o poder de Deus nunca se manifestam tão claramente como quando parece acontecer algo de insólito e contrário à opinião que habitualmente faz da natureza, em especial se resultar em seu proveito e vantagem. [...]. O homem comum chama, portanto, milagres ou obras de Deus aos fatos insólitos da natureza e, em parte por devoção, em parte pelo desejo de contrariar os que cultivam as ciências da natureza, prefere ignorar as causas naturais das coisas e só anseia por ouvir falar do que mais ignora e que, por isso mesmo, mais admira. Isso, porque o vulgo é incapaz de adorar a Deus e atribuir tudo ao seu poder e à sua vontade, sem elidir as causas naturais ou imaginar coisas estranhas ao curso da natureza. Se alguma vez ele admira a potência de Deus, é quando a imagina como que a subjugar a potência natureza. [...] E, de fato, isso agradou de tal maneira aos homens que, até hoje, ainda não param de inventar milagres para fazer crer que Deus os ama a eles mais do que aos outros e que são a causa final que levou Deus a criar e a reger continuamente todas as coisas. De quanta presunção se arroga a insensatez do vulgo, que não tem de Deus nem da natureza um só conceito que seja correto, que confunde as volições de Deus com as dos homens e que, ainda por cima, imagina a natureza de tal modo limitada que acredita ser o homem a sua parte principal! [...] Se, por conseguinte, acontecesse na natureza algo que repugnasse às suas leis universais, repugnaria, necessária e igualmente, ao decreto, ao entendimento e à natureza de Deus; por outro lado, se admitíssemos que Deus faz alguma coisa contrária às leis da natureza, seríamos também obrigados a admitir que Deus age em contradição com a sua própria natureza, o que é um absurdo. (ESPINOSA, 2003, pp. 95-97). Os que, desapaixonadamente, estudam a Bíblia sabem perfeitamente que os autores bíblicos nunca se preocuparam com os relatos históricos. A eles mais interessava o engrandecimento do povo hebreu, tido como “escolhido de Deus”, do que a narração dos fatos como realmente acontecidos. E, como já o dissemos, a falta de conhecimento dos fenômenos da natureza os levava a crer nos maiores absurdos, muitos dos quais são, nos dias de hoje, explicados por argumentos científicos. Por outro lado, conforme já dito por alguns tradutores bíblicos, o fato de Jesus ter citado o prodígio de Jonas não o torna verdadeiro, porquanto o fato de muitos acreditarem numa lenda isso não a torna real. Aqui vale a frase que citamos no início: “Os erros não deixam de ser erros só porque todos os cometem ao mesmo tempo”. (ROBIN LANE FOX). O historiador hebreu Flávio Josefo (37 a 103), também conta esta fábula; entretanto, quanto ao fato de Jonas no ventre do peixe, ele se exime de dar a sua própria opinião, levando-nos a crer que não acreditava nessa lenda. Senão vejamos: Diz-se que uma baleia o engoliu: e depois de ter passado três dias em seu ventre, ela o restituiu vivo e sem ferimento algum à praia do Ponto Euxino onde, depois de ter pedido perdão a Deus, ele foi a Nínive, e anunciou ao povo que ele perderia bem depressa o império da Ásia. (JOSEFO, 1990, pp. 235-236). Esse “diz-se” de Josefo é sintomático: não queria atestar a veracidade do fato. Mas a possibilidade de uma pessoa cair no mar e, dias depois, aparecer na praia não é um fato inacreditável; o que o torna ficção é dizer que ela esteve viva durante três dias no ventre de uma baleia. Eurípedes Martins Araújo, citando Cousteau, diz: “[...] o Sr. Jacques Cousteau, o maior oceanógrafo de nossos tempos, falecido em julho de 1997, afirmou que nenhuma baleia possui a garganta tão grande, capaz de engolir um ser humano; que somente uma garoupa gigante seria capaz disso.” (ARAÚJO, 2000, p. 369). E conclui: Entretanto, será que poderíamos acreditar que um ser humano sobrevivesse, 3 dias e 3 noites, no interior de um peixe? Um texto evangélico afirma que Jesus falou sobre “o prodígio de Jonas”. É bem provável que – se Jesus falou mesmo aquilo – foi valendo-se de uma crença popular, para ensinar alguma coisa. Porém não temos elementos para acreditar nos prodígios atribuídos a Jonas, e nem que realmente Jesus acreditasse naquela história (ARAÚJO, 2000, p. 369). Qual opinião deverá prevalecer? Para desempatar as opiniões citadas, vamos buscar mais uma, mas baseada nos arquivos históricos, fora, portanto, de qualquer dogmatismo religioso: Mas os compiladores dessa grande história nacional não eram historiadores como os entendemos. Muito desleixados quanto ao nome certo de seus senhores de fora. Muito vagos em geografia. Constantemente se referem a lugares que ninguém pode identificar com alguma precisão. E muitas vezes deliberadamente ocultavam o real sentido de suas palavras. Empregavam estranhos símbolos. Referiam-se a uma baleia que engoliu um náufrago e dias depois vomitou em terra firme, querendo dizer que o grande império da Babilônia conquistara a pequena Judá e depois de meio século foi obrigado a libertá-la. Isto seria muito compreensível para os homens de vinte e cinco séculos atrás, mas não é claro para os que, como nós, só conhecem a Babilônia como um árido montão de pedras. (VAN LOON, 1951, p. 103). Ah!, agora, já no final, lembramos de uma ocorrência semelhante à de Jonas; você também, caro leitor, deve conhecê-la pela história de Pinóquio que salva seu “pai”, o carpinteiro Gepeto, de dentro de uma baleia. Nascido de uma virgem Era costume muito comum de nossos antepassados colocar seus heróis como provindos de nascimentos sobrenaturais, cujas mães eram invariavelmente jovens virgens; ocorrência que também podemos verificar na mitologia de muitos dos povos da antiguidade que falando de deuses que em contato com jovens virgens, geravam semideuses que assumiam a condição de ser humano e divino ao mesmo tempo. Ora, é um fato perfeitamente aceitável, em virtude desses fatores culturais, querer atribuir a Jesus essa condição de nascimento sobrenatural e, como não poderia deixar de ser, nascido de uma virgem. O que não é natural é querer manter, a todo custo, essa visão ingênua ainda nos dias de hoje. Por outro lado, os teólogos sempre quiseram colocar o sexo como coisa impura, motivo pelo qual, Jesus não poderia ter vindo de “forma impura”; não é mesmo? Justifica, de certa maneira, o celibato sacerdotal, ou seja, os “santos” padres não poderiam praticar coisa considerada impura; assim não poderiam se casar. Outro fator, que veio em apoio ao celibato, foi a questão da herança dos padres, que, se casados, não seria incorporada ao patrimônio da instituição religiosa da qual faziam parte, já que teria que ficar com os familiares. Bom; mas isso é uma outra questão; assim, voltemos ao assunto central do texto. Sempre dissemos que, por ser Jesus o primogênito, evidentemente, e pelo contexto cultural da época, já que viviam numa sociedade extremamente machista, Maria, ao se casar com José era indubitavelmente virgem; deste modo podemos considerar Jesus como realmente nascido de uma virgem. Não foi nossa surpresa que ao lermos, recentemente, o livro Sabedoria do Evangelho, de Pastorino, em que esse erudito teólogo desenvolve o mesmo argumento; senão vejamos: A profecia de Isaías afirma que uma virgem conceberá e dará à luz um filho. O termo virgem merece ser estudado. Em hebraico há duas palavras: betulân, que especificava a virgindade como certa; e almâh que exprimia uma oposição, sem garanti-la. Ora, Isaías escreve exatamente almáh. E verificamos que, em Deut. 22:23, a noiva, e mesmo a esposa recém-casada era chamada ne'arah betulâh. Em grego a palavra ???????? exprime o mesmo: virgem, mas em sentido genérico tanto que as moças noivas e também as recém-casadas eram assim chamadas, e isso na própria Bíblia (cfe. Deut. 22:23; 1 Reis 1:2; Ester 2:3). Em todas essas passagens, a palavra virgem designa a moça que é dada a alguém para deitar-se com ele, supondo-se que se trata de uma virgem, isto é, de moça ainda não ligada pelo casamento a um homem. A mesma designação é atribuída a Maria, demonstrando que, ao lhe ser dada como noiva, era virgem, o que é natural e normal. No entanto, em nenhum local dos Evangelhos se diz, nem se supõe, que Maria continuou Virgem depois. Ela era virgem quando concebeu, o que de modo geral ocorre com todas as moças. Esses nossos esclarecimentos não visam a diminuir o respeito e a veneração que todos temos pela Mãe Santíssima de Jesus, pois o fato da virgindade nenhuma importância apresenta diante da espiritualidade. (PASTORINO, 1964, p. 55). Outra coisa que sempre falávamos é quanto à questão do sexo ser impuro. Não admitimos essa hipótese de forma alguma, já que foi Deus que fez o ser humano em duas polaridades; a masculina e a feminina, com órgãos sexuais diferentes. Pensamos que, se o sexo for realmente “pecado”, devemos convir que Deus não foi muito justo conosco, pois, além de criá-lo, ainda por cima coloca prazer no ato sexual; mas de “espada em punho” diz: Se fizer é pecado ou se fizer é coisa impura. Absurdo teológico, que encontra campo fértil somente em cabeça de fanáticos, não de pessoas dadas a utilizar a inteligência, de que Deus dotou a raça humana. Vejamos os argumentos de Pastorino: A IMPOSIÇÃO DIVINA do uso do sexo para manutenção e multiplicação de Sua criação, nos diversos estágios evolutivos (plantas, animais e homens) vem provar que o sexo é SANTO. Não podemos admitir que Deus, Sábio e Bom, tivesse imposto obrigatoriamente as Suas criaturas uma condição que, ao cumpri-la, as tornasse imperfeitas. Se no ato sexual houvesse uma leve imperfeição sequer, ou um sinal de atraso espiritual, esse Deus seria monstruosamente mau, pois teria obrigado Sua criação a ser imperfeita e atrasada, a fim de manter e multiplicar Suas obras. Portanto, compreendendo o ato sexual em si e a maternidade como perfeições altamente espiritualizantes (porque são o cumprimento de uma Lei Divina), achamos que Maria se engrandece perante Deus com a maternidade normal, porque assim dá demonstração de ser fiel e obediente cumpridora da Vontade Divina. Compreendendo bem esse problema, o jesuíta padre Teilhard de Chardin atribui à sexualidade um sentido cósmico e afirma que o mundo não se diviniza por supressões, mas por sublimação, e ainda: que o homem e a mulher tanto mais se unirão a Deus, quanto mais se amarem, não vendo apenas o objetivo admirável mas transitório da reprodução, mas o de dar plena expansão à quantidade do amor, liberado do dever da reprodução. E diz claramente, sem subterfúgios: a mulher é, para o homem, o termo susceptível de impulsionar esse progresso para a frente. Pela mulher, e só pela mulher, pode o homem escapar ao isolamento, no qual sua própria perfeição se arriscaria prendê-lo. (L'énergie humaine, édition Seujl, pág. 93 a 96). Realmente a união sexual dentro do amor é a imagem mais fiel da união do homem com a Divindade, e por isso os místicos denominam essa unificação do homem com Deus de Esponsalício. Na profecia de Isaías, o menino seria chamado ? ?? .Himmanu-El, que significa Deus conosco, exprimindo a grande verdade de que Deus ESTA REALMENTE DENTRO DE NÓS, está CONOSCO. (PASTORINO, 1964, p. 55). A base teológica que usam para a defesa da virgindade de Maria é uma profecia atribuída ao profeta Isaías (7,14) que diz: “Eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e lhe chamará Emanuel”. Essa profecia é tida como se fosse em relação a Jesus; assim, sua mãe deveria ser uma virgem. Vamos fazer uma análise dessa passagem para saber se realmente ela se refere a Jesus. Mas, antes, temos que colocar o início do versículo para uma melhor compreensão da passagem, já que ele é sempre subtraído: “Por isso, o Senhor mesmo vos dará um sinal”. Logo, temos que concluir que Deus estava dando um sinal a alguém; mas quem e por que? Para saber, vamos recorrer às informações constantes em nota de rodapé na Bíblia sobre esse episódio. Diz lá: O reino do Norte (Efraim), cujo rei era Faceia, se aliou a Rason, rei de Aram, numa tentativa de se libertar do perigo assírio. Como o reino do Sul (Judá) não participou da coalizão entre o reino do Norte e Aram, estes dois temeram que Judá se tornasse aliado da Assíria; resolveram então atacar o reino do Sul, para destronar o rei Acaz e colocar no seu lugar o filho de Tabeel, rei de Tiro. Acaz teme o cerco e verifica a reserva de água da cidade. Isaías vai ao seu encontro e o tranqüiliza, mostrando que não haverá perigo, pois continua válida a promessa de que a dinastia de Davi será perene, desde que se coloque total confiança em Javé. O sinal prometido a Acaz é o seu próprio filho, do qual a rainha (a jovem) está grávida. Esse menino que está para nascer é o sinal de que Deus permanece no meio do seu povo (Emanuel = Deus conosco). (Bíblia Pastoral, pp. 954-955). Assim, pelo contexto bíblico e de fato confirmado por essa nota, podemos observar que Deus promete um sinal ao rei Acaz e esse sinal é justamente o seu filho que está para nascer. Fora disso é distorcer a interpretação do texto. Além de que o fato é próximo, e não uma previsão para um acontecimento num futuro longínquo – é bom esclarecer -, já que querem atribuir essa profecia a Jesus. E mais: o nome Jesus (Deus é salvação), diferente de Emanuel (Deus conosco) que é o nome previsto na profecia, divergência que o fanatismo cego não deixa muitos perceberem. Segundo a maioria dos estudiosos bíblicos, como um pouco antes, para exemplo, citamos Tourinho, o termo empregado é almah que significa jovem mulher, não se trata, portanto, de virgindade no sentido físico. Entendemos que algumas pessoas devem reformular o conceito que têm de moral, pois achar que a moral do homem está relacionada a seu órgão sexual é desvirtuar totalmente o significado dessa palavra. Ainda vamos mais longe: achamos que devemos passar por uma ampla revisão todos os conceitos teológicos do passado, já que muitos deles estão impregnados de um egoísmo eclesiástico incomum, onde verdades foram dobradas às conveniências religiosas, visando a todo o custo, dominar a mente dos fiéis; quiçá era desejo dominar toda a humanidade... Intolerância, guerras, cruzadas, inquisição, etc. foram as armas utilizadas pelos religiosos do passado, apoiados pelos teólogos, para impor, a ferro e fogo, suas teorias completamente distorcidas dos ensinamentos de Cristo. A Fuga para o Egito De todos os quatro evangelistas, apenas Mateus fala sobre esse episódio (2,13-23), que teria acontecido com a família de Jesus, cujo teor transcrevemos: “Depois de sua partida, um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse: ‘Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito e fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para o matar’. José levantou-se durante a noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito. Ali permaneceu até à morte de Herodes, para que se cumprisse o que dissera o Senhor por meio do profeta: Eu chamei do Egito meu filho (Os 11,1)”. “Vendo, então, Herodes, que tinha sido enganado pelos magos, ficou muito irado e mandou massacrar em Belém e nos seus arredores todos os meninos de dois anos para baixo, conforme o tempo exato que havia indagado dos magos. Cumpriu-se, então, o que fora dito pelo profeta Jeremias: Em Ramá se ouviu uma voz, choro e grandes lamentos: é Raquel a chorar seus filhos; não quer consolação, porque já não existem! (Jer 31,15)”. “Com a morte de Herodes, o anjo do Senhor apareceu em sonhos a José, no Egito, e disse: ‘Levanta-te, toma o menino e sua mãe e retorna à terra de Israel, porque morreram os que atentavam contra a vida do menino’. José levantou-se, tomou o menino e sua mãe e foi para a terra de Israel. Ao ouvir, porém, que Arquelau reinava na Judéia, em lugar de seu pai Herodes, não ousou ir para lá. Avisado divinamente em sonhos, retirou-se para a província da Galiléia e veio habitar na cidade de Nazaré para que se cumprisse o que foi dito pelos profetas: Será chamado Nazareno”. (texto: Bíblia Sagrada, Ed. Ave Maria). Por que será que somente Mateus cita tal acontecimento? Achamo-lo por demais importante, para que fosse esquecido pelos outros três evangelistas. Ou será que tal episódio de fato não teria ocorrido? Questionamentos que saltam à nossa mente, que, por estar livre das imposições dogmáticas das religiões tradicionais, nos leva a aplicar integralmente o: “examinai tudo, retende o que é bom” (1Ts 5,21). Segundo Werner Keller, em seu livro E a Bíblia tinha razão... (p. 366), “inexiste prova histórica ou arqueológica da ‘fuga para o Egito’”, e para não ficar só nisso, acrescenta: “tampouco existe prova da estada de Jesus em Nazaré”. Vê-se que por aí já nos deparamos com esses dois espinhosos problemas. Alguns tradutores explicam essa narrativa como “um paralelo anterior na infância de Moisés, descrita pelas tradições rabínicas: segundo estas, quando o nascimento da criança foi anunciado, por meio de visões, ou por intermédio dos mágicos, o Faraó mandou chacinar as crianças recém-nascidas” (Bíblia de Jerusalém, pp. 1705-1706). Com respeito à morte das crianças, conta-nos Keller: Assim, hoje em dia usa-se de um cuidado bem maior do que outrora na apreciação da historicidade do infanticídio de Belém e, antes, tende-se a considerar o relato em questão como uma tentativa, condicionada à mentalidade contemporânea que visa realçar a importância de Jesus, pelos meios usados na época (para tanto, existe ainda uma certa autenticidade histórica, representada pelas atitudes efetivamente tomadas por Herodes em sua contenda com os fariseus, por causa do Messias. No entanto, há ainda mais. O relato do infanticídio de Belém estabeleceu um nexo entre Jesus e Moisés, pois também desse último a Bíblia conta como escapou, milagrosamente, de perseguições idênticas, sofridas por parte do faraó egípcio (Êxodo 1.15, 2.10). (KELLER, 2000, p. 366) Quando o anjo aparece a José, dizendo para ele e sua família voltarem para Israel “porque morreram os que atentavam contra a vida do menino”, notamos que isso não faz sentido, pois, no início, a referência que se faz é a Herodes; o correto seria então dizer “morreu” e não “morreram”. O primeiro aviso em sonho, José o segue fielmente; quando do segundo, demonstra receio de voltar para Judéia, lugar indicado pelo anjo. Isso não condiz com seu comportamento anterior, pois, pensando em deixar Maria, um anjo lhe aparece em sonho avisando que o filho que ela levava na barriga é “obra do Espírito Santo”, já que ele ouve a voz do anjo e não abandona Maria. Apesar de relatado, esse fato não se coaduna com a cultura machista daquela época. E até a bem pouco tempo atrás se isso acontecesse aqui em nossa sociedade mesmo a mulher seria, com certeza, repudiada. E duvidamos que um homem, pela cultura daquela época, ou mesmo dessa de pouco tempo atrás, descobrindo que sua futura mulher estivesse grávida e esse filho não fosse dele, ainda ficaria com ela... Se José teve receio de ir para a Judéia porque estava sendo governada por um filho de Herodes, então, por que motivo foi para a Galiléia que também estava sendo governada por outro filho dele, no caso, Herodes Antipas? Não estaria correndo o mesmo risco? Observamos que a primeira vez que Mateus cita o nome de alguma cidade relacionada a Jesus, diz de Belém da Judéia, local onde nasceu. Quando do retorno do Egito fala que José não quis voltar para a Judéia, do que podemos concluir que deveria ser especificamente a cidade de Belém. Cidade essa que, segundo se deduz das narrativas desse evangelista, teria sido o local onde Jesus viveu até que fosse para o Egito; só após a sua volta é que passou a morar em Nazaré. Entretanto, Lucas deixa muito claro que Maria e José viviam em Nazaré (1,26; 2,4); foram a Belém para se alistar no recenseamento; lá nasceu o menino e terminado os dias de purificação, o levaram ao Templo, em Jerusalém, para cumprirem as prescrições da Lei: “todo primogênito do sexo masculino será consagrado ao Senhor” (Ex 13,2.15), após o que “voltaram à Galiléia, para Nazaré, sua cidade” (Lc 2,39), afirmando, um pouco mais à frente, que “foi a Nazaré, onde tinha crescido” (Lc 4,16). É uma divergência para a qual não encontramos nenhuma explicação plausível, a não ser de que a razão poderia estar mesmo com Lucas, já que também Marcos dá a entender que Jesus, até o dia em que foi batizado por João Batista, morava em Nazaré (Mc 1,9) e que Mateus, seguindo o que acreditavam na época, procurou adaptar a pessoa de Jesus às profecias sobre o Messias; por isso teria modificado a descrição dos acontecimentos, para sustentar esse pensamento. Entretanto, conforme já informamos anteriormente, não existe prova arqueológica da estada de Jesus em Nazaré, permanecendo, portanto, essa dúvida. Que os bibliólatras nos desculpem, mas, após esse estudo, a visão que passamos a ter dessa passagem não é coisa de que irão gostar, com certeza. Primeiro, a “fuga” para o Egito é uma situação criada para tentar aplicar o que dizem ser uma profecia de Oséias. Entretanto, ao analisarmos a passagem citada (Os 11,1), percebemos claramente que ela nem mesmo é uma profecia; trata-se, na verdade, de uma coisa já acontecida. Observe que o verbo “chamar” está no pretérito; portanto, fato do passado. E mais; a expressão “meu filho”, utilizada na passagem, se refere ao povo de Israel e não a uma pessoa em particular. Segundo, a matança das crianças justificaria uma outra profecia, agora de Jeremias (31,15). Só que, como acontecido com a anterior, essa passagem também não é uma profecia; está relacionada à tomada de Jerusalém por Nabucodonosor, rei da Babilônia, que leva o povo de Israel, que acabara de subjugar, cativo para o seu país; daí “o pranto de Raquel (sepultada em Ramá, perto de Belém) pelos filhos massacrados ou deportados pelos caldeus depois da destruição de Jerusalém em 596 a.C.,...”. (Bíblia Sagrada, Edições Paulinas, p. 1062). Terceiro, a ida para Nazaré foi forjada para relacioná-la ao cumprimento de mais uma outra profecia que teria sido dita por vários profetas. Entretanto, a realidade é bem outra, pois não há nenhuma profecia em que, pelo menos, um só profeta tenha dito: “Será chamado Nazareno”; é pura invenção do autor bíblico. Sabemos que, o que estamos dizendo poderá chocar alguns; entretanto, aos que, acima de tudo, buscam a verdade, será ouvido de bom grado. A verdade que entendemos, não necessita ser imposta a ferro e fogo; ao contrário, quando alguém quer, por todos os meios, fazer com que os outros aceitem a sua verdade, é porque, com certeza, não está com ela, pois a verdade é algo tão cristalino que não necessita de nada mais, a não ser que seja mostrada. Os sábios a sentirão, enquanto que os ignorantes a contestarão. O que nos conforta é que não estamos sozinhos nessa busca. Recentemente, encontramos um artigo, onde parte do texto tem a ver com o que estamos tratando aqui, do qual transcrevemos: (...) E o segundo problema ainda mais grave, é que provavelmente Jesus não nasceu em Belém. ‘Há quase um consenso entre os historiadores de que Jesus nasceu em Nazaré’, diz o padre Jaldemir Vitório, do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, em Belo Horizonte... Assim como o nascimento em Belém, a terrível execução de recém-nascidos ordenada por Herodes e a fuga de Maria e José para o Egito também teriam sido uma ‘licença poética do texto’, dessa vez para simbolizar que Jesus é o novo Moisés – já que essa narrativa é bem semelhante ao que se contava da vida do patriarca bíblico”. ‘Isso não foi uma criação maquiavélica para glorificar Jesus, era apenas o estilo literário da época’, diz Vitório. (CAVALCANTE, 2002, p. 43). Nazareno: o significado Se a Bíblia fosse mesmo a palavra de Deus, então ela não poderia ter nada que uma pessoa comum ao lê-la não a entendesse, pois, se isso ocorrer, como esse pobre coitado irá segui-la? É por esse caminho que os líderes religiosos avançam, uma vez que, sendo eles os “doutos” em interpretar a Bíblia, fica mantido in aeternum seu domínio sobre os fiéis. Espinosa, um filósofo do Século XVII, já dizia: Admira-me bastante, pois, a engenhosidade de pessoas,... que enxergam na Escritura mistérios tão profundos que se torna impossível explicá-los em qualquer língua humana e que, além disso, introduzem na religião tantas matérias de especulação filosófica que a Igreja até parece uma academia e a religião uma ciência, ou melhor, uma controvérsia. (ESPINOSA, 2003, p. 208). O que vemos de mirabolantes tentativas para sair de alguma contradição bíblica não está no gibi. Apelam feio, importam-lhes pouco as questões do ponto de vista da razão e da lógica; da coerência, então, nem se fala! Vamos ver a confusão que se fazem em torno da palavra Nazareno. Mateus, no capítulo 2, narra que José, juntamente com Maria, fugiu de Belém para o Egito, por conta de um aviso de um anjo sobre o desejo de Herodes em matar Jesus, o recém-nascido, pois o rei temia que um dia essa criança pudesse vir a tornar-se o rei dos judeus. Quanto ao retorno, se fala que, em ao invés de voltar à cidade em que moravam, dirigiram-se para a cidade de Nazaré: “Foi [José] morar na cidade de Nazaré, para que se cumprisse deste modo o que tinha sido dito pelos profetas: Ele será chamado Nazareno” (v. 23). Pelo que se pode deduzir da narrativa de Mateus ele coloca a cidade de Belém como o lugar onde moravam os pais de Jesus. Entretanto, Lucas diz que o anjo Gabriel foi enviado a Nazaré para avisar Maria, narração essa que nos leva a concluir que era esse o lugar onde ela morava (Lc 1,26); assim, existe uma divergência em relação ao lugar onde moravam os pais de Jesus. E, obviamente, no passo citado (Mt 2,23) o vocábulo “Nazareno” é relacionado a alguém que, se não é natural de Nazaré, pelo menos mora nela, justificando o que Mateus relatou no início do versículo. Vejamos as explicações dadas pelos tradutores e exegetas bíblicos: 1 - A palavra “Nazareno” pode ter um duplo sentido: habitante de Nazaré e “Nazir”, isto é, consagrado a Deus por um voto (cf. Lv 21,12; Jz 23,57). Talvez Mt quisesse literariamente visar os dois sentidos: Jesus é de Nazaré e é consagrado especialmente ao Senhor. (Bíblia Sagrada Santuário, p. 1437). 2 – [Ele será chamado Nazareno] Esta frase não se encontra no Antigo Testamento. Mas, Nazareno parece ser um qualificativo que significa desdém. Os profetas, sobretudo Isaías, anunciavam um Servo de Deus humilde e desprezado. O adjetivo provém, sem dúvida, do nome de Nazaré. Serviu para designar os cristãos (Atos 24,5). (Bíblia Sagrada Ave Maria, p. 1286) 3 - Na significação desse nome (em hebraico nezer: “rebento”, “germe”) o evangelista vê, ou uma alusão ao nome messiânico, germe de Davi (cf. Is 11,1; 53,2), ou à natureza de Jesus enquanto Santo de Deus por excelência (cf. Jz 13,5; Mc 1,24). (Bíblia Sagrada Vozes, p. 1180). 4 - Pelos profetas: a expressão vaga indica que Mateus não pretende citar nenhum profeta determinado, mas talvez o conjunto das profecias que no Antigo Testamento se referem à vida humilde, oculta e desprezada aos olhos dos homens, que o Messias viverá em Nazaré (cf. Jo 1,46), cidadezinha desconhecida e desprezada pelos próprios judeus. (Bíblia Sagrada Paulinas, p. 1062). 5 - “Nazareno”. (hebr.): Nots.rí. Gr.: Na.zo.raí.os; provavelmente derivado do hebr. né.tser, significando “rebentão”, portanto, figurativamente “prole”; descendente”. Veja Is 11,1 e n.: “rebentão”. (Tradução Novo Mundo das Escrituras Sagradas, p. 1136). 6 - Ele será chamado Nazareno. Provavelmente “nazareno” é um sinônimo para “desprezível” ou “desprezado”, já que Nazaré era o lugar mais improvável para a residência do Messias (cf. Is 53,3; Sl 22,6). (Bíblia Anotada, p. 1185). 7 - “Nazareu” (nazôraios forma usada por Mt, Jo e At) e o seu sinônimo “nazareno” (nazarênos, forma usada por Mc; Lc tem as duas formas) são duas transcrições correntes do mesmo adjetivo aramaico (nasraya), derivado de nome da cidade de Nazaré (Nasrath). Aplicado primeiro a Jesus – indicando sua origem (26,69.71) – e depois aos seus sequazes (At 24,5), esse termo ficou como designativo dos discípulos de Jesus no mundo semítico, enquanto no mundo greco-romano prevaleceu o nome “cristão” (At 11,26). – Não se percebe claramente a que oráculos proféticos Mt alude aqui; pode-se pensar em nazîr (Jz 13,5.7), ou em neçer, i.é., “rebento” (Is 11,1), ou de preferências em naçar, “guardar” (Is 42,6; 49,8), de onde naçur = o Resto. (Bíblia de Jerusalém, p. 1706). 8 - Nazaré, Nazareno: S. Mateus só citou esta cidade (o mesmo se diga de Belém) por causa de sua relação com a palavra de algum profeta, provavelmente Isaías (11,1). (Bíblia Sagrada Barsa, p. 3 do NT). E num dicionário bíblico encontramos: Nazareno – Tradução comum para duas palavras gregas: nazarenos e nazoraios, usadas indistintamente nos escritos do Novo Testamento. É uma espécie de termo de estado civil aplicado a Jesus, que não implica a fé cristã mas é aceitável para ela (Mc 14,67; 16,6; Jo 18,5). Sob a forma nazarenos é fácil de compreendê-lo como “habitante de Nazaré”, daí as traduções usuais (Mc 1,24 etc.). Esta forma é a única usada por Marcos, e às vezes por Lucas (Lc 4,34; 24,19); nunca pelos outros livros. (Dicionário Bíblico Universal, p. 555). No Dicionário Prático, constante da Bíblia Sagrada Edição Barsa, se lê: Nazareno. Aquele que é de Nazaré. Muitos assim chamaram a Jesus, pois em Nazaré passou toda sua vida oculta, desde a volta do Egito até o início do seu ministério (Mt 2,23). Os judeus davam também este nome aos primeiros cristãos (At 24,5). (p. 189). Verdadeira torre de Babel! Tudo fica no “pode ter”, “talvez”, “provavelmente”, ou seja, ninguém tem certeza de nada; fica tudo por conta da imaginação de cada tradutor, ou de quem lê a passagem. Vejamos agora as “prováveis” profecias que se enquadrariam ao passo. Primeiramente, é bom ressaltar, que Mateus coloca a frase como uma profecia dita por vários profetas, deduzindo-se que são inúmeros. Os tradutores da Bíblia de Jerusalém, que sabemos ser uma equipe formada por católicos e de protestantes, afirmam claramente que (p. 1706): “Não se percebe claramente a que oráculos proféticos Mt alude aqui”; mas, como a maioria dos outros, assumem, na seqüência, a dúvida: “pode-se pensar em nazîr (Jz 13,5.7), ou em neçer, i.é., “rebento” (Is 11,1), ou de preferências em naçar, “guardar” (Is 42,6; 49,8), de onde naçur = o Resto. Is 11,1: “Um ramo sairá do tronco de Jessé, um rebento brotará de suas raízes”. Explicando Is 11,1-9, informam-nos: Isaías projeta para o reinado de Ezequias o ideal utópico de uma sociedade que chegou à realização plena (cf. 6,14, 7,14 e nota em 8,23b9,6). Esse reinado se fundará no total espírito de javé (sete dons), que fará surgir uma sociedade alicerçada na justiça, produzindo paz e harmonia. O Novo Testamento vê o cumprimento do oráculo na pessoa de Jesus (cf. Mt 3,16): é a partir da ação dele que se constrói o mundo novo, onde todas as coisas se reconciliam (Ef 1,10; Cl 1,20) (Bíblia Sagrada Pastoral, p. 959). Se “Isaías projeta para o reinado de Ezequias” não há que se estabelecer qualquer relação com Jesus, a não ser por contradição à realidade da época, fugindo, sem razão, do contexto da passagem. Como na nota acima é dito “onde todas as coisas se reconciliam”, vale uma perguntinha: onde todas as coisas se reconciliam, se constantemente as facções religiosas vivem se digladiando, visando impor seus pontos de vista? Is 42,6: “Eu, Iahweh, te chamei para o serviço da justiça, tomei-te pela mão e te modelei, eu te constituí como aliança do povo, como luz das nações”. Citando Is 42,1-9, esclarecem-nos: É o primeiro “cântico do Servo de Javé”. Quem é esse Servo? De inicio, provavelmente, uma pessoa; depois essa pessoa foi tomada como figura coletiva, sendo aplicada a todo o povo pobre e fiel. O Servo é a grande novidade que Javé prepara: o missionário escolhido que, graças ao Espírito de Javé, recebe a missão de fazer que surja uma sociedade conforme a justiça e o direito. Ele não submeterá os fracos ao seu domínio, mas o seu agir acabará produzindo uma transformação radical: os cegos enxergarão e os presos serão libertos. Os evangelhos aplicam a Jesus a figura do Servo (cf. Mt 3,17 e paralelos; 12,17-21; 17,5) (Bíblia Sagrada Pastoral, p. 986). Novamente temos o “aplicam a Jesus”, uma coisa que não tem nada a ver com ele, já que, conforme já o dissemos, a esperança de Isaías era para o reinado de Ezequias. Já que falamos em Servo, e como este termo é sempre utilizado, vamos ver, nas explicações dadas sobre o livro de Isaías, o seguinte: Os capítulos 40-55 foram escritos por profeta anônimo, na época do exílio na Babilônia, apresentando uma mensagem de esperança e consolação. Esse profeta é comumente chamado Segundo Isaías. O fim do exílio é visto como um novo êxodo e, como no primeiro, Javé será o condutor e a garantia dessa nova libertação. O povo de Deus, convertido, mas oprimido, é denominado “Servo de Javé”. (Bíblia Sagrada Pastoral, p. 947) (grifo nosso). Merecem destaque os “Cânticos do Servo de Deus” (42, 1-4; 49, 1-6; 50, 4-9a; 52, 13-53, 12). Neles se descreve a vocação do Servo, sua missão de pregador, sua função mediadora da salvação para os homens e, especialmente, o caráter expiatório de seus sofrimentos e de sua morte. O Servo às vezes parece ser Israel como povo, ou enquanto elite; outras vezes um indivíduo, talvez o profeta dos poemas, o rei Ciro, o rei Joaquim ou outro personagem qualquer. (Bíblia Sagrada Vozes, p. 890). (grifo nosso). Assim, conforme estamos vendo, a expressão “Servo de Deus” não poderia ser aplicada a Jesus, como alguma coisa relacionada a uma profecia, já que o termo é específico para uma determinada situação local, sem qualquer vinculação com algum evento num futuro longínquo, muito menos relacionado ao Messias. Is 49,8: “Assim diz Iahweh: No tempo do meu favor te respondi, no dia da salvação te socorri. Modelei-te e te pus aliança do povo a fim de restaurar a terra, a fim de redistribuir as propriedades devastadas”. Ao explicar Is 49,1-9a, dizem-nos: É o segundo “cântico do Servo de Javé” (cf. nota em 42,1-9). Aqui se descrevem as características da missão profética: desde o início (ventre), o Servo recebe a missão (o nome) de anunciar a palavra de Javé para reunir e restaurar seu povo disperso. Esta restauração implica reunir e organizar o povo, liderando-o no movimento da libertação: isso implica a reorganização político-social e a justa distribuição de terras (vv. 8-9a). Mas a missão do Servo ultrapassa as fronteiras de uma nação, pois fará com que o povo da aliança se torne luz para os outros povos. (Bíblia Sagrada Pastoral, pp. 992-993). Aqui, igualmente, não vemos nenhuma profecia; é algo para aquela época; portanto, também nada tem a ver com algum evento no futuro que poder-se-ia aplicar a Jesus. Is 53,2: “Ele cresceu diante dele como renovo, como raiz em terra árida;...”. Lemos: “Em Is 11,1.10, as imagens do renovo e da raiz acompanham o anúncio festivo do Messias davídico. Aqui, elas apenas evocam o aspecto humilde e mísero do Servo”. (Bíblia de Jerusalém, p. 1340) O trecho compreendido entre Isaías 52,13–53,12, ou seja, do versículo 13 do capítulo 52 ao versículo 12 do capítulo 53 é explicado da seguinte forma: Estes versículos apresentam o Servo sofrendo vicariamente pelos pecados dos homens. A interpretação judaica tradicional entende a passagem como uma referência ao Messias, como, é claro, fizeram os primeiros cristãos, que criam ser Jesus o referido Messias (At. 8, 35). Não foi senão no século XII que surgiu a opinião de que o Servo aqui se refere à nação de Israel, opinião que se tornou dominante no Judaísmo. O Servo, todavia, é distinto do ‘meu povo’ (53, 8), e é uma vítima inocente, algo que não se podia dizer da nação (53, 9). (A Bíblia Anotada, p. 905.) Interessante que querem, de todas as maneiras, desvirtuar o texto para aplicá-lo a Jesus, quando, em verdade, se refere especificamente à nação de Israel. Sl 22,6(7): “Quanto a mim, sou verme, não homem, riso dos homens e desprezo do povo;”. Salmo de Davi que refere a ele mesmo; portanto, não é uma profecia a respeito de ninguém. Vejamos algumas opiniões: (...) E o segundo problema, ainda mais grave, é que provavelmente Jesus não nasceu em Belém. “Há quase um consenso entre os historiadores de que Jesus nasceu em Nazaré”, diz o padre Jaldemir Vitório, do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, em Belo Horizonte. Então por que o evangelho de Mateus diz que o nascimento foi em Belém? Vitório explica que o texto segue o gênero literário conhecido por midrash. Basicamente, o midrash é uma forma de contar a história da vida de alguém usando como pano de fundo a biografia de outras personalidades históricas. No caso de Jesus, ele explica, a referência a Belém é feita para associá-lo ao rei Davi do Antigo Testamento – que, segundo a tradição, teria nascido lá. (CAVALCANTE, 2002, p. 43). (grifo nosso). Da mesma forma, inexiste qualquer prova histórica ou arqueológica da “fuga para o Egito”, como tampouco existe prova da estada de Jesus em Nazaré. Aliás, a rigor, a Bíblia cita Jesus por muito mais vezes como “nazireu” do que “nazareno”, e “nazireu” pode ter vários significados, mas normalmente não define o “homem de Nazaré”. Essa última interpretação poderia ser deduzida somente de maneira indireta, de um trocadilho com a palavra hebraica “nezer” = “vara”, veja Isaías 11,1; “Sairá uma vara do tronco de Jessé e uma flor brotará da sua raiz”. De fato, o Evangelho de São Mateus torna a citar o termo controvertido “nazareno” no contexto de uma profecia: “...e, chegando, habitou uma cidade chamada Nazaré, cumprindo-se desse modo o que tinha sido predito pelos profetas, que seria lá chamado Nazareno” (Mateus 2,23). Isso em nada facilita as coisas, pois não deixa bem claro a que profetas o texto se refere (a não ser Isaías, autor das palavras supracitadas). Talvez se pretenda estabelecer um certo nexo com o termo “nazireu” (“consagrado a Deus”, qualificação outrora atribuída a Sansão (Juízes 13,5 e 7, 16,17)), que exigiu uma certa ascese por parte da pessoa assim qualificada (ele devia observar determinados tabus); contudo, tal conjetura não deixará de implicar em certos problemas filológicos. Assim, também, aí torna a surgir um sinal de interrogação, e a esse respeito cumpre não silenciar o fato de alguns cientistas interpretarem os pronunciamentos dos Evangelhos, mencionando Nazaré como “cidade da infância e juventude” de Jesus, como meras construções, relacionadas com o título “nazireu”, não muito bem compreendido pelos evangelistas, os quais, por causa disso, reinterpretam-nos e sumariamente o substituíram por “nazareno”. Mark Lidzbarski chega a afirmar que, durante a vida de Jesus, nem teria existido um lugar geográfico chamado Nazaré. Contra-argumentando, pode-se dizer que, embora não soubéssemos como era Nazaré nos tempos de Jesus, achados arqueológicos confirmam a existência daquele povoado (se é que uns precaríssimos abrigos podem ser chamado de “povoado”), no período entre cerca de 900 a.C. e 600 d.C., e esses achados incluem também peças datando do reinado de Herodes, o Grande (de 40 a 4 a.C.). Aliás, o comentário pouco lisonjeiro de Natanael, transmitido pelo Evangelho de São João: “De Nazaré pode, porventura, sair coisa que seja boa?...”, pode ser uma alusão à precariedade do lugarejo, todavia promovida a “cidade” pela Bíblia. Em todo caso, não há nenhum indício de Jesus, Maria e José. Somente desde o século XI da nossa era, o nome Nazaré ficou sendo comprovado pela Fonte da Virgem Maria, onde até hoje as mulheres vão buscar água com a qual enchem suas jarras, como o faziam nos tempos de Jesus... (KELLER, 2000, pp. 366-367). Na nossa opinião, não foi esse o motivo de ter sido Jesus chamado de Nazareno. [referindo-se aqui o autor ao fato de Jesus ter ido morar em Nazaré] No Antigo Testamento, a lei ordenava que “o primogênito fosse consagrado ao Senhor”, deixando os cabelos compridos. (ARAÚJO, 2000, p. 386). Agora devemos passar a tratar de outra fase da história dos pais de Jesus e Dele mesmo. Em grande parte da literatura cristã Jesus é chamado de Nazareno, sendo comum acreditar-se que Jesus nasceu ou passou a maior parte de Sua vida em Nazaré. É estranhável que os estudiosos da literatura bíblica, especialmente os que escreveram tão exaustivamente sobre a vida de Jesus, apresentando em seus ensinamentos e preleções os detalhes pitorescos de Sua vida, nunca tivessem dado a devida atenção ao título de Nazareno nem investigado a sua significação. Todas essas autoridades, escritores e professores presumiram que, sendo Jesus chamado de Nazareno, deveria ser da cidade chamada Nazaré e que, visto que Ele e Seus pais viveram na Galiléia, a cidade de Nazaré deveria estar localizada naquela região. Com base neste raciocínio, afirma-se, de modo geral, que Nazaré foi a cidade natal dos pais de Jesus e que Nazaré, na Galiléia, foi o lugar onde Jesus passou sua infância. Estive recentemente em Nazaré e fiz exaustivas pesquisas com o propósito de comprovar as declarações contidas nos registros Rosacruzes; a maioria de meus leitores ficará provavelmente surpresa em saber que, ao tempo em que Jesus nasceu, não havia cidade ou vila na Galiléia com o nome de Nazaré e que a cidade que hoje traz este nome, na Galiléia, não só é uma cidade recente mas também veio a ter este nome, por causa da insistência dos investigadores em encontrar alguma localidade que tivesse o nome de Nazaré, na Galiléia. Em primeiro lugar, devemos tornar claro que o título de Nazareno não queria dizer que a pessoa que o tivesse fosse de uma cidade chamada Nazaré. O título de Nazareno era dado pelos judeus a pessoas estranhas que não seguiam sua religião e que pareciam pertencer a um culto ou seita secreta que existira ao Norte da Palestina por muitos séculos; podemos verificar na Bíblia Cristã que o próprio João Batista era chamado de Nazareno. Também encontramos muitas outras referências a pessoas conhecidas como nazarenos. Em Atos XXIV:5, encontramos um homem qualquer sendo condenado como provocador de uma rebelião entre os judeus em todo o mundo e sendo chamado de "líder da seita dos nazarenos". Sempre que os judeus entravam em contato com alguém em seu país que fosse de outra religião, e especialmente se tivesse uma compreensão mística das coisas da vida e vivesse de acordo com um código ético ou filosófico diferente do judaico, chamavam-no de Nazareno por falta de um nome mais adequado. Existiu realmente uma seita chamada Os Nazarenos, citada nos registros judaicos como uma seita de Primitivos Cristãos ou, em outras palavras, aqueles que eram essencialmente preparados para aceitar as doutrinas cristãs. De fato, os enciclopedistas e autoridades judaicas parecem concordar em que o termo Nazareno abrangia todos os cristãos que haviam nascido judeus, que não desejavam ou não podiam abrir mão de seu antigo modo de vida, mas que tentavam ajustar as novas doutrinas às antigas. As enciclopédias judaicas também afirmam ser bastante evidente que os Nazarenos e os Essênios tinham muitas características em comum, e mostravam, portanto, tendência para o misticismo. Os Essênios e Nazarenos, na verdade, eram considerados heréticos pelos judeus cultos, mas existe a seguinte diferença ou distinção no uso destes dois termos: os Essênios não eram tão conhecidos pela população da Palestina como os Nazarenos; um homem dificilmente era chamado Essênio a não ser por pessoas bem informadas, que conhecessem a diferença entre Essênios e Nazarenos, ao passo que muitos Essênios e membros de outras seitas que levavam uma vida peculiar ou não aceitavam a religião judaica eram chamados de Nazarenos. São Jerônimo, famosa autoridade bíblica, refere-se ao fato de que em seu tempo ainda existia entre os judeus, em todas as sinagogas do Oriente, uma heresia condenada pelos fariseus, cujos seguidores eram chamados de Nazarenos. Ele disse que estes acreditavam que Cristo, o Filho de Deus, havia nascido da Virgem Maria, havia sofrido sob Pôncio Pilatos e ascendido aos céus. "Mas," disse São Jerônimo, "embora pretendessem ser ao mesmo tempo judeus e cristãos, não eram nem uma coisa nem outra". Consultando as mais altas autoridades da Igreja Católica Romana, vemos que o título de Nazareno, aplicado ao Cristo, só ocorre uma vez na versão da Bíblia feita por Douai, e esta autoridade declara que o termo "Jesus Nazareno" foi uniformemente traduzido como "Jesus de Nazaré", o que representa um erro de tradução, sendo a forma correta "Jesus, o Nazareno." Em nenhuma parte do Velho Testamento existe a palavra Nazaré descrevendo uma cidade existente na Palestina, mas no Novo Testamento encontramos referências a Jesus regressando a uma cidade chamada Nazaré. Estas referências resultam da tradução da frase "Jesus voltando aos Nazarenos" para "Jesus retomando a Nazaré." Um ponto interessante é reforçado pelas autoridades católicas romanas, que dizem que Jesus, embora fosse comumente chamado de Nazareno, não pertencia absolutamente àquela seita. Reunindo os registros judaicos e católicos romanos e comparando-os com as informações contidas em nossos próprios registros, verificamos que os nazarenos constituíam uma seita de judeus que, embora tentasse seguir os antigos ensinamentos judaicos, acreditava na vinda do Messias, que nasceria de maneira singular e seria o Salvador de sua raça. Depois de iniciado o ministério de Jesus, esses Nazarenos aceitaram Jesus como o Messias e também as doutrinas que Ele pregava, ao mesmo tempo que continuavam a tentar seguir muitos fundamentos de sua religião judaica. Os registros judaicos afirmam que os Nazarenos rejeitaram Paulo, o Apóstolo dos Gentios, e que alguns Nazarenos só exaltavam em Jesus o fato de ser um homem justo. Outro termo para esses heréticos judeus era "Nazarita". De acordo com as autoridades judaicas, o termo Nazarita foi aplicado àqueles que viviam à parte ou separados da raça Judia, por causa de alguma crença ética, moral ou religiosa distinta. Os registros judaicos dizem que essas pessoas eram, freqüentemente, as que não bebiam vinho ou qualquer bebida feita de uvas, ou que não cortavam o cabelo, ou que não tocavam nos mortos durante qualquer cerimônia fúnebre. Os mesmos registros nos dizem que a história ou origem da seita nazarita na antiga Israel é obscura. Afirmam também que Sansão era nazarita, como o fora sua mãe, e que a mãe de Samuel prometera dedicá-lo à seita dos nazaritas. Os registros judaicos também dizem que era comum os pais dedicarem seus filhos menores à seita nazarita, e afirmam claramente haver referências ao fato de que se falava que Jesus fora dedicado aos nazaritas quando ainda estava no ventre de sua mãe. Esses registros judaicos dizem que Lucas I: 15 é uma referência a esta dedicação. A rainha Helena, e Míriam de Palmira são mencionadas como nazaritas nos registros judaicos, e muitas outras pessoas famosas na literatura sacra são apresentadas como nazaritas. Está claramente indicado em muitos registros históricos que os termos Nazarita e Nazareno nada tinham a ver com uma cidade ou vila chamada Nazaré. Dissemos que a atual cidade de Nazaré, na Galiléia, recebeu este nome porque tinha de haver um local que se encaixasse naquilo que se entendia como a aldeia onde viveram os pais de Jesus e onde Ele passou a infância. Durante os primeiros séculos depois de Cristo, quando as doutrinas cristãs estavam se formando e os Santos Padres da Igreja Católica Romana e estudiosos de religião em geral buscavam todos os locais históricos ligados à vida de Jesus, incidentes e pontos ligados à vida deste grande homem foram ansiosamente tabulados e glorificados. Minha recente visita à Palestina deixou bem evidente que este desejo de encontrar locais históricos e sagrados e de glorificá-los não se apagou e provavelmente continuará a existir por centenas de anos. O absurdo desta situação se toma aparente quando o turista casual descobre que três, quatro ou cinco locais diferentes lhe são mostrados, nos quais ocorreu um determinado incidente da vida de Jesus. Houve grandes dificuldades na busca de um lugar que correspondesse ao nome de Nazaré, na Galiléia, visto que nenhuma cidade com este nome fora mencionada no Velho Testamento e nenhum dos mapas antigos do tempo do Cristo revelava a existência desse local. Um pequeno povoado chamado "en-Nasira", entretanto, foi localizado bem longe do Mar da Galiléia e imediatamente rebatizado "Nazaré" e associado à infância de Jesus. A descoberta deste povoado en-Nasira ocorreu no terceiro século depois de Cristo, e desde então passou a ser conhecido pelo nome de Nazaré, embora ainda hoje continuem a faltar quaisquer evidências que justifiquem o uso desse nome. Em Marcos VI: 1,2 diz-se que Jesus voltou a seu próprio país e que Seus discípulos o seguiram e que, quando chegou o Shabat, ele começou a ensinar na sinagoga. No quarto verso do mesmo capítulo, Jesus se refere ao fato de que Ele era um profeta em Seu próprio país, entre seus próprios parentes e em Sua própria casa. Essas referências foram interpretadas como sendo relativas a Nazaré, a cidade onde muitos estudiosos da Bíblia acreditam que Jesus nasceu e passou a infância. Ora, se é verdade que Jesus retomou à Sua cidade natal e pregou na sinagoga para grandes multidões, não poderia ter sido em en-Nasira, ou a chamada Nazaré; mesmo no segundo e terceiro séculos após o nascimento de Jesus, en-Nasira ou Nazaré ainda não tinha uma sinagoga nem era suficientemente grande para possuir qualquer edificação ampla onde multidões pudessem ter ouvido Jesus pregando, nem havia multidões nas vizinhanças para ouvi-Lo. Portanto, as referências de Marcos à Sua cidade natal não podem ter sido relativas a en-Nasira. En-Nasira era tão-somente um povoado em torno de um poço chamado na época de "poço da casa da guarda", embora, segundo descobri, tenha sido chamado, nos últimos anos, de "Poço de Santa Maria". Esta mudança de nome e a atribuição de significado religioso a um local sem importância da Palestina é bem típica das modificações que estão sendo feitas naquele país para agradar os turistas. Procurando nos registros judaicos, vemos que estes confirmam que só nos livros do Novo Testamento, escritos muito após a vida de Jesus, há menção de Nazaré como uma cidade da Galiléia, e que este local não é mencionado no Velho Testamento, nos escritos históricos de Josefo nem no Talmude. Durante a vida de Jesus, a cidade de Jafa era a mais importante na Galiléia, sendo a que mais atraía os viajantes e era mais citada nos escritos históricos. Nos registros da Igreja Católica Romana e nas suas enciclopédias, vemos que o vilarejo en-Nasira era conhecido estritamente como um povoado judeu até o tempo de Constantino, havendo referências de ser habitado totalmente por judeus. Esta pequena aldeia, em volta de um poço, portanto, não poderia ter sido o centro da população gentia da Galiléia. Hoje em dia há uma pequena igreja ou capela em Nazaré, a qual visitei, supostamente erigida sobre a gruta onde Maria e José viviam no tempo da anunciação, quando o arcanjo revelou a Maria o iminente nascimento da encarnação do Logos. Todos os fatos acima apresentados indicam claramente que José, Maria e a criança, eram considerados como Nazarenos ou Nazaritas, junto com muitos outros de sua localidade, ou seja, pessoas pertencentes a uma seita não-judaica. Muitas outras referências a esta seita mostram claramente que a mesma defendia pontos de vista religiosos e místicos que mereceram ser aceitos como fundamentos da doutrina cristã. Levando isto em consideração, temos de imediato um quadro interessante das condições existentes na Palestina e arredores, pouco antes da era cristã. Primeiro, temos um grande número de homens, mulheres e crianças, que ou eram judias por nascimento, gentias por nascimento, ou de várias raças, e se recusavam a aceitar completamente a lei mosaica, somente sendo judias porque as leis da terra as forçavam a adotar a circuncisão e apresentarem-se na sinagoga ao completarem doze anos, e só seguiam os ensinamentos judeus no que revelavam de Deus e de Suas leis e lhes serviam em seus estudos dos princípios divinos. Eram eles preparados por alguma escola ou sistema que os tornava aptos a aceitar os ensinamentos místicos mais elevados, revelados de tempos a tempos pelas mentes evoluídas ou pelos ensinamentos dos Avatares. (LEWIS, 2001, pp. 56-64). Será chamado Nazareno? (Mateus 2:23) – “... assim se cumpriu o que foi anunciado pelos projetas: <Ele será chamado Nazareno>”. Aqui, num pequenino trecho, não só um amontoado de erros, como muita mentira e má fé de Mateus (ou do escriba que fez o texto e atribuiu a ele a autoria do versículo). Mateus especializou-se em inventar "profecias retroativas" que aconteciam muitos anos (pelo menos 40 anos) depois dos fatos terem sido relatados como acontecido. Como também Mateus inventava muitas profecias do Antigo Testamento, sem que as citadas profecias realmente estivessem no Antigo Testamento. Isto porque, não existe um único registro no Antigo Testamento a respeito de Nazaré ou Nazareno. Trata-se de invencionice de Mateus (ou do escriba que escreveu por ele), escrevendo sobre a vida de Jesus mais de 70 anos após o seu nascimento e após a destruição de Jerusalém no ano 70, e tentando fazer coincidir, no ano 70, "profecias retroativas", como se elas tivessem realmente se realizado. Aliás, Nazaré sequer existia como cidade quando Jesus nasceu. Existia, sim, o lago de Genesaré (Mar de Tiberíades), mas não a cidade de Nazaré, que somente veio a existir alguns anos (cerca de quinze anos) após Jesus ter nascido. Vejamos a má fé de Mateus (ou do escriba que escreveu por ele). Ele afirma, após o ano 70, época da destruição de Jerusalém e da diáspora e extermínio dos essênios, portanto 70 anos depois de Jesus já ter nascido, que 70 anos antes iria se realizar uma "profecia retroativa" e que Jesus iria ser chamado de Nazareno. Uma profecia ao Contrário, relatada depois do fato ter acontecido, passados mais de 70 anos. Porém, o mais gritante é que além de Nazaré sequer existir quando Jesus nasceu, sendo impossível, dessa forma, tal registro, Mateus ainda confunde Nazireu com Nazareno, que são coisas completamente diferentes. Para efeito de argumentação, vamos conceder o benefício da dúvida e admitir que Mateus estivesse com falhas mentais (pois ele era contemporâneo de Jesus e que quando teoricamente escreveu o seu evangelho, logicamente já tinha mais de 80 anos) e com isso não se lembrou ou "confundiu" que Nazaré (a cidade) não existia quando Jesus nasceu, mas tão somente o lago de Genesaré. Entretanto, como Mateus pode ter "confundido", novamente, Nazareno (nascido em Nazaré) com Nazireu (de Nazir), que é um judeu que tomou os votos de sacrifícios especiais, de não beber vinho, não comer uvas e não cortar os cabelos, que não era o caso de Jesus, pois Jesus era essênio, e como tal era adepto da eucaristia, do ritual do pão e do vinho, e comia uvas. Não podendo, por isso mesmo, ser um Nazireu. A profecia do Antigo Testamento a respeito do Nazireu, refere-se a Sansão e não a Jesus. Dessa forma, Mateus ao "confundir" a profecia do Antigo Testamento sobre Sansão, que era Nazireu, que não bebia vinho, não comia uvas e não cortava os cabelos, com Jesus, chamando-o de Nazareno, não é o que se pode dizer como um caso do acaso, quando a má fé e má intenção estão bastante claras. Mas o pior de tudo é dizer que cumpriu-se a profecia do Antigo Testamento afirmando que o messias se chamaria Jesus, quando os nomes de "Jesus", assim como Nazaré, sequer são citados no Antigo Testamento. Muito pelo contrário, o messias, segundo o Antigo Testamento, não viria de Nazaré e sim de Belém e deveria chamar-se Emannuel, conforme: Isaías (7:14) "Por isso mesmo, o Senhor, por Sua conta e risco, vos dará um sinal: Olhai: A jovem (palavra correta) mulher está grávida e dará a luz a um filho, por-lhe-á o nome de Emmanuel". Portanto, a mãe de Jesus, Maria, era uma jovem mulher ("almah", que não quer dizer virgem), e não uma virgem ("bethulah"), e Jesus de Nazaré, não era de Nazaré (e nem de Belém) e não se chama Emmanuel conforme previsto pelas profecias de Isaias no Antigo Testamento. Ou seja, as profecias alegadas por Mateus como tendo sido cumpridas, jamais se realizaram (mesmo ele "prevendo" isso 70 anos depois do acontecimento). As profecias de Isaias, no Antigo Testamento também não se realizaram, pois Jesus chama-se Jesus e não Emmanuel. (MACHADO, 2004, pp. 168-170). O teólogo e ex-padre Carlos T. Pastorino (1910-1980), oferece-nos, para o caso, as seguintes explicações: Então, ainda durante o noivado, José verificou a gravidez (??-???? ?? ?????? ??????). O fato só pode ter ocorrido depois que Maria regressou da casa de Isabel Ai’n-Karim, para sua aldeia de Nazaré. Mateus silencia a esse respeito, fazendo que o leitor suponha que eles normalmente habitavam em Belém. Tanto que, mais tarde (2:23) diz que, quando José regressava do Egito para sua casa (Belém), ao saber que Arquelau, filho de Herodes, é que lá reinava, resolveu ir morar na Galiléia, a conselho do anjo, na cidade de Nazaré, “para que o menino pudesse realizar a profecia e ser chamado nazareno”. Portanto, para Mateus, Nazaré era um lugar ainda desconhecido de José e de Maria, ao passo que, para Lucas, Nazaré era a residência normal dos dois. (PASTORINO, vol. 1, p. 53). Após a morte de Herodes, novamente funciona a mediunidade onírica de José: em sonhos um “anjo” manda-o regressar à “terra de Israel”, como ainda hoje se diz: ?? ??? ???? José obedeceu de imediato e (segundo Mateus) dispunha-se a regressar a Belém, quando “ouve dizer” que lá governava Arquelau, filho de Herodes. Instala-se nele o medo. Realmente, à morte de Herodes (4 A.C.) Arquelau tinha 18 anos; mas como os judeus se opuseram a seu reinado, revoltando-se por não ter sido deposto o sumo sacerdote Joasar, ele mandou matar 3.000 judeus (Josefo, Ant. Jud. XVII, 9, 1). Mas à noite, outro sonho esclarece-o, indicando-lhe que se dirija à Galiléia, a “uma cidade chamada Nazaré”. Como estamos vendo, essa cidade constituía para Mateus uma “novidade absoluta”. Parece que José e Maria nem a conheciam. Como conciliar com as palavras de Lucas, de que eles eram da cidade de Nazaré, isto é, que lá tinham nascido e residiam normalmente? Teria sido mais fácil dizer que do Egito regressaram à sua cidade de Nazaré... pois lá eles possuíam casa, a oficina de carpinteiro de José, os parentes e amigos. Entretanto, Mateus desconhece tudo isso, mostra-o desejoso de ir para Belém (fazer o quê?) e só o aviso em sonho o faz dirigir-se para Nazaré, como se fora um local que eles pisassem pela primeira vez. E ainda explica: “para que se cumprisse a profecia, que o chama NAZOREU”. Nem é “nazareno”... Esse gentilício é usado quatro vezes por Marcos e duas vezes por Lucas. Mas o próprio Mateus emprega duas vezes nazoreu, que é utilizado uma vez por Lucas, três vezes por João, e sete vezes por Atos. Eram assim chamados (nazoreus) os cristãos por volta do ano 60 (At. 24:5). O Talmud denomina Jesus o NOZRI, e chama os cristãos NOZRIM. Notemos que não há profecia alguma que diga dever o Messias ser chamado “nazareno”, nem “nazoreu”. A única frase que poderia ser aplicada seria a de Isaías (11:1) quando diz que do tronco de Jessé sairá um rebento, e de suas raízes sairá um renovo (= nezêr) que frutificará. E o Espírito de YHWH se deterá nele. Tendo Mateus apresentado Jesus como o último rebento (o renovo) na genealogia, pode ter feito mentalmente uma aproximação, embora forçada. (PASTORINO, vol. 1, p. 90). A Palavra "Nazareno" aparece com mais freqüência sob a forma "Nazoreu" (nâshôray e nazôraios, em hebr. e grego). Porém, não se confunda essa palavra com "nazireu"! Com efeito, nos evangelhos temos onze vezes a forma nazoreu (Mt. 2:23 e 26:71; João, 18:5,7, e 19:19; Atos 2:22; 3:6; 4:10; 6:14; 22:8; 24:5 e 26:9) contra seis vezes a forma "nazareno" (Marc. 1:24; 10:47; 14:67 e 16:6, e Luc. 4:34 e 24:19). Mesmo neste local o texto de Mateus varia nos códices entre nazarenus (Vaticano e outros) e nazoreu (Sinaítico e outros). (PASTORINO, vol. 6, p. 129). É-nos muito mais fácil alinhar-nos com o pensamento de Pastorino, tendo em vista que, esse eminente teólogo, não mais preso aos dogmas, procurou apresentar, aos leitores, a verdade dos fatos, baseando-se nos inegáveis conhecimentos de exegese bíblica. O fato é que se ficarmos restritos ao texto de Mateus, não haverá outra alternativa senão aceitarmos que, quando cita-se que Jesus foi morar em Nazaré, queria que se entendesse por Nazareno como “homem de Nazaré”, mas ao citar que isso foi predito pelos profetas, disse algo que não é verdadeiro, pois, nenhum, mas nem um único só profeta disse textualmente que o Messias seria chamado de Nazareno. Quando nos apresentam Isaías como “salvador da pátria”, demonstram falta de análise contextual, ajeitando-se uma passagem que não tem nada a ver com o caso para derrubar a incoerência do texto bíblico objeto deste questionamento. Mediunidade no tempo de Jesus A mediunidade é uma faculdade humana que consiste na sintonia espiritual entre dois seres. Normalmente, a usamos para designar a influência de um Espírito desencarnado sobre um encarnado, muito embora, na definição de “médium”, dada por Kardec, não se discuta a identidade ou a natureza desses espíritos. Assim ele o define: “Todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência dos Espíritos é, por esse fato, médium. Essa faculdade é inerente ao homem; não constitui, portanto, um privilégio exclusivo”. (Livro dos Médiuns, cap. XIV, item 159, p. 203). Sendo assim, julgamos que, por se tratar de uma aquisição do espírito imortal, pouco importa a situação em que se encontrem esses dois seres, para que se processe a ligação espiritual entre eles. É comum, que ataques ao Espiritismo ocorram por conta desse “dom”, como se ele viesse a acontecer exclusivamente em nosso meio. Ledo engano, pois, conforme já o dissemos, é uma faculdade humana; e assim sendo, todos a possuem, variando apenas quanto ao seu grau, conforme nos asseverou Kardec, quando da seqüência de sua fala anterior: “Por isso mesmo, raras são as pessoas que dela não possuam alguns rudimentos. Pode, pois, dizer-se que todos são, mais ou menos, médiuns” (Livro dos Médiuns, cap. XIV, item 159, p. 203) Os detratores querem, por todos os meios, fazer com que as pessoas acreditem que isso é coisa nova, justamente para transparecer que só acontece no Espiritismo; mas podemos provar que a mediunidade não é coisa nova e que até mesmo Jesus dela pode nos dá exemplos. É o que veremos a seguir. Quando Jesus recomenda a seus doze discípulos divulgar que o “reino do Céu está próximo” fica evidenciado, aos que estudaram ou vivenciam esse fenômeno, que o Mestre estava falando mesmo era da faculdade mediúnica, uma vez que eles seriam inspirados pelo alto naquilo que deveriam dizer. Entretanto, por conta dos tradutores e/ou dos teólogos, essa realidade ficou comprometida no texto bíblico. Mas como não é possível “tapar o sol com uma peneira”, podemos, perfeitamente, identificá-la, apesar de que, em algumas situações, percebemos um certo esforço para escondê-la. O evangelista Mateus, ao narrar as recomendações de Jesus aos doze discípulos, para quando fossem divulgar a Boa Nova, disse o seguinte: Mt 10,19-20: “Quando vos entregarem, não fiqueis preocupados em saber como ou o que haveis de falar. Naquele momento vos será indicado o que deveis falar, porque não sereis vós que falareis, mas o Espírito de vosso Pai é que falará em vos”. Para comparação e análise, vamos colocar as outras passagens correlatas: Mc 13,11: "Quando conduzirem vocês para serem entregues, não se preocupem com aquilo que vocês deverão dizer: digam o que vier na mente de vocês nesse momento, porque não serão vocês que falarão, mas o Espírito Santo”. Lc 12,11-12: “Quando introduzirem vocês diante das sinagogas, magistrados e autoridades, não fiquem preocupados como ou com que vocês se defenderão, ou o que dirão. Pois, nessa hora o Espírito Santo ensinará o que vocês devem dizer”. Conforme alguns exegetas, nas passagens bíblicas em que a palavra grega pneuma não vem precedida de artigo, deve ser traduzida por “um espírito” e não “o Espírito”. Isso se deve ao fato de que, no grego, não existe artigo indefinido. A definição ou indefinição do sujeito, seria regida pela presença ou ausência do artigo. A presença do artigo indicaria definição, e a ausência, indefinição. É o que podemos encontrar em qualquer gramática de grego do Novo Testamento. Mas isso também irá depender de uma série de outras regras gramaticais, já que se trata de uma língua que tem as suas peculiaridades próprias. O que não justifica traduzir em todos os lugares onde falte o artigo por “o Espírito”, como acontece em algumas traduções, numa clara tentativa de estabelecer alguma relação com a trindade, que nada mais é do que uma corruptela das tríades de povos pagãos, já que estes, em geral, cultuavam três deuses. Em relação a essas passagens citadas, pesquisamos em Sabedoria do Evangelho, vol. 5, (pp. 97-98) de Carlos Torres Pastorino (1910-1980), formado em Teologia e Filosofia, por um Seminário Católico em Roma, catedrático em grego, hebraico e latim. Segundo seus estudos, somos informados de que, em grego, os textos se encontram desta forma: “tò pneuma = o espírito”, em Mt 10,20; “tò pneuma tò hágion = o Espírito o santo”, em Mc 13,11; “tò hágion pneuma = o santo Espírito”, em Lc 12,12. Assim, podemos observar que as narrativas não trazem a mesma palavra; Mateus diz “O Espírito do Pai”, Marcos “O Espírito o santo” e, finalmente, Lucas “o santo Espírito”. Pastorino, inclusive, ressalta, em relação a Lucas, o seguinte: “Há uma observação a fazer. Neste trecho (vers. 10 e 12) não aparece pneuma hágion, mas hágion pneuma; isto é, não 'Espírito Santo', mas 'Santo Espírito'”. (p. 96) Se, numa multiplicação, a ordem dos fatores não altera o produto, no caso gramatical isso altera e muito, pois uma coisa é afirmar santo espírito e outra é Espírito santo. No primeiro caso, trata-se de um espírito santificado, no segundo poder-se-á abrir precedentes para dizer que se trata de uma das pessoas atribuídas à trindade. Colocando mais lenha nessa fogueira, trazemos Marcos que diz “o espírito o santo” o que obviamente, não é a mesma coisa que dizer o Espírito Santo. Então, concluímos que, nessa passagem, o fenômeno mediúnico é inequívoco, já que, para nós, quem colocava palavras na boca dos discípulos eram um santo espírito, ou seja, um espírito bom. Principalmente, levando-se em conta as próprias palavras de Jesus: “não fiquem preocupados como ou com aquilo que vocês vão falar, porque, nessa hora, será sugerido a vocês”, que arremata: “Com efeito, não serão vocês que irão falar, e sim o Espírito do Pai de vocês é quem falará através de vocês”. (Mt 10,19-20) E, antes de sua morte, Jesus predisse a seus discípulos: Lc 21,12-15: "Mas, antes que essas coisas aconteçam, vocês serão presos e perseguidos; entregarão vocês às sinagogas, e serão lançados na prisão; serão levados diante de reis e governadores, por causa do meu nome. Isso acontecerá para que vocês dêem testemunho. Portanto, tirem da cabeça a idéia de que vocês devem planejar com antecedência a própria defesa; porque eu lhes darei palavras de sabedoria, de tal modo que nenhum dos inimigos poderá resistir ou rebater vocês”. Essa promessa de Jesus a seus discípulos, de que após a sua morte “daria palavras de sabedoria”, não é outra coisa senão que Ele do plano espiritual, exerceria influência sobre eles dando-lhes palavras de sabedoria, o que é, portanto, fenômeno mediúnico. Foi exatamente a mesma coisa que aconteceu com Paulo: “... vocês estão procurando uma prova de que é Cristo quem fala em mim...” (2Cor 13,3). Por outro lado, para aquelas passagens citadas há pouco, se não arredarmos o pé de que seja mesmo “o Espírito do Pai” ou “o Espírito Santo” a influenciar os discípulos, teremos que, forçosamente, admitir que o próprio Deus venha a se manifestar num ser humano. Pensamento absurdo como esse só pode ser fruto da falta de compreensão da grandeza de Deus, bem como, de suas formas de agir. Dizem os cientistas que no cosmo há cerca de 100 bilhões de galáxias; para cada uma delas estimam-se 100 bilhões de estrelas, fazendo do Universo uma coisa fora do alcance da limitada imaginação humana; mas, mesmo que à custa de um grande esforço, vamos imaginar tamanha grandeza. Bom; façamos agora a pergunta: o que criou tudo isso? Diante disso, admitir que esse ser possa estar pessoalmente inspirando uma pessoa é fora de propósito; coisa aceitável somente a povos primitivos, cujos conhecimentos não lhes permitem ir mais longe, por restrição imposta pelo seu habitat. Passando isso para o nosso dia-a-dia: é como um cidadão comum querer que o Presidente da Republica esteja à sua disposição para conversar com ele a qualquer hora, em qualquer lugar, esquecendo-se que esse cargo exige uma montanha de compromissos importantes que fica impraticável que ele, o Presidente, possa atender a todos. Uma estrutura administrativa pública foi criada justamente para isso, liberando o mandatário da nação somente para as questões de alta relevância. Ora, se o homem teve a capacidade de criar uma estrutura de ação frente aos seus semelhantes, por que Deus não poderia ter a sua? Ou será que os profetas e o próprio Jesus, na dimensão física, bem como, os anjos e demais espíritos, na dimensão espiritual, não fazem parte dessa estrutura? Agora perguntamos: Deus age diretamente? Acreditamos que não, por ter os anjos (espíritos puros) à sua disposição, cuja missão é realizar os Seus desejos e são eles que entram em contato com os homens para trazer as Suas revelações. Vejamos o que se diz nas Escrituras, em se referindo aos anjos: Hb 1,14: “Não são todos eles espíritos ministradores, enviados para servir a favor dos que hão de herdar a salvação?” Sobre essa questão de anjos ela merece uma explicação à parte; por isso, a colocaremos neste próximo tópico. Apresentamos, para comprovar que os anjos eram mesmo encarregados de transmitir a vontade de Deus, a passagem que relata uma visão de Cornélio: At 10,4: “O anjo lhe replicou: ‘Tuas orações e tuas esmolas chegaram até Deus e Ele se lembrou de ti’”. E mais uma; essa relativa ao anjo enviado a Zacarias: Lc 1,19: “O anjo respondeu-lhe: ‘Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus, e fui enviado para te falar e te trazer esta feliz nova’”. Vejamos agora várias ocorrências de aparições de anjos, que para uma melhor compreensão, dividiremos em itens, dada a peculiaridade de cada uma. a) anjo = homem Todos os quatro evangelistas narram aparições às mulheres que foram ao sepulcro, onde Jesus havia sido colocado. São elas: Mt, 28,1-8; Mc 16,1-7, Lc 24,1-8 e Jo 20,11-13. Embora exista divergência quanto à quantidade dos que apareceram, apenas queremos ressaltar que, enquanto Mateus e João dizem ser anjo(s), Marcos e Lucas afirmam ser homem(ns). O detalhe em que todos concordam é quanto às vestes que eram brancas como a neve ou brilhantes. Vamos apenas relatar a de Lucas, pois dela iremos fazer um destaque especial. Lc 24,1-8: “... Entraram e não acharam ali o corpo do Senhor Jesus. Não sabiam ainda o que pensar, quando apareceram dois homens com vestes brilhantes. Cheias de medo, inclinaram o rosto para o chão. Eles disseram: ‘Por que procurais entre os mortos quem está vivo? Não está aqui, mas ressuscitou...'...”. Aqui, os dois seres com “vestes brilhantes”, conversam com as mulheres, fato que identificamos como fenômeno mediúnico. Os espíritos evoluídos sempre aparecem em meio a muita luz; daí, vulgarmente, serem denominados de “espíritos de luz”. Em uma passagem mais à frente, Cléofas, falando desse episódio, disse: Lc 24,22-23: “É verdade que algumas mulheres... foram de madrugada ao túmulo, e não encontraram o corpo de Jesus. Então voltaram, dizendo que tinham visto anjos, e estes afirmaram que Jesus estava vivo”. Observe que na narrativa anterior foi dito de “dois homens com vestes brilhantes”, enquanto que aqui está se afirmando que as mulheres, ao falarem dessa ocorrência, disseram que haviam visto anjos. Há uma passagem interessante em que Jesus afirma que na ressurreição todos seremos como anjos do céu (Mt 22,30); portanto, nos iguala aos anjos; daí não ser difícil de se aceitar que anjo e espírito humano ressuscitado são seres da mesma natureza; em outras palavras, são a mesma coisa. Vamos a outra ocorrência: At 10,1-4: “... Cornélio, ... certo dia, lá pelas três da tarde, viu claramente em visão um anjo de Deus entrar em sua casa e chamá-lo. ‘Cornélio!’ Ele olhou para o anjo e, com medo, respondeu: ‘Que é o Senhor?’ O anjo lhe replicou: ‘Tuas orações e tuas esmolas chegaram até Deus e Ele se lembrou de ti’”. At 10,30-31: “Cornélio respondeu: ‘Faz três dias que, enquanto eu rezava em minha casa, lá pelas três da tarde, um homem com roupas muito claras apareceu na minha frente e me disse: ‘Cornélio, tua oração foi ouvida e tuas esmolas foram lembradas diante de Deus’”. Na primeira passagem descreve-se um anjo aparecendo a Cornélio; na segunda ele afirma que era “um homem com roupas muito claras”, que havia lhe aparecido, o que vem reforçar que anjos possuíam a forma humana. Não será por que são eles exatamente seres humanos desencarnados? Daí, inclusive, justificar-se o medo que Cornélio teve... Há um outro passo onde essa relação também é nítida; leiamo-la: Ap 22,8-9: “Eu, João,... ajoelhei-me para adorar o Anjo, aquele que me havia mostrado essas coisas. Mas ele não deixou: ‘Não! Não faça isso! Eu sou servo como você, como os seus irmãos, os profetas, e como aqueles que observam as palavras deste livro. É a Deus que você deve adorar’". Aqui é o próprio anjo que se iguala a João, em primeiro plano; e aos profetas e também aos que cumprem a vontade de Deus em seguida, deixando claro que ele é igual a um ser humano, sem qualquer privilégio. b) anjo = espírito Vejamos as passagens: At 8,26-29: “O anjo do Senhor dirigiu a Filipe estas palavras: ‘Tu irás rumo ao Sul, pela estrada que desce de Jerusalém a Gaza. Ela está deserta’. Filipe partiu imediatamente. Ora, vinha chegando um etíope,... que... tinha ido a Jerusalém para adorar a Deus. Agora voltava, lendo o profeta Isaías, sentado em sua carruagem. O Espírito disse a Filipe: 'Aproxima-te e acompanha essa carruagem'”. O texto inicia dizendo anjo para depois denominá-lo de espírito, o que evidencia ser tudo a mesma coisa, uma vez que consta do mesmo texto e do mesmo contexto. At 12,13-16: “Pedro bateu na porta de entrada; uma empregada, chamada Rosa, foi ao seu encontro. Ela reconheceu a voz de Pedro e, de tanta alegria, nem abriu a porta, mas correu para dentro, anunciando que Pedro estava na entrada. Disseram-lhe: ‘Estás delirando!’ Mas ela insistia, dizendo que era verdade. Observaram então: ‘Deve ser o anjo dele!’ Entretanto, Pedro continuava a bater, até que lhe abriram a porta, e viram que era mesmo ele e ficaram muito admirados”. Após um anjo libertar Pedro da prisão, ele se dirige à casa da mãe de João (Marcos), onde estavam reunidas várias pessoas em oração. Rosa, a pessoa que atende à porta, reconhece a voz de Pedro; mas, ao invés de abrir a porta, sai correndo para dar a notícia aos outros. Entretanto, eles não acreditaram nela, pois pensavam que Herodes já havia mandado matar Pedro, já que o prendeu com essa intenção. Assim, como o supunham morto, disseram que só poderia “ser o anjo dele”. Então concluímos que o “ser o anjo dele” aqui é a possibilidade de alguém morto aparecer; isso não é senão o que, em outras palavras, poderia ser dito: “ser o espírito dele”. Assim, podemos compreender que, àquela época, anjo significava também espírito. A questão é: o que é espírito? A resposta que poderemos dar é: são seres humanos desencarnados. c) Espírito = homem Embora não estivéssemos querendo sair do Novo Testamento, somos obrigados, para um maior esclarecimento, a buscar no Antigo Testamento uma passagem que vem corroborar tudo quanto estamos afirmando aqui. Tb 5,4-6.11-14: “Tobias saiu para procurar uma pessoa que pudesse ir com ele até a Média e conhecesse o caminho. Logo que saiu, encontrou o anjo Rafael bem à frente dele, mas não sabia que era um anjo de Deus. Tobias lhe perguntou: ‘De onde você é, rapaz?’ Ele respondeu: ‘Sou israelita, seu compatriota, e estou aqui procurando trabalho’. Tobias lhe perguntou: ‘Você sabe o caminho para a Média?’ Ele respondeu: ‘Sim. Já estive lá muitas vezes e conheço bem todos os caminhos. Fui muitas vezes à Média, e me hospedei na casa do nosso compatriota Gabael, que mora em Rages, na Média. São dois dias de viagem de Ecbátana até Rages, pois Rages fica na região montanhosa e Ecbátana fica na planície’. Tobit lhe perguntou: ‘Meu irmão, de que família e tribo você é?’ ... Rafael respondeu: ‘Sou Azarias, filho do grande Ananias, um compatriota seu’. Tobit disse: ‘... Acontece que você é parente meu e vem de uma família honesta e honrada. Conheço bem Ananias e Natã, os dois filhos do grande Semeías...’”. Apesar desse livro constar apenas em Bíblias católicas, resolvemos colocá-lo aqui assim mesmo, já que irá ajudar-nos em nosso propósito de estudo. Observe que o anjo Rafael afirma ser um israelita compatriota de Tobias, cujo pai diz conhecer-lhe a família, dizendo, inclusive, que são parentes. Rafael, o anjo, em sua fala disse conhecer bem a região, para onde Tobias desejava ir, propondo ser seu guia. Se supusermos que o anjo Rafael seja, em realidade, um espírito desencarnado que viveu naquelas bandas e que, por isso, conhece bem a região, tudo isso não se encaixaria perfeitamente? Podemos até acreditar no contrário, desde que alguém nos prove que os anjos vivem perambulando aqui na Terra e sendo recebidos pelas pessoas. d) nome de anjo = nome de homem No item anterior já encontramos “um anjo” como o nome de Rafael (Deus curou). Aquele que apareceu a Zacarias, afirmou chamar-se Gabriel (homem de Deus) (Lc 1,19), e encontramos ainda mais um de nome Miguel (= quem é como Deus?), o arcanjo (Jd 9). Se anteriormente não se aplicava a matemática, aqui podemos aplicá-la certamente. Se “B” é igual a “A” e “C” igual a “A”, então “B” é igual a “C”. Vejamos, então: se anjo é igual a homem, se homem é igual a espírito e, ainda, se anjo é espírito, então anjo, homem e espírito são iguais. A conclusão que chegamos é que é bem provável que em todas as passagens em que aparecem anjos e espíritos estamos a falar de seres humanos desencarnados. E para confirmar essa nossa conclusão, trazemos o pastor Rev. Haraldur Nielsson (1868-1928), com essas qualificações: teólogo, professor universitário, tradutor – traduziu para o Irlandês o Antigo Testamento a pedido da Sociedade Bíblica Inglesa, fundador da Sociedade de Estudos Psíquicos. Disse ele: De resto, acho que há muitas passagens no Novo Testamento que indicam, exatamente, que se compreendia, pela palavra “espírito” (em grego pneuma), a “alma de um morto”. (...) Se Deus é, em Hebreus XII, 9, chamado o “Deus dos Espíritos”, o dicionário indica que a palavra espírito significa tanto as almas dos homens mortos como as dos anjos. Posso ainda acrescentar, sobre o assunto, que o Cristo foi chamado, várias vezes, depois da sua ressurreição, de pneuma e, indiscutivelmente, se tratava de “alma de um morto”, pois que ele vivera na Terra. (NIELSSEN, 1983, p. 88). Há uma passagem em que fica clara essa questão do intercâmbio com os espíritos e com os anjos; leiamo-la: At 23,7-9: “Quando ele [Paulo] disse isto, surgiu uma acirrada discussão entre os fariseus e saduceus, e assim a multidão ficou dividida. É que os saduceus dizem que não há ressurreição, nem anjo, nem espíritos, enquanto que os fariseus admitem todas estas coisas. Houve então uma enorme gritaria e alguns dos escribas partidários da seita dos fariseus se levantaram e declaravam energicamente: ‘Nada de mal encontramos neste homem. Quem sabe se não foi um espírito que lhe falou? Ou talvez um anjo?’”. Não resta, portanto, dúvida alguma que isso era fato comum, ou seja, a mediunidade como uma ocorrência verificada naquela época. A única coisa que não conseguimos estabelecer, aqui nessa passagem, foi saber qual a diferença que faziam entre espírito e anjo. O maior tormento de um médium é tornar-se uma presa de espíritos inferiores, pois dessa influência, muitas vezes, sozinho, não consegue desvencilhar-se. A sintonia com esses espíritos se estabelece por afinidade vibracional, cujas vítimas são os médiuns que ainda não conquistaram sua elevação moral, consolidada nos ensinamentos do Mestre Jesus. Sobre esse assunto disse Kardec: Pululam em torno da Terra os maus Espíritos, em conseqüência da inferioridade moral de seus habitantes. A ação malfazeja desses Espíritos é parte integrante dos flagelos com que a Humanidade se vê a braços neste mundo. A obsessão que é um dos efeitos de semelhante ação, como as enfermidades e todas as atribulações da vida, deve, pois, ser considerada como provação ou expiação e aceita com esse caráter. Chama-se obsessão à ação persistente que um Espírito mau exerce sobre um indivíduo. Apresenta caracteres muito diferentes, que vão desde a simples influência moral, sem perceptíveis sinais exteriores, até a perturbação completa do organismo e das faculdades mentais... (KARDEC, A Gênese, 1995, p.304). Quando isso ocorre, dizemos que a pessoa está obsedada. Entre os tipos de obsessão podemos citar a possessão. É fato indiscutível para nós, os Espíritas, que toda pessoa que está sob obsessão é um médium. A questão agora é a seguinte: podemos encontrar essa ocorrência no tempo de Jesus? Acreditamos que sim. Vejamos algumas passagens onde se percebe isso: Mt 10,1: “Então Jesus chamou seus discípulos e deu-lhes poder para expulsar os espíritos maus, e para curar qualquer tipo de doença e enfermidade”. Mc 3,11: “Vendo Jesus, os espíritos maus caíam a seus pés gritando: ‘Tu és o Filho de Deus!’" Lc 7,21: “Nessa mesma hora, Jesus curou muitas pessoas de suas doenças, males e espíritos maus, e fez muitos cegos recuperar a vista”. Lc 8,1-2: “... Jesus andava por cidades e povoados,... os Doze iam com ele, e também algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos maus e doenças: Maria, chamada Madalena, da qual haviam saído sete demônios;”. Então temos aqui, nessas passagens, a comprovação de que a obsessão não é coisa nova, porquanto os espíritos maus já faziam das suas desde há muito tempo. Outras passagens, interessantíssimas por sinal, podemos citar, principalmente para se ter uma idéia de até onde pode chegar uma influência espiritual. Em todas essas passagens se relata a influência demoníaca; e estamos falando exatamente disso. Observar que no último passo acima (Lc 8,1-2) é citado primeiramente “espíritos maus” e depois “demônios”, do que concluímos que está se falando da mesma coisa com nomes diferentes. Em corroboração a isso, podemos ainda relacionar: PassagemEvangelistaTermo utilizadoMuitos PossessosMateus 8,16 Marcos 1,32-34 Lucas 4,40-41Espíritos Demônios DemôniosO possesso de GerasaMateus 8,28-34 Marcos 5,1-13 Lucas 8,26-39Demônios Espírito impuro e demônio Espírito impuro e demôniosO possesso de CafarnaumMarcos 1,21-28 Lucas 4,31-37Espírito impuro Espírito de demônio impuro e demônioA filha da mulher CananéiaMateus 15,21-28 Marcos 7,24-30Demônio Espírito impuro e demônioO menino mudo e epiléticoMateus 17,14-21 Marcos 9,14-29 Lucas 9,37-43Demônio Espírito Espírito, demônio e espírito impuro Vamos relatar apenas uma dessas passagens, para confirmar o que Kardec disse sobre até onde pode chegar a influência dos espíritos inferiores: Mc 5,1-13: “Jesus e seus discípulos chegaram à outra margem do mar, na região dos gerasenos. Logo que Jesus saiu da barca, um homem possuído por um espírito mau saiu de um cemitério e foi ao seu encontro. Esse homem morava no meio dos túmulos e ninguém conseguia amarrá-lo, nem mesmo com correntes. Muitas vezes tinha sido amarrado com algemas e correntes, mas ele arrebentava as correntes e quebrava as algemas. E ninguém era capaz de dominá-lo. Dia e noite ele vagava entre os túmulos e pelos montes, gritando e ferindo-se com pedras. Vendo Jesus de longe, o endemoninhado correu, caiu de joelhos diante dele e gritou bem alto: ‘Que há entre mim e ti, Jesus, Filho do Deus altíssimo? Eu te peço por Deus, não me atormentes!’ O homem falou assim, porque Jesus tinha dito: "Espírito mau, saia desse homem!’ Então Jesus perguntou: ‘Qual é o seu nome?’ O homem respondeu: ‘Meu nome é 'Legião', porque somos muitos’. E pedia com insistência para que Jesus não o expulsasse da região. Havia aí perto uma grande manada de porcos, pastando na montanha. Os espíritos maus suplicaram: ‘Manda-nos para os porcos, para que entremos neles’. Jesus deixou. Os espíritos maus saíram do homem e entraram nos porcos. E a manada - mais ou menos uns dois mil porcos - atirou-se monte abaixo para dentro do mar, onde se afogou”. A força descomunal que esse obsedado possuía, sob a influência dos espíritos maus, era tanta que nem mesmo correntes o seguravam. Vivia no cemitério e à noite vagava pelos montes gritando como um tresloucado. E um fato mais grave ainda lhe acontecia, pois tais espíritos – “meu nome é legião, porque somos muitos” – faziam com que esse pobre coitado viesse a ferir-se com pedras. A informação de que demônios e espíritos são a mesma coisa, é, em parte, admitida por Champlin, quando de seus comentários sobre Mc 5,2 se refere à palavra “os demônios”: Esse vocábulo era empregado, no grego clássico, ocasionalmente como sinônimo do termo “theos”, “deus”. Assim usou Homero (século IX A.C.). Por outros autores, entretanto, a palavra foi utilizada para indicar certas divindades subordinadas, que inocentavam os deuses maiores da prática de muitas maldades; e é provável que por causa dessa mesma circunstância é que a palavra eventualmente passou a significar alguma entidade sobrenatural cujo propósito é o de praticar a maldade. Esse termo também tem sido usado para referir-se às almas dos homens que, por ocasião da morte, são elevados a determinados privilégios, e, posteriormente, passou a indicar os espíritos humanos em geral, partidos deste mundo. Gradualmente esse vocábulo foi-se limitando aos espíritos malignos em geral, exclusivamente, sem qualquer definição sobre a origem ou natureza desses espíritos. Nada de realmente certo se encontra sobre a origem dos demônios, nas páginas da Bíblia, ainda que muitos creiam que sejam os anjos caídos que seguiram a Satanás (Ver Apo 12:7-9 com Apo 12: 3,4). Mas outros estudiosos acreditam (conforme criam muitos dos antigos) que são espíritos dos mortos que ainda não entraram em qualquer estado bem determinado de transição. Outros ainda, sustentam que os demônios pertencem a ambas essas ordens de seres. Muitos psicólogos modernos duvidam que exista realmente a possessão por meio de espíritos, mas a experiência universal com tais espíritos desaprova essas dúvidas. Alguns daqueles que se ocupam de pesquisas psíquicas, nestes últimos anos, estão convencidos da realidade do mundo dos espíritos, tanto bons como maus. É uma completa tolice pensar que simplesmente porque não podemos ver os espíritos eles não existem – todavia, alguns sensíveis (pessoas psiquicamente dotadas) asseveram que podem ver ocasionalmente aos espíritos, e alguns deles vêem-nos regularmente. É fato sobejamente conhecido que os sentidos humanos são extremamente limitados, não percebendo muitas coisas que sabemos que realmente existem, como por exemplo, a força chamada lei da gravidade; e assim, a maior parte deste mundo totalmente físico continua imperceptível para os nossos sentidos (e quanto menos o mundo espiritual)! Assim, pois, afirmar alguém que algo não existe simplesmente porque os seus sentidos não são aptos a captá-lo, mostra que esse alguém se deixa levar por preconceitos. Mas uma coisa que sabemos bem é que não sabemos praticamente coisa alguma acerca do universo em que vivemos. Não obstante, existem muitas evidências inequívocas, perceptíveis até mesmo para os sentidos humanos, que confirmam a existência de um mundo dos espíritos ao nosso redor. Era ponto teológico comum, entre os judeus (sendo ensinado nas escolas teológicas judaicas dos fariseus e de outros), que os demônios, capazes de possuir e de controlar um corpo vivo, são espíritos de mortos partidos deste mundo, especialmente aqueles de caráter vil e de natureza perversa. (Ver Josefo, de Bello Jud. VII. 6.3). Os gregos, os romanos e outros povos antigos compartilhavam dessa crença. Alguns dos pais da igreja também aceitaram essa idéia, tais como Justino Mártir (150 D.C.) e Atenágoras. Tertuliano (150 D.C.) foi o primeiro pai da igreja a começar a modificar essa idéia, e deu origem à crença de que os demônios fazem exclusivamente parte de uma ordem de anjos decaídos. Finalmente, tendo aparecido o grande comentador Crisóstomo (407 D.C.), obteve aceitação geral a idéia de que os demônios não são espíritos humanos caídos, e, sim, pertencem à ordem de anjos caídos juntamente com Satanás. Essa idéia também prevalece na teologia moderna, apesar de ainda existirem alguns que se apegam à idéia mais antiga, como Lange (do Comentário de Lange), o qual acredita que aquilo que conhecemos pelo título de demônio pertence tanto à ordem de espíritos humanos que daqui partiram e que se tornaram parte de um nível mais baixo dos espíritos como à ordem de seres angelicais caídos. Lange, portanto, aceita ambos os pontos de vista. As próprias Escrituras nada nos informam acerca da origem dos demônios, pelo menos em termos bem definidos; por isso mesmo, a sua identificação com os anjos caídos pode representar ou não a verdade. Se isso representa a verdade, mesmo assim pode não representar a verdade inteira sobre a questão. Muitos casos de possessão demoníaca parecem demonstrar que alguns demônios, pelo menos, são de fato entidades que antes eram seres humanos comuns. Pois é possível que por enquanto, pelo menos parcialmente, estejamos dentro de um intervalo de tempo, antes do julgamento, e que os espíritos não foram ainda para o seu destino final; embora seja possível que exista alguma forma de comunicação entre certas dimensões espirituais (que podem até mesmo ser chamadas de hades) e os homens. Diversos exemplos bíblicos mostram que a comunicação com os mortos é algo que ocorre ocasionalmente. Nas Escrituras somos advertidos contra essa prática, mas não nos é dito ali que tal comunicação seja impossível. Existem evidências que parecem indicar que a posição assumida por Lange, de que os demônios pertencem a ambas as ordens: tanto espíritos humanos de mortos como seres pertencentes à ordem de anjos caídos – é a mais correta, embora nos faltem provas inequívocas quanto a isso. (CHAMPLIN, 2002, vol. 1, pp. 694-695). (itálico do original, negrito nosso). Um fato, que reputamos como de inquestionável ocorrência da mediunidade, aconteceu logo depois da morte de Jesus, quando os discípulos reunidos receberam “como que línguas de fogo” e começaram a falar em línguas, de tal sorte que, apesar da heterogeneidade do povo que os ouvia, cada um entendia o que falavam em sua própria língua. Fato extraordinário registrado no livro Atos dos Apóstolos, desta forma: At 2,1-6: “Quando chegou o dia de Pentecostes, todos eles estavam reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um barulho como o sopro de um forte vendaval, e encheu a casa onde eles se encontravam. Apareceram então umas como línguas de fogo, que se espalharam e foram pousar sobre cada um deles. Todos ficaram repletos do Espírito Santo, e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem. Acontece que em Jerusalém moravam judeus devotos de todas as nações do mundo. Quando ouviram o barulho, todos se reuniram e ficaram confusos, pois cada um ouvia, na sua própria língua, os discípulos falarem”. Nesse passo podemos identificar o fenômeno mediúnico conhecido como xenoglossia, que na definição do Aurélio é: A fala espontânea em língua(s) que não fora(m) previamente aprendida(s). Mas para mudar o sentido do texto alteram o artigo indefinido para o definido, quando a realidade seria exatamente de que estavam “repletos de um Espírito santo (bom)”. Isso é fato, pois segundo Pastorino, em Sabedoria do Evangelho, vol. 5, (pp. 97-98), o termo grego empregado no versículo 4 é pneuma hágion, ou seja, sem o artigo, portanto, a tradução correta seria “um espírito santo”. Fica tão evidente isso que na seqüência está dito que falavam em línguas “conforme o espírito lhes concedia”, ou seja, conforme aquele espírito específico, pois como em grego não há a palavra hágion (santo) não poderia ser traduzido por “o Espírito Santo”. Fato semelhante aconteceu, um pouco mais tarde, nomeado como o Pentecostes dos pagãos: At 10,44-46: “Pedro ainda estava falando, quando o Espírito Santo desceu sobre todos os que ouviam a Palavra. Os fiéis de origem judaica, que tinham ido com Pedro, ficaram admirados de que o dom do Espírito Santo também fosse derramado sobre os pagãos. De fato, eles os ouviam falar em línguas estranhas e louvar a grandeza de Deus...”. Episódio que confirma que “Deus não faz acepção de pessoas” (At 10,34); daí podermos estender à mediunidade não como uma faculdade exclusiva a um determinado grupo religioso, mas como algo que existe em todos os segmentos em suas expressões de religiosidade. Aqui, segundo Pastorino, em Sabedoria do Evangelho, vol. 5, (p. 97-98) os versículos 44 e 47 estão, respectivamente, em grego: tò pneuma tò hágion, ou seja, o Espírito o santo, portanto, não é Espírito Santo como consta dessa tradução. A bem da verdade não há como ninguém transmitir a mediunidade para outra pessoa. Entretanto, pelos relatos bíblicos, a imposição das mãos fazia com que houvesse sua eclosão, óbvio que naqueles que a possuíam em estado latente. Vejamos algumas situações em que isso ocorreu: a) Em Atos 8,17-19: “Então Pedro e João impuseram as mãos sobre os samaritanos, e eles receberam o Espírito Santo. Simão viu que o Espírito Santo era comunicado através da imposição das mãos. Então ele ofereceu dinheiro a Pedro e João, dizendo: ‘Dêem para mim também esse poder, a fim de que receba o Espírito todo aquele sobre o qual eu impuser as mãos’”. Simão era um mago que, com suas artes mágicas, deixava o povo da região de Samaria maravilhado. Mas, ao ver o “poder” de Pedro e João, ficou impressionado com o que fizeram; daí lhes oferece dinheiro, a fim de que dessem a ele esse poder, para que sobre todos os que ele impusesse as mãos, também recebessem o Espírito Santo. Em grego o v. 17 está sem artigo, no v. 18 não há o santo e o v.19, também sem artigo, significando que deveria ser “um espírito santo”, “o espírito” e “um espírito santo”, respectivamente, conforme Pastorino, no livro já citado. b) Em Atos 19,1-7: “Enquanto Apolo estava em Corinto, Paulo atravessou as regiões mais altas e chegou a Éfeso. Encontrou aí alguns discípulos, e perguntou-lhes: ‘Quando vocês abraçaram a fé receberam o Espírito Santo?’ Eles responderam: ‘Nós nem sequer ouvimos falar que existe um Espírito Santo’. Paulo perguntou: ‘Que batismo vocês receberam?’ Eles responderam: ‘O batismo de João’. Então Paulo explicou: ‘João batizava como sinal de arrependimento e pedia que o povo acreditasse naquele que devia vir depois dele, isto é, em Jesus’. Ao ouvir isso, eles se fizeram batizar em nome do Senhor Jesus. Logo que Paulo lhes impôs as mãos, o Espírito Santo desceu sobre eles, e começaram a falar em línguas e a profetizar. Eram, ao todo, doze homens”. Será que podemos entender que o batismo de Jesus é “receber o Espírito Santo”, conseguido pela imposição das mãos? A narrativa nos leva a aceitar essa hipótese; apenas ressalvamos quanto à expressão “o Espírito Santo”. No grego está: v. 2, pneuma hágion e no v.6 tò pneuma tò hágion, cuja tradução, pela ordem, é “um espírito santo” e “o espírito o santo”; não é como está nessa tradução. Igualmente estamos usando Pastorino, mais uma vez. Na estrada de Damasco, Paulo, que até então perseguia os cristãos, numa ocorrência transcendente, se encontra com Jesus, passando, a partir daí, a segui-lo. Durante o seu apostolado se comunicava diretamente com o Espírito de Jesus, demonstrando sua incontestável mediunidade. Aliás, o apóstolo Paulo foi quem mais entendeu do fenômeno mediúnico; tanto que existem recomendações preciosas de sua parte aos agrupamentos cristãos de então. Ele o chamava de “dons do Espírito” e dizia: “sobre os dons do Espírito, irmãos, não quero que vocês fiquem na ignorância” (1Cor 12,1), mostrando-se interessado em que todos pudessem conhecer tais fenômenos. E esclarece o apóstolo dos gentios: 1Cor 12,4-11: “Existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo; diferentes serviços, mas o Senhor é o mesmo; diferentes modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos. A um, o Espírito dá a palavra de sabedoria; a outro, a palavra de ciência segundo o mesmo Espírito; a outro, o mesmo Espírito dá a fé; a outro ainda, o único e mesmo Espírito concede o dom das curas; a outro, o poder de fazer milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, o dom de falar em línguas; a outro ainda, o dom de as interpretar. Mas é o único e mesmo Espírito quem realiza tudo isso, distribuindo os seus dons a cada um, conforme ele quer”. Se aqui entendermos que “o Espírito” é na realidade “um Espírito”, baseando-nos nos conhecimentos do intercâmbio entre os dois planos da vida, estaremos, indubitavelmente, diante da faculdade mediúnica, bastando “ter olhos de ver”. Ao que parece, naquela época, os médiuns se preocupavam mais com a xenoglossia, e Paulo, para desfazer esse engano, faz várias recomendações aos coríntios (1Cor 14,1-25), entre elas disse ele: “Procurem o amor. Entretanto, aspirem aos dons do Espírito, principalmente à profecia. Pois aquele que fala em línguas não fala aos homens, mas a Deus. Ninguém o entende, pois ele, em espírito, diz coisas incompreensíveis. Mas aquele que profetiza fala aos homens: edifica, exorta, consola. Aquele que fala em línguas edifica a si mesmo, ao passo que aquele que profetiza edifica a assembléia. Eu desejo que vocês todos falem em línguas, mas prefiro que profetizem. Aquele que profetiza é maior do que aquele que fala em línguas, a menos que este mesmo as interprete, para que a assembléia seja edificada...”. (1Cor 14,1-5) Destaque especial para o versículo 12, pois é dele que fala o Rev. Haraldur Nielsson, em O Espiritismo e a Igreja. Leiamos o que o pastor Nielsson disse: E, em outra passagem do mesmo capítulo, diz: “Assim também vós, pois que aspirais dons espirituais (isto é, desenvolver a mediunidade e entram em relação com os espíritos) seja isto para edificação da Igreja e que os procureis possuir em abundância. (I Cor., XIV, 12)”. No texto grego está “espíritos” e não “dons espirituais” como menciona a tradução dinamarquesa da Bíblia. Em muitas traduções da Bíblia, esta passagem está vertida em sentido confuso, apesar de não haver a menor dúvida quanto à verdadeira significação dos termos gregos do texto original: epei zelotai este penumaton. Os tradutores e os revisores da Bíblia nem sempre têm tido a coragem de traduzir, exatamente, as Escrituras Sagradas, o que não nos causa espanto. Os teólogos prenderam os seus sistemas dogmáticos em pesadas e estreitas cadeias. Por outro lado, leigos ortodoxos, em muitos países, não podem suportar a verdadeira tradução por julgarem que ela destrói os seus dogmas. Tenho alguma experiência sobre o assunto e falo do que conheço. (NIELSSEN, 1983, p. 49-50). Um pouco atrás citamos uma passagem (2Cor 13,3) que nos leva à conclusão de que Paulo era um médium notável, razão pela qual pôde, por experiência própria, orientar aos outros. Algumas circunstâncias que apóiam a sua mediunidade: At 9,3-17: “Durante a viagem, quando já estava perto de Damasco, Saulo se viu repentinamente cercado por uma luz que vinha do céu. Caiu por terra, e ouviu uma voz que lhe dizia: ‘Saulo, Saulo, por que você me persegue?’ Saulo perguntou: ‘Quem és tu, Senhor?’ A voz respondeu: ‘Eu sou Jesus, a quem você está perseguindo. Agora, levante-se, entre na cidade, e aí dirão o que você deve fazer’. ...Então Ananias saiu, entrou na casa e impôs as mãos sobre Saulo, dizendo: ‘Saulo, meu irmão, o Senhor Jesus, que lhe apareceu quando você vinha pelo caminho, me mandou aqui para que você recupere a vista e fique cheio do Espírito Santo". At 16,7-10: “Chegando perto da Mísia, eles tentaram entrar na Bitínia, mas o Espírito de Jesus os impediu. Então atravessaram a Mísia e desceram para Trôade. Durante a noite, Paulo teve uma visão: na sua frente estava de pé um macedônio que lhe suplicava: ‘Venha à Macedônia e ajude-nos!’ Depois dessa visão, procuramos imediatamente partir para a Macedônia, pois estávamos convencidos de que Deus acabava de nos chamar para anunciar aí a Boa Notícia”. Na primeira passagem Jesus lhe aparece e conversa com ele; na segunda é um macedônio quem lhe aparece numa visão e pede ajuda, fatos que provam a mediunidade de Paulo. Observe que no início da aparição se fala sobre uma luz que vinha do céu, exatamente o que dissemos sobre como os espíritos puros se apresentam. Inúmeras passagens bíblicas nos dão conta de que várias pessoas receberam a influência do Espírito Santo; entretanto, parece-nos ser essa uma questão controversa, pois muitas delas falam de “um espírito santo” e não de “o Espírito Santo”, já que a diferença entre o artigo indefinido e o definido aqui é fundamental para sabermos de quem está se falando. Anteriormente já citamos algumas dessas passagens, e, por agora, só acrescentaremos mais essa: Lc 11,13: “Se vocês, que são maus, sabem dar coisas boas aos filhos, quanto mais o Pai do céu! Ele dará o Espírito Santo àqueles que o pedirem". O teólogo Pastorino, em Sabedoria do Evangelho (vol. 2, p. 139), assim traduz essa passagem: “Ora, se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai, o do céu, dará um espírito bom aos que lho pedirem!”. Realmente, a expressão usada em grego é pneuma hágion; portanto, seria “um” espírito santo; quer dizer, um espírito bom, conforme nos diz Pastorino. Dessa forma fica evidenciado que Deus envia espíritos bons para ajudar aos que Lho pedem. O que ainda não conseguimos entender é como o Espírito Santo é citado em várias passagens bíblicas, sem ao menos se darem conta de que isso não poderia ter ocorrido. Senão vejamos: Jo 7,39: “Jesus disse isso, referindo-se ao Espírito que deveriam receber os que acreditassem nele. De fato, ainda não havia Espírito, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado”. Jo 14,16-17.26: “Então, eu pedirei ao Pai, e ele dará a vocês outro Advogado, para que permaneça com vocês para sempre. Ele é o Espírito da Verdade, que o mundo não pode acolher, porque não o vê, nem o conhece. Vocês o conhecem, porque ele mora com vocês, e estará com vocês. Mas o Advogado, o Espírito Santo, que o Pai vai enviar em meu nome, ele ensinará a vocês todas as coisas e fará vocês lembrarem tudo o que eu lhes disse". Jo 16,12-14: "Ainda tenho muitas coisas para dizer, mas agora vocês não seriam capazes de suportar. Quando vier o Espírito da Verdade, ele encaminhará vocês para toda a verdade, porque o Espírito não falará em seu próprio nome, mas dirá o que escutou e anunciará para vocês as coisas que vão acontecer. O Espírito da Verdade manifestará a minha glória, porque ele vai receber daquilo que é meu, e o interpretará para vocês”. Portanto, se Jesus ainda não tinha sido glorificado, o Espírito Santo não poderia aparecer. Até mesmo porque se Deus é trino, e se Jesus é Deus, como dizem, então estando Ele encarnado (Jesus = Deus) entre nós, conseqüentemente, todas as pessoas da trindade também estariam, uma vez que só assim poderá valer o tal do “três em um”. A ocorrência em que os discípulos recebem o Espírito Santo, justamente após Jesus ter sido glorificado, é essa: Jo 20,21-22: “Jesus disse de novo para eles: ‘A paz esteja com vocês. Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês’. Tendo falado isso, Jesus soprou sobre eles, dizendo: ‘Recebam o Espírito Santo’”. Tudo se explicaria bem até aqui; mas a coisa se complica, pois em grego está “um espírito santo”, o que nos faz crer que toda vez que é citado o “Espírito Santo”, na verdade, está-se referindo a um espírito bom, santificado, uma vez que a trindade, para quem pesquisa, é apenas uma aculturação de crenças pagãs. Se o que estamos concluindo está correto, aí fica fácil entender uma recomendação de João a respeito do intercâmbio com os espíritos. Leiamo-la: 1Jo 4,1-6: “Amados, não acrediteis em qualquer espírito, mas examinai os espíritos para ver se são de Deus; pois muitos falsos profetas vieram ao mundo. Nisto reconheceis o espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio na carne é de Deus; e todo espírito que não confessa Jesus não é de Deus; é este o espírito do Anticristo. Dele ouvistes dizer que ele virá; e agora ele já está no mundo. Nós somos de Deus. Quem conhece a Deus nos ouve, quem não é de Deus não nos ouve. Nisto reconhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro”. Sendo o intercâmbio feito com toda a sorte de Espíritos, João, sabiamente, adverte às comunidades cristãs da Ásia Menor, para que não se deixassem levar pelas artimanhas dos espíritos maus, e verificassem os espíritos vinham da parte de Deus; se eram “espíritos da verdade” ou “espíritos do erro”. A advertência de João para “examinai os espíritos” (no plural) é completamente sem sentido se ele estivesse falando do Espírito Santo como querem alguns que seja Dele que o apóstolo fala. Como define a Doutrina Espírita, o fenômeno mediúnico nada mais é do que uma ocorrência de ordem natural. Podemos identificá-lo desde os mais remotos tempos da humanidade, e não poderia ser diferente, pois, em se tratando de uma manifestação de uma faculdade humana, deverá ser mesmo tão velha quanto a permanência do homem aqui na Terra. Mas, infelizmente, a intolerância religiosa, a ignorância e, por vezes, a má-vontade, para não dizer a má-fé, não permitiram que fosse divulgada da forma correta, ficando mais por conta de uma ocorrência sobrenatural, que só acontecia a uns poucos privilegiados. Coube ao Espiritismo a desmistificação desse fenômeno, com a sua explicação racional. Kardec nos deixou um legado importantíssimo para todos que possam se interessar pelo assunto, quando lança O Livro dos Médiuns, que recomendamos a todos que buscam o conhecimento dessa fenomenologia, que, infelizmente, ainda é muito incompreendida em nossos dias. Cabe-nos, por dever, ressaltar que nem todos comungam com o dogmatismo religioso. Assim é que podemos citar, como um bom exemplo, o comentário de R.N. Champlin, Ph. D., sobre Atos 12,15, uma das passagens que analisamos nesse estudo. Diz ele: Aqueles primitivos crentes devem ter crido que os mortos podem voltar a fim de se manifestarem aos vivos, através da agência da alma. Observemos que a segunda alternativa, por eles sugerida, sobre como Pedro poderia estar no portão, era que ele teria sido morto e que o seu “anjo” ou “espírito” havia retornado. Portanto, aprendemos que aquilo que é ordinariamente classificado como doutrina “espírita” era crido por alguns membros da igreja cristã de Jerusalém. Isso não significa, naturalmente, que eles pensassem que tal fosse a regra nos casos de morte; porém, aceitaram a possibilidade da comunicação dos espíritos, que a atual igreja evangélica, especialmente em alguns círculos protestantes dogmáticos, nega com tanta veemência. O famoso escritor evangélico C.S. Lewis apareceu a J.B. Philips tradutor de bem conhecida tradução do Novo Testamento para o inglês, por duas vezes, após a sua morte, e se assentou naturalmente em sua sala de estar, tendo conversado com ele como se nada tivesse acontecido que pudesse ser classificado como falecimento. Porém, por toda a parte abundam histórias de fantasmas, e muitos céticos negam tudo. Todavia, há muitos desses fenômenos, sob tão grande variedade, e cruzam todas as fronteiras religiosas, para que se possa duvidar dos mesmos como fatos. Algumas vezes os mortos voltam, e entram em comunicação com os vivos. Os teólogos judeus aceitavam isso como um fato, havendo entre eles a crença comum de que os “demônios” são espíritos humanos maus, desencarnados. Essa idéia era forte na igreja cristã até o século V D.C., tendo sido apresentada por pais da igreja como Clemente de Alexandria, Justino Mártir e Orígenes, os quais também acreditavam na possibilidade do retorno e até mesmo da reencarnação de alguns espíritos, com o propósito de realizarem ou continuarem suas missões. (Ver esta doutrina em Mat. 16.14). Os essênios, dos quais João Batista parece ter sido membro, também mantinham crenças idênticas. É um equívoco cercarmos as doutrinas de muralhas, supondo em vão que somente nós, da moderna igreja cristã do século XX, temos as corretas interpretações das verdades bíblicas. Ainda temos muito a aprender, sobre muitas questões, e convém que guardemos nossas mentes abertas, pelo menos o suficiente para permitirmos a entrada de uma réstia de luz. Sabemos pouquíssimo sobre o mundo intermediário dos espíritos e supomos que o estado “eterno” já existe, o que todas as evidências mostram não ser ainda assim. (CHAMPLIN, 2002, vol. 3, p. 250). (itálico do original, negrito nosso). Assim, temos uma esperança muito grande em relação ao futuro, pois sabemos que aos poucos, essas verdades serão disseminadas, exatamente como na parábola de Jesus sobre o semeador que saiu a semear (Mt 13,3-9). Parafraseando Tiradentes: "VERITAS QUAE SERA TAMEM" (verdade ainda que tardia). Mistérios ocultos aos doutos e inteligentes Vemos que Jesus, em determinadas situações, não era muito claro em seus ensinamentos, falava numa linguagem simbólica. Ao ser indagado, pelos seus discípulos, do porquê disso, respondeu: "Porque a vocês foi dado conhecer os mistérios do Reino do Céu, mas a eles não” (Mt 13,11). Por outro lado, aos que acham que Jesus tenha dito tudo, enganam-se, pois afirmou: "Ainda tenho muitas coisas para dizer, mas agora vocês não seriam capazes de suportar” (Jo 16,12), numa demonstração inequívoca de que não disse tudo o que poderíamos supor que Ele deveria dizer. Quando disse: "Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25), não estava querendo dizer que fazia as coisas propositadamente para esconder aos sábios e inteligentes, mas, sim, porque esses orgulhosos do saber não percebem as coisas simples, onde reside a verdadeira sabedoria. Vamos ver como essas coisas simples podem ser encontradas nos seus ensinamentos. Mt 4,17: “Jesus começou a pregar, dizendo: 'Convertam-se, porque o Reino do Céu está próximo'". Inicia sua vida pública concitando a todos que mudem de vida, reconhecendo em cada ser um espírito com potencial de evolução inestimável. Deposita plena confiança em cada um de nós. Mt 5,5: “Felizes os mansos, porque possuirão a terra”. Como poderíamos aplicar essas palavras de Jesus num mundo tão conturbado, onde a violência parece imperar? Quando acontecerá isso? Será que Jesus estaria enganado ou, quem sabe, nos enganando? Acreditamos que não. O homem, ainda preso aos dogmas religiosos das igrejas cristãs tradicionais, não conseguiu perceber que leis imutáveis regem o Universo. Que para isso acontecer teremos que associar algumas dessas leis; juntando a lei de ação e reação, a lei do progresso e a lei da reencarnação, encontraremos essa verdade estabelecida por Jesus de que os mansos possuirão a Terra. Sabemos que o progresso espiritual do ser é um fato, e que, em relação à Terra, toda a leva de espíritos pertinazes no erro, será lançada em “trevas exteriores onde haverá pranto e ranger de dentes” (Mt 8,12), com a orientação de que “daí não sairá, enquanto não pagar até o último centavo” (Mt 5,26); mas a misericórdia divina os haverá de recuperar, já que “o Pai que está no céu não quer que nenhum desses pequeninos se perca” (Mt 18,14). Mt 5,29-30: “Se o olho direito leva você a pecar, arranque-o e jogue-o fora! É melhor perder um membro, do que o seu corpo todo ser jogado no inferno. Se a mão direita leva você a pecar, corte-a e jogue-a fora! É melhor perder um membro do que o seu corpo todo ir para o inferno”. Imagem dura se não a vermos com ponderação. Mas, primeiramente, por mais fiel à palavra de Deus que seja, existirá algum “pecador” que faça isso? Já ouvimos alguns casos de pessoas se mutilando, justificando estar seguindo recomendação bíblica; entretanto, isso não passa de fanatismo, incompatível com uma fé raciocinada. Não encontramos ninguém que aprovasse uma atitude dessa; mas por que não fazem isso, esses fundamentalistas já que se apegam à letra? Será que é por que esses doutos e inteligentes não conseguem perceber o espírito dessa determinação? Se assim for, não deve ser seguido literalmente por ninguém, mesmo que tais doutos e inteligentes afirmem ser isso “a palavra de Deus”. Como se vê, a mensagem contida nessa passagem é muito mais profunda, já que nos leva a entender que devemos cortar de nossa personalidade tudo aquilo que nos separa de Deus e nos impede de viver uma vida plena e feliz, pois é melhor "anularmos" nossa personalidade e viver uma vida feliz do que mantermos nossos defeitos arraigados e acoroçoados e irmos parar num inferno, ou seja, com eles ter nossas vidas transformadas num inferno, seja nesta existência ou em existências futuras. Mt 5,48: “Portanto, sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês que está no céu". Isso não é exatamente a lei do progresso de que Jesus estaria falando? Poderíamos numa só vida chegar a esse nível de perfeição que nos recomenda o Mestre? Todos nós fomos criados simples e ignorantes, com a faculdade de usarmos o nosso livre-arbítrio para escolher o nosso caminho em busca da perfeição de acordo com a vontade de Deus. Embora enveredemos por caminhos tortuosos, longe da meta final estabelecida por Deus a todos nós, por isso, a busca da perfeição é necessária, pois é da vontade de Deus que isso aconteça. Jesus mostrou a perfeição do Pai como alvo, viveu à altura dessa perfeição e, por isso, se tornou o melhor modelo para seguirmos, conforme Kardec sabiamente se referiu: Para o homem, Jesus constitui o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a expressão mais pura da lei do Senhor, porque, sendo ele o mais puro de quantos têm aparecido na Terra, o Espírito Divino o animava. Quanto aos que, pretendendo instruir o homem na lei de Deus, o têm transviado, ensinando-lhes falsos princípios, isso aconteceu por haverem deixado que os dominassem sentimentos demasiado terrenos e por terem confundido as leis que regulam as condições da vida da alma, com as que regem a vida do corpo. Muitos hão apresentado como leis divinas simples leis humanas estatuídas para servir às paixões e dominar os homens. (KARDEC, O Livro dos Espíritos, 1995, p. 308). Ademais, Ele não nos pediria algo que estivesse fora de nosso alcance. Mt 9,2: “Nisso, levaram a ele um paralítico deitado numa cama. Vendo a fé que eles tinham, Jesus disse ao paralítico: ‘Coragem, filho! Os seus pecados estão perdoados’". Analisando essa passagem poderá alguém pensar que os nossos erros serão simplesmente perdoados, o que, a nosso ver, é um engano. Isso porque vai de encontro ao “a cada um segundo suas obras” (Mt 16,27), ficando, portanto, estabelecida a suposta contradição. O perdão divino acontecerá, quando a lei de ação e reação for literalmente cumprida, ou seja, tenha sido pago até o último centavo. Se Jesus disse ao paralítico que irá perdoar os seus pecados, implicitamente fala da lei de ação e reação, demonstrando que tal enfermidade, a paralisia, lhe aconteceu por conta de seus erros. Tal fato poderá ser comprovado, quando, numa outra oportunidade, disse a um outro paralítico, que pouco antes havia curado, “vê ficaste curado, não tornes a pecar para que não te suceda coisa pior” (Jo 5,14). Mt 11,11-12: “Eu garanto a vocês: de todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do que João Batista. No entanto, o menor no Reino do Céu é maior do que ele. Desde os dias de João Batista até agora, o Reino do Céu sofre violência, e são os violentos que procuram tomá-lo.” Veja que interessante: João Batista é o maior (mais evoluído) que todos os homens aqui na Terra; entretanto, no reino do céu é o menor. Mas onde ocorreu essa evolução dele e a dos outros espíritos? Será que Deus os teria criado perfeitos, enquanto a nós outros a necessidade de amargar para evoluir? Isso se coaduna com algum senso de justiça? Uma outra coisa: sendo João Batista contemporâneo de Jesus como explicar o “desde os dias de João Batista”? Senão admitindo que João era realmente o Elias reencarnado, posto que a preposição “desde” indica um ponto de referência no tempo, que só pode ser no passado. Assim, diríamos: “desde os dias em que João era Elias até agora, o Reino do Céu sofre violência...” Mt 16,27: “Porque o Filho do Homem virá na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com a própria conduta”. Aos que buscam no perdão puro e simples ou na filiação a determinada corrente religiosa a sua tábua de salvação, ficarão, no dia do juízo, decepcionados, pois, conforme nos ensina Jesus, o que salva é o “a cada um segundo suas obras”. Plenamente em consonância com a Lei de ação e reação, pois “todos os que usam da espada, pela espada morrerão” (Mt 26,52). Mt 18,14: “Do mesmo modo, o Pai que está no céu não quer que nenhum desses pequeninos se perca". Paulo, numa extraordinária percepção espiritual, disse: “Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes nem as forças das alturas ou das profundidades, nem qualquer outra criatura, nada nos poderá separar do amor de Deus, manifestado em Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 8,38-39); juntando-se essa sua fala à de Jesus, fica evidente que o amor de Deus para conosco é infinitamente maior do que aquilo que denominamos de pecado. Como um ser tão pequeno, como nós o somos, poderia atingir, por qualquer ato, a divindade cósmica, o Grande Arquiteto do Universo? Somente por pura ignorância humana, que, não possuindo capacidade de entender a Deus, passa a atribuir como se fossem Seus os mais variados sentimentos próprios de seres ínfimos, espiritualmente falando. Devemos entender Deus nessa grandeza a que nos remete Jesus, e dentro disso ninguém se perderá; para isso, as três leis básicas já citadas são as que novamente deverão se encaixar aqui. Mt 21,31: “... Então Jesus lhes disse: ‘Pois eu garanto a vocês: os cobradores de impostos e as prostitutas vão entrar antes de vocês no Reino do Céu’”. Às vezes passamos por determinada narrativa do Evangelho sem lhe perceber o alcance. Quando a ficha cai, como se diz popularmente, aí passamos a ver quão profundo é o ensinamento ali contido. Sabemos que tanto os cobradores de impostos, quanto às prostitutas, eram consideradas gentes de má vida; mas, mesmo assim, Jesus diz que ambos os tipos de pessoas vão entrar no reino do céu, e que até mesmo os sacerdotes e fariseus, apesar de toda a hipocrisia que possuíam, também lá chegariam, apenas que aqueles outros chegariam primeiro do que eles. Isso vem, incontestavelmente, derrubar a idéia de penas eternas apregoadas por aí, usadas como um verdadeiro terrorismo religioso, já que o próprio Jesus nos disse: “Se vocês, que são maus, sabem dar coisas boas a seus filhos, quanto mais o Pai de vocês que está no céu dará coisas boas aos que lhe pedirem” (Mt 7,11). Na análise das inúmeras passagens bíblicas só encontraremos o verdadeiro significado delas com a chave que a Doutrina Espírita nos dá, porquanto essa é única forma de conciliar os ensinamentos de Jesus com a misericórdia, a justiça e o amor infinitos de Deus. Fora disso é limitar o infinito, por absoluta incapacidade de voar mais alto rumo ao entendimento das enigmáticas leis da Natureza, que refletem esses atributos divinos em sua mais evidente expressão. Obviamente “os doutos e inteligentes” não conseguirão perceber essas nuanças de que estamos falando, pois é deles justamente que Jesus falava; atingiremos preferencialmente os pequenos, já que são para eles os ensinos de Jesus, e deles não nos afastamos um milímetro sequer. “Quem tem ouvidos que ouça” (Mt 11,15). João Batista é mesmo Elias? Pelo fato de não aceitarem a reencarnação, muitas pessoas têm defendido a tese de que João Batista não teria sido Elias em nova encarnação. Evidentemente, partem de uma interpretação pessoal, completamente associada ao dogmatismo religioso em que vivem, resultando em algo que pouco ou nada tem a ver com os textos bíblicos. Faremos um estudo para ver qual é a realidade, esperando responder à pergunta inicial; mas, como sempre, em relação a esses, de quem falamos, não alimentamos a mínima pretensão de demovê-los de suas idéias com o que resultar desse estudo. A única coisa que irá modificar-lhes o pensamento é, por ironia do próprio destino, só mesmo a reencarnação, já que ela é uma lei natural que não pergunta a ninguém se nela crê ou não, para que lhe sujeite e se cumpra o “é necessário nascer de novo”. Vamos analisar algumas passagens bíblicas para elucidar o caso. O povo hebreu esperava a volta de Elias confiante numa profecia do Antigo Testamento, que afirma sobre o seu retorno. Leiamo-la: Ml 3,1: “Vejam! Estou mandando o meu mensageiro para preparar o caminho à minha frente. De repente, vai chegar ao seu Templo o Senhor que vocês procuram, o mensageiro da Aliança que vocês desejam. Olhem! Ele vem! diz Javé dos exércitos”. Mais à frente esse mensageiro é identificado pelo mesmo profeta Malaquias, que, segundo pudemos levantar, viveu cerca de 400 anos a.C. (Bíblia Sagrada, Barsa, Dicionário Prático, p. 165): Ml 3,22-24[9]:“Lembrem-se da Lei do meu servo Moisés, que eu mesmo lhe dei no monte Horeb, estatutos e normas para todo o Israel. Vejam! Eu mandarei a vocês o profeta Elias, antes que venha o grandioso e terrível Dia de Javé. Ele há de fazer que o coração dos pais voltem para os filhos e o coração dos filhos para os pais; e assim, quando eu vier, não condenarei o país à destruição total”. O passo seguinte é quando, no tempo de Herodes, rei da Judéia, um sacerdote chamado Zacarias recebe a visita de um anjo, que lhe anuncia que sua mulher Izabel, apesar de estéril, daria a luz a uma criança, cujo nome deveria ser João (Lc 1,5-13). Caracterizando essa criança, o anjo Gabriel declara a Zacarias: Lc 1,14-18: “... ele vai ser grande diante do Senhor. Ele não beberá vinho, nem bebida fermentada e, desde o ventre materno, ficará cheio do Espírito Santo. Ele reconduzirá muitos do povo de Israel ao Senhor seu Deus. Caminhará à frente deles, com o espírito e o poder de Elias, a fim de converter os corações dos pais aos filhos e os rebeldes à sabedoria dos justos, preparando para o Senhor um povo bem disposto”. Afirmando que a criança virá “com o espírito e o poder de Elias”, se usa da linguagem de época, para confirmar que aquela criança seria o espírito de Elias reencarnado. Isso se confirma quando, na seqüência, é dito “a fim de converter os corações dos pais aos filhos”, exatamente como disse Malaquias na profecia que anteriormente citamos (Ml 3,22-24), na qual também afirma categoricamente que Elias haveria de voltar: “eu mandarei a vocês o profeta Elias” No dia em que o menino foi levado para ser circuncidado, Zacarias, mudo por castigo imposto pelo anjo, escreve, numa tábua, o nome que deveria ser dado a seu filho: João. Fez isso porque queriam dar à criança o mesmo nome do pai ou de algum parente. Logo após, Zacarias profetiza dizendo várias coisas (Lc 1,67-79), e dentre elas destacamos: Lc 1,76-77: “... E a você, menino, chamarão profeta do Altíssimo, porque irá à frente do Senhor, para preparar-lhe os caminhos, anunciando ao seu povo a salvação e perdão dos pecados”. Isso confirma, primeiro, a profecia anterior de Malaquias e, segundo, o que o anjo Gabriel havia dito a Zacarias, como para não pairar dúvidas de quem era aquele menino, embora, nos dias de hoje, haja os que, por puro dogmatismo, não enxergam isso. Na narrativa, em que se relata o início da pregação de João Batista, lemos: Lc 3,3-6: “E João percorria toda a região do rio Jordão, pregando o batismo de conversão para o perdão dos pecados, conforme está escrito no livro do profeta Isaías: ‘Esta é voz daquele que grita no deserto: preparem o caminho do Senhor, endireitem suas estradas. Todo vale será aterrado, toda a montanha e colina serão aplainadas; as estradas curvas ficarão retas, e os caminhos esburacados serão nivelados. E todo homem verá a salvação de Deus’”. Relaciona-se, portanto, João a mais uma passagem aceita como sendo uma profecia a respeito da vinda do mensageiro. Mais à frente, João Batista é preso por Herodes e, da prisão, envia seus discípulos a Jesus. Logo após esse encontro de Jesus com os discípulos de João, ele, o Mestre, em se referindo à “voz que clama no deserto” diz: Mt 11,7-15: “O que é que vocês foram ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? O que vocês foram ver? Um homem vestido com roupas finas? Mas aqueles que vestem roupas finas moram em palácios de reis. Então, o que é que vocês foram ver? Um profeta? Eu lhes afirmo que sim: alguém que é mais do que um profeta. É de João que a Escritura diz: 'Eis que eu envio o meu mensageiro à tua frente; ele vai preparar o teu caminho diante de ti'. Eu garanto a vocês: de todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do que João Batista. No entanto, o menor no Reino do Céu é maior do que ele. Desde os dias de João Batista até agora, o Reino do Céu sofre violência, e são os violentos que procuram tomá-lo. De fato, todos os Profetas e a Lei profetizaram até João. E se vocês o quiserem aceitar, João é Elias que devia vir. Quem tem ouvidos, ouça”. Na afirmação de que “é de João que a Escritura diz”, Jesus está relacionando João Batista exatamente à profecia de Malaquias a respeito do envio do mensageiro (Ml 3,1), identificado pelo próprio profeta como sendo Elias (Ml 3,22-24). Há aqui uma frase que nunca vimos ninguém comentar; entretanto, ela é muito singular. Estamos falando da frase: “Desde os dias de João Batista até agora”, expressão que, por lógica, só faria sentido se João Batista não fosse contemporâneo de Jesus. Mas acreditamos que é realmente isso que Jesus, de forma indireta, está afirmando o que, em outras palavras, poderia ser dito assim: “Desde os dias de Elias até agora”, já que, na seqüência, ele arremata claramente que João é Elias, aquele mesmo que havia de vir. Na certeza de que muitos não acreditariam, completa: “quem tem ouvidos, ouça”, ou seja, quem quiser acreditar que acredite: João Batista é mesmo o Elias reencarnado. Vale observar que Jesus nunca impôs sua maneira de pensar a ninguém, exemplo que muitos não se preocupam e nem fazem questão de seguir, principalmente, aqueles que tentam incutir na cabeça dos outros suas interpretações pessoais dos textos bíblicos; seriam eles os falsos profetas de quem Jesus sempre falava? Em Mt 7,21-23 ele nos dá algumas pistas sobre quem seriam esses falsos profetas: usariam o nome dele para: (1) profetizar; (2) expulsar demônios e (3) fazer muitos milagres. Será que é deles que estamos falando? Fica a resposta por sua conta, caro leitor. Como explicar que João Batista seja o maior de todos os homens, mas que no Reino do Céu ele é o menor? Somente com a possibilidade de evolução individual de cada um de nós. Se isso não for verdade, haveremos de, forçosamente, acreditar que Deus age com parcialidade, contrariando a afirmação de que “Deus não faz acepção de pessoas” (At 10,34), o que faria de Sua “justiça” uma justiça por demais humana, privilegiando algumas pessoas em detrimento de outras. Em outra passagem Jesus volta, novamente, a afirmar sobre João ser Elias. Ei-la: Mt 17,1-13: “Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, os irmãos Tiago e João, e os levou a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. E se transfigurou diante deles: o seu rosto brilhou como o sol, e as suas roupas ficaram brancas como a luz. Nisso lhes apareceram Moisés e Elias, conversando com Jesus. Então Pedro tomou a palavra, e disse a Jesus: ‘Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés, e outra para Elias’. Pedro ainda estava falando, quando uma nuvem luminosa os cobriu com sua sombra, e da nuvem saiu uma voz que dizia: ‘Este é o meu Filho amado, que muito me agrada. Escutem o que ele diz’. Quando ouviram isso, os discípulos ficaram muito assustados, e caíram com o rosto por terra. Jesus se aproximou, tocou neles e disse: ‘Levantem-se, e não tenham medo’. Os discípulos ergueram os olhos, e não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus. Ao descerem da montanha, Jesus ordenou-lhes: ‘Não contem a ninguém essa visão, até que o Filho do Homem tenha ressuscitado dos mortos’. Os discípulos de Jesus lhe perguntaram: ‘O que querem dizer os doutores da Lei, quando falam que Elias deve vir antes?’ Jesus respondeu: ‘Elias vem para colocar tudo em ordem. Mas eu digo a vocês: Elias já veio, e eles não o reconheceram. Fizeram com ele tudo o que quiseram. E o Filho do Homem será maltratado por eles do mesmo modo’. Então os discípulos compreenderam que Jesus falava de João Batista”. Transcrevemos a passagem por completo para podermos melhor explicá-la. Os espíritos Moisés e Elias aparecem no monte Tabor e conversam com Jesus, fato que Pedro, Tiago e João testemunham (e ainda dizem que os mortos não se comunicam...). Os discípulos, lembrando-se das profecias a respeito da volta de Elias, ficam intrigados; daí pensaram: se Elias está aqui, então como nas Escrituras se diz que ele voltaria? Em conseqüência pedem uma explicação a Jesus: “O que querem dizer os doutores da Lei, quando falam que Elias deve vir antes?”. A resposta de Jesus sobre isso é categórica: “Elias já veio, e eles não o reconheceram”. Fato que por si só se explica porque o espírito que animou Elias estava reencarnado como João Batista; entretanto, nem todos o reconheceram. É por isso que no texto consta “eles”, os doutores da Lei, e não “ninguém”, que abrangeria o desconhecimento por parte de todo mundo, inclusive, dos apóstolos, de que João era Elias. Quanto aos apóstolos, pelos menos quanto a Pedro, Tiago e João, podemos dizer que apenas queriam essa confirmação por parte de Jesus, pois já supunham que João era mesmo Elias. Será interessante vermos essa passagem pela narrativa de Marcos, leiamo-la: Mc 9,2-13: “Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e seu irmão João, e os levou sozinhos a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. E se transfigurou diante deles. Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas, como nenhuma lavadeira no mundo as poderia alvejar. Apareceram-lhes Elias e Moisés, que conversavam com Jesus. Então Pedro tomou a palavra e disse a Jesus: 'Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias'. Pedro não sabia o que dizer, pois eles estavam com muito medo. Então desceu uma nuvem e os cobriu com sua sombra. E da nuvem saiu uma voz: 'Este é o meu Filho amado. Escutem o que ele diz!' E, de repente, eles olharam em volta e não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus com eles. Ao descerem da montanha, Jesus recomendou-lhes que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos. Eles observaram a recomendação e se perguntavam o que queria dizer 'ressuscitar dos mortos'. Os discípulos perguntaram a Jesus: 'Por que os doutores da Lei dizem que antes deve vir Elias?' Jesus respondeu: 'Antes vem Elias para colocar tudo em ordem. Mas, como dizem as Escrituras, o Filho do Homem deve sofrer muito e ser rejeitado. Eu, porém, digo a vocês: Elias já veio e fizeram com ele tudo o que queriam, exatamente como as Escrituras falaram a respeito dele'". Será que o “ressuscitar dos mortos” aí equivale a reencarnar? Os discípulos discutiam sobre o que queria dizer “ressuscitar dos mortos” e, ao que parece, não chegaram a um denominador comum; assim, querendo um esclarecimento, perguntam a Jesus sobre a volta de Elias. Obviamente, se estavam conversando sobre ressurreição dos mortos, e nessa conversa sai o nome de Elias, é porque, certamente, tinham Elias como morto e não como um arrebatado. Embora tudo isso quanto colocamos até aqui, seja claro aos que não estão encabrestados por sua liderança religiosa, ainda vão continuar aparecendo dogmáticos com argumentos contrários a essa verdade bíblica, colocando Jesus como mentiroso, já que foi Ele quem disse que João era Elias, e não nós, os Espíritas, fato que não há como contestar. Falta-nos ainda fazer uma análise da passagem que relata a morte de João Batista; é o que faremos agora; mas, primeiro, leiamo-la: Mt 14,7-11: “Então Herodes prometeu com juramento que lhe daria tudo o que ela pedisse. Pressionada pela mãe, ela disse: 'Dê-me aqui, num prato, a cabeça de João Batista.' O rei ficou triste, mas por causa do juramento na frente dos convidados, ordenou que atendessem o pedido dela, e mandou cortar a cabeça de João na prisão. Depois a cabeça foi levada num prato, foi entregue à moça, e esta a levou para a sua mãe”. Considerando que a reencarnação está diretamente associada à lei de causa e efeito, a morte de João Batista é mais um fato que se ajusta ao nosso conjunto de provas, pois ele morreu exatamente da mesma forma que, quando estava encarnado como Elias, fez perecer os sacerdotes de Baal: teve a cabeça cortada. Vejamos o relato: 1Rs 18,40: “Então Elias disse a eles: ‘Agarrem os profetas de Baal. Não deixem escapar nenhum’. E eles os agarraram. Elias fez os profetas de Baal descer até o riacho Quison, e aí os degolou”. 1Rs 19,1: “Acab contou a Jezabel o que Elias tinha feito e como tinha matado a fio de espada todos os profetas”. E para que ninguém diga que a lei de causa e efeito não é bíblica, como ao gosto dos dogmáticos, apresentamos para sustentação do nosso entendimento as seguintes passagens: Jó 4,8: “Pelo que eu sei, os que cultivam injustiça e semeiam miséria, são esses que as colhem”. Jo 8,34: “Jesus respondeu: ‘Eu garanto a vocês: quem comete o pecado, é escravo do pecado’”. Mt 26,52: “Jesus, porém, lhe disse: ‘Guarde a espada na bainha. Pois todos os que usam da espada, pela espada morrerão’”. Gl 6,7: “Não se iludam, pois com Deus não se brinca: cada um colherá aquilo que tiver semeado”. Há uma passagem em que Jesus ressalta a lei de causa e efeito ao estabelecer uma correlação entre a doença de uma pessoa como conseqüência de, anteriormente, ter “pecado”. É o caso de um paralítico, que assim se encontrava há dezoito anos, que foi curado num dia de sábado. Pouco tempo depois Jesus o encontra no templo e lhe diz: “Olha que já estás curado; não peques mais, para que não te suceda coisa pior” (Jo 5,14). Não resta dúvida que, perante essa fala de Jesus, podemos concluir que a paralisia desse homem estava diretamente relacionada a um “pecado” cometido por ele, embora pelo texto não dê para sabermos se foi ou não de uma outra vida. Jesus ainda lhe adverte que se pecar outra vez a doença poderá ser pior, reafirmando essa lei. Vamos agora analisar as principais objeções que se levantam contra João Batista ser Elias reencarnado. As dividiremos em dois grupos; um específico quanto a essa questão e o outro mais genérico, onde argumentam contra a reencarnação, dizendo que não é bíblica e que Jesus nunca pregou tal coisa. Convém ressaltar que as genéricas, não raro, têm sido usadas como rota de fuga e de compensação, perante a inocuidade das objeções específicas. 1ª - Elias não poderia ter reencarnado porque não morreu, mas foi arrebatado. Se João, o Batista, fosse mesmo Elias reencarnado, Elias teria de ter morrido para reencarnar. Ora, sabemos que Elias nunca morreu, pois foi arrebatado vivo ao céu (2Rs 2,11). Perguntamos aos espíritas qual o texto da Bíblia que confirma a morte de Elias? A resposta é: nenhum. Elias não morreu. Será que os espíritas aceitariam a Bíblia como um livro inspirado, ou vão torcer o significado do texto? O grande problema é que muitas pessoas acreditam piamente em tudo que consta da Bíblia, como se, realmente, ela fosse, “capa a capa”, de inspiração divina. Certamente, o seria se não houvesse nela a mínima contradição; e, no entanto, podemos ver que elas existem; mas só percebem isso os que estão livres das “viseiras dogmáticas”. No presente caso, acontecem várias. Vejamo-las: a) Gn 3,19: “... tu és pó e ao pó tornarás”. Elias, caso tivesse sido arrebatado, não teria voltado ao pó conforme o que Deus estabeleceu aqui nessa passagem como coisa que acontecerá a todo ser humano. b) 1Cor 15,50: “Isto afirmo, irmãos, que carne e sangue não podem herdar o reino de Deus...”. Se Elias foi arrebatado, certamente que foi para o reino dos céus no corpo físico, ou seja, com sua carne e seu sangue, fato que vem contrariar o que está aqui dito nesse passo. c) Jo 3,13: “Ora, ninguém subiu ao céu, senão aquele que de lá desceu, a saber, o Filho do homem”. Se o arrebatamento de Elias for verdadeiro, então ele subiu ao céu, e antes do que Jesus, o que contradiz essa fala de Jesus, que foi a única pessoa que havia subido ao céu, e ninguém mais, conforme suas próprias palavras. d) Hb 9,27: “... aos homens está ordenado morrerem uma só vez...”. Se Elias não morreu - nem uma única vez -, fica evidente que essa passagem não se cumpriu. e) At 10,34: “... Reconheço por verdade que Deus não faz acepção de pessoas;...”. Explica-nos o Houaiss que acepção é: “escolha, predileção por alguém; inclinação, tendência em favor de pessoa(s) por sua classe social, privilégios, títulos etc.”. Conseqüentemente, se tal do arrebatamento aconteceu a Elias, há evidente contradição com o texto aqui citado. E, por outro lado, considerando que Tiago disse que “Elias é homem fraco como nós” (Tg 5,17), qual seria então, a razão desse suposto privilégio de Elias, já que ele é igual a nós? f) Jo 6,63: “O espírito é que vivifica; a carne para nada aproveita;...”. Na possibilidade de Elias ter sido arrebatado, ele foi “em carne” para o mundo espiritual; mas isso é estranho em função do “a carne para nada se aproveita”; porquanto, nessa passagem, fica claro que o Espírito é que é o mais importante. g) Jo 4,24: “Deus é Espírito...”. Agora, sim, é que as coisas se tornaram mais incoerentes, uma vez que Deus, sendo espírito - essa é a nossa semelhança para com Ele -, certamente vive em seu reino nessa condição. Entretanto, Elias teria que viver em corpo físico, caso tivesse sido arrebatado. Se for verdade o que disse Jesus, de que o “reino dos céus está dentro de vós” (Lc 17,21), então ele não é um lugar, mas um estado de consciência, ficando, portanto, sem qualquer sentido alguém ser arrebatado fisicamente. h) 2Cr 21,12: “Então lhe chegou às mãos uma carta do profeta Elias”. Nesse livro, o de Crônicas, está se afirmando que Elias envia uma carta a Jorão (forma abreviada de Jeorão), fato que comprova que ele não foi arrebatado coisíssima nenhuma, uma vez que o envio dessa carta aconteceu cerca de dez anos depois do seu suposto arrebatamento, o que comprovamos com: “De acordo com a cronologia de 2Rs, Elias tinha desaparecido antes do reinado de Jorão de Israel (2Rs 2; 3,1) e, portanto, antes de Jorão de Judá (2Rs 8,16; cf. no entanto 2Rs 1,17)” (Bíblia de Jerusalém, p. 607). A não ser que o correio daquela época não tenha sido tão eficiente quanto o atual e tenha atrasado a entrega dessa carta. É em 2Rs 2,11 que se narra o suposto arrebatamento de Elias, fato que causa divergência mesmo entre os teólogos; vejamos a opinião de uma equipe de tradutores católicos e protestantes: “O texto não diz que Elias não morreu, mas facilmente se pôde chegar a essa conclusão” (Bíblia de Jerusalém, p. 509). 2ª – No monte da transfiguração, quem apareceu foi Elias e não João Batista, como era de se esperar se João fosse a última encarnação de Elias. Se João Batista fosse a reencarnação de Elias, aquele que teria aparecido no monte da transfiguração, deveria ser João Batista e não Elias (Mt 17,1-6). Pois de acordo com a doutrina espírita: a última pessoa reencarnada é que deve aparecer. Obviamente que, como um princípio geral, isso está certo. Entretanto, há casos em que o espírito pode se manifestar com a aparência de qualquer outra encarnação, desde que tenha evolução espiritual para isso. O perispírito, como sendo o corpo espiritual, pode ser moldado à vontade do espírito, uma vez que ele possui entre suas propriedades a da elasticidade, que, com o poder do pensamento, permite ao espírito assumir uma outra aparência. Quanto mais evoluído for um espírito, mais facilmente conseguirá dirigir sua vontade para moldar o perispírito na aparência que desejar. No caso de João Batista, Jesus disse que entre os nascidos de mulher ele era o maior, assegurando, portanto, sua condição de espírito evoluído, embora Tiago tenha dito o contrário, fato que já citamos. 3ª - A Bíblia diz que João Batista teve o ministério parecido com o de Elias (Lc 1,17). Este versículo fica esclarecido se comparado com a história de Eliseu (2Rs 2,9-15). João Batista cumpriu funcional e profeticamente o ministério de Elias, pois entendemos o texto da seguinte maneira: João Batista, deveria fazer o seu ministério dentro do espírito ministerial de Elias (Ml 4,5-6; Lc 1,17). Em relação ao versículo que diz que João Batista ia no espírito de Elias (Lc 1,17), a Bíblia não diz que João Batista ia com o espírito de Elias. Existe uma grande diferença entre ir no espírito e ir com o espírito de Elias. A palavra no significa no mesmo ímpeto, semelhante. Para provar essa colocação, vamos ver como João Batista e Elias eram semelhantes. JOÃO BATISTAELIASPerseguido por uma mulher (Herodias) e por um rei (Herodes). (Mt 14,3-5 e Mc 6,18-20)Foi perseguido por uma mulher (Jezabel) e por um rei (Acabe). (1Rs 19,1-3 e 1Rs 21,20)Usava uma capa de pelos. (Mt 3,4)Usava também uma capa. (1Rs 19,19)Era intrépido. (Lc 3,7)Também era intrépido. (1Rs 18,27)Foi o último profeta. (Lc 16,16)Simboliza os profetas. De doze livros bíblicos consultados [10], apenas quatro deles usam o “no”, o que, em termos percentuais, representa apenas 33% do total. Conseqüentemente, na maioria consta o termo “com”, e se nisto prevalecer a voz da maioria, então o argumento, aqui enfocado, cai por terra. Quanto à questão de ministério semelhante, é apenas uma tentativa inepta para que não fique evidenciada a idéia da reencarnação, uma vez que não é isso o que consta da Bíblia e nem mesmo poder-se-ia interpretar a passagem dessa maneira, uma vez que Jesus não deixou dúvidas ao dizer que “João é Elias que devia vir”. Se a intenção da profecia fosse mesmo indicar um “profeta semelhante”, bastaria a Malaquias usar a mesma expressão empregada em Dt 18,18, onde se diz: “Suscitarei um profeta semelhante a ti”. Vejamos agora a mencionada história de Elias e Eliseu: 2Rs 2,9-15: “Depois que passaram o rio, Elias disse a Eliseu: ‘Peça o que você quiser, antes que eu seja arrebatado da sua presença’. Eliseu pediu: ‘Deixe-me como herança dupla porção do seu espírito’. Elias disse: ‘Você está pedindo uma coisa difícil. Em todo caso, se você me enxergar quando eu for arrebatado da sua presença, isso que pede lhe será concedido; caso contrário, não será concedido’. E, enquanto estavam andando e conversando, apareceu um carro de fogo com cavalos de fogo, que os separou um do outro. E Elias subiu ao céu no redemoinho. Eliseu olhava e gritava: ‘Meu pai! Meu pai! Carro e cavalaria de Israel!’ Depois não o viu mais. Então Eliseu pegou sua própria túnica e a rasgou em duas partes. Pegou o manto de Elias, que havia caído, e voltou para a margem do Jordão. Segurando o manto de Elias, bateu com ele na água, dizendo: ‘Onde está Javé, o Deus de Elias?’ Bateu na água, que se dividiu em duas partes. E ele atravessou o rio. Ao vê-lo, os irmãos profetas, que estavam a certa distância, comentaram: ‘O espírito de Elias repousa sobre Eliseu’. Então foram ao seu encontro, se prostraram diante dele”. Para o espírito de Elias repousar sobre Eliseu, há de ter havido a morte do tesbita. De igual modo vemos, nos dias de hoje, ocorrendo com inúmeras pessoas, esse fenômeno de espírito repousar, o que para nós não é outra coisa senão a influência de um espírito desencarnado sobre um encarnado. Mas exigir que àquela época entendessem dessa forma é pedir muito, com certeza. A relação das semelhanças entre os dois profetas está mais para se confirmar que João Batista é mesmo Elias do que para qualquer outra coisa. Por outro lado, a profecia de Malaquias é clara quanto à promessa do envio de Elias, não de alguém semelhante a ele como mostramos, e nem Jesus disse que João era semelhante a Elias, como querem os dogmáticos, justamente para fugir sorrateiramente da idéia da reencarnação. 4ª - João Batista disse claramente que não era Elias. Em alguns passos parece haver uma idéia de reencarnação, mas combatemos tal idéia com a passagem bíblica: “Então, lhe perguntaram: Quem és, pois? És tu Elias? Ele disse: Não sou. És tu o profeta? Respondeu: Não”. (Jo 1,21). Assim, é o próprio João Batista que nega tal fato. O que ocorre é que, quando o espírito passa a habitar um corpo físico, ele perde temporariamente a lembrança de suas outras vidas; daí ser perfeitamente normal a resposta negativa de João Batista à pergunta se ele era Elias. Por outro lado, aí ficaremos num dilema, pois em quem devemos acreditar: em Jesus que afirmou categoricamente que João Batista era Elias; ou no próprio João que disse não ser? De nossa parte estamos com Jesus e pronto! Mas a lembrança de outras vidas pode surgir de uma hora para outra, o que, facilmente, poder-se-á confirmar lendo a obra do Dr. Ian Stevenson, Reincarnation and Biology: A Contribution to the Etiology of Birth Marks and Birth Defects, (Vol. I: Birthmarks, 1200 páginas e vol. II: Birth Defects and Other Anomalies, 1100 páginas) e a sinopse desse livro, Where Reincarnation and Biology Intersects: A Synops. Nessa obra o autor relata 225 casos de crianças que se lembraram de uma outra vida dos, nada menos, 2600 investigados por ele. A pesquisa do Dr. Stevenson, na opinião do pesquisador brasileiro, Dr. Hernani de Guimarães Andrade (1913-2003): (...) não-só representa a evidência definitiva da reencarnação, como ‘deita uma pá de cal’, em cima de qualquer argumentação negativista contra a ‘Lei da Reencarnação’. Não há mais lugar para dúvidas. De agora em diante, restará apenas a sofisticada e inútil controvérsia acerca da natureza ‘daquilo’ que passa de uma encarnação para outra... (ANDRADE, 2002, p. 107). Os que se apegam demais à negação, não se dão conta de que, se naquele tempo não acreditassem que uma pessoa que havia vivido pudesse viver novamente num outro corpo, não haveria sentido nessa pergunta feita a João Batista, fato que comprova que, àquela época, se acreditava na reencarnação, um dos significados para a palavra ressurreição. No Velho Testamento, temos um texto que nos mostra a existência de nossas vidas passadas, e que nós não nos lembramos delas: “Somos de ontem, e nada sabemos” (Jó 8,9). E é óbvio que esse ontem não se refere a um tempo anterior de 24 horas, mas a um passado remoto. Se João Batista não for mesmo Elias, então os cristãos que assim acreditam deveriam mudar de religião, já que é exatamente por esse motivo, ou seja, falta de cumprimento das profecias, que, para os judeus, Jesus não é o Messias e, por conseguinte, o judaísmo é que deveria ser a religião própria para abrigá-los. 5ª – A alegação de que Elias seja João Batista não procede, tanto pelo contexto das Escrituras quanto pela pregação dele. Quando o "Elias reencarnado" viu a Jesus, exclamou: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. Para ele, que viria restaurar todas as coisas, é Jesus, e não nós através de sucessivas vidas, que pagamos o preço pelos nossos pecados. A revelação completa que hoje está na Bíblia confere com o que João Batista trouxe, hoje não precisamos mais oferecer cordeiros em expiação, Cristo, o Cordeiro de Deus, hoje, é a nossa páscoa (1Cor 5,7). Como os cordeiros do Velho Testamento expiavam os pecados?? Como eles deveriam ser?? Pedro responde em sua carta: "Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver, que por tradição recebestes dos vossos pais, mas com precioso sangue, como de um cordeiro sem defeito e sem mancha, o sangue de Cristo" (1Pe 18,19). Apesar de João Batista ter dito “Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29), o fato é que ele também disse que “Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu, cujas sandálias não sou digno de levar...” (Mt 3,11). Portanto, em se considerando que o próprio João disse que Jesus é mais poderoso que ele, não pode prevalecer sua opinião à de Jesus. Reputamos ao Mestre a autoridade suprema para a qual devem convergir nossas atenções e prioridades. Neste caso, como ele identifica, claramente e sem rodeios, a identidade espiritual de João Batista, tornase de importância secundária o que possa advir de seus discípulos, que venha a contradizer a qualquer de seus ensinos, uma vez que: “Nenhum discípulo está acima do mestre...” (Mt 10,24). Portanto, preferimos crer que a palavra final cabe a Jesus e não a Pedro, Paulo, João Batista ou a qualquer outro, no sentido de João Batista ser mesmo Elias, tanto pelo contexto das escrituras quanto pela pregação dele a seus discípulos, para os quais ensinava claramente sobre os “mistérios do Reino de Deus”. Os mesmos que, por fim, “compreenderam que Jesus lhes tinha falado a respeito de João Batista” (Mt 17,13). Quanto à questão de que “o sangue de Jesus lavou nossos pecados”, trata-se de mais uma opinião pessoal de autores bíblicos, contrária ao que Ele pregou. “A cada um segundo suas obras” (Mt 16,27), a parábola do bom samaritano (Lc 10,25-37) e a do juízo final (Mt 25,31-46), são passagens que asseguram que realmente nós mesmos é que nos salvamos. Os discípulos apenas transferiam a Jesus o papel da vítima do holocausto das práticas ritualísticas dos judeus, quando se matava um novilho, sem defeito, para a expiação dos pecados do povo. Diremos como Paulo de Tarso: “se Jesus morreu pelos nossos pecados: comamos e bebamos”, pois já estamos salvos. Entretanto, essa absurda idéia contém uma contradição, uma vez que, pelo costume da época, os pecados perdoados eram os anteriormente cometidos em relação ao momento do ritual. Não havia, portanto, nenhuma relação para com os pecados futuros. Podemos confirmar isso em “... Sua morte aconteceu para o resgate das transgressões cometidas no regime da primeira aliança; ...” (Hb 9,15) Por conseguinte, a crer nessa expiação dos pecados por Jesus, haveremos de arrumar outro Cristo para pagar pelos nossos, tomando-se como ponto de partida os ocorridos da sua morte até os dias de hoje. Outra opção é, quem sabe, ficar aguardando a vinda de um próximo “cordeiro”? E como fica o “não peques mais”? (Jo 5,14; 8,11). 6ª – João não era Elias, mas “o” Elias, ou seja, alguém com as qualidades de Elias. Ainda em nossos dias usamos esse estilo de expressão: "Nunca mais surgirá um Rui Barbosa". "O Ronaldinho é um verdadeiro Pelé". São termos comparativos. [Se acreditais na vinda de um Elias], "e, se quiserdes dar crédito, ele é o Elias que havia de vir" (Mt 11.14). Por suas mensagens vibrantes e seu corajoso desempenho diante de situações difíceis, Elias tornou-se símbolo dos profetas. Moisés, por exemplo, era símbolo da Lei (Lc 16.31). As profecias sobre a vinda de Elias não se contradizem. Muito pelo contrário. Vejam: Malaquias 4.5: "Eis que eu vos envio o profeta Elias, antes que venha o dia grande e terrível do Senhor; e converterei o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais; para que eu não venha e fira a terra com maldição". Lucas 1.15-17: "Porque será grande diante do Senhor, e não beberá vinho, nem bebida forte, e será cheio do Espírito Santo, já desde o ventre de sua mãe. E converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus. E irá adiante dele no espírito e virtude de Elias, para converter o coração dos pais aos filhos e os rebeldes, à prudência dos justos, com o fim de preparar ao Senhor um povo bem disposto". Logo, as profecias da vinda de Elias se cumpriram em João Batista. Portanto, Elias veio na pessoa de João Batista. É esta a real interpretação de Mateus 11.14 e 17.10-13. Os que assim argumentam se esquecem de mencionar que a frase "nunca mais surgirá um Rui Barbosa" não é sinônima de "nunca mais surgirá o Rui Barbosa", da mesma forma que correto é "Ronaldinho é um verdadeiro Pelé" e não "Ronaldinho é o verdadeiro Pelé". Por este motivo não consideramos que seja de uma boa lógica concluir que a expressão "ele é o Elias", seja o mesmo que dizer "ele é um Elias". Basta, para isso, observar atentamente como Jesus se expressa, de modo a não deixar sobre isso a menor sombra de dúvida: Mt 11,10: “É de João que a Escritura diz: 'Eis que eu envio o meu mensageiro à tua frente; ele vai preparar o teu caminho diante de ti'”. Mt 17,12: “Mas eu digo a vocês Elias já veio, e eles não o reconheceram”. E não adianta se apegar demais a esse pormenor, tendo em vista que a expressão “é o Elias” não consta de todas as traduções bíblicas como, por exemplo: Bíblia Pastoral - Paulus, Bíblia Anotada – Mundo Cristão e Escrituras Sagradas – Novo Mundo. Por outro lado, colocar Elias como corajoso é no mínimo falta de conhecimento bíblico, pois após ele degolar os profetas de Baal, foge, como se diz popularmente, com “o rabo entre as pernas”, de Jezabel, mulher de Acab, sétimo rei de Israel (875-853), que promete matá-lo por conta disso (1Rs 19,1-3). Há também algumas objeções genéricas que merecem ser comentadas: 1ª - Os judeus não criam em reencarnação, e sim na ressurreição dos mortos (Mc 6,14-16 e Lc 9,7-8). Será que é isso mesmo a verdade? Analisemos para constatar. Tomemos as passagens citadas: a) Mc 6,14-16: “O rei Herodes ouviu falar de Jesus, cujo nome tinha-se tornado famoso. Alguns diziam: ‘João Batista ressuscitou dos mortos. É por isso que os poderes agem nesse homem’. Outros diziam: ‘É Elias’. Outros diziam ainda: ‘É um profeta como os profetas antigos’. Ouvindo essas coisas, Herodes disse: ‘Ele é João Batista. Eu mandei cortar a cabeça dele, mas ele ressuscitou!’". Interessante a argumentação de que Jesus fazia milagres pelos poderes de João Batista que agia sobre Ele. Isso é ressurreição do corpo físico? Não! Mas o que é? É o que conhecemos por influência espiritual. Uma pessoa morre e, ressuscitada em espírito, passa a influenciar uma pessoa encarnada. Portanto, a idéia de ressurreição, nesta passagem, nada tem a ver com aquela ressurreição do final dos tempos, aceita pelos dogmáticos. Ressuscitar, nesse passo, é voltar à condição espiritual. b) Lc 9,7-9: “O governador Herodes ouviu falar de tudo o que estava acontecendo, e ficou sem saber o que pensar, porque alguns diziam que João Batista tinha ressuscitado dos mortos; outros diziam que Elias tinha aparecido; outros ainda, que um dos antigos profetas tinha ressuscitado. Então Herodes disse: ‘Eu mandei degolar João. Quem é esse homem, sobre quem ouço falar essas coisas?’ E queria ver Jesus”. Nessa passagem é flagrante o uso da palavra ressurreição com o significado de reencarnação. Se as pessoas acreditavam que Jesus poderia ser Elias, Jeremias (Mt 16,14) ou um dos antigos profetas ressuscitado isso não é ressurreição, mas sim reencarnação, já que se fosse Jesus um deles, estaria num novo corpo, o de Jesus, obviamente. Quem pensa assim, acredita que alguém já morto poderia voltar num novo corpo como outra pessoa. É exatamente isso o que definimos como reencarnação; portanto, provamos que na época se acreditava em reencarnação sim; só que para designá-la usavam a palavra ressurreição, que também possuía, àquela época, outros significados. Em uma certa oportunidade, Jesus pergunta aos discípulos: “Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?" Eles responderam: "Alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; outros ainda, que é Jeremias, ou algum dos profetas" (Mt 16,13-14). Isso confirma que o povo acreditava na ressurreição em outro corpo, reencarnação para nós. Só que há algo importante nessa passagem: é que Jesus não protestou contra essa crença popular, o que significa que tacitamente a confirma. É como diz um velho provérbio: “quem cala consente”. Mas, ainda vamos trazer outra fonte para comprovar essa questão. Nós buscaremos esta informação no historiador daquela época chamado Flávio Josefo, que viveu entre 37 a 103 d.C. Suas obras históricas são: “Antiguidades Judaicas”, “Guerra dos Judeus” e “Resposta de Flávio Josefo a Ápio”, que, em nosso caso, fazem parte do livro História dos Hebreus. Josefo, descrevendo a maneira de viver dos fariseus, coloca: “(...) Eles julgam que as almas são imortais, que são julgadas em um outro mundo e recompensadas ou castigadas segundo foram neste, viciosas ou virtuosas; que umas são eternamente retidas prisioneiras nessa outra vida e que outras voltam a esta. (...)” (p. 416). E, quando alguns soldados, derrotados na guerra contra os romanos, pensavam em suicidaremse, alerta-os dizendo-lhes: (...) Não sabeis que Ele difunde suas bênçãos sobre a posteridade daqueles, que depois de ter chamado para junto de si, entregam em suas mãos, a vida, que, segundo as leis da natureza, Ele lhes deu e que suas almas voam puras para o céu, para lá viverem felizes e voltar, no correr dos séculos, animar corpos que sejam puros como elas e que ao invés, as almas dos ímpios, que por loucura criminosa dão a morte a si mesmos são precipitados nas trevas do inferno; (...) (p. 600). Assim, podemos dizer que os fariseus, grupo religioso que existia à época de Jesus, acreditavam numa ressurreição em outro corpo. Ora, isso não é nada mais nada menos do que aquilo que entendemos por reencarnação. 2ª - Fica claro que Jesus nunca ensinou a reencarnação. Dizer que Jesus nunca ensinou a reencarnação é forçar a barra, ignorando que ele não disse, em momento algum, que estavam em erro os que o supunham ser Elias, Jeremias, ou algum dos antigos profetas. É recusar a ver o que disse a Nicodemos “é necessário nascer de novo” (Jo 3,3). Certo é que em algumas Bíblias não é dito “nascer de novo”, mas “nascer do alto”. Entretanto, podemos ponderar que a tradução da palavra grega anóthem, segundo alguns estudiosos, tanto pode ser uma quanto a outra; daí, para não realçar a idéia da reencarnação, foi melhor colocar aquela que não levasse as pessoas a entenderem como reencarnação. Mas, pela dúvida de Nicodemos, fica claro que o sentido era nascer de novo mesmo: “Como é que um homem pode nascer de novo, se já é velho? Poderá entrar outra vez no ventre de sua mãe e nascer?” (Jo 3,4). Na seqüência, Jesus não nega que seja sobre isso que está dizendo, mas reforça com outras palavras: “Eu garanto a você: ninguém pode entrar no reino de Deus, se não nascer da água e do Espírito” (Jo 3,5), donde devemos tomar a água como símbolo da origem da matéria ou, como entendem alguns, uma analogia ao líquido amniótico. Por outro lado, mesmo que Jesus não a tivesse ensinado, isso não significa que ela não exista, pois, convém lembrar que Ele disse: “Ainda tenho muitas coisas para dizer, mas agora vocês não seriam capazes de suportar” (Jo 16,12). 3ª - A Bíblia combate tal ensinamento Curioso é que os contrários não se cansam de nos afirmar que a Bíblia não fala, em momento algum, em reencarnação; mas, quando o assunto é combatê-la, aí sim, nela se diz algo. Parece brincadeira! Só que, quando apresentam as passagens para comprovar o que alegam, verificamos que é pura interpretação equivocada, já que sempre as usam fora do seu contexto. Vejamos algumas, normalmente citadas. A mais citada é: “... aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo depois disto o Juízo” (Hb 9,27). Essa é uma das mais interessantes, já que nem mesmo se sabe quem é o autor; daí é singular que usem um autor completamente desconhecido para contestar o que Jesus afirmou: “João é Elias que devia vir” (Mt 11,14). Poderia ser um argumento forte contra a reencarnação se o autor tivesse dito: “... aos homens está ordenado viverem uma só vez”. Lázaro, o filho da viúva de Naim e a filha de Jairo, entre outros que ressuscitaram, morreram duas vezes, provando que, em se acreditando nisso, a “ordem” contida na passagem é inconsistente. Mas, de qualquer forma, esse autor não está completamente errado, pois fisicamente em cada vida só morremos uma vez mesmo e em definitivo, por sinal. Ainda em relação a essa passagem: até o presente ninguém conseguiu nos esclarecer se haverá dois julgamentos ou não. Se “depois disto o Juízo”, e em algumas Bíblias, está “logo depois”, qual será a utilidade de mais um juízo no final dos tempos? Quem for condenado no primeiro, poderá se salvar no segundo? Mas, se ficarmos apenas no que se diz nessa frase, então ninguém ficará esperando a ressurreição no último dia para ser julgado. 4ª – O homem não pode se salvar por si mesmo A Palavra de Deus, nos diz que é em Jesus que o homem consegue a expiação dos seus pecados (Jo 8,24; 1Jo 1,7-9). O homem só é salvo pela graça de Deus, sem nenhum esforço meritório (Ef 2,8-9; At 4,12; Rm 4,4-5). Se isso for verdadeiro então o “Sede perfeitos como é perfeito o vosso pai celestial” (Mt 5,48) torna-se um ensinamento inoperante que Jesus nos passou, pois, certamente, numa vida só, espírito algum conseguirá ser perfeito como o Pai o é. Mas ninguém disse que não conseguimos a salvação a não ser por Jesus; entretanto, ela não será pela graça e nem será pelo seu sangue derramado na cruz; porém unicamente seguindo os seus ensinamentos: “É pelo evangelho que vocês serão salvos” (1Cor 15,2) ou “Em Cristo, também vocês ouviram a Palavra da verdade, o Evangelho que os salva” (Ef 1,13). Certamente que, não fosse a graça de Deus em nos dar outra oportunidade, estaríamos fritos; portanto, é pela graça de Deus mesmo que somos salvos. Entretanto, não é salvação “de graça” como muitos pensam, pois haverá de ser “segundo a suas obras” (Mt 16,27), a crermos no que Jesus disse. Por outro lado, se a nossa salvação não estivesse em nossas mãos, então Deus, certamente, salvaria a todos, já que isso só dependeria da vontade dele. Uma crença que se opõe à reencarnação é a do inferno eterno; mas não há como explicá-lo diante disso: “O Senhor é misericordioso e compassivo; longânimo e assaz benigno. Não repreende perpetuamente, nem conserva para sempre a sua ira. Não nos trata segundo os nossos pecados, nem nos retribui consoante as nossas iniqüidades” (Sl 103,8-10). Uma coisa que ainda estamos esperando é alguém nos provar que Deus tenha criado o inferno, lugar destinado ao suplício eterno dos contraventores de Suas leis. Que nos mostrem que a pena para os que não cumprem os Dez Mandamentos seja ir para o inferno, já que é nesse momento que Deus deveria tê-lo, certamente, criado. 5ª - A proposta de uma vida feliz através da reencarnação não é atestada pela Bíblia. E nem poderia ser de outra forma, já que “Ainda tenho muitas coisas para dizer, mas agora vocês não seriam capazes de suportar” (Jo 16,12). Como, naquela época, não tinham uma noção clara quanto a isso, não adiantaria explicar o que não eram capazes de entender. O que assegura uma vida feliz é a vivência do Evangelho em toda a sua plenitude, e a reencarnação é a oportunidade oferecida para todos aqueles que viveram e morreram, sem haverem tido a chance de ouvir o Evangelho. A reencarnação pode até não garantir uma vida feliz, mas garante a oportunidade de vivê-la. Em contrapartida, nossos críticos evitam dizer que a proposta contrária, a de vida única, não dá essa mesma garantia para todos. Aliás, nem mesmo os que se acham merecedores de uma vida futura feliz apenas por pregarem o Evangelho sem o praticar, têm essa garantia. Procuramos desenvolver esse estudo de forma a provar que essa questão de João Batista ser Elias é muito clara no Evangelho; tão clara como a luz do Sol ao meio-dia, num “céu de brigadeiro”. Entretanto, percebemos que por interesses, que não nos cabe aqui citá-los, as lideranças religiosas procuram esconder isso de seus fiéis, mantendo-os na ignorância. Qualquer pessoa de bom senso ou que não se encontra atrelada a dogmas, verá que isso é ponto irrefutável. Só não vê quem não quer. Finalizando, repetimos essas palavras de Jesus: “Quem tem ouvidos, ouça” (Mt 11,15). Eucaristia: Jesus a instituiu? Para justificar a eucaristia, pegam a passagem em que Jesus, ceando com os apóstolos, lhes distribui o pão e o vinho. Fato acontecido, segundo alguns, na sexta-feira anterior à sua crucificação. Transcrevemos da Bíblia Sagrada, edição Pastoral, o trecho da narrativa de Mateus, no capítulo 26: A INSTITUIÇÃO DA EUCARISTIA “Enquanto comiam, Jesus tomou um pão e, tendo pronunciado a bênção, o partiu, distribuiu aos discípulos, e disse: 'Tomem e comam, isto é o meu corpo'. Em seguida, tomou um cálice, agradeceu, e deu a eles dizendo: 'Bebam dele todos, pois isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos, para remissão dos pecados. Eu lhes digo: de hoje em diante não beberei desse fruto da videira, até o dia em que, com vocês, beberei o vinho novo no reino do meu Pai'". (vv. 26-29). Fato curioso é que João não fala absolutamente nada sobre essa distribuição de pão e vinho, considerando que ele também se encontrava presente no evento; inclusive, se foi ele o discípulo a quem Jesus amava, certamente, estava a seu lado. É ele quem descreve com maior número de pormenores tal acontecimento. Sobre essa passagem, em nota de rodapé, os tradutores da Bíblia de Jerusalém explicam: “Estamos no meio da ceia pascal. É em gestos precisos e solenes do ritual judaico (ações de graças a Iahweh pronunciadas sobre o pão e sobre o vinho) que Jesus enxerta os ritos sacramentais do novo culto que instaura” (p. 1751). Isso se deu no primeiro dia dos pães ázimos (Mt 26,17), portanto, é mesmo um ritual judaico realizado durante a celebração da Páscoa. Essa ceia, com a distribuição de pão e vinho, fazia mesmo parte dos rituais judeus, conforme explica Renan (1823-1892): ... Naquela refeição, assim como em muitas outras [48]. Jesus praticou seu rito misterioso da divisão do pão. Como se acreditou, desde os primeiros anos da Igreja, que a refeição em questão tivesse acontecido no dia de Páscoa e tivesse sido o banquete pascal, naturalmente veio a idéia de que a instituição eucarística se fizera naquele momento supremo. Partindo da hipótese de que Jesus sabia antecipadamente com precisão quando morreria, os discípulos deveriam ter sido levados a supor que ele reservara para aquelas últimas horas uma enorme quantidade de atos importantes. Como, aliás, uma das idéias fundamentais dos primeiros cristãos era a de que a morte de Jesus fora um sacrifício, substituindo todos os da antiga Lei, a Ceia tornou-se o sacrifício por excelência, o ato constitutivo da nova aliança, o sinal do sangue derramado para a salvação de todos [49]. O pão e o vinho, relacionados à própria morte, foram, dessa forma, a imagem do Novo Testamento, que Jesus selara com seus sofrimentos, a comemoração do sacrifício do Cristo até a sua vinda [50]. Muito cedo esse mistério se fixou num pequeno relato sacramental, que possuímos em quatro versões [51] muito parecidas entre si. O quarto evangelista, tão preocupado com idéias eucarísticas [52], que descreve a última ceia com tanta prolixidade, que liga a ela tantas circunstâncias e discursos [53], não conhece esse relato. Isso prova que não considerava a instituição da Eucaristia como uma particularidade da Ceia. Para o quarto evangelista, o rito da Ceia é a lavagem dos pés. ______ [48] Luc., XXIV, 30-31, 35, representa a divisão do pão como um hábito de Jesus. [49] Luc., XXII, 20. [50] I Cor., XI, 26. [51] Mat. XXVI, 26-28; Marc., XI, 22-24; Luc., XXII,19-21; I Cor., XI, 23-25. [52] Cap. VI. [53] Cap. XIII-XVII. (RENAN, A Vida de Jesus, 2004, pp. 360-361) (Grifo nosso). Seria interessante que aqui fôssemos ver essa passagem bíblica citada por Renan, a primeira da lista acima, na qual ele diz ser a divisão do pão um hábito de Jesus; que, para um melhor entendimento, iremos começá-la num versículo anterior ao citado; então, leiamo-la: Lc 24,28-35: “Quando chegaram perto do povoado para onde iam, Jesus fez de conta que ia mais adiante. Eles, porém, insistiram com Jesus, dizendo: 'Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando'. Então Jesus entrou para ficar com eles. Sentou-se à mesa com os dois, tomou o pão e abençoou, depois o partiu e deu a eles. Nisso os olhos dos discípulos se abriram, e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu da frente deles. Então um disse ao outro: 'Não estava o nosso coração ardendo quando ele nos falava pelo caminho, e nos explicava as Escrituras?' Na mesma hora, eles se levantaram e voltaram para Jerusalém, onde encontraram os onze, reunidos com os outros. E estes confirmaram: 'Realmente, o Senhor ressuscitou, e apareceu a Simão!' Então os dois contaram o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus quando ele partiu o pão. Jesus, depois de ressuscitado, foi reconhecido pelos dois discípulos, que estavam se dirigindo a Emaús, exatamente pelo ato de partir o pão. Dessa forma, a conclusão de Renan é absolutamente correta, não sendo, portanto, o ritual de partir o pão e beber vinho a instituição da eucaristia, rito sacramental praticado em determinadas correntes religiosas. Estranhamos que tal fato ainda venha a acontecer, pois a nós, da forma que é praticado, mais parece ritual de canibalismo do que qualquer outra coisa. Povos primitivos acreditavam que, ao se comer o corpo de um guerreiro que haviam matado, a sua força e coragem, muito valorizadas por esses povos, passariam àquele que fizesse do guerreiro vencido o seu “prato do dia”. Qual será a razão para se justificar que os fiéis ainda “comam do corpo e bebam do sangue” de Jesus que crêem presentes na hóstia, após consagrada pelo sacerdote? Para nós é algo sem sentido, principalmente, considerando que Jesus disse “não é o que entra pela boca que torna o homem impuro,...” (Mt 15,11); da mesma forma podemos entender que o que entra pela boca não torna o homem puro. Conseqüentemente, podemos concluir que, mesmo que se coma algo sagrado (hóstia), ninguém se tornará um ser purificado por isso. Pesquisando sobre o assunto, encontramos o autor Bart D. Ehrman, considerado a maior autoridade em Bíblia do mundo, dizendo: [...] Em um de nossos mais antigos manuscritos gregos, assim como em vários testemunhos latino, temos: E tomando o cálice, dando graças, ele disse: “Tomai-o, reparti-o entre vós, pois eu vos digo que não beberei do fruto da vinha a partir de agora, até que venha o reino de Deus”. E tomando o pão, dando graças, ele o partiu e o deu a eles, dizendo: “Isto é o meu corpo... Mas vede que a mão daquele que me trai está comigo nesta mesa” (Lucas 22,17-19). Contudo, na maioria de nossos manuscritos, há um acréscimo ao texto, que soará familiar a muitos leitores da Bíblia, visto que se assentou nas traduções modernas. Ali, depois que Jesus diz: “Isto é meu corpo”, ele continua dizendo as palavras: “'Que foi dado por vós; fazei isto em memória de mim', e fez o mesmo com o cálice após a refeição, dizendo: 'Este cálice é a nova aliança em meu sangue derramado por vós'”. Estas são as palavras, muito familiares, da “instituição” da Ceia do Senhor, registradas também sob uma forma muito similar na primeira carta de Paulo aos Coríntios (1 Coríntios 11,23-25). A despeito do fato de serem tão familiares, há boas razões para pensar que esses versículos não estavam no original do Evangelho de Lucas, mas que foram acrescentados para ressaltar que foram o corpo partido e o sangue derramado de Jesus que trouxeram a salvação “para vós”. [...] Além do mais, não se pode deixar de notar que os versículos, por mais familiares que sejam, não representam a própria compreensão que Lucas demonstra ter da morte de Jesus. É uma característica surpreendentemente do retrato que Lucas faz da morte de Jesus – por mais estranho que isso seja à primeira vista – que ele nunca, em nenhuma outra passagem, indica que a morte em si seja o que traz a salvação do pecado. Em nenhum outro lugar de toda a obra em dois volumes de Lucas (Lucas e Atos dos Apóstolos), se diz que a morte de Jesus foi “por vós”. De fato, nas duas ocasiões em que a fonte de Lucas (Marcos) indica que foi por meio da morte de Jesus que veio a salvação (Marcos 10,45; 15,39), Lucas mudou a disposição do texto (ou o eliminou). Em outros termos, Lucas tem uma compreensão diferente da forma com que a morte de Jesus conduz à salvação, diferente da de Marcos (da de Paulo e da de outros escritores cristãos antigos). (EHRMAN, 2006, pp. 175-176). Assim, dentro da visão desse autor, o texto a qual se apegam para justificar a eucaristia não é outra coisa senão uma adulteração dos originais bíblicos. E pelo visto ele não está sozinho em sua tese. Vejamos uma outra opinião: Jesus seguia a ordem essênia em suas refeições de festa e, em especial, na última ceia, ou seguia a ordem não-sectária: vinho e pão? Segundo Mateus e Marcos, Jesus primeiro abençoava o cálice e depois o pão, mas a situação em Lucas é diferente. “Chegada a hora, pôs-se Jesus à mesa, e com ele os apóstolos. E disse-lhes: Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta páscoa, antes de meu sofrimento. Pois vos digo que nunca mais a comerei, até que ela se cumpra no reino de Deus. E, tomando um cálice, havendo dado graças, disse: Recebei e reparti entre vós; pois vos digo que de agora em diante não mais beberei do fruto da videira, até que venha o reino de Deus. E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é meu corpo” (Lc 22:14-19). Aí termina o texto de Lucas, de acordo com o famoso Codex Bezae, a antiga tradução latina, e dois antigos manuscritos siríacos. Todos os leitores atentos reconhecerão com facilidade que o que se segue em Lucas nos outros testemunhos é tirado de 1 Cor 11:23-26, de modo que temos aqui a estranha situação de que no texto aceito aparecem dois cálices, um no começo e o outro no final. Tanto a Versão Padrão Revista como a Nova Bíblia Inglesa adotaram o ponto de vista correto, de que Lc 22:19b-20 não fazia parte do texto original de Lucas. Depois que Jesus disse do pão partido ‘Isto é meu corpo” fazendo alusão a sua iminente morte violenta, ele continuou e tornou-se mais explícito, dizendo: “Todavia a mão do traidor está comigo à mesa” (Lc 22:21). (FLUSSER, 2000, p. 227) É inacreditável o que ainda se faz, nos dias atuais, como práticas religiosas tomadas “por bíblicas”, quando, na verdade, são, em sua esmagadora maioria, atos pagãos, para usar de uma expressão ao gosto dos teólogos. É o caso que estamos analisando, que é corroborado por Kersten e Gruber, que narrando o culto persa a Mitra, dizem: “O serviço religioso semanal era realizado aos domingos, dia dedicado ao deus. A cerimônia mais importante do culto era uma ceia que constava de vinho e pão – oferecido na forma de hóstias consagradas que tinham o sinal da cruz”. (KERSTEN E GRUBER, p. 316). (grifo nosso). Curiosa é essa frase atribuída a Mitra, que nos coloca diante de fato de que qualquer semelhança não é mera coincidência: "Aquele que não comer minha carne e não beber meu sangue para ser um comigo, e eu um com ele, aquele não conhecerá a salvação". (FREKE e GANDY, p. 2). Pedro, tu és Papa? Concordaremos com os que disserem que esse deveria ser um assunto que não nos diz respeito. Entretanto, como detratores estão sempre nos aparecendo, especialmente, no presente caso, os fundamentalistas católicos que querem justificar sua religião como sendo a que é exclusivamente verdadeira, usando, para isso, do argumento de que Pedro foi nomeado por Jesus o primeiro Papa, e daí concluírem que somente a Igreja Católica Romana é quem tem as chaves do reino dos céus, e que quem estiver fora dela pode ir se preparando para arder eternamente no fogo do inferno. O que diremos é que ele poderia muito bem não ter sido escrito, não fosse por isso. Sabemos que iremos contrariar interesses seculares, entretanto, a verdade deve aparecer, porquanto “nada há oculto que não venha a ser conhecido” (Lc 12,2). Não sem razão, disse o escritor José Reis Chaves: “Acontece que a verdade é, às vezes, para todos nós seres humanos, o que menos queremos ouvir, principalmente com relação aos nossos princípios religiosos, pois o nosso ego aflora logo com esses assuntos”. (CHAVES, 2006). Buscando o significado da palavra papa encontramos as seguintes explicações: ... “papa” é a forma latinizada de uma palavra grega popular, “papas”, variante de “pappas”, pai. Nos primeiros tempos da história do cristianismo, o título de papa era dado a todos os padres; depois, com o passar dos anos, foi limitado aos bispos. Em algumas aldeias de origem grego-bizantina, na Itália meridional, o pároco ainda era chamado papa, em sinal de respeito, de acordo com o costume do clero ortodoxo, segundo nos informa Ambrogio Donini. (Donini, Ambrogio - “História do Cristianismo: das origens a Justiniano”, Lisboa, Edições 70, 1988,p. 262). (MARTINS, 1993, pp. 32). “Donde vem essa palavra? Não se sabe ao certo. Para a Igreja Romana, essa palavra é formada pelas iniciais da expressão “Petrus Apostolus Princeps Apostolorum” (Pedro Apóstolo, Príncipe dos Apóstolos); mas essa interpretação é mera coincidência, e ocorreu porque os católicos consideram o Apóstolo Pedro como o primeiro Papa, e o chefe supremo da Igreja como sendo o sucessor de São Pedro (Daí a expressão: o Papa está assentado na “cadeira de S. Pedro”.). (ALMEIDA, 2002, p. 86). Iremos acompanhar as passagens que tratam do convite e do nome do apóstolo, que dizem ser o primeiro papa: Mt 4,18-20: “Jesus andava à beira do mar da Galiléia, quando viu dois irmãos: Simão, também chamado Pedro, e seu irmão André. Estavam jogando a rede no mar, pois eram pescadores. Jesus disse para eles: 'Sigam-me, e eu farei de vocês pescadores de homens.' Eles deixaram imediatamente as redes, e seguiram a Jesus.” Mc 1,16-18: “Ao passar pela beira do mar da Galiléia, Jesus viu Simão e seu irmão André; estavam jogando a rede ao mar, pois eram pescadores. Jesus disse para eles: 'Sigam-me, e eu farei vocês se tornarem pescadores de homens.' Eles imediatamente deixaram as redes e seguiram a Jesus.” Mc 3,13-16: “Jesus subiu ao monte e chamou os que desejava escolher. E foram até ele. Então Jesus constituiu o grupo dos Doze, para que ficassem com ele e para enviá-los a pregar, com autoridade para expulsar os demônios. Constituiu assim os Doze: Simão, a quem deu o nome de Pedro;”. Lc 5,1-11: “Certo dia, Jesus estava na margem do lago de Genesaré. A multidão se apertava ao seu redor para ouvir a palavra de Deus. Jesus viu duas barcas paradas na margem do lago; os pescadores haviam desembarcado, e lavavam as redes. Subindo numa das barcas, que era de Simão, pediu que se afastasse um pouco da margem. Depois sentou-se e, da barca, ensinava as multidões. Quando acabou de falar, disse a Simão: 'Avance para águas mais profundas, e lancem as redes para a pesca.' Simão respondeu: 'Mestre, tentamos a noite inteira, e não pescamos nada. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes.' Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes, que as redes se arrebentavam. Então fizeram sinal aos companheiros da outra barca, para que fossem ajudá-los. Eles foram, e encheram as duas barcas, a ponto de quase afundarem. Ao ver isso, Simão Pedro atirou-se aos pés de Jesus, dizendo: ‘Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador!’ É que o espanto tinha tomado conta de Simão e de todos os seus companheiros, por causa da pesca que acabavam de fazer. Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram sócios de Simão, também ficaram espantados. Mas Jesus disse a Simão: ‘Não tenha medo! De hoje em diante você será pescador de homens.’ Então levaram as barcas para a margem, deixaram tudo, e seguiram a Jesus”. Lc 6,12-14: “Nesses dias, Jesus foi para a montanha a fim de rezar. E passou toda a noite em oração a Deus. Ao amanhecer, chamou seus discípulos, e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de apóstolos: Simão, a quem também deu o nome de Pedro, e seu irmão André;...”. Jo 1,35-42: “No dia seguinte, João aí estava de novo, com dois discípulos. Vendo Jesus que ia passando, apontou: 'Eis aí o Cordeiro de Deus.' Ouvindo essas palavras, os dois discípulos seguiram a Jesus. Jesus virou-se para trás, e vendo que o seguiam, perguntou: 'O que é que vocês estão procurando?' Eles disseram: 'Rabi (que quer dizer Mestre), onde moras?' Jesus respondeu: 'Venham, e vocês verão.' Então eles foram e viram onde Jesus morava. E começaram a viver com ele naquele mesmo dia. Eram mais ou menos quatro horas da tarde. André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram as palavras de João e seguiram a Jesus. Ele encontrou primeiro o seu próprio irmão Simão, e lhe disse: ‘Nós encontramos o Messias (que quer dizer Cristo).’ Então André apresentou Simão a Jesus. Jesus olhou bem para Simão e disse: ‘Você é Simão, o filho de João. Você vai se chamar Cefas (que quer dizer Pedra)’". Mateus diz que Simão também se chamava Pedro, que ele e André, seu irmão, eram simples pescadores. Marcos confirma ser essa a profissão dos dois, mas, em relação ao nome, fala que ele se chamava Simão, que mais tarde Jesus trocou o seu nome para Pedro, especificando que isso aconteceu quando constituiu o grupo dos doze. Lucas denomina o pescador de Simão e também de Simão Pedro, e, em contradição, um pouco mais adiante, disse que Jesus, quando escolhe os doze discípulos, dá a ele o nome de Pedro, e só neste momento é que aparece o seu irmão André. João coloca André como discípulo de João Batista, que, um pouco depois de aceitar o convite de Jesus, apresenta seu irmão, Simão Pedro, ao Messias. E é neste momento que Jesus muda-lhe o nome de Simão, não para Pedro, mas para Cefas. Não fala nada a respeito da profissão deles. Apesar de João ter afirmado que Jesus mudara o nome para Cefas, continua chamando-o de Simão Pedro, por quinze vezes (Jo 6,8; 6,68; 13,6; 13,9; 13,24; 13,36; 18,10, 18,15; 18;25, 20,2; 20,6; 21,2; 21,3; 21,7; 21,11) ou só de Pedro, por treze vezes (Jo 13,37; 18,16, 18,17; 18,18; 18,26; 18,27; 20,3; 20,4; 21,7; 21,17; 21,19; 21,20; 21,21) e ainda coloca o próprio Jesus chamando-o de Pedro (Jo 18,11), também de Simão (Jo 21,16; 21,17) e só por uma vez Ele o chama de Simão Pedro (Jo 21,15). A não ser no versículo 42 de Jo 1, que diz ter Jesus lhe dado o nome de Cefas, em nenhuma outra passagem de seu Evangelho, João o nomeia assim. Então o que adiantou mudar-lhe o nome, se não o chama pelo seu novo nome (se é que é novo mesmo)? E, em relação aos evangelhos sinópticos, não há disso uma ocorrência sequer. Em Atos, usa-se Pedro (cinqüenta e sete vezes) e, somente por quatro vezes, é dito Simão, mas completando com “o que tinha por sobrenome Pedro” (At 10,5; 10,18; 10,32; 11,13). Somente encontraremos o uso de Cefas em Paulo, na sua primeira carta aos coríntios (1Cor 1,12; 3,22; 9,5; 15,5) e na sua epístola aos gálatas (Gl 1,18; 2,9; 2,11; 2,14), entretanto, nela foi usado o nome Pedro, por duas vezes (Gl 2,7; 2,8). Isso é muito pouco, porquanto são atribuídas a Paulo treze cartas, ou seja, onze além dessas duas. Vejamos, a título de curiosidade, como o versículo 42 (Jo 1), aparece nas várias traduções bíblicas: 1. “...Cefas, que quer dizer Pedra”: Santuário, Paulus (de Jerusalém, do Peregrino e Pastoral) e Ave Maria. 2. “...Cefas, que quer dizer Pedro”: Barsa, Mundo Cristão, Vozes, Paulinas e SBB. 3. “...Cefas, que, traduzido, é Pedro”: Novo Mundo. Dessa última retiramos: “Cefas”. Gr. Ke.fás. Este é um nome aram. (Keh.fa'), aqui no masc., como em Mt 16;18 nos mss. sir. (p. 1232), significa “rocha”. Pelo Dicionário Prático da Barsa: cefas. Nome aramaico equivalente ao grego petrus que quer dizer rocha (p. 51). Mas a moral da história é que é tudo muito estranho: o nome era Simão Pedro ou só Simão que foi mudado para Pedro ou para Cefas? Tamanha confusão nos leva até a pensar que Jesus não mudou o nome de Simão Pedro, e que, provavelmente, foram os teólogos, que, querendo defender seus próprios dogmas, é que interpolaram isso, como é fácil de se perceber. Aqui vale a expressão: “só não vê quem não quer”. A finalidade era relacionar o nome de Pedro com a palavra “pedra” para daí nomeá-lo primeiro papa. Vejamos, na seqüência, a passagem na qual buscam estabelecer essa relação. A passagem, que é sempre citada para justificar o assunto, é a de Mateus. Entretanto, ocorreu-nos fazer uma comparação, cujo resultado, pelo que já vimos até aqui (e ainda nem bem começamos), não nos surpreendeu. Vejamos: Mt 16,13-20Mc 8,27-30 (= Lc 9,18-21)13. Jesus chegou à região de Cesaréia de Filipe, e perguntou aos seus discípulos: "Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?"27. Jesus partiu com seus discípulos para os povoados de Cesaréia de Filipe. No caminho, ele perguntou a seus discípulos: "Quem dizem os homens que eu sou?"14. Eles responderam: "Alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; outros ainda, que é Jeremias, ou algum dos profetas."28. Eles responderam: "Alguns dizem que tu és João Batista; outros, que és Elias; outros, ainda, que és um dos profetas."15. Então Jesus perguntou-lhes: "E vocês, quem dizem que eu sou?" 16. Simão Pedro respondeu: "Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo."29. Então Jesus perguntou-lhes: "E vocês, quem dizem que eu sou?" Pedro respondeu: "Tu és o Messias."17. Jesus disse: "Você é feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que lhe revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. 18. Por isso eu lhe digo: você é Pedro, e sobre essa pedra construirei a minha Igreja, e o poder da morte nunca poderá vencê-la. 19. Eu lhe darei as chaves do Reino do Céu, e o que você ligar na terra será ligado no céu, e o que você desligar na terra será desligado no céu."Nihil.20. Jesus, então, ordenou aos discípulos que não dissessem a ninguém que ele era o Messias.30. Então Jesus proibiu severamente que eles falassem a alguém a respeito dele. A narrativa de Lucas (9,1821) é bem semelhante à de Marcos, portanto, não há nenhuma necessidade de se colocarem aqui as duas, ficaremos somente com a dele, mas que você, leitor, não se esqueça disso. Fica evidente a interpolação dos versículos 17 a 19 no texto de Mateus 16, cujo conteúdo não consta dos outros dois Evangelhos, exatamente daquilo de que se servem para justificar a hierarquia papal. Certamente, algum papa “inspirado” resolveu fazer isso para assentar seu poder temporal sobre os homens. Isso está “tão na cara” que, em nenhum outro lugar da Bíblia, será encontrada a expressão “chaves do Reino do céu”. Entretanto, Jesus atribuiu, como a Pedro (Mt 16,19), também aos outros discípulos a possibilidade de: “... tudo o que vocês ligarem na terra, será ligado no céu, e tudo o que vocês desligarem na terra, será desligado no céu” (Mt 18,18), ou seja, não era uma atribuição exclusiva dele, mas de todos os discípulos e de todos nós, pois todo bem ou mal, que fizermos, fica registrado (ligado) no que os orientais chamam de arquivo akáshico. E não seria esse arquivo o livro da vida a que se refere o Apocalipse? Para corroborar a nossa conclusão, apresentamos, a você, leitor, a opinião do professor da Universidade de Oxford, o teólogo Geza Vermes (1924- ): O episódio da confissão feita por Pedro de que Jesus é o Cristo está contido nos três Evangelhos Sinópticos, mas sua indicação para ser a pedra não figura nem em Marcos nem em Lucas. O silêncio sobre algo de tamanha importância, como a nomeação de Pedro como chefe da ekklesía, sugere vigorosamente que Mateus 16,17-19 deva ser um acréscimo secundário. A inexistência de qualquer menção à igreja nos outros Evangelhos, inclusive em João, também aponta nessa direção. Em suma, as palavras sobre a designação de Pedro não devem ser creditadas a Jesus, mas a Mateus ou a seu editor em 80 d.C. ou mais tarde. (VERMES, 2006, p. 410). (Grifo nosso). Por outro lado, se João era, segundo Paulo, um dos notáveis (Gl 2,9), e como ele, no seu Evangelho, não fala absolutamente nada sobre essa suposta nomeação de Pedro para ser o primeiro papa, isso é muito curioso. O escritor Pinheiro Martins (1967- ) elucida: Papias, bispo de Hierápolis (c. 60 – c. 135 d.C.), teria afirmado que João Marcos, sobrinho de Barnabé, servia de intérprete ao apóstolo Pedro, quando este pregava aos gentios, pois o humilde pescador da Galiléia não sabia falar outro idioma senão o aramaico. Marcos traduzia, então, a pregação de Pedro do aramaico para o grego. De tanto ouvir e repetir a pregação do mestre e amigo, que relatava fatos da vida de Cristo, Marcos tornou-se uma das pessoas mais indicadas para escrever a respeito. E o fez. O evangelho atribuído a Marcos é a mais antiga narrativa sobre a vida de Jesus que conhecemos. Curiosamente, inicia-se com a pregação de João Batista e o batismo de Jesus: Marcos nada informa sobre a concepção, o nascimento e a infância do Cristo – como se tivessem sido normais, nada tendo de diferentes aos de outros seres humanos, não merecendo, por isso, maiores atenções. Trata Maria, sua mãe, como uma mulher comum (exceto, claro, pelo fato de ter dado à luz um Messias) que se faz acompanhar de seus outros filhos. Também nada deixou registrado sobre o episódio em que Jesus teria delegado poderes a Pedro, fazendo dele alicerce da igreja e portador das chaves do Reino dos Céus; o que é estranho, já que, estando Marcos tão próximo de Pedro, dificilmente teria deixado de conhecer e registrar tal fato, dando-lhe destaque. (MARTINS, 1993, pp. 15-16). (Grifo nosso). Carlos A. Pastorino (1910-1980), ex-sacerdote católico, filósofo e teólogo, analisando essa passagem disse: Em Mateus, porém, prossegue a cena com três versículos que suscitaram acres e largas controvérsias desde épocas remotíssimas, chegando alguns comentaristas até a supor tratar-se de interpolação. Em vista da importância do assunto, daremos especial atenção a eles, apresentando, resumidas, as opiniões dos dois campos que se digladiam. Os católicos-romanos aceitam esses três versículos como autênticos, vendo neles: a) a instituição de uma "igreja", organização com poderes discricionários espirituais, que resolve na Terra com a garantia de ser cegamente obedecida por Deus no "céu"; b) a instituição do papado, representação máxima e chefia indiscutível e infalível de todos os cristãos, passando esse poder monárquico, por direito hereditário-espiritual, aos bispos de Roma, sucessores legítimos de Pedro, que recebeu pessoalmente de Jesus a investidura real, fato atestado exatamente com esses três versículos. Essa opinião foi combatida com veemência desde suas tentativas iniciais de implantação, nos primeiros séculos, só se concretizando a partir dos séculos IV e V por força da espada dos imperadores romanos e dos decretos (de que um dos primeiros foi o de Graciano e Valentiniano, que em 369 estabeleceu Dâmaso, bispo de Roma, como juiz soberano de todos os bispos, mas cujo decreto só foi posto em prática, por solicitação do mesmo Dâmaso, em 378). O diácono Ursino foi eleito bispo de Roma na Basílica de São Júlio, ao mesmo tempo em que Dâmaso era eleito para o mesmo cargo na Basílica de São Lourenço. Os partidários deste, com o apoio de Vivêncio, prefeito de Roma, atacaram os sacerdotes que haviam eleito Ursino e que estavam ainda na Basílica e aí mesmo mataram 160 deles; a seguir, tendose Ursino refugiado em outras igrejas, foi perseguido violentamente, durando a luta até a vitória total do "bando contrário". Ursino, a seguir, foi exilado pelo imperador, e Dâmaso dominou sozinho o campo conquistado com as armas. Mas toda a cristandade apresentou reações a essa pretensão romana, bastando citar, como exemplo, uma frase de Jerônimo: "Examinando-se do ponto de vista da autoridade, o universo é maior que Roma (orbis maior est Urbe), e todos os bispos, sejam de Roma ou de Engúbio, de Constantinopla ou de Régio, de Alexandria ou de Tânis, têm a mesma dignidade e o mesmo sacerdócio" (Epistula 146, 1). Alguns críticos (entre eles Grill e Resch na Alemanha e Monnier e Nicolardot na França, além de outros reformados) julgam que esses três versículos tenham sido interpolados, em virtude do interesse da comunidade de Roma de provar a supremacia de Pedro e, portanto, do bispado dessa cidade sobre todo o orbe, mas, sobretudo, para provar que era Pedro, e não Paulo, o chefe da igreja cristã. Essa questão surgiu quando Marcion, logo nos primeiros anos do 2º século, revolucionou os meios cristãos romanos com sua teoria de que Paulo foi o único verdadeiro apóstolo de Jesus, e, portanto, o chefe inconteste da Igreja. Baseava-se ele nos seguintes textos do próprio Paulo: "Não recebi (o Evangelho) nem o aprendi de homem algum, mas sim mediante a revelação de Jesus Cristo" (Gál. 1:12); e mais: "Deus ... que me separou desde o ventre materno, chamando-me por sua graça para revelar seu Filho em mim, para pregá-lo entre os gentios, imediatamente não consultei carne nem sangue, nem fui a Jerusalém aos que eram apóstolos antes de mim" (Gál.15:15-17). E ainda em Gál. 2:11-13, diz que "resistiu na cara de Pedro, porque era condenado". E na 2ª Cor. 11:28 afirma: "sobre mim pesa o cuidado de todas as igrejas", após ter dito, com certa ironia, não ser "em nada inferior aos maiores entre os apóstolos" (2ª Cor. 11:5) acrescentando que "esses homens são falsos apóstolos, trabalhadores dolosos, transformando-se em apóstolos de Cristo; não é de admirar, pois o próprio satanás se transforma em anjo de luz" (2ª Cor. 11:13-14). Este último trecho, embora se refira a outras criaturas, era aplicado por Marcion (o mesmo do "corpo fluídico" ou "fantasmático") aos verdadeiros apóstolos. Em tudo isso, baseava-se Marcion, e mais na tradição de que Paulo fora bispo de Roma, juntamente com Pedro. Realmente as listas fornecidas pelos primeiros escritores, dos bispos de Roma, dizem: a) Irineu (bispo entre 180-190): "Quando firmaram e estabeleceram a igreja de Roma, os bem aventurados apóstolos Pedro e Paulo confiaram a administração dela a Lino, de quem Paulo fala na epístola a Timóteo. Sucedeu-lhe depois Anacleto e depois deste Clemente obteve o episcopado, em terceiro lugar depois dos apóstolos, etc." (Epíst. ad Victorem, 3, 3, 3; cfr. Eusébio, His. Eccles., 5,24,14). b) Epifânio (315-403) escreve: "Porque os apóstolos Pedro e Paulo foram, os dois juntos, os primeiros bispos de Roma" (Panarion, 27, 6). Ora, dizem esses críticos, a frase do vers. 17 "não foi a carne nem o sangue que to revelaram, mas meu Pai que está nos céus", responde, até com as mesmas palavras, a Gálatas 1:12 e 16. Para organizar nosso estudo, analisemos frase por frase. VERS. 18 a - "Também te digo que tu és Pedro e sobre essa pedra construir-me-ei a "ekklêsia") (oi kodomêsô moi tên ekklêsían). O jogo de palavras corre melhor no aramaico, em que o vocábulo kêphâ (masculino) não varia. Mas no grego (e latim) o masculino Petros (Petrus, Pedro) é uma criação ad hoc, um neologismo, pois esse nome jamais aparece em nenhum outro documento anterior. Mas como a um homem não caberia o feminino "pedra", foi criado o neologismo. Além de João (1:42), Paulo prefere o aramaico Kêphá (latim Cephas) em 1 Cor. 1:12; 3:22; 9:5; 15:5 e Gál. 2:14. Quanto ao vocábulo ekklêsía, que foi transliterado em latim ecclésia (passando para o português "igreja"), temos que apurar o sentido: A etimológico; B - histórico; C - usual; D - seu emprego no Antigo Testamento; e E - no Novo Testamento. A - Etimologicamente ekklêsía é o verbo Kaléô, "chamar, convocar", com o preverbo ek, designativo de ponto de partida. Tem pois o sentido de "convocação, chamada geral". B - Historicamente, o termo era usado em Atenas desde o 6.º século A.C.; ao lado da Boulê ("concílio", em Roma: Senado; em Jerusalém: Sinédrio), ao lado da Boulê que redigia as leis, por ser constituída de homens cultos e aptos a esse mister, havia a ekklêsía (em Roma: Comitium; em Jerusalém: Synagogê), reunião ou assembléia geral do povo livre, que ratificava ou não as decisões da autoridade. No 5.º séc. A.C., sob Clístenes, a ekklésía chegou a ser soberana; durante todo o apogeu de Atenas, as reuniões eram realizadas no Pnyx, mas aos poucos foi se fixando no Teatro, como local especial. Ao tornar-se "cidade livre" sob a proteção romana, Atenas viu a ekklêsía perder toda autoridade. C - Na época do início do cristianismo, ekklêsía corresponde a sinagoga: "assembléia regular de pessoas com pensamento homogêneo"; e tanto designava o grupo dos que se reuniam, como o local das reuniões. Em contraposição a ekklésía e synagogê, o grego possuía syllogos, que era um ajuntamento acidental de pessoas de idéias heterogêneas, um agrupamento qualquer. Como sinônimo das duas, havia synáxis, comunidade religiosa, mas que, para os cristãos, só foi atribuída mais tarde (cfr. Orígenes, Patrol. Graeca, vol. 2 col. 2013; Greg. Naz., Patrol Graeca vol. 1 col. 876; e João Crisóst., Patrol.Graeca, vol. 7 col. 22). Como "sinagoga" era termo típico do judaísmo, foi preferido "ecclésia" para caracterizar a reunião dos cristãos. D - No Antigo Testamento (LXX), a palavra é usada com o sentido de reunião, assembléia, comunidade, congregação, grupo, seja dos israelitas fiéis, seja dos maus, e até dos espíritos dos justos no mundo espiritual (Núm. 19, 20; 20:4; Deut. 23:1, 2, 3, 8; Juizes 20:2; 1.º Sam. 17:47; 1.º Reis 8:14,22; 1.º Crôn. 29:1, 20; 2.º Crôn. 1:5; 7:8; Neem. 8:17; 13:1; Judit 7:18; 8:21; Salmos 22:22, 25; 26:5; 35:18; 40:10; 89:7; 107:32; 149:1; Prov. 5:14; Eccli, 3:1; 15:5; 21:20; 24:2; 25:34; 31:11; 33:19; 38:37; 39:14; 44:15; Lam. 1:10; Joel 2:16; 1.º Mac. 2:50;3:13; 4:59; 5:16 e 14:19). E - No Novo Testamento podemos encontrar a palavra com vários sentidos: 1) uma aglomeração heterogênea do povo: At. 7:38; 19:32, 39, 41 e Heb. 12:23. 2) uma assembléia ou comunidade local, de fiéis com idéias homogêneas, uma reunião organizada em sociedade, em que distinguimos: a) a comunidade em si, independente de local de reunião: Mat. 18: 17 (2 vezes); At. 11:22; 12:5; 14:22; 15:41 e 16:5; 1ª Cor. 4:17; 6:4; 7:17; 11:16, 18,22; 14:4,5,12,19,23,28, 33,34,35; 2.a Cor. 8:18, 19,23,24; 11:8,28; 12:13; Filp. 4:15; 2.a Tess. 1:4; 1ª Tim. 3:5, 15; 5:6; Tiago 5:15; 3.a Jo. 6; Apoc. 2:23 e 22:16. b) a comunidade estabelecida num local determinado, uma sociedade local: Antióquia, At. 11:26; 13:1; 14:27; 15:3; Asiáticas, 1ª Cor. 16:19; Apoc. 1:4, 11, 20 (2 vezes); 2:7, 11, 17, 29; 3:6, 13, 22; Babilônia, 1 Pe. 5:13; Cencréia, Rom. 16.1; Corinto, 1 Cor. 1:2; 2 Cor. 1:1; Êfeso, At. 20:17; Apoc. 2:1; Esmirna, Apoç. 2:8; Filadélfia, Apoc. 3:7; Galácia, 1 Cor. 16.1; Gál. 1:2; dos Gentios, Rom. 16:4; Jerusalém, At. 5:11; 8:1,3; 12:1; 15:4,22: 18:22; Judéia, At. 9:31; 1 Tess. 2:14; Gál. 1:22; Laodicéia, Col. 4:16; Apoc. 3:14; Macedônia, 2 Cor. 8:1; Pérgamo, Apoc. 2:12; Roma, Rom. 16:16; Sardes, Apoc. 3:1; Tessalônica, 1ª Tess. 1:1; 2ª Tess. 1:1; Tiatira, Apoc. 2: 18. c) a comunidade particular ou "centro" que se reúne em casa de família: Rom. 16:5, 23; 1 Cor. 16:19; Col. 4:15; Film. 2; 3 Jo. 9, 10. 3) A congregação ou assembléia de todos os que aceitam o Cristo como Enviado do Pai: Mat. 16:18; At. 20:28; 1ª Cor. 10:32; 12:28; 15:9; Gál.1:13; Ef. 1:22; 3:10,21: 5:23,24,25,27,29,32; Filp. 3:6; Col. 1:18,24; Heb. 2:12 (citação do Salmo 22:22). Anotemos, ainda, que em Tiago 2:2, a comunidade cristã é classificada de "sinagoga". Concluímos desse estudo minucioso, que a palavra "igreja" não pode ser, hoje, a tradução do vocábulo ekklêsía; com efeito, esse termo exprime na atualidade: 1) a igreja católica-romana, com sua tríplice divisão bem nítida de a) militante (na Terra) ; b) sofredora (no "Purgatório") e c) triunfante (no "céu"); 2) os templos em que se reúnem os fiéis católicos, com suas "imagens" e seu estilo arquitetônico especial. Ora, na época de Jesus e dos primeiros cristãos, ekklêsía não possuía nenhum desses dois sentidos. O segundo, porque os cristãos ainda não haviam herdado os templos romanos pagãos, nem dispunham de meios financeiros para construí-los. E o primeiro porque só se conheciam, nessa época, as palestras de Jesus nas sinagogas judaicas, nos campos, nas montanhas, à beira-mar, ou então as reuniões informais nas casas de Pedro em Cafarnaum, de Simão o leproso em Betânia, de Levi, de Zaqueu em Jerusalém, e de outros afortunados que lhe deram hospedagem por amizade e admiração. Após a crucificação de Jesus, Seus discípulos se reuniam nas casas particulares deles e de outros amigos, organizando em cada uma centros ou grupos de oração e de estudo, comunidades, pequenas algumas outras maiores, mas tudo sem pompa, sem rituais: sentados todos em torno da mesa das refeições, ali faziam em comum a ceia amorosa (agápê) com pão, vinho, frutas e mel, "em memória do Cristo e em ação de graças (eucaristia)" enquanto conversavam e trocavam idéias, recebendo os espíritos (profetizando), cada qual trazendo as recordações dos fatos presenciados, dos discursos ouvidos, dos ensinamentos decorados com amor, dos sublimes exemplos legados à posteridade. Essas comunidades eram visitadas pelos "apóstolos" itinerantes, verdadeiros emissários do amor do Mestre. Presidiam a essas assembléias "os mais velhos" (presbíteros). E, para manter a "unidade de crença" e evitar desvios, falsificações e personalismos no ensino legado (não havia imprensa!) eram eleitos "inspetores" (epíscopoi) que vigiavam a pureza dos ensinamentos. Essas eleições recaíam sobre criaturas de vida irrepreensível, firmeza de convicções e comprovado conhecimento dos preceitos de Jesus. Por tudo isso, ressalta claro que não é possível aplicar a essa simplicidade despretensiosa dessas comunidades ou centros de fé a denominação de "igrejas", palavra que variou totalmente na semântica. Daí termos mantido, neste trecho do evangelho, a palavra original grega "ekklêsía", já que mesmo sua tradução por "assembléia" não dá idéia perfeita e exata do significado da palavra ekklêsía daquela época. Não encontramos outro termo para usar, embora a farta sinonímia à disposição: associação, comunidade, congregação, agremiação, reunião, instituição, instituto, organização, grei, aprisco (aulê), sinaxe, etc. A dificuldade consiste em dar o sentido de "agrupamento de todos os fiéis a Cristo" numa só palavra. Fomos tentados a empregar "aprisco", empregado por Jesus mesmo com esse sentido (cfr. João 10:1 e 16), mas sentimos que não ficava bem a frase "construirei meu aprisco". Todavia, quando ekklêsía se refere a uma organização local de país, cidade ou mesmo de casa de família, utilizaremos a palavra "comunidade", como tradução de ekklêsía, porque a correspondência é perfeita. VERS. 18 b - "As portas do hades (pylai hádou) não prevalecerão contra ela". O hades (em hebraico sheol) designava o hábitat dos desencarnados comuns, o "astral inferior" ("umbral", na linguagem espirítica) a que os latinos denominavam "lugar baixo": ínferus ou infernus. Diga-se, porém, que esse infernus (derivado da preposição infra) nada tem que ver com o sentido atual da palavra "inferno". Bastaria citar um exemplo em Virgílio (En. 6, 106), onde o poeta narra ter Enéias penetrado exatamente as "portas do hades", inferni janua, encontrando aí (astral ou umbral) os romanos desencarnados que aguardavam a reencarnação (Na revista anual SPIRITVS edição de 1964, n.º 1 -, nas páginas 16 a 19, há minucioso estudo a respeito de sheol ou hades. Edições Sabedoria). O sentido das palavras citadas por Mateus é que os espíritos desencarnados do astral inferior não terão capacidade nem poder, por mais que se esforcem, para destruir a organização instituída por Cristo. A metáfora "portas do hades" constitui uma sinédoque, isto é, a representação do todo pela parte. VERS. 19 a - "Dar-te-ei as chaves do reino dos céus". As chaves constituíam o símbolo da autoridade, representando a investidura num cargo de confiança. Quando Isaías (22:22) fala da designação de Eliaquim, filho de Hilquia, para prefeito do palácio, ele diz : "porei sobre seu ombro a chave da casa de David; ele abrirá e ninguém fechará, fechará e ninguém abrirá". O Apocalipse (3:7) aplica ao Cristo essa prerrogativa: "isto diz o Santo, o Verdadeiro, o que tem a chave de David, o que abre e ninguém fechará, o que fecha e ninguém abrirá". Em Lucas (11:52) aparece uma alusão do próprio Jesus a essa mesma figura: "ai de vós doutores da lei, porque tirastes as chaves da ciência: vós mesmos não entrastes, e impedistes os que entravam". VERS. 19 b - "O que ligares na Terra será ligado nos céus, e o que desligares na Terra será desligado nos céus". Após a metáfora das chaves, o que se podia esperar, como complemento, era abrir e fechar (tal como em Isaías, texto que devia ser bem conhecido de Jesus), e nunca "ligar" e desligar", que surgem absolutamente fora de qualquer seqüência lógica. Aliás, é como esperávamos que as palavras foram colocadas nos lábios de Clemente Romano (bispo entre 100 e 130, em Roma): "Senhor Jesus Cristo, que deste as chaves do reino dos céus a teu emissário Pedro, meu mestre, e disseste: "o que abrires, fica aberto e o que fechares fica fechado" manda que se abram os ouvidos e olhos deste homem" - haper àn anoíxéis énéôitai, kaì haper àn kleíséis, kéklestai (Martírio de Clemente, 9,1 - obra do 3.º ou 4.º século). Por que aí não teriam sido citadas as palavras que aparecem em Mateus: hò eàn dêséis... éstai dedeménon... kaí hò eàn lêsêis...éstai lelyménon? Observemos, no entanto, que no local original dessa frase (Mat. 18:18), a expressão "ligar" e "desligar" se encaixa perfeitamente no contexto: aí se fala no perdão a quem erra, dando autoridade à comunidade para perdoar o culpado (e mantê-lo ligado ao aprisco) ou a solicitar-lhe a retirada (desligando-o da comunidade) no caso de rebeldia. Então, acrescenta: "tudo o que ligardes na Terra, será ligado nos céus, e tudo o que desligardes na Terra, será desligado nos céus". E logo a seguir vem a lição de "perdoar setenta vezes sete”. E entendemos: se perdoarmos, nós desligamos de nós o adversário, livramo-nos dele; se não perdoarmos, nós o manteremos ligado a nós pelos laços do ódio e da vingança. E o que ligarmos ou desligarmos na Terra (como encarnados, "no caminho com ele", cfr. Mat. 5.25), será ratificado na vida espiritual. Daí a nítida impressão de que esse versículo foi realmente transportado, já pronto (apenas colocados os verbos no singular), do capítulo 18 para o 16 (em ambos os capítulos, o número do versículo é o mesmo: 18). A hipótese de que esse versículo (como os dois anteriores) foi interpolado, é baseada no fato de que não figura em Marcos nem em Lucas, embora se trate claramente do mesmo episódio, e apesar de que esses dois evangelistas escreveram depois de Mateus, por conseguinte, já conheciam a redação desse apóstolo que conviveu com Jesus (Marcos e Lucas não conviveram). Acresce a circunstância de que Marcos ouviu o Evangelho pregado por Pedro (de quem parece que era sobrinho carnal, e a quem acompanhou depois de haver abandonado Paulo após sua primeira viagem apostólica. Marcos não podia ignorar uma passagem tão importante em relação a seu mestre e talvez tio. Desde Eusécio, aparece como razão do silêncio de Marcos a humildade de Pedro, que em suas pregações não citava fatos que o engrandecessem. Mas não é admissível que Marcos ignorasse a cena; além disso, ele escreveu seu Evangelho após a desencarnação de Pedro: em que lhe ofenderia a modéstia, se dissesse a verdade total? Mais ainda: seu Evangelho foi escrito para a comunidade de Roma; como silenciar um trecho de importância tão vital para os cristãos dessa metrópole? Não esqueçamos o testemunho de Papias (2,15), discípulo pessoal do de João, o Evangelista, e, portanto, contemporâneo de Marcos, que escreveu: "Marcos numa coisa só teve cuidado: não omitir nada do que tinha ouvido e não mentir absolutamente" (Eusébio, Hist. Eccles. 3,39). E qual teria sido a razão do silêncio de Lucas? E por que motivo todo esse trecho não aparece citado em nenhum outro documento anterior a Marcion (meados do 2º século)? Percorramos os primeiros escritos cristãos, verificando que a primeira citação é feita por Justino, que aparece como tendo vivido exatamente em 150 A.D. 1. DIDACHE (15,1) manda que os cristãos elejam seus inspetores (bispos) e ministros (diáconos). Nenhum aceno a uma hierarquia constituída por Jesus, e nenhuma palavra a respeito dos "mais velhos" (presbíteros). 2. CLEMENTE ROMANO (bispo de Roma no fim do 1º e início do 2º século), discípulo pessoal de Pedro e de Paulo (parece até que foi citado em Filip. 4:3) e terceiro sucessor de ambos no cargo de inspetor da comunidade de Roma. Em sua primeira epístola aos coríntios, quando fala da hierarquia da comunidade, diz que "Cristo vem da parte de Deus e os emissários (apóstolos) da parte de Cristo" (1ª Clem. 42,2). Apesar das numerosíssimas citações escriturísticas, Clemente não aproveita aqui a passagem de Mateus que estamos analisando, e que traria excelente apoio a suas palavras. 3. PAPIAS (que viveu entre o 1º e o 2º século) também nada tem em seus fragmentos. 4. INÁCIO (bispo entre 70 e 107), em sua Epístola aos Tralianos (3,1) fala da indispensável hierarquia eclesiástica, mas não cita o trecho que viria a calhar. 5. CARTA A DIOGNETO, aliás, comprovadamente a "Apologia de Quadrado dirigida ao Imperador Adriano", portanto do ano de 125/126 (cfr. Eusébio, Hist. Eccles. 4,3 ), nada fala. 6. EPÍSTOLA DE BARNABÉ (entre os anos 96 e 130), embora apócrifa, nada diz a respeito. 7. POLICARPO (69-155) nada tem em sua Epístola aos Filipenses. 8. O PASTOR, de Hermas, irmão de Pio, bispo de Roma, entre 141 e 155, e citado por Paulo (Rom. 16:14). Em suas visões a igreja ocupa lugar de destaque. Na visão 3ª, a torre, símbolo da igreja, é construída sobre as águas, mas diz o Pastor a Hermas: "o fundamento sobre que assenta a torre é a palavra do Nome onipotente e glorioso". Na Parábola 9,31, lemos que foi dada ordem de "edificar a torre sobre a Rocha e a Porta". E o trecho se estende sem a menor alusão ao texto que comentamos. 9. JUSTINO (+ ou - ano 150) cita, pela vez primeira, esse texto (Diálogus, 100,4), mas com ele só se preocupa em provar a filiação divina do Cristo. 10. IRINEU (bispo entre 180-190), em sua obra cita as mesmas palavras de Justino, deduzindo delas a filiação divina do Cristo (3, 18, 4). 11. ORÍGENES (184-254) é, historicamente, o primeiro que afirma que Pedro é a pedra fundamental da igreja (Hom. 5,4), embora mais tarde diga que Jesus "fundou a igreja sobre os doze apóstolos, representados por Pedro" (In Matt. 12,10-14). Só damos o resumo, porque o trecho é bastante longo. 12. TERTULIANO (160-220) escreve (Scorpiae, 10) que Jesus deu as chaves a Pedro e, por seu intermédio, à igreja (Petro et per eum Ecclesiae): a igreja é a depositária, Pedro é o Símbolo. 13. CIPRIANO (cerca 200-258) afirma (Epíst. 33,1) que Jesus, com essas palavras, estabeleceu a igreja fundamentada nos bispos. 14. HILÁRIO (cerca 310-368) escreve (De Trinit. 3,36-37) que a igreja está fundamentada na profissão de fé na divindade de Cristo (super hanc igitur confessionis petram) e que essa fé tem as chaves do reino dos céus (haec fides Ecclesiae fundamentum est...haec fides regni caelestis habet claves). 15. AMBRÓSIO (337-397) escreve: "Pedro exerceu o primado da profissão de fé e não da honra (prirnaturn confessionis útique, non honóris), o primado da fé, não da hierarquia (primatum fídei, non órdinis)"; e logo a seguir: "é pois a fé que é o fundamento da igreja, porque não é da carne de Pedro, mas de sua fé que foi dito que as portas da morte não prevalecerão contra ela" (De Incarnationis Dorninicae Sacramento, 32 e 34). No entanto, no De Fide, 4,56 e no De Virginitate, 105 – lemos que Pedro, ao receber esse nome, foi designado pelo Cristo como fundamento da igreja. 16. JOÃO CRISÓSTOMO (c. 345-407) explica que Pedro não deve seu nome a seus milagres, mas à sua profissão de fé (Hom. 2, In Inscriptionem Actorum, 6; Patrol. Graeca vol. 51, col. 86). E na Hom. 54,2 escreve que Cristo declara que construirá sua igreja "sobre essa pedra", e acrescenta "sobre essa profissão de fé". 17. JERÔNIMO (348-420) também apresenta duas opiniões. Ao escrever a Dâmaso (Epist. 15) deseja captar-lhe a proteção e diz que a igreja "está construída sobre a cátedra de Pedro". Mas no Comm. in Matt. (in loco) explica que a pedra é Cristo" (in petram Christum); cfr. 1ª Cor 10:4 "e essa pedra é Cristo". 18. AGOSTINHO (354-430) escreve: "eu disse alhures. falando de Pedro, que a igreja foi construída sobre ele como sobre uma pedra: ... mas vejo que muitas vezes depois (postea saepíssime) apliquei o super petram ao Cristo, em quem Pedro confirmou sua fé; como se Pedro - assim o chamou a Pedra" - representasse a igreja construída sobre a Pedra; ... com efeito, não lhe foi dito "tu es Petra", mas "tu es Petrus". É o Cristo que é a Pedra. Simão, por havê-lo confessado como o faz toda a igreja, foi chamado Pedro. O leitor escolha qual dos dois sentidos é mais provável" (Retractationes 1, 21, 1). Entretanto, Agostinho identifica Pedro com a pedra no Psalmus contra partem Donati, letra S; e na Enarratio in Psalmum 69, 4. Esses são os locais a que se refere nas Retractationes. Mas no Sermo 76, 1 escreve: "O apóstolo Pedro é o símbolo da igreja única (Ecclesiae unicae typum); ... o Cristo é a pedra, e Pedro é o povo cristão. O Cristo lhe diz: tu és Pedro e sobre a pedra que professaste, sobre essa pedra que reconheceste, dizendo "Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo, eu construirei minha igreja; isto é, eu construirei minha igreja sobre mim mesmo que sou o Filho de Deus. É sobre mim que eu te estabelecerei, e não sobre ti que eu me estabelecerei. ... Sim, Pedro foi estabelecido sobre a Pedra, e não a Pedra sobre Pedro". Essa mesma doutrina aparece ainda em Sermo 244,1 (fim): Sermo 270,2: Sermo 295,1 e 2; Tractatus in Joannem, 50,12; ibidem, 118,4 ibidem, 124,5: De Agone Christiano, 32; Enarratio in Psalmum 108,1. Aí está o resultado das pesquisas sobre o texto tão discutido. Concluiremos como Agostinho, linhas acima: o leitor escolha a opinião que prefere. O último versículo é comum aos três, embora com pequenas variantes na forma: Mateus: não dizer que Ele era o Cristo. Marcos: não falar a respeito Dele. Lucas: não dizer nada disso a ninguém. Mas o sentido é o mesmo: qualquer divulgação a respeito do messianato poderia sublevar uma perseguição das autoridades antes do tempo, impedindo o término da tarefa prevista. (PASTORINO, 1964, pp. 32-38). (Grifo do original). É uma opinião de quem esteve do lado de lá, vamos assim dizer, portanto, importante para o nosso estudo. Voltando às nossas considerações, apresentamos uma dúvida: se somente atribuíram o papado a Pedro, porque ele teria identificado a Jesus com o Messias, qual cargo deveria ser dado aos envolvidos nestas passagens?: Mt 14,33: “Os que estavam na barca se ajoelharam diante de Jesus, dizendo: 'De fato, tu és o Filho de Deus'". Mc 3,11: “Vendo Jesus, os espíritos maus caíam a seus pés gritando: 'Tu és o Filho de Deus!'". Jo 11,24-27: “Marta ... respondeu: 'Sim, Senhor. Eu acredito que tu és o Messias, o Filho de Deus que devia vir a este mundo'”. Na seqüência da passagem de Mateus, lemos: Mt 16,21-23: “E Jesus começou a mostrar aos seus discípulos que devia ir a Jerusalém, e sofrer muito da parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos doutores da Lei, e que devia ser morto e ressuscitar ao terceiro dia. Então Pedro levou Jesus para um lado, e o repreendeu, dizendo: 'Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!' Jesus, porém, voltou-se para Pedro, e disse: 'Fique longe de mim, Satanás! Você é uma pedra de tropeço para mim, porque não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens!'”. Se Pedro é mesmo “a pedra”, então, devemos concluir que ele só pode ter sido “pedra de tropeço” para Jesus, isto sim. Caso seja verdadeiro o trecho da passagem (Mt 16,17-19), fica a interrogação: a quem se poderia atribuir a palavra pedra? Vamos pesquisar. Seria interessante que fôssemos ver a quem se poderia atribuir a palavra “pedra”. Uma relação de importância que poderíamos fazer é que os Dez Mandamentos foram escritos em “tábuas de pedra” (Dt 4,13), significando, talvez, leis sólidas e duráveis. Encontramos, também citações sobre “a pedra angular”, que seria: Pedra Angular. Grande pedra que desempenhava importante papel na construção antiga, assim chamada por ficar nos ângulos. O salmo 117,22 descreve Israel como pedra rejeitada, mas que, depois torna-se-ia a pedra fundamental. Nisso, Israel era um tipo de Cristo que se apresentou como a pedra rejeitada pelos construtores, mas depois escolhida por pedra angular (Mt 21,42), aplicando a Si o salmo citado. S. Paulo em Ef. 2,20 usa a mesma metáfora da pedra angular para apresentar a Cristo, elemento de união entre os fiéis, gentios e judeus, como a pedra angular que une duas paredes do mesmo edifício. (Dicionário Prático - Barsa, p. 210). Endentemos que então Cristo é a pedra angular. Realmente, ele aplica a si mesmo isso, de acordo com Mateus (Mt 21,42), Marcos (Mc 12,10) e Lucas (Lc 20,17). O próprio Pedro, que dizem ser a pedra, afirma que Jesus é a pedra rejeitada (At 4,11; 1Pe 2,4). Paulo, também disse que “a pedra era Cristo” , conforme poder-se-á ver em Rm 9,32; 1Cor 10,4 e Ef 2,20-21. Vejamos o texto desse último passo: “Vocês pertencem ao edifício que tem como alicerce os apóstolos e profetas; e o próprio Jesus Cristo é a pedra principal dessa construção. Em Cristo, toda construção se ergue, bem ajustada, para formar um templo santo no Senhor” (Ef 2,20-21). Aliás, aqui Paulo inclui como alicerce os apóstolos, não sendo, portanto, coisa exclusiva de Pedro. Vejamos a opinião de dois eruditos biblicistas: Voltemos, pois à primeira interpretação que diz que a pedra é Pedro. Há multas variações dessa interpretação, das quais as seguintes são representativas: 1. De acordo com a doutrina da Igreja Católica Romana, o texto ensina que Pedro é a base ou fundamento da Igreja, separado dos demais apóstolos; e assim aparece a primazia de Pedro, no que fica subentendida a doutrina do papado. Portanto, a maior parte dos intérpretes católicos romanos, como Launoi, Dupin, e também alguns protestantes, com alguma variação na interpretação (Werenfels, Pfaff, Bengel e Crusius), apresentam essa interpretação. Tais intérpretes exageram o sentido do texto como qualquer leitor pode observar, se não for desviado por fortes preconceitos. 2. A “pedra” é Pedro, mas não separado dos outros apóstolos, e, provavelmente, também não separado dos membros da Igreja em geral. Peter Schaff (in loc., em Lange) diz: “Pedro (representando os outros apóstolos), tendo confiado em Cristo e tendo-o confessado (devido a isso), é a petra ecclesiae. As outras idéias parecem ter sido criadas especialmente para evitar a interpretação duvidosa da Igreja romana, que tira do texto doutrinas que não se desenvolveram senão alguns séculos após ter sido feita a declaração simples deste texto. Entretanto, não é necessário que se criem interpretações errôneas para evitar outras errôneas. Ainda que esse texto cite Pedro como a pedra Fundamental da Igreja, não ensina coisa alguma que não possa ser encontrada em outros trechos bíblicos”. De conformidade com a leitura simples do texto, é melhor aceitarmos a interpretação natural, entendendo aqui que Pedro é a “petra”, mas no sentido que segue abaixo. Dificilmente o texto tem bom sentido se apresentarmos outra interpretação. Por que Jesus chamou Simão de petros, nesta oportunidade? Por que, no vs. 19, são mencionados poderes extraordinários que seriam dados a Pedro? Facilmente, Jesus poderia ter ensinado que Pedro é a pedra fundamental da Igreja, evitando chamá-lo de “petros”; a referência como existe perde todo o sentido se não a entendermos que Pedro seria a pedra fundamental da Igreja. É verdade que no original grego há um jogo de palavras com esses vocábulos, mas o sentido seria mais ou menos como esta paráfrase: “Tu és uma pedra, um pequeno e insignificante fragmento, mas eu mostrarei que grande coisa posso fazer de ti. Tu serás uma rocha maciça, rocha fundamental na minha Igreja, brevemente começarei a edificar”. Os escritos rabinos usam expressões como essas, isto é, indicam homens como pedras fundamentais da congregação de Deus. Por exemplo, esses escritos asseveram que Deus não pode edificar o seu mundo sobre o fundamento da geração de Enós, mas que em Abraão o Senhor encontrou tal qualidade de fundamento. E neste texto encontramos a mesma idéia. Em confirmação dessa interpretação, consideremos os seguintes argumentos: 1. O uso da literatura rabínica, conforme já vimos. 2. O fato de que o jogo de palavras, no grego, realmente indica essa interpretação e não a elimina. 3. No idioma falado por Jesus, o aramaico, a palavra que ele usou para dar nome a Pedro era a mesma palavra que significa “pedra” ou fundamento da Igreja. 4. As dentais interpretações existem principalmente para combater idéias consideradas falsas da Igreja Católica Romana; mas não se baseiam no próprio texto bíblico. 5. A mesma verdade é ensinada em Efé. 2:20: “Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular”. O texto mostra que esse edifício é a Igreja, a habitação de Deus no Espírito, a “família” de Deus (vs. 19). E a passagem de Apo. 21:14 indica a mesma idéia. 6. O testemunho do próprio Pedro, em I Ped. 2:4-6, também indica a mesma verdade: “Chegando-vos para ele, a pedra que vive...vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual...ponho em Silo uma principal pedra angular...”. A pedra principal, angular é o símbolo de Cristo. Dificilmente a pedra angular pode conter uma referência ao fundamento inteiro. 7. Em sentido exclusivo, somente Cristo pode ser o fundamento de Igreja, e isso é o que se aprende em I Cor. 3:11, que diz: “Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo”. O vs. 10 do mesmo capítulo mostra que o tema é Cristo como alicerce da vida cristã: “...segundo a graça de Deus que me foi dada, lancei o fundamento como prudente construtor; e outro edifica sobre ele; porém cada um veja como edifica... Contudo, se o que alguém edifica sobre o fundamento é ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha...” Essas coisas falam da vida cristã como que edificada sobre Cristo, em torno de sua pessoa, e, naturalmente, não pode haver outro fundamento nesse sentido. Porém, nos textos de Mat. 16 e de Efé. 2 (juntamente com outros), não está em foco essa questão, porquanto falam do grande edifício da Igreja. Esse edifício, habitação de Deus, tem algumas pedras fundamentais, a saber, os apóstolos, os profetas - todos os quais são como que pedras vivas. Nesse edifício Cristo é a pedra fundamental, angular. 8. Precisamos notar que aquilo que foi dito acerca de Pedro em Mat. cap. 16, foi estendido aos demais Apóstolos em Efé. 2:20, pelo que o texto de Mateus 16 não subentende a primazia permanente de Pedro, segundo ensina a Igreja Católica Romana. Dificilmente, portanto, há qualquer possibilidade de apoio às doutrinas romanistas sobre o papado. Essa interpretação romanista exagera o texto sagrado. Pedro, como pedra fundamental da Igreja, recebeu certos poderes de oficio. Na administração de seu oficio, tinha o poder de “proibir e permitir”, conforme mostra o vs. 19. Mais tarde, esses poderes também foram dados aos outros apóstolos. Os demais apóstolos, tendo esses poderes em comum, também eram pedras fundamentais de Igreja (Efé. 2:20). 9. Pedro, no que diz respeito à porção judaica da Igreja, era fundamental no edifício da mesma, como se pode ver em Atos l:15; 2:14,37; 3:12; 4:8; 5:15,29; 9:34,40; 10:25,26; Gil. 1:18. Ele é a pedra fundamental no sentido bíblico, e não no sentido papista. Para transferir para Pedro ou para qualquer outro individuo as idéias de primazia e papado precisamos usar de grande preconceito, Imaginação e ginástica lógica. Os privilégios e poderes que Jesus deu aqui a Pedro, posteriormente, foram conferidos também a todos os outros apóstolos, e até mesmo aos crentes comuns, como nos indica a referência em Mat. 18:17-19. Não há, nem nas Escrituras e nem na história eclesiástica, evidências que indiquem que, na Igreja primitiva, houvesse papado, oficio esse transferível a outros que também exercessem a autoridade e a posição que Jesus conferiu a Pedro. Esses ensinos procedem da tradição, e não das Escrituras. Contra essa interpretação romanista alinham-se os seguintes argumentos: 1. A doutrina do papado ignora o caráter do símbolo do fundamento, isto é, um fundamento deve ser posto de uma vez só, deve ser permanente, não pode ser renovado nem mudado continuamente, como sucede na sucessão papal. 2. Essa interpretação confunde primazia de tempo com superioridade permanente de oficio. 3. Essa interpretação confunde o apostolado, que era um oficio intransferível, válido somente no tempo de Jesus, com o desenvolvimento do episcopado pós-apostólico na Igreja, que só surgiu depois do tempo dos apóstolos. 4. Essa interpretação envolve o não reconhecimento do oficio dos outros apóstolos, os quais também receberam os poderes e privilégios que foram dados a Pedro naquela ocasião. Eles também foram fundamentos da Igreja, Isto é, formaram o alicerce da Igreja (ver Efé. 2:20). 5. Essa interpretação contradiz os próprios escritos de Pedro (I Ped. 2:5,6), que são contrários à idéia de um tipo de papado e que jamais podem Indicar a existência de tal coisa. 6. Finalmente, podemos afirmar que essas doutrinas, como a do papado, a da extrema primazia de Pedro, só apareceram no dogma posterior da história eclesiástica, e não se alicerçam nas próprias Escrituras nem em qualquer precedente da Igreja primitiva. Não havia primazia do bispo de Roma sobre o bispo de Jerusalém, de Cesaréia ou de qualquer outra localidade. A primazia do bispo de Roma foi um desenvolvimento posterior.(CHAMPLIN e BENTES, 1995, pp. 833-834). Então Pedro não pode ser a base da Igreja de Cristo. Aliás, quem poderia ser? Se formos seguir estritamente o que consta do NT, poderemos dizer que Paulo seria um bom candidato, porquanto ele foi o “vaso escolhido” por Jesus (At 9,15) ou, quem sabe, João, “o discípulo a quem Jesus amava” (Jo 13,23; 19,26; 20,2; 21,7; 21,20)? Mas será que Pedro não tinha nenhum lugar de destaque? Vamos ver isso posteriormente, mas por agora veremos se seu perfil lhe dava proeminência sobre os outros discípulos. Perguntamos: Será que pelo perfil de Pedro nós poderemos dizer que ele foi o primeiro papa? Vejamos a seguir. Pelas informações de Mateus, Marcos e Lucas, ele era um pescador, juntamente com André, seu irmão, eram sócios de Tiago e João, com os quais dividiam as tarefas de pesca. Sua condição era de iletrado e sem posição social (At 4,13), o que não deverá ser objeto de discriminação, sob qualquer um dos aspectos. Nos relatos do Evangelho, percebemos um Pedro falante, sempre questionando a Jesus sobre alguns pontos duvidosos. Se foi falante, também foi “vacilante”, pois Jesus, ao convidá-lo para andar sobre as águas, ele não conseguiu, porquanto não confiou no Mestre (Mt 14,25-32). Quando Jesus, no Getsêmani, passava por momentos cruciais, pois breve iria ser crucificado, Pedro e os outros dois discípulos, Tiago e João, dormiam, ao que o Mestre disse: "Simão, você está dormindo? Você não pôde vigiar nem sequer uma hora?” (Mc 14,37). Cobrou alguma recompensa de Jesus pelo fato de seguí-lo (Mt 19,27; Lc 18,28). João é o único que fala que Pedro teria tirado uma espada para defender Jesus, quando de sua prisão (Jo 18,10). Mas, pouco tempo depois, apesar da advertência do Mestre, ele o nega por três vezes (Mt 26,69-75), embora tenha dito que morreria com ele (Mt 26,35). No livro de Atos ele aparece até o “Concílio de Jerusalém”, no ano de 49. Depois disso ele desaparece do mapa, como se diz popularmente. Sua participação neste “Concílio” será examinada mais à frente. Não viajou tanto quanto Paulo, que, em três viagens, visitou trinta e duas cidades, mas pelo que se depreende das narrativas, esteve nas seguintes cidades ou regiões: Jerusalém (At 11,2; 15,4); Samaria (At 8,14); Lida (At 9,32) Jope (At 9,43); Cesaréia (At 10,23); Antioquia (13,1). Admite-se que a sua primeira carta foi escrita em Roma (1Pe 5,13), supondo-se que a citação da Igreja de Babilônia se refira a ela, isso por volta de 63. Foi preso por Herodes Agripa I, e solto “milagrosamente” por um anjo, isso aconteceu, provavelmente, no ano de 42 (At 12). Como vimos anteriormente, suas cartas são em número muito pequeno em relação às de Paulo. No ano de 58, o Apóstolo dos Gentios escreve sua epístola aos romanos, fato que nos causa estranheza, diante da alegação de que Pedro, a essa época, já morava em Roma, se nessa carta ele não faz a mínima menção ao suposto primeiro papa. Ademais era de se esperar que Pedro desse as orientações aos romanos, caso fosse mesmo o papa. Inclusive, nessa epístola, Paulo chega a afirmar que “Fiz questão de anunciar o Evangelho onde o nome de Cristo ainda não havia sido anunciado, a fim de não construir sobre alicerces que outro havia colocado” (Rm 15,20). Paulo foi preso por volta de 57-59, sendo, posteriormente, enviado a Roma (60-61), onde esteve em prisão domiciliar, mas livre para receber visitas; entretanto, não se tem notícias de que “o nosso primeiro papa” o tenha visitado. Por que não se comportou como a família de Onesíforo, citada por Paulo: “... todos os da Ásia me abandonaram, e entre eles Figelo e Hermógenes. Que o Senhor conceda misericórdia à família de Onesíforo, porque ele muitas vezes me confortou e não se envergonhou de eu estar preso; ao contrário, quando chegou a Roma, ele me procurou com insistência, até me encontrar. Que o Senhor lhe conceda misericórdia junto a Deus naquele Dia...” (2Tm 1,15-18)? Sobre essa questão, dize-nos o teólogo Rohden (1893-1981): No ano 60 ou 61 chega São Paulo a Roma como prisioneiro, e passa dois anos na capital do Império, com permissão da polícia romana de receber visitas. De fato, numerosos cristãos o visitam. Estabelece-se vivo intercâmbio de correspondência entre o “prisioneiro de Cristo” em Roma e as numerosas Igrejas cristãs da Ásia Menor e do sul da Europa por ele fundadas. Paulo, na prisão, escreve diversas cartas, aos cristãos de Filipos, de Éfeso, de Colossos, a seu amigo Filêmon, mencionando os nomes de seus colaboradores e amigos em Roma – e mais uma vez, nenhuma referência a Pedro, que, por esse tempo, já devia ser bispo de Roma há quase vinte anos, segundo a teoria dos teólogos romanos de hoje. Por que não visita Pedro, o grande confessor de Cristo na prisão? A resposta é simples, embora nada “romana”: porque Pedro não estava em Roma, nem era conhecido dos cristãos da capital do Império. (ROHDEN, 1995, p. 99). Se, por um acaso, Pedro estivesse mesmo vivendo em Roma, apesar de não existir nenhuma prova disso, o motivo de não ter visitado Paulo não pode ser outro, senão que ele se acovardou, igual a quando da ocasião da prisão de Jesus, ele o nega por três vezes. Logo que chegou a Roma, Paulo convocou uma reunião com os principais dos judeus, conforme citado no passo: At 28,16-17: “E, logo que chegamos a Roma, o centurião entregou os presos ao general dos exércitos; mas a Paulo se lhe permitiu morar sobre si à parte, com o soldado que o guardava. E aconteceu, que, três dias depois, Paulo convocou os principais dos judeus, e, junto eles, lhes disse: 'Varões irmãos, não havendo eu feito nada contra o povo, ou contra os ritos paternos, vim, contudo, preso desde Jerusalém, entregue nas mãos dos romanos;'”. Com isso fica provado que Paulo, apesar de preso, mas em prisão domiciliar, recebia normalmente visitas, conseguiu até convocar os principais dos judeus para uma reunião a fim de lhes explicar o que havia acontecido. O nome de Pedro, o suposto papa, sequer é citado, então, a afirmação de Rohden é exata, Pedro realmente não estava em Roma. Segundo a tradição, Pedro morreu em Roma, no ano de 64, provavelmente vítima da perseguição de Nero, foi crucificado de cabeça para baixo, mas por que não aconteceu a ele, o mesmo que a Paulo? Veja: “Na noite seguinte, o Senhor aproximou-se de Paulo e lhe disse: 'Tenha confiança. Assim como você deu testemunho de mim em Jerusalém, é preciso que também dê testemunho em Roma'" (At 23,11), fato que coloca Paulo, um subordinado, recebendo uma orientação direta de Jesus, o que não aconteceu com o suposto papa. E já que mencionamos suas cartas, seria útil analisá-las. É sabido que, no Novo Testamento, existem duas cartas atribuídas a Pedro, o papa, pela ordem, número um. Considerando que um líder deveria estar sempre em contato com aqueles que lhe são subordinados, essa quantidade de cartas é extremamente insignificante, especialmente se levarmos em conta que existem treze cartas, cuja autoria é atribuída a Paulo, ou seja, Paulo subordinado a Pedro escreve mais carta que ele. Entretanto, as coisas não são tão simples assim, pois sobre a autoria dessas cartas “há controvérsias”. É o que veremos das explicações que nos dão sobre elas. A primeira de Pedro é uma carta escrita em estilo tão semelhante ao de São Paulo, que se supõe redigida por Silvano, discípulo de Paulo, que se tornara colaborador de Pedro, e que é mencionado nesta carta, no cap. 5,12. [...] A segunda de Pedro, que parece ter sido redigida por outro secretário que o da primeira, aproxima-se muito estritamente da epístola de JUDAS. [...] (Bíblia Sagrada – Ed. Ave Maria, p. 47). (Grifo nosso). Realmente, quem lê a primeira carta de Pedro tem aquela impressão de que “já leu isso antes”. É fácil, encontrarmos em Paulo a semelhança entre elas. Justificar isso por conta de que foi redigida por um discípulo de Paulo, Silvano, que se tornara colaborador de Pedro, não resolve a questão, pois aí teremos que admitir que esse escritor colocou os pensamentos de Paulo e não de Pedro, o que nos fará voltar à estaca zero. Quanto à segunda carta, afirmam aproximar-se muito da epístola de Judas. Como àquela época pessoas copiavam as cartas e mudando o nome do autor, para distribuí-las junto a comunidades cristãs, fica difícil aceitar pacificamente que essas duas cartas são de autorias de Pedro. Veja o que diz o renomado teólogo Ehrman: Por exemplo, Orígenes, um padre da Igreja do século III, uma vez registrou a seguinte queixa acerca das cópias dos Evangelhos de que dispunha: As diferenças entre os manuscritos se tornaram gritantes, ou pela negligência de algum copista ou pela audácia perversa de outros; ou eles descuidam de verificar o que transcrevem ou, no processo de verificação, acrescentam ou apagam trechos, como mais lhes agrade” (EHRMAN, 2006, p. 62). [...] Copistas associados à tradição ortodoxa muito freqüentemente alteravam os textos, às vezes, para eliminar a possibilidade de serem “mal usados” por cristãos que afirmavam crenças heréticas, outras, para torná-los mais adequados às doutrinas esposadas pelos cristãos de seu próprio grupo. (EHRMAN, 2006, p. 63). O que será que não fizeram com as cartas de Pedro? Se não houver nenhuma, como justificariam sua condição de líder máximo dos cristãos daquela época? Temos duas cartas, cujo autor se declara ser o apóstolo Pedro (cf. 1 e 2Ped 1,1-2). Quanto à 1ª Carta, todos os críticos estão de acordo ser ela do Pescador da Galiléia, ainda que o seu redator foi Silvano (cf. 1Ped 5,12). Pedro não devia dominar muito o grego. Não admira, pois, que recorresse ao uso freqüente de servir-se de um secretário. Mas esta 1ª Carta de Pedro vai ainda mais além. É um espelho da pregação pascalbatismal e da catequese da Igreja de Roma, onde foi escrita (cf. 1Ped 5,13 nota). [...] Quanto à 2ª Carta, ainda que se apresente como da autoria de Pedro (cf. 1,1), já desde tempos antigos se discute acerca do seu verdadeiro autor. Com efeito, ela parece ter sido escrita numa época tardia, depois da destruição de Jerusalém, quando muitos cristãos começavam a perder as esperanças na 2ª Vinda de Cristo (cf. 2Ped 1,19-21 nota; 3,1-16; 3,4 nota). A primeira geração cristã já tinha morrido. Os nossos pais morreram (2Ped 3,4), e já existia uma coleção das cartas paulinas, que alguns interpretavam a seu gosto (3,15-16 nota). Tudo isto dá a entender que a carta foi escrita depois da morte de Pedro, que a tradição situa no ano 67. O autor da carta deve ter sido um dos seus discípulos romanos, que, adotando um uso muito corrente, se cobriu com o nome do seu mestre. O problema não está de todo resolvido, mas esta é a opinião mais comum. Apesar disso, a carta é inspirada, pertence aos escritos sagrados do NT. E, portanto, Palavra de Deus. (Bíblia Sagrada – Ed. Santuário, p. 1798). (Grifo nosso). Ainda estamos na dúvida se a primeira carta não foi escrita apenas para tentar provar que Pedro vivia em Roma, considerada a cidade sede do papado. Em relação à segunda, a observação coloca em xeque-mate a sua autoria como sendo de Pedro. Duas epístolas católicas se apresentam como escritas por são Pedro. A primeira, que traz no endereço o nome do príncipe dos apóstolos (1,1), foi recebida sem contestação desde os primórdios da Igreja; citada provavelmente por Clemente de Roma e certamente por Policarpo, é atribuída explicitamente a são Pedro a partir de Ireneu. O apóstolo escreve de Roma (Babilônia 5,13), onde se encontra em companhia de Marcos, que chama de “seu filho”. Embora sejam muito poucas as informações que temos a respeito do fim de sua vida, uma tradição muito segura afirma, com efeito, que ele se transferiu para a capital do império, onde morreu mártir no tempo de Nero (em 64 ou 67?). Escreve aos cristãos “da Diáspora”, especificando os nomes de cinco províncias (1,1), que representam praticamente o conjunto da Ásia Menor. O que diz do passado deles (1,14.18; 2,9s; 4,3) sugere que são convertidos do paganismo, embora não se exclua a presença de judeu-cristãos entre eles. É por isso que lhes escreve em grego; e, se este grego, simples, mas correto e harmonioso, parece de qualidade boa demais para o pescador galileu, conhecemos o nome do discípulo secretário que pode tê-lo assistido na redação: Silvano (5,12), comumente identificado com o antigo companheiro de são Paulo (At 15,22+). [...] Outra dificuldade levantada contra a autenticidade da epístola é o uso considerável que parece fazer de outros escritos do NT, sobretudo de Tg, Rm e Ef; fato tanto mais surpreendente, porque o Evangelho parece pouco utilizado. Mas as reminiscências evangélicas são numerosas, apesar de permanecerem discretas; se fossem mais destacadas, não faltaria quem dissesse que algum pseudônimo tentou desta forma fazer-se passar por Pedro. Quanto aos contatos com Tiago e Paulo, não se deve exagerar. Não aparece na epístola nenhum dos temas especificamente paulinos (valor transitório da Lei judaica, Corpo de Cristo etc.). E muitos dos que são considerados também como “paulinos”, porque nos são conhecidos, sobretudo através das epístolas de Paulo, de fato são apenas patrimônio comum da primeira teologia cristã (valor redentor da morte de Cristo, fé e batismo etc.). Os trabalhos da crítica reconhecem sempre mais a existência de formulários de catequeses primitivas, de florilégios de textos do AT, que podem ter sido utilizados paralelamente pelos diversos escritos em questão, sem que tenha havido entre eles dependência direta. Se, apesar disso, resta certo número de casos nos quais 1Pd parece de fato ter-se inspirado em Rm ou Ef, podemos admiti-lo sem rejeitar a autenticidade; são Pedro não possuía a envergadura teológica de são Paulo e pode muito bem ter recorrido aos escritos deste último, sobretudo ao dirigir-se, como neste caso, a círculos de influência paulina. Além disso, não se deve esquecer que seu secretário Silvano era discípulo de ambos os apóstolos. Enfim, é justo assinalar, ao lado destas afinidades com os escritos paulinos, as semelhanças que certos intérpretes julgam ter descoberto entre 1Pd e outros escritos de cunho petrino, tais como o segundo evangelho ou os discursos de Pedro nos Atos. A carta deve ser anterior à morte de Pedro (64 ou 67), mas talvez só alguns anos mais tarde é que Silvano a deu por terminada, segundo as diretrizes de Pedro e sob a sua autoridade. Isto seria até mesmo provável, se se constatasse que a epístola é compósita, combinando fragmentos diversos, entre os quais uma homilia de origem batismal (1,134,11). Mas essas distinções não conseguem ultrapassar o nível da conjetura. [...] Não há dúvida de que também a segunda epístola se apresenta como sendo de são Pedro. Não apenas no endereço (1,1) o apóstolo põe seu nome, mas ainda alude ao anúncio de Jesus a respeito de sua morte (1,14), e afirma ter sido testemunha da transfiguração (1,1 6-18). Enfim, faz alusão a uma primeira carta (3,1), que deve ser 1Pd. Se escreve segunda vez aos mesmos leitores, é com dupla finalidade: pô-los de sobreaviso contra os falsos doutores (2) e responder à inquietação causada pela demora da parusia (3). Rigorosamente falando, podemos imaginar estes falsos doutores e esta inquietação desde o fim da vida de são Pedro. Mas há outras considerações que põem em dúvida a autenticidade e sugerem data mais tardia. A linguagem apresenta notáveis diferenças em relação a 1Pd. Todo o cap. 2 é retomado, livre, mas patente, da epístola de Judas. A coleção das epístolas de Paulo parece já formada (3,15s). O grupo apostólico é posto em paralelo com o grupo profético, e o autor fala como se não fizesse parte deles (3,2). Estas dificuldades autorizam certas dúvidas que surgiram desde a antigüidade. Não apenas o uso da epístola não é atestado com certeza antes do séc. III, mas também alguns a rejeitavam, como o testemunham Orígenes, Eusébio e Jerônimo. Além disso, muitos críticos modernos recusam-se, por sua vez, a atribuí-la a são Pedro, e é difícil não lhes dar razão. Mas se um discípulo posterior se valeu da autoridade de Pedro, pode ser que tivesse algum direito de o fazer; talvez porque pertencesse aos círculos que dependiam do apóstolo, ou então porque utilizasse escrito proveniente dele e o adaptasse e completasse com o auxílio de Jd. Isso não equivale necessariamente a cometer falsificação, pois os antigos tinham idéias diferentes das nossas sobre a propriedade literária e a legitimidade da pseudonímia. (Bíblia de Jerusalém, pp. 2104-2105). Seguem as dúvidas, nada é preciso, poucas são as informações disponíveis, deixando tudo em aberto para as suposições. Autor Na saudação, o autor se apresenta como “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo”; no final diz que escreve da Babilônia, denominação intencional de Roma. Ao longo da carta se apresenta como ancião, testemunha ocular da paixão e glória de Cristo (5,1); cita, embora não verbalmente, ensinamentos de Cristo. A tradição antiga aceitou o dado desde muito cedo: 2Pd 3,1, Policarpo, Clemente. Essa segurança diminuiu ante as objeções da crítica. Vamos repassálas com as correspondentes respostas. Antes de tudo, a linguagem e estilo gregos impróprios do pescador galileu. Responde-se que Silvano (5,12) redigiu o texto e não escreveu só o que era ditado. A carta cita o AT na versão dos Setenta, não em hebraico, e o tece suavemente com seu pensamento. Responde-se que os destinatários falavam ou conheciam o grego. Faltam as lembranças pessoais de um companheiro íntimo de Jesus. Responde-se que a pessoa de Jesus Cristo está presente e domina a carta, seus ensinamentos ressoam já assimilados: comparar 1,13 com Lc 12,35; 2,12 com Mt 5,16; 3,9 com Mt 5,44; 3,14 com Mt 5,10; 4,14 com Lc 6,22. O autor conheceu cartas de Paulo, inclusive Efésios (que é posterior). Responde-se que uns paralelos são pouco convincentes, outros são tirados de um fundo litúrgico ou da pregação oral, O nome de “Babilônia” não foi aplicado a Roma antes do ano 70. Responde-se que o AT conhece o uso emblemático de Babel como poder hostil, e a hostilidade romana não começou, mas culminou em 70. A perseguição referida (cf 4,12) e a declaração “ser cristão é crime” começaram no tempo de Domiciano (81-96). Responde-se que já Nero perseguiu os cristãos e houve outras perseguições locais. A função de “anciãos” na comunidade é posterior. Responde-se que Atos documenta o fato como mais antigo e é uma simples transposição do uso judaico. É irrazoável que escreva a igrejas da Ásia que não havia fundado nem visitado, e onde a perseguição não chegava. Responde- se que os cristãos tiveram de sofrer em toda parte. O balanço da argumentação deixa a solução indefinida, e os comentaristas se dividem em dois grupos: a) O autor é Pedro, ancião e, talvez, prisioneiro, próximo da morte; escreve uma espécie de testamento, cordial, muito sentido. Seu tema principal é a necessidade e o valor da paixão do cristão, a exemplo de Cristo e em união com Ele. Confia a redação a Silvano. b) A carta é pseudônima. O autor é um desconhecido do círculo de Pedro, que em tempos difíceis quer animar outros fiéis, e para isso se vale do nome de Pedro. Alguns traços hábeis lhe servem para tornar verossímil a ficção. Os destinatários eram pagãos convertidos, como mostram as referências de 1,14.18 e 4,3. Data Se é Pedro, teve de ser antes de 67, data limite do seu martírio. Se é um discípulo de outra geração, seria durante a perseguição de Domiciano (95-96). (Bíblia do Peregrino, p. 2903). (Grifo nosso). Esses comentários são interessantes, porquanto coloca os dois lados da moeda, deixando o leitor informado das dificuldades em tê-la ou não como uma carta autêntica de Pedro. PRIMEIRA EPISTOLA DE SÃO PEDRO O autor da epístola se apresenta como “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo” (1,1), “testemunha dos sofrimentos de Cristo” (5,1). Os Santos Padres confirmam unanimemente esta autoria. Ultimamente alguns especialistas negam que Pedro seja o autor em razão da linguagem grega elegante, da teologia paulina, do aparente desconhecimento da vida de Jesus e do ambiente tardio que parece refletir. Os argumentos levantados contra a autenticidade, embora não sejam decisivos, colocam seriamente em dúvida a autoria petrina da epístola. É possível, contudo, que Pedro tenha escrito “por meio de Silvano” (5,12), nome latino de Silas (cf. At 15,22.40; 18,5; 2Cor 1,19). Sendo autêntica, a epístola foi escrita em Roma (cf. 5,13) entre 64-67, antes da morte do apóstolo. Não sendo autêntica, poderá ter sido escrita entre 70 e 110 d.C. [...] SEGUNDA EPISTOLA DE SÃO PEDRO O autor se identifica como “Simão Pedro” (1,1) e “testemunha” de Cristo (1,16-18). Mas, ao contrário da 1Pd que foi logo aceita como autêntica e canônica, sobre a 2Pd já na Igreja antiga pairaram dúvidas devido à grande diferença de linguagem entre as duas epístolas. A tardia aceitação da epístola pelas igrejas orientais e ocidentais (séc. V/VI) e a sua dependência da epístola de Judas, composta após a morte de S. Pedro, levou a maioria dos exegetas a negar a autenticidade da 2Pd. O autor é um cristão de origem judaica (1,16; 2,1.18), bom helenista, mas distinto do autor da 1Pd, pois a linguagem e o gênero literário são diferentes. A carta foi escrita entre os anos 70 e 125 d.C. Os leitores da carta são os mesmos da 1Pd, pertencentes às comunidades da Ásia Menor e todos eles cristãos (1,1). Os hereges combatidos parecem ser os mesmos visados pela epístola de Judas: gnósticos libertinos que, a pretexto de possuírem o Espírito, desprezam as leis morais (2,1—3,3) e negam a parusia (3,4-10). O autor apresenta o seu escrito como um testamento espiritual de Pedro (cf. 1,13-15): cônscio de sua morte por revelação divina (1,14), o apóstolo recorda os ensinamentos do passado (1,12s; 3,1) e as razões para neles acreditar (1,16-21; 3,2s); anuncia a vinda próxima de propagadores do erro (2,1-21; 3,3s), contra os quais adverte os leitores por escrito (1,15). Contra tais erros é necessário ser fiel à palavra apostólica (3,15s) e profética, produzidas pelo Espírito Santo (1,12-21). (Bíblia Sagrada – Vozes, pp. 1435 e 1439-1440). Vê-se que quase todas as explicações dão-nos conta da dúvida a respeito da autoria, umas são taxativas quanto a isso, outras saem pela linha do “provavelmente”, sem darem uma posição definitiva, talvez, seja por falta de dados, mas poderá também ser a fim de se manter a crença na Bíblia como um livro totalmente inspirado. Leiamos o que Rohden (1893-1981) coloca: Quando alguém é eleito presidente da República, é de supor que ele tenha conhecimento desse fato. Se o apóstolo Pedro foi de fato nomeado por Jesus chefe supremo da Igreja, é de crer que ele tenha tido ciência disso. Vejamos se isso acontece. Temos do apóstolo Pedro duas cartas que fazem parte do Novo Testamento. Peço aos meus leitores que examinem cuidadosamente essas cartas do “primeiro papa”, escritas cerca de vinte anos após sua pretensa nomeação. Não há nesses documentos o mais ligeiro vestígio que denote supremacia pontifícia. O autor considera-se cristão entre cristãos, fala como irmão a irmãos, igual a iguais. Não dá ordens, preceitos, mandamentos de superior a inferiores. Pedro ignora evidentemente a dignidade que, a partir do século quarto, lhe foi atribuída por alguns historiadores eclesiásticos interessados em centralizar o governo da Igreja na capital do Império Romano. Numa dessas cartas, diz o autor que a escreveu em “Babilônia”. (ROHDEN, 1995, p. 97). Fica aí mais uma judiciosa observação de Rohden. Mas que ironia, pois sendo verdadeira a primeira carta de Pedro, então temos nela essa colocação deveras interessante: 1Pe 5,1-4: “Exorto aos presbíteros que estão entre vós, presbítero eu como eles, testemunha dos sofrimentos de Cristo e participante da glória que há de se revelar. Apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado, cuidando dele, não obrigados, mas de boa vontade, segundo Deus, nem por lucro sórdido mas com prontidão de ânimo, não como tiranos, que dominam sobre seu quinhão, mas como modelos para o rebanho. Assim, ao aparecer o Pastor Soberano, recebereis a coroa imarcescível da glória.” Aqui Pedro o suposto papa, se coloca em igualdade de condições com os presbíteros, os chefes das comunidades cristãs da época. Alias, as recomendações dele seriam muito bem-vindas aos tempos atuais, diante do que vemos alguns líderes fazerem por aí. Agora sim, vamos buscar responder a pergunta que fizemos anteriormente: Mas será que Pedro não tinha nenhum lugar de destaque? Na época em que Jesus estava vivo, Pedro, Tiago e João, sempre estavam ao seu lado nos acontecimentos importantes, como por exemplo, em sua transfiguração no Monte Tabor, quando da materialização dos espíritos Moisés e Elias (Mt 17,1-9; Mc 9,2-10; Lc 9,28-36); quando da ressurreição da filha de Jairo (Mc 5,37; Lc 8,51), que, segundo nos parece, foram os doadores das energias necessárias à produção de tais eventos. E ainda, diante do Getsêmani, eles, embora dormindo, estavam junto ao Mestre. Foram os primeiros discípulos a serem escolhidos por Jesus, e isso, certamente, os deixava com certo “poder de liderança” sobre os demais. Só encontramos algo semelhante em Paulo, leiamos: Gl 2,1-9: “Em seguida, quatorze anos mais tarde, subi novamente a Jerusalém com Barnabé, tendo tomado comigo também Tito. Subi em virtude de uma revelação e expus-lhes – em forma reservada aos notáveis – o evangelho que proclamo entre os gentios, a fim de não correr, nem ter corrido em vão. ... E por parte dos que eram tidos por notáveis – o que na realidade eles fossem não me interessa: Deus não faz acepção de pessoas – de qualquer forma, os notáveis nada me acrescentaram. Pelo contrário, vendo que a mim fora confiado o evangelho dos incircuncisos como a Pedro o dos circuncisos – pois aquele que operava em Pedro para a missão dos circuncisos operou também em mim em favor dos gentios – e conhecendo a graça em mim concedida, Tiago, Cefas e João, os notáveis tidos como colunas, estenderam-nos a mão, a mim e a Barnabé, em sinal de comunhão: nós pregaríamos aos gentios e eles aos da Circuncisão”. Aqui vemos a participação de Pedro (Cefas) como um dos notáveis, ou seja, como um dos principais da comunidade cristã da época. Paulo falando deles diz que o que eles fossem não lhe interessava. Mas é muito curioso, pois prova que não havia papa, mas que três pessoas exerciam a liderança do movimento cristão, com a particularidade do nome de Tiago, ter sido citado em primeiro lugar, esse sim, quem sabe, não seria ele a quem se poderia chamar de primeiro papa? Em Atos, o próprio Pedro falou que ele havia sido escolhido para levar o evangelho aos gentios (At 15,7). Será que Pedro demonstrou incompetência nisso, pois segundo Gl 2,9, quem pregava aos gentios era Paulo e não Pedro, cuja tarefa ficou sendo a de pregar aos judeus (aos da circuncisão). E, na seqüência, desse passo de Paulo, vamos ver mais uma curiosidade: Gl 2,11-14: “Mas quando Cefas veio a Antioquia, eu o enfrentei abertamente, porque ele se tornara digno de censura. Com efeito, antes de chegarem alguns vindos da parte de Tiago, ele comia com os gentios, mas, quando chegaram, ele se subtraía e andava retraído, com medo dos circuncisos. Os outros judeus começaram também a fingir junto com ele, a tal ponto que até Barnabé se deixou levar pela sua hipocrisia. Mas quando vi que não andavam retamente segundo a verdade do evangelho, eu disse a Pedro diante de todos: se tu, sendo judeu, vives à maneira dos gentios e não dos judeus, por que forças os gentios a viverem como judeus?”. Se Pedro fosse mesmo o primeiro papa, aqui o teríamos numa situação bastante constrangedora, quando leva um tremendo sabão de Paulo, um subordinado. E pior, foi incriminado de agir com hipocrisia. Para um notável tudo bem, mas se ele fosse mesmo o papa, seria muito estranha a advertência de Paulo. Além disso, se não andava retamente segundo a verdade do evangelho, conforme o acusa Paulo, com que autoridade iria pregá-lo? E se aqui percebemos alguém exercendo alguma autoridade, certamente, é Tiago, pois no texto diz-se que ele enviou algumas pessoas a Antioquia, coisa própria de um líder. Em outras ocasiões, também, não se percebe nenhuma liderança de Pedro: At 6,1-5: “Naqueles dias, o número dos discípulos tinha aumentado, e os fiéis de origem grega começaram a queixar-se contra os fiéis de origem hebraica. Os de origem grega diziam que suas viúvas eram deixadas de lado no atendimento diário. Então os Doze convocaram uma assembléia geral dos discípulos, e disseram: 'Não está certo que nós deixemos a pregação da palavra de Deus para servir às mesas. Irmãos, é melhor que escolham entre vocês sete homens de boa fama, repletos do Espírito e de sabedoria, e nós os encarregaremos dessa tarefa. Desse modo, nós poderemos dedicar-nos inteiramente à oração e ao serviço da Palavra'. A proposta agradou a toda a assembléia”. At 9,26-28: “Saulo chegou a Jerusalém, e procurava juntar-se aos discípulos. Mas todos tinham medo dele, pois não acreditavam que ele fosse discípulo. Então Barnabé tomou Saulo consigo, o apresentou aos apóstolos, e lhes contou como Saulo no caminho tinha visto o Senhor, como o Senhor lhe havia falado, e como ele havia pregado corajosamente em nome de Jesus na cidade de Damasco. Daí em diante Saulo ficou em Jerusalém com eles, e pregava corajosamente em nome do Senhor”. At 14,23: “Os apóstolos [Paulo e Barnabé] designaram anciãos para cada comunidade; rezavam, jejuavam e os confiavam ao Senhor, no qual haviam acreditado”. At 14,27-28: “Quando chegaram a Antioquia [Paulo e Barnabé], reuniram a comunidade e contaram tudo o que Deus havia feito por meio deles: o modo como Deus tinha aberto a porta da fé para os pagãos. E passaram então algum tempo com os discípulos”. Em todas essas passagens não há a mínima idéia de que Pedro liderava alguma coisa. Houve, no princípio do cristianismo, uma divergência por conta do ritual da circuncisão. Uns achavam que deveria ser feita nos pagãos, enquanto outros diziam não ser ela necessária, leiamos: At 15,1-5: “Chegaram alguns homens da Judéia e doutrinavam os irmãos de Antioquia, dizendo: 'Se não forem circuncidados, como ordena a Lei de Moisés, vocês não poderão salvar-se'. Isso provocou alvoroço e uma discussão muito séria deles com Paulo e Barnabé. Então ficou decidido que Paulo, Barnabé e mais alguns iriam a Jerusalém para tratar dessa questão com os apóstolos e anciãos. Com o apoio e solidariedade da igreja de Antioquia, eles atravessaram a Fenícia e a Samaria. Contaram sobre a conversão dos pagãos, e deram uma grande alegria a todos os irmãos. Quando chegaram a Jerusalém, foram acolhidos pela igreja, pelos apóstolos e anciãos, e contaram as maravilhas que Deus tinha realizado por meio deles. Contudo, algumas pessoas do grupo dos fariseus, que tinham abraçado a fé, intervieram para sustentar que era preciso circuncidar os pagãos e mandar que seguissem a lei de Moisés”. O pivô dessa divergência foi Paulo e Barnabé. Por seguirem as orientações de Jesus, não admitiam que tal ritual fosse praticado aos pagãos recém-convertidos, contra alguns homens da Judéia, que queriam impor a circuncisão àqueles que se convertiam ao cristianismo. Interessante é que Paulo, judeu por nascimento, anteriormente fiel cumpridor dos preceitos de Moisés, foi quem defendeu que não havia necessidade da circuncisão. Paulo, querendo as coisas claras, decide, então ir a Jerusalém tratar dessa questão com os apóstolos e anciãos. Uai! Por que não foi tratar com o papa? Ele não seria a pessoa responsável pela liderança do movimento cristão? Por outro lado, se tinham desavenças desse tipo é porque não havia definição como fazer. De duas uma: ou não havia um líder que orientasse o grupo, ou havia, mas ele foi incompetente ou quem sabe, não inspirado, para não prever isso. Instalada a assembléia, formou-se um grande alvoroço, aí aparece Pedro, que toma a palavra: At 15,6-12: “Reuniram-se então os apóstolos e os anciãos para examinarem o problema. Tornando-se acesa a discussão, levantou-se Pedro e disse: 'Irmãos, vós sabeis que desde os primeiros dias, aprouve a Deus, entre vós, que por minha boca ouvissem os gentios a palavra da Boa Nova e abraçassem a fé. Ora, o conhecedor dos corações, que é Deus, deu testemunho em favor deles, concedendo-lhes o Espírito Santo assim como a nós. Não fez distinção alguma entre nós e eles, purificando seus corações pela fé. Agora, pois, por que tentais a Deus, impondo ao pescoço dos discípulos um jugo que nem nossos pais nem mesmo nós pudemos suportar? Ao contrário, é pela graça do Senhor Jesus que nós cremos ser salvos, da mesma forma que eles. Então, toda a assembléia silenciou. E passaram a ouvir Barnabé e Paulo narrando quantos sinais e prodígios Deus operara entre os gentios por meio deles”. Pela narrativa, vê-se que o suposto papa não foi quem convocou esse “Concílio”, o relato apenas diz que “reuniram-se então os apóstolos e os anciãos para examinarem o problema”, fato que prova que não exercia autoridade alguma. Como se instalou uma verdadeira balbúrdia, aí sim, Pedro toma a palavra e fala, fato que fez “toda a assembléia silenciar”, e depois disso, passaram a ouvir Paulo e Barnabé. O que Pedro fez não foi usar de alguma suposta autoridade, mas apenas botar ordem na casa, nada, portanto, como pensam algumas pessoas, de que eles o tinham ouvido silenciosamente no sentido de aprovar alguma decisão, pois a discussão mal havia começado, faltava ainda a fala de Paulo e Barnabé e também a de Tiago, este sim, quem deu o parecer final. Há ainda uma certa confusão entre algumas pessoas, porquanto, acham que Pedro havia sido escolhido para papa, usando da expressão “aprove a Deus” ou “Deus me escolheu” (At 15,7), em outras traduções bíblicas. Só que, nesse passo, apenas se diz que Pedro foi escolhido para pregar aos pagãos, não que teria sido escolhido papa! Pedro não agiu como sendo uma autoridade. Ele apenas deu a sua opinião pessoal sobre o assunto em pauta, a qual não foi, portanto, a deliberação final, inclusive, porque como vimos, depois dele ainda falaram Paulo e Barnabé (At 15,12), para então, aí sim, Tiago tomar a decisão, que foi acatada por todos. Se alguém aqui agiu como papa, foi, pois, certamente, que foi Tiago. Leiamos: At 15,13-21: “Quando acabaram de falar, Tiago tomou a palavra e disse: 'Irmãos, escutai-me! Simão acabou de explicar como Deus, logo de início, se dignou separar dentre os pagãos um povo consagrado a Ele. Isto concorda com a palavra dos profetas, porque está escrito: Depois disso, voltarei e reconstruirei a tenda arruinada de Davi. Reedificarei as suas ruínas e as reerguerei. Os outros homens irão procurar o Senhor, como também as nações que foram consagradas pela invocação de meu Nome. Assim fala o Senhor, que faz essas coisas conhecidas desde os tempos mais antigos. Julgo, por isso, que deixeis de molestar os que se convertem do paganismo para Deus. Basta lhes escrever que não se contaminem com a idolatria ou uniões ilegais, nem tampouco comendo sangue ou carne de animais estrangulados. Porque desde muito tempo a Lei de Moisés está sendo lida e proclamada todos os sábados nas sinagogas de cada cidade'”. O início do discurso de Tiago põe por terra toda e qualquer suposição de que Pedro tenha, naquele Concílio, evocado, para si, algum tipo de autoridade. A opinião de Tiago “julgo, por isso, que deixeis de molestar os que se convertem do paganismo para Deus” foi a aceita, e dela surgiu a carta que deveria ser levada a todos: At 15,22-29: “Então os apóstolos e os anciãos, de acordo com toda a comunidade de Jerusalém, resolveram escolher alguns da comunidade para mandá-los com Paulo e Barnabé para Antioquia. Escolheram Judas, chamado Bársabas, e Silas, que eram muito respeitados pelos irmãos. Através deles enviaram a seguinte carta: 'Nós, os apóstolos e os anciãos, irmãos de vocês, saudamos os irmãos que vêm do paganismo e que estão em Antioquia e nas regiões da Síria e da Cilícia. Ficamos sabendo que alguns dos nossos provocaram perturbações com palavras que transtornaram o espírito de vocês. Eles não foram enviados por nós. Então decidimos, de comum acordo, escolher alguns representantes e mandá-los até vocês, junto com nossos queridos irmãos Barnabé e Paulo, homens que arriscaram a vida pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, estamos enviando Judas e Silas, que pessoalmente transmitirão a vocês a mesma mensagem. Porque decidimos, o Espírito Santo e nós, não impor sobre vocês nenhum fardo, além destas coisas indispensáveis: abster-se de carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue, das carnes sufocadas e das uniões ilegítimas. Vocês farão bem se evitarem essas coisas. Saudações!'" Quem dá o parecer final é Tiago, pois depois dele, ninguém mais falou. Ele concorda com Pedro na questão de ele ter sido enviado a pregar às nações pagãs, não porque estava assinado em baixo naquilo que Pedro havia sido falado. Pensar de outra forma é iludir-se. Diz-nos Renan: “Tiago, ao contrário, tornou-se para o partido judaico-cristão o chefe de toda a cristandade, o bispo dos bispos, o presidente de todas as boas igrejas, das que verdadeiramente foram fundadas por Deus”. (RENAN, Paulo, 13º apóstolo, 2004, p. 235) Também não apresenta nenhuma decisão de Pedro nessa questão. Foram os apóstolos e anciãos, de comum acordo com a comunidade, que mandaram a carta (At 15,22), fato que também pode ser confirmado com o passo: “Percorrendo as cidades, Paulo e Timóteo transmitiam as decisões que os apóstolos e anciãos de Jerusalém haviam tomado, e recomendavam que fossem observadas. (At 16,4). O que novamente prova que Pedro não exercia nenhuma autoridade e nem mesmo presidiu a esse “Concílio”. Podemos, inclusive, voltar um pouco mais atrás, no livro de Atos (12,1-17), e veremos que Pedro, depois de ter sido solto da prisão em que Herodes o colocara, pede para que Tiago seja informado disso (At 12,17), reafirmando, mais uma vez, quem era o líder. Em 58 Paulo, em sua carta aos romanos, fala desse assunto, ao que parece, ainda não totalmente resolvido: Rm 2,25-29: “A circuncisão é útil quando você pratica a Lei; mas, se você desobedece à Lei, é como se não estivesse circuncidado. Se um pagão não circuncidado observa os preceitos da Lei, não será tido como circuncidado, ainda que não o seja? E o pagão que cumpre a Lei, embora não circuncidado fisicamente, julgará você que desobedece à Lei, embora você tenha a Lei escrita e a circuncisão. De fato, aquilo que faz o judeu não é o que se vê, nem é a marca visível na carne que faz a circuncisão. Pelo contrário, o que faz o judeu é aquilo que está escondido, e circuncisão é a do coração; e isso vem do espírito e não da letra da Lei. Tal homem recebe aprovação, não dos homens, mas de Deus.” Nessa época supõe-se que Pedro estava residindo em Roma. Não teria ele seguido as orientações promanadas do “Concílio de Jerusalém”, acontecido, como sabemos, no ano de 49? Nesse apanhado, seria interessante ouvir a opinião de uma pessoa de indiscutível capacidade intelectiva que foi Rui Barbosa (1849-1923). Ao traduzir o livro de Janus (1799-1890), O Papa e o Concílio, ele fez uma Introdução tão longa que se igualou à própria obra teológicoliterária. Disse então o nobre jurisconsulto, advogado, escritor, orador, jornalista e político brasileiro: Os que buscam vincular a Pedro a soberania do papa começaram esquecendo a primeira manifestação coletiva da Igreja cristã, o concílio de Jerusalém, tipo necessário de todos os outros, no qual a preponderância na definição do ponto controvertido coube, não ao apelidado príncipe dos apóstolos, mas a Tiago, bispo da cidade, irmão do Senhor. (65). Nem é esse unicamente o lance, em que os livros santos depõem contra a pretensão da infalibilidade personificada em Pedro. As epístolas de Paulo testemunham que esse principado nunca teve realidade entre os primeiros seguidores do Cristo, e que a fé do apóstolo dos judeus não era menos frágil que a dos outros pregadores da boa nova. (66). Essa primeira decisão conciliar da cristandade transmitiu-se às igrejas da Síria, Antioquia e Cilícia em nome dos “apóstolos, anciãos e irmãos” (apostoli, seniores, fratres), sem que a individualidade particular de Pedro fosse ao menos mencionada ali. (67). As recordações democráticas dos tempos subseqüentes ao Crucificado não podem, porém, tolher o desembaraço a uma seita que, para levar a bom êxito seus planos temporais, não hesitou nunca diante de nenhuma alteração da verdade histórica. Roma nem pela Antigüidade, sequer, podia a princípio prevalecer sobre as outras sés. Antecederam-na as de Jerusalém, Éfeso, Antioquia e Corinto. O título de apostólica, reservado hoje exclusivamente à daquela cidade, Tertuliano atesta-nos que se aplicava a todas as igrejas, quer instituídas pelos apóstolos, quer ramificações dessas. Pode-se, até, dizer que chegou a tocar indistintamente a todas as metrópoles episcopais (68); e, ainda no século IV, os bispos orientais denominavam a Igreja de Jerusalém “mãe de todas as igrejas”. Essa fórmula de “saudação e bênção apostólica”, de que hoje Roma arroga a si o privilégio, não começou a baixar dali senão do século XI, cerca dos dias de Leão IX, para cá. Tal é, pelo menos, o parecer de um dos mais famigerados Bolandistas, o jesuíta Papebroch; e, em todo o caso, a invenção de Martinus Polonus, que faz remontar esse uso da chancelaria eclesiástica aos tempos do bispo Cleto, no primeiro século, está hoje absoluta mente desmentida. Sob a unidade moral de uma adesão comum à fé cristã, cada Igreja nacional vivia e desenvolvia-se com autonomia completa. A par de Roma floresciam, com uma exuberância de seiva, com uma abundância de personalidades notáveis, com uma influência moral e real incomparavelmente maiores, as igrejas do Oriente, a de África, a das Gálias, a de Espanha. Nenhuma tributava preito de vassalagem aos bispos romanos. O título de papa, simples honraria então, dirigia-se indiferentemente a todos os diocesanos, como, ainda no século III, o endereçou o clero romano mesmo a S. Cipriano, bispo de Cartago. Nenhuma preeminência, portanto, de jurisdição, quanto mais de doutrina, lograva a capital da Itália; porque todos os distritos eclesiásticos eram membros independentes e iguais de uma comunhão superior, onde todos os chefes espirituais desvaneciam-se de “vigários de Cristo” “As nossas numerosas igrejas”, dizia Tertuliano, “reputam-se todas a mesma igreja, a primeira de todas fundada pelos apóstolos e mãe de todas as demais. São todas apostólicas, e juntas não vêm a ser mais que uma só, pela comunicação da paz, pelo mútuo tratamento de irmãos, pelos vínculos de hospitalidade que enlaçam a todos os fiéis.” Tal era, em começos do século III, o caráter do catolicismo, definido por um dos mais célebres doutores, com a sanção tácita de Zeferino, bispo de Roma, que o não contrariou. O sistema eletivo era o meio de se proverem os cargos eclesiásticos praticados desde os apóstolos Esse regime de sufrágio quase universal, em que eram co-participantes sacerdotes e leigos, fosse para a escolha dos prelados, fosse, até, para a designação dos diáconos, estendeu-se tanto, no seio da cristandade, pelos séculos adiante, que, ainda em princípios do século XII, nos deparava a Igreja gaulesa exemplos dessa democracia religiosa. Alma da vida eclesiástica nessa idade áurea da fé, o concurso do clero e do povo, ora efetuada a eleição por este e ratificada por aquele, ora iniciada a proposta pelos ministros e aceita pelos fiéis, — representava essa idéia fecunda, intimamente radicada no primitivo cristianismo, que atribui ao elemento leigo uma colaboração essencial no sacerdócio, e que nas assembléias conciliares daquela época lhe facultava lugar e voto. (70) Memora Eusébio que, falecendo Tiago, primeiro bispo de Jerusalém, “os apóstolos, discípulos e parentes do Salvador ainda vivos juntaram-se, para dar-lhe sucessor, e por unânime consentimento elegeram a Simeão”. (71) 65 Act., c. XV. 66 Os que forcejam por exaltar esse discípulo de Jesus acima dos demais, careciam cancelar primeiramente da Bíblia as epístolas do apóstolo das gentes. “Em nada tenho eu sido inferior aos maiores dentre os apóstolos”, dizia ele: “porque, conquanto inapto em palavras, não o sou, todavia, na ciência.” Imperitus sermone, sed non scientia. II ad Corinth., Xl, 5, 6. “São ministros do Cristo; mais o sou eu.” Ministri Christi sunt; plus ego. Id., 23. Nihil enim minus fui ab iis qui sunt supra modum apostoli. II ad Corinth., XII, 11. E, se em nada estava abaixo dos mais excelentes apóstolos, se em sabedoria tinha-se por tão ilustre quanto os mais sábios, não é de Pedro que lhe viera essa excelência e ciência na fé, como seria de mister para que prevalecesse a opinião dos que adjudicam ao papa, como sucessor de Pedro, o depositum fidei. “O Evangelho, não o aprendi de homem nenhum, sim de Jesus Cristo, que mo revelou.” “Neque enim ego ab homine accepi illud, sed per revelationem lesu-ChristL” Ad. Galat., 1, 11. E também ad Ephes., III, 3. O apostolado, encetou-o ele antes de visitar Jerusalém, e avistar-se com os apóstolos. “Neque venim lerosolymam ad antecessores meos apostolos.” Ad Galat., 1, 17. Verdade é que mais tarde ali veio ter, e achou-se com Cefas quinze dias; mas isso foi muitos anos depois, tendo já pregado na Ará bia e em Damasco. lbid., 17, 18. Mais expressiva é ainda a história da sua segunda visita à cidade santa. Nessa ocasião não diz Paulo que Pedro lhe tivesse transmitido a graça, mas sim que este, com Tiago e João, reconheceram-na já existente nele. “Et quum cognovissent gratiam quae data est mihi, Jacobus, et Cephas, et Johannes, qui videbantur columnae, dextras dederunt mihi.” Ad. Galat., II, 9. Deram-lhe as mãos em sinal de companhia, de irmandade, societatis. Que distância entre isso, entre essa fraterna associação de serviços, estabelecida sob um símbolo de igualdade, e a paternidade espiritual que arroga a si o pretenso vigário de Cristo sobre o episcopado inteiro! Paulo tanto a não reconhecia, que resistiu a Pedro face a face. “In faciem ei restiti.” Ibid., 11. Por quê? Porque o achou repreensível. “Quia reprehensibilis erat.” lbid. Viu que infringiam a verdade evangélica, e a Pedro exprobou, em público, deste modo: “Se tu, sendo judeu, vives como gentio, e não como judeu, por que obrigas os gentios a judaizar? Cum vidissem quod non recte ambularent ad veritatem evangelii, dixi Cephae coram omnibus: Si tu, cum Judaeus sis, gentiliter vicis, et non judaece, quomodo gentes cogis judaezare?” Ibid., 14. Substituam Cefas por Pio IX; troquem Paulo por um bispo moderno; ponham-lhe depois na boca esse desabrimento; e digam, afinal, a que fica reduzida a infabilidade individual do papa. 67 Act., c. XV, 23-29. 68 J. H. NEWMAN, do Oratório: A letter addressed to his grace the duke of Norfolk on occasion of Mr. Gladstone recent expostulation. — London, 1875. — p. 29. 69 Act., c. 1 e VI. 70 No concílio de Elvira, o mais antigo de que há cânones, congregaram-se os bispos e os padres com o povo em comum omni plebe. O quarto cânon do quarto concílio de Toledo refere como, depois de entrarem e sentarem-se os bispos, depois de entrarem e sentarem-se atrás deles os padres, “entraram por sua vez os leigos”. No concílio de Orange, que constou de 13 padres e 9 leigos, todos, sem discrime, subscreveram com as mesmas palavras: consensi, ou consentiens subscripsi. V. BORDAS-DUMOULIN e F. HUET: Essais sur la réf. Cath., Paris, 1856 — Pág. 84. E tão valioso era o assentimento de qualquer membro, ainda leigo, dessa comunhão aniquilada hoje perante o papa infalível sese, non autem ex consensu eccIesiae que, no porfioso debate sobre a celebração da páscoa, Polycrates, bispo de Éfeso, na representação dirigida a Vítor, bispo de Roma, em nome das igrejas asiáticas, entre os nomes de apóstolos, mártires, bispos e doutores, que citava em apoio da praxe oriental, não hesitou em mencionar três mulheres, “filhas de Felipe, duas das quais envelheceram na virgindade, e a outra, inspirada do Espírito Santo, adormeceu em Éfeso”. 71 Livr. III. cap. II. (JANUS, vol. 1, 2002, pp. 64-67) (Grifos do original). Esse depoimento de Rui Barbosa está coerente com tudo quanto conseguimos levantar do assunto, tornando-se, portanto, indefensável. Na pesquisa sobre o assunto, encontramos ainda várias outras coisas que merecem ser citadas, para a informação dos que, porventura, venham a ler esse estudo. [...] S. Pedro, a quem Jesus Cristo outorgou o primado da Igreja (Jo 21,15-17; Mt 16,18-19), estabeleceu sua sede em Roma pelos anos 42 d.C., que se tornou então a sede principal da cristandade. [...] São Pedro, de Betsaida, na Galiléia, príncipe dos Apóstolos, que recebeu diretamente de Jesus Cristo o supremo Poder Pontifical, para transmiti-lo a seus sucessores, residiu como papa, primeiro em Antioquia, depois, durante 25 anos, em Roma, onde foi martirizado em 64 ou 67 d.C. (Dicionário Bíblico Barsa, p. 204). Dados transcritos de um dicionário constante da Bíblia Sagrada – Ed. Barsa, de cunho católico. Observemos que aqui aparece uma outra passagem para justificar o papado de Pedro, entretanto, todo o capítulo 21 do Evangelho de João é controverso: Todo o capítulo 21 é curiosamente colocado depois de uma conclusão do evangelho (20,30-31) que será retomada em parte em 21,25. Além disso, as duplicatas são numerosas. Notemos em particular as dos capítulos 7-8: os textos de 7,33-36 e de 8,21-22 são apenas dois desenvolvimentos paralelos de tema comum; e há muitas tentativas de prender Jesus no decurso de uma mesma festa (7,30.32.44; 8,20.59). É provável que tais anomalias provenham do modo como o evangelho foi composto e editado: ele seria de fato o resultado de lenta elaboração, compreendendo elementos de épocas diferentes, de retoques, de adições, de redações diversas, de um mesmo ensinamento, visto que o todo teria sido publicado, não pelo próprio João, mas, depois de sua morte, por seus discípulos (21,14); assim, na trama primitiva do evangelho, estes teriam inserido fragmentos joaninos que não queriam deixar perder e cujo lugar não era rigorosamente determinado. (Bíblia de Jerusalém, p. 1838). Moral da história, não foi João quem o escreveu, assim como aceitar piamente o que lá se encontra? Supondo-se que João tenha sido morto em 67, é o que se afirma usando-se da tradição cristã, e que tenha residido como papa por 25 anos em Roma, então, ele passou a ser papa no ano de 42. Ora, depois da morte de Jesus (ano 30 até o ano de 42), ou seja, por doze anos, ele foi o quê? Demorou para “a ficha cair”? Mais um detalhe: no “Concílio de Jerusalém” ele não liderava ninguém, conforme ficou provado. Por outro lado, “Um édito do imperador Cláudio, no ano 49, expulsou de Roma os judeus e, provavelmente, também os cristãos”. (Bíblia Sagrada – Ed. Pastoral, p. 1440), com isso a questão é: será que de 49 até, pelo menos, 58, não havia um líder em Roma, já que nessa última data Paulo envia uma carta aos romanos? Se “Os Atos dos Apóstolos, quinto livro do Novo Testamento, devota dezesseis capítulos à vida e obra de Paulo” (VAN LOON, 1981, p. 180), e considerando que “O livro termina com o cativeiro de Paulo 61-63. (Bíblia Jerusalém, p. 1896), a pergunta é: quem foi a pessoa mais importante no cristianismo primitivo; Paulo ou Pedro, o suposto papa? Essa supremacia de Paulo é facilmente percebida, pois “Depois da conversão de Cornélio e o encarceramento em Jerusalém, Pedro parte para destinação desconhecida (At 12,17); e é Paulo que doravante, no relato de Lucas, ficará em evidência”. (Bíblia de Jerusalém, p. 1898). Vejamos mais outra informação, ainda de Van Loon (1882-1944), que foi um escritor e jornalista holandês: Além disso, era um homem capaz de trabalho eficiente. Conhecedor de suas limitações, deixou a empresa mais espetacular para Paulo, que passou a vida no estrangeiro, e para Jaime, o irmão de Jesus, que se tornou o reconhecido chefe da igreja nas terras judaicas. Pedro contentou-se com um campo de ação menos importante nas regiões limítrofes da Judéia, e com sua fiel esposa percorreu as longas estradas da Babilônia a Samaria e da Samaria à Antioquia, transmitindo ao povo o que Jesus lhe ensinara em seu tempo de pescador no Mar da Galiléia. Não sabemos o que o induziu a ir para Roma. Sobre essa viagem não temos nenhuma informação histórica de valor indisputado, mas o nome de Pedro está tão conexo ao desenvolvimento inicial da igreja, que temos de devotar algumas palavras ao admirável velho a quem Jesus amou mais que aos outros discípulos. (VAN LOON, 1981, pp. 186-187). Se Pedro percorreu as estradas de Babilônia a Samaria, por que a palavra Babilônia que aparece em uma das cartas que lhe é atribuída, não poderia se referir a essa cidade, que supõem ser Roma? Será preciso responder? Voltemos às considerações do filósofo e teólogo Huberto Rohden, agora no livro Que vos parece do Cristo, onde ele dedica um capítulo ao assunto: Instituiu Jesus a Pedro como Pedra Fundamental da Igreja? Já no século V, escreveu Santo Agostinho, então bispo de Hipona, que, com as palavras “tu és Pedro” Jesus não instituiu Pedro como pedra fundamental da Igreja; as palavras de Jesus não se referem à pessoa humana de Pedro, que é chamada “carne e sangue”; referem-se à revelação da Divindade do Cristo, confessada pelo apóstolo: “Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo”. A pedra fundamental da Igreja, diz Agostinho, é o Cristo; a confissão de Pedro, mas não o Pedro da confissão, é a pedra fundamental, mas não a pessoa humana, que pode ter sucessores, através dos tempos, ao passo que a Divindade do Cristo é a verdade permanente. É esta a convicção de Agostinho, que ele nunca revogou, nem mesmo no seu livro posterior “Retractationes”. Mais tarde, por motivos de consolidação da hierarquia eclesiástica, os Concílios adotaram a idéia que hoje prevalece na teologia; que Pedro fora instituído por Jesus como sendo o fundamento inabalável da Igreja — o mesmo homem que é por Jesus chamado carne e sangue, e, pouco depois “satanás”: “Vade retro, satana”. Nem Paulo de Tarso aceitou a idéia da primazia e infalibilidade de Pedro, como consta do Concílio Apostólico de Jerusalém, onde prevaleceu a idéia de Paulo, que repreendeu publicamente a Pedro por que havia “aberrado da verdade do Evangelho”, exigindo que os neófitos cristãos fossem circuncidados Quanto ao pretenso pontificado de Pedro na sede de Roma, é uma idéia flagrantemente anti-histórica. Pedro pode ter vivido em Roma cerca de três meses, no ano 67, mas não durante 25 anos. Jamais dirigiu a igreja de Roma. Sabemos que no ano 64 rompeu a tremenda perseguição dos cristãos por parte do imperador Nero, perseguição que continuou por quase três séculos, até o ano 313. Durante este período, nenhum cristão conhecido sobreviveu em Roma, muito menos o chefe espiritual do cristianismo. Aliás, a primeira epístola de Pedro é datada da Babilônia, e deve ter sido escrita pelos meados do primeiro século. Em 58, em Corinto, escreveu Paulo a Epístola aos Romanos, verdadeiro tratado de cristologia, por que não havia na capital do Império Romano ninguém que pudesse dar esses esclarecimentos - nem mesmo Pedro. No fim da Epístola manda Paulo lembranças a numerosos cristãos conhecidos em Roma - nenhuma saudação a Pedro, que não era conhecido na capital do Império. Nos anos 60 a 62 esteve Paulo preso em Roma. No cárcere, escreveu as epístolas aos Filipenses, aos Efésios, aos Colossenses, e a carta particular a Filemon. Nestas cartas menciona Paulo os cristãos que o visitaram no cárcere romano - nunca menciona Pedro, que não o visitou, porque não estava em Roma. Pelos historiadores antigos sabemos que durante a perseguição de Nero, Pedro e Paulo foram, às ocultas, visitar os cristãos sobreviventes em Roma: foram descobertos, presos e mortos; a tradição localiza a morte de Pedro e de Paulo no dia 29 de junho de 67. Para unificar as dezenas de grupos cristãos, cada um dos quais se dizia o único cristianismo verdadeiro, o primeiro imperador cristão Constantino Magno, pelo Edito de Milão, de 313, deu liberdade aos cristãos e proclamou o cristianismo como religião oficial do Império romano. A fim de estabelecer unidade nos diversos grupos litigantes, decretou Constantino que o bispo da capital do Império fosse considerado primus inter pares. A chamada infalibilidade do papa foi decretada somente pelo primeiro Concílio Vaticano, no ano de 1870, quer dizer, há pouco mais de um século. De resto, o papa não fez valer a sua suposta infalibilidade, nem mesmo nas mais veementes controvérsias recentes, sobretudo após a ruidosa encíclica “Humanae Vitae”, impugnada violentamente por bispos e cardeais. Quem confessa o Cristo como suprema e única rocha da Igreja está de acordo com o Evangelho e com as palavras do próprio Cristo. (ROHDEN, s/d, pp. 107-110). Observar que em suas considerações Rohden cita Santo Agostinho um eminente e respeitável nome entre os antigos escritores cristãos conhecidos como “Padres da Igreja” ou “Santos Padres”. Leiamos a opinião do historiador Gardner: É essencial lembrar que Jesus não era gentio nem cristão. Ele era um judeu, cuja religião era o judaísmo radical. Com o passar do tempo, porém, sua missão original foi usurpada e dominada por um movimento religioso que assumiu seu nome para obscurecer seus herdeiros de fato. Esse movimento se centralizava em Roma e baseava sua autoridade auto proclamada na afirmação de Mateus 16:18-19, na qual Jesus teria dito “és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”. Infelizmente, a palavra grega petra (rocha), relacionada à Rocha de Israel, foi traduzida erroneamente como se fosse petros (pedra), referindo-se a Pedro (134) (que chegou a ser chamado de Cefas: uma Pedra, como em João 1:42). Jesus estava, na verdade, afirmando que a missão dele e de Pedro deveria ser fundamentada sobre a Rocha de Israel, não sobre o próprio Pedro. Independentemente disso, o novo movimento decretou que só aqueles que tivessem recebido autoridade passada diretamente de Pedro poderiam ser líderes da Igreja Cristã. Foi um conceito engenhoso, cuja intenção era restringir o controle geral a uma fraternidade seleta e autopromotora. Os discípulos gnósticos (135) de Simão (Mago) Zelotes o chamavam de “a fé dos tolos”. (134) Gladys Taylor, Our Neglected Heritage, Covenant Books, Londres, 1974, vol. 1, p. 42. (135) Os Gnósticos eram assim chamados porque a eles se atribuía gnosis (grego: “conhecimento” - principalmente a visão esotérica). O movimento gnóstico se originou em Samaria, onde Simão Zelote (Simão, o Mago) era líder dos Magos (homens de sabedoria) samaritanos de Manassés do Oeste. Posteriormente, desenvolveu-se também na Síria, novamente com Simão como seu principal proponente, antes de entrar no ambiente cristão pré-romano. (GARDNER, 2004, p. 101) Passaremos agora a palavra ao teólogo católico Janus (1799-1890): Tudo isso se explica, porém, logo que examinarmos de perto, mediante os Padres, a significação das bem conhecidas palavras de Cristo a S. Pedro. Não as aplica aos bispos de Roma como sucessores de S. Pedro nenhum dos Padres que trataram exegeticamente, nessa época, os tópicos do Evangelho relativos ao poder transmitido a Pedro (Mateus, XVI,18, e João XXI,18). Que de Padres não se ocuparam com esses tópicos! Entretanto, nenhum daqueles cujos comentários possuímos ainda, Orígenes, Crisóstomo, Hilário, Agostinho, Cirilo, Theodoreto, nem dos outros cujas explicações acham-se agrupadas nas Catenas nenhum desses exprimiu, por uma sílaba sequer, a idéia de que se refira ao primaz de Roma a conseqüência da missão incumbida e das promessas dirigidas a Pedro. — Nenhum deles interpretou a pedra ou a base onde o Cristo quer edificar a sua igreja, como atributo especialmente cometido a Pedro, e, por morte deste, hereditário. Aquilo para eles significava o próprio Cristo ou a fé notória de Pedro em Cristo; porque nos seus escritos é freqüente confundirem-se essas duas idéias. — Por outro lado, entendiam que Pedro era tão fundamento da Igreja quanto os demais apóstolos isto é, pensavam que os apóstolos todos juntos formavam as doze pedras fundamentais da Igreja (Apocal., XXI,14). (75) — Pelo que pertence à concessão do poder das chaves, do poder de atar e desatar, tanto menos possível era que os Padres o tomassem como privilégio ou soberania atribuída aos bispos romanos, quanto não consideravam essa onipotência (cousa que ao primeiro aspecto notará qualquer) como propriedade peculiar a S. Pedro, e herdada por ele aos sós prelados de Roma. — Refletiam que, se fora outorgada a Pedro em primeiro lugar, também aos outros depois o foi pelas mesmas palavras. Enfim, tinham todos o símbolo das chaves como perfeito sinônimo da expressão figurada atar e desatar. (76) Sabido é que o dito de Cristo a Pedro é hoje em dia o trecho clássico, que há de ser base ao edifício da infalibilidade papal: “Ora por ti para que te não faleça a fé; quando converso, esforça a teus irmãos” (Lucas, XXll,32-37). — Manifesto é, porém, que essas palavras não se podem referir senão a Pedro pessoalmente, e à sua conversão depois de ter renegado a Cristo. De feito, a exortação é para que ele, apenas lhe desaparecesse aquela rápida e passageira fraqueza, restaurasse os outros apóstolos, em quem vacilara igualmente a fé no Cristo. — É, portanto, rematado contra-senso querer, onde apenas se tratava do indivíduo em quem vacilara a fé na dignidade messiânica de Jesus, fé que se pretendia reanimar, querer descobrir aí promessas de futura infalibilidade a uma série de papas, unicamente porque esses homens senhorearam mais tarde, na Igreja romana, o lugar de que Pedro fora o primeiro ocupante. Até ao fim do VII século nenhum dos antigos doutores da Igreja concebera essa interpretação. Todos, sem exceção, em número de dezoito haviam divisado ali apenas uma rogativa de Cristo, empenhado em que o seu apóstolo não soçobrasse de todo na perigosa e iminente tentação, e não perdesse inteira a fé. — Foi o papa Ágato, em 680, quem primeiro quis achar ali uma promessa de prerrogativas à Igreja romana, — isso no tempo dos esforços com que Roma lidava arredar os perigos anunciados pela condenação de Honório, predecessor daquele, — condenação que tinha de levar a Igreja romana a perder o privilégio, tantas vezes encarecido, de uma pureza doutrinal especialíssima. 75 “Et murus civitatis habens fundamenta duodecim, e in ipsis duodecim, nomina apostolorum Agni.” (Tinha o muro da cidade doze fundamentos, e, em todos doze, os doze nomes dos apóstolos do Cordeiro.) (Do tradutor brasileiro.) 76 Embalde, portanto, diligenciou Döllinger, por exemplo (Cristianismo e Igreja, pág. 30, 2ª ed.), explicar a autoridade das chaves como idéia diversa do poder de atar e desatar, na linguagem bíblica, — encarando-o como um poder sobre a Igreja toda, transmitido por Pedro aos seus sucessores romanos. Contradiz este parecer de todo ponto as declarações dos Padres e as tradições exegéticas da Igreja. (JANUS, vol. 2, 2002, pp. 67-69) (Grifo do original). Leterre, em abordando o assunto, disse: Salientaremos, simplesmente, a antinomia do título de Papa, para com os próprios princípios doutrinários do fundador da Igreja cristã. O termo Papa é um diminutivo familiar de papá, papai, atribuído ao bispo de Roma, como sendo o Pai da família cristã. Ora, Jesus proibiu que o chamassem de Pai, porque este título só pertence a Deus que é o Pai de todos. Não consentiu que o chamasse de Bom, de Mestre e ainda menos de Santo; mas o Papa é chamado de Bom Pai e até de .... Santíssimo Pai. Jesus não tinha onde repousar a cabeça, só tinha uma túnica, um par de sandálias e se alimentava quando a sacola de Judas, seu Tesoureiro, o permitia. Proibiu a construção de templos. Enviou seus apóstolos a pregar o Evangelho do Reinado da Paz, sem alforjes. Repudiou o título que lhe queriam dar de Rei de Israel e fugiu mesmo para o monte. Em suma, pregou a bondade de coração, o amor ao próximo e deu o exemplo da perfeita humildade. Se Jesus disse, fazendo, como querem, um trocadilho inadmissível na língua que ele falava, que sua Igreja seria construída sobre a rocha, isso não significa que ele fizesse Pedro de pedra fundamental do seu Templo, pois este mesmo apóstolo, em Atos, frisa que Deus não reside em templos de pedra, construídos e servidos pela mão do homem, confirmando as palavras do seu mestre, quando este mandava que todos se recolhessem ao seu aposento, em segredo, e aí implorassem ao Pai que tudo via e lhe concederia o voto. Ademais, quem ficou representando esse templo em Jerusalém foi Tiago, discípulo e irmão de Jesus, revestindo as insígnias de Sumo Sacerdote dos Judeus e não do Cristo, que não usava nenhuma. Pedro, portanto, conservou-se na penumbra ou quando muito, por sua idade, como era praxe respeitar-se, presidiu uma agremiação de fiéis, aliás, destruída por Paulo, que não consentia que Jesus tivesse instituído sua Igreja sobre a circuncisão. Quando Cornelius se ajoelhou aos pés de Pedro para adorá-lo, este levantou-o dizendo: “Levanta-te, eu mesmo também sou homem” (Atos X, 26). (LETERRE, 2004, p. 326). Ainda Leterre, agora falando sobre a Infalibilidade do papa, traz interessante discurso de um bispo que era contra a instituição desse dogma católico. Ele tem a ver com o nosso assunto, porquanto fala de Pedro. Leiamos: A infalibilidade do papa foi decretada em 1870 por um Concílio presidido pelo próprio interessado Pio IX e ardentemente preparado para este fim pela “Companhia de Jesus”, apesar da oposição feita por alguns bispos e, sobretudo, de Bjakovo, o Revmo. Strossmayer cujo discurso, embora um tanto longo, convidamos o leitor a assistir, comodamente sentado em uma das poltronas daquela magna Assembléia, a fim de melhor ouvir as verdades nuas e cruas, que vão ser ditas naquele Cenáculo, por um dos seus mais eminentes membros e possa ajuizar do espírito ambicioso dos partidários que, com essa aprovação, preparavam a possibilidade de galgar um dia uma cadeira pontifical inatacável. E bom notar, desde já, que nem esse bispo nem seus partidários foram condenados ou excomungados pelo referido Papa por ter desmascarado aquele antro de perdição que é o Vaticano e nem seus argumentos foram jamais refutados. Tem a palavra o bispo Strossmayer: [...] Abri essas sagradas páginas e sou obrigado a dizer-vos: nada encontrei que sancione, próximo ou remotamente, a opinião dos ultramontanos! E maior é minha surpresa quando, naqueles tempos apostólicos, nada há que fale de papa sucessor de S. Pedro e vigário de Jesus Cristo! [...] Tenho lido todo o Novo Testamento, declaro ante Deus e com a mão sobre o crucifixo que nenhum vestígio encontrei do papado. [...] Lendo, pois, os Santos Livros, não encontrei um só capítulo, um só versículo que dê a São Pedro a chefia sobre os apóstolos Não só o Cristo nada disse a respeito deste ponto, mas, ao contrário, pro meteu tronos a todos os apóstolos (Mateus XIX, 28) sem dizer que o de Pedro seria mais elevado que o dos outros. Que diremos do seu silêncio? A lógica nos ensina a concluir que o Cristo nunca pensou em elevar Pedro à chefia do Colégio Apostólico. Quando o Cristo enviou seus discípulos a conquistar o mundo, a todos — igualmente — fez a promessa do Espírito Santo. Dizem as Santas Escrituras que até proibiu a Pedro e a seus colegas de reinarem ou exercerem senhorio (Lucas XXIII, 25, 26). Se Pedro fosse eleito Papa, Jesus não diria isso, porque, segundo nossa tradição, o papado tem uma espada em cada mão, simbolizando os poderes espiritual e temporal. Ainda mais: se Pedro fosse papa ou chefe dos apóstolos, permitiria que esses seus subordinados o enviassem, com João, à Samaria para anunciar o Evangelho do filho de Deus? (Atos VIII, 14) [...] Reuniu-se em Jerusalém um Concílio ecumênico para decidir questões que dividiam os fiéis. Quem devia convocá-lo? Sem dúvida Pedro, se fosse papa. Quem devia presidi-lo? Por certo que Pedro. Quem devia formular e promulgar os cânones? Ainda Pedro. Não é verdade? Pois bem: nada disso sucedeu! Pedro assistiu ao Concílio com os demais apóstolos sob a direção de Tiago! (Atos XV). Assim, parece-me que o filho de Jonas não era o primeiro, como sustentais. Encarado agora, por outro lado, temos: enquanto ensinamos que a Igreja está edificada sobre Pedro, São Paulo (cuja autoridade devemos todos acatar) diz- nos que ela está edificada sobre o fundamento da fé dos apóstolos e profetas, sendo a principal pedra do ângulo Jesus Cristo (Epístola dos Efésios II, 20). Esse mesmo Paulo ao enumerar os ofícios da Igreja menciona os apóstolos, profetas, evangelistas e pastores; e será crível que o grande apóstolo dos gentios se olvidasse do papado, se este existisse? Esse olvido me parece tão impossível como o de um historiador desse Concílio que não fizesse menção da Sua Santidade Pio IX. [...] O apóstolo Paulo não faz menção em nenhuma de suas Epístolas às diferentes igrejas, da primazia de Pedro, se esta existisse e se ele fosse infalível como quereis, poderia Paulo deixar de mencioná-la, em longa Epístola acerca de tão importante ponto? [...] Também nos escritos de São Paulo, de São João ou de São Tiago, não descubro nenhum traço do poder papal! São Lucas, o historiador dos trabalhos missionários dos apóstolos, guarda silêncio a respeito de tal assunto! Isso deve preocupar-vos muito. [...] Pensei que se Pedro fosse vigário de Jesus Cristo ele não o sabia, pois nunca procedeu como papa; nem no dia do Pentecostes, quando pregou seu primeiro sermão, nem no Concílio de Jerusalém, presidido por São Tiago, nem da Antioquia nem nas Epístolas que dirigiu às igrejas. Será possível que ele fosse papa sem o saber? Parece-me escutar de todos os lados: São Pedro não esteve em Roma? Não foi sacrificado de cabeça para baixo? Não existem os lugares onde ensinou e os altares em que disse missa nessa cidade? E eu responder Só a tradição, veneráveis irmãos, é que nos diz ter São Pedro estado em Roma; e como a tradição é tão-somente a tradição da sua estada em Roma. E com ela que me provareis seu episcopado e sua supre macia? Scaligero, um dos mais eruditos historiadores, não vacila em dizer que o episcopado de São Pedro e sua residência em Roma devem ser classifica dos no número das lendas ridículas! [...] Permite que repita: folheando os sagrados escritos não encontrei o mais leve vestígio do papado nos tempos apostólicos! E, percorrendo os anais da Igreja, nos quatro primeiros séculos, o mesmo me sucedeu! Confessar-vos-ei que o que encontrei foi o seguinte: Que o grande Santo Agostinho, bispo de Hipona, honra e glória do Cristianismo e secretário do Concílio de Melive, nega a supremacia do bispo de Roma. Que os bispos da África, no sexto Concílio de Cartago, sob a presidência de Aurélio, bispo dessa cidade, admoestavam a Celestino, bispo de Roma, por supor-se superior aos demais bispos, enviando-lhes comissionados e introduzindo o orgulho na Igreja. Que, portanto, o papado não é instituição divina. Deveis saber, meus veneráveis irmãos, que os padres do Concílio de Calcedônia colocaram os bispos da antiga e nova Roma na mesma categoria dos demais bispos. Que aquele sexto Concílio de Cartago proibiu o título de ‘Príncipe dos Bispos’, por não haver soberania entre eles. E que São Gregório I escreveu estas palavras que muito aproveitam a tese: Quando um patriarca se intitula ‘Bispo Universal’, o título de patriarca sofre incontestável descrédito. Quantas desgraças não devemos nós esperar, se entre os sacerdotes se suscitarem tais ambições? Esse - bispo - será o rei dos orgulhosos! (Pelágio II, Cet. 13). Com tais autoridades e muitas outras que poderia citar-vos, julgo ter prova do que os primeiros bispos de Roma não foram reconhecidos como - bispos universais ou papas - nos primeiros séculos do Cristianismo. E, para reforçar ainda mais meus argumentos, lembrarei aos meus veneráveis irmãos que foi Ósio, bispo de Córdoba, quem presidiu o primeiro Concílio de Nicéia, redigindo seus cânones; e que foi ainda esse bispo que, presidindo o Concílio de Sárdica, excluiu o enviado de Júlio, bispo de Roma! Mas, da direita me citam estas palavras de Cristo: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja. Sois, portanto, chamado para este terreno. Julgais, veneráveis irmãos, que a rocha ou a pedra sobre a qual a Santa Igreja está edificada, é Pedro; mas, permite que eu discorde desse vosso modo de pensar. Diz São Cirilo no seu quarto livro a respeito da Trindade: A rocha ou a pedra de que nos fala Mateus é a fé imutável dos apóstolos. São Gregório, bispo de Poitiers, em seu segundo livro a respeito da Trindade, repete que aquela pedra é a rocha da fé, confessada pela boca de São Pedro. E, no seu sexto livro, mais luz nos fornece dizendo: E sobre essa exata rocha da confissão da fé que a Igreja está edificada. São Jerônimo, no seu sexto livro a respeito de São Mateus, é de opinião que Deus fundou sua Igreja sobre a rocha ou pedra que deu seu nome a Pedro. Nas mesmas águas navega São Crisóstomo quando em sua homilia 56, a respeito de Mateus, escreve: Sobre esta rocha edificarei minha Igreja; e esta rocha é a confissão de Pedro. Já que não me respondeis, eu vô-la darei: ‘Tu és o Cristo, o filho de Deus’. Ambrósio, o Santo arcebispo de Milão, São Basílio, de Salência, e os padres do Concílio de Calcedônia ensinam precisamente a mesma coisa. Entre os doutores da Antiguidade cristã, Santo Agostinho ocupa um dos primeiros lugares pela sua sabedoria e pela sua santidade. Escutai como ele se expressa acerca da primeira epístola de São João: ‘Edificai minha Igreja sobre esta rocha, significa claramente que é sobre a fé de Pedro’. No seu tratado 124 acerca do mesmo João, encontra-se esta significativa frase: ‘Sobre esta rocha ou pedra que me confessaste, que reconheceste, dizendo: Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo, edificarei minha Igreja, sobre mim mesmo; pois sou o filho de Deus vivo. Edificarei sobre mim mesmo e não sobre ti'. Haverá coisa mais clara e positiva? Deveis saber que esta compreensão de Santo Agostinho, a respeito de tão importante ponto do Evangelho, era a opinião corrente no mundo cristão naqueles tempos. Estou certo de que não me contestareis. Assim é que, resumindo, vos direi: 1 - Que Jesus deu aos outros apóstolos o mesmo poder que deu a Pedro. 2 - Que os apóstolos nunca reconheceram em São Pedro a qualidade de vigário de Cristo e infalível doutor da Igreja. 3 - Que o mesmo Pedro nunca pensou ser papa nem fez coisa alguma como papa. 4 - Que os Concílios dos primeiros quatro séculos nunca deram, nem reconheceram, o poder e a jurisdição que os bispos de Roma que riam ter. 5 - Que os Santos Padres, na famosa passagem ‘Tu és Pedro e sobre esta pedra (a confissão de Pedro) edificarei minha Igreja’ nunca entenderam que a igreja não estava edificada sobre Pedro (super Petrum) e sim sobre a rocha (super Petram), isto é, sobre a confissão da fé do apóstolo! Concluo, pois, com a história, a razão, a lógica, o bom senso e a consciência do verdadeiro cristão, que Jesus não deu supremacia alguma a Pedro e que os bispos de Roma só se constituíram soberanos da Igreja confiscando, um por um, todos os direitos do episcopado! [...] Contestai a história se ousais fazê-lo; mas, ficai certos de que não a destruireis! Se avancei alguma inverdade, ensinai-me isso com a história, à qual prometo fazer a mais honrosa apologia. Mas, compreendei que não disse ainda tudo quanto quero e posso dizer. Ainda que a fogueira me aguardasse lá fora, eu não me calaria! [...] Evitai, sim, evitai, meus veneráveis irmãos, o terrível princípio cuja borda estais colocados. Salvai a Igreja do naufrágio que a ameaça e busquemos todos, nas Sagradas Escrituras, a regra da fé que devemos crer e professar. Digne-se Deus a assistir-me. Tenho concluído”. Todos os bispos se levantaram, muitos saíram da sala, porém alguns prelados italianos, americanos, alemães, franceses e ingleses rodearam o inspirado orador, e, com fraternais apertos de mão, demonstraram concordar com seu modo de pensar. (LETERRE, 2004, pp. 338-345). Apesar de um pouco extenso, acreditamos que valeu a pena citá-lo para provar que, mesmo dentro da Igreja, nem todos os bispos concordam em que Pedro tenha sido o primeiro papa, portanto, de valor inquestionável contra essa hipótese. Vamos a uma última citação, para fechar o nosso estudo. Trazemos agora a opinião de Fernando Guedes de Mello: Assim, tudo indica que Paulo tornou-se o primeiro bispo de Roma, a pedido do próprio Jesus (At 23,11), e não Pedro. A ida de Pedro a Roma, se de fato ocorreu, deveu-se muito mais à situação político-religiosa na Palestina do que a uma necessidade pastoral dos cristãos romanos. Devido à ruptura definitiva entre os cristãos e os judeus na Judéia e ao clima de pré-insurreição contra os romanos em Jerusalém, Pedro teria seguido para Roma muito mais na condição de refugiado do que de primeiro papa da Cristandade. Episódios como o do romance histórico Quo vadis, Domine? São lendas que surgiram mais tarde, em meados do século II, e que ganharam destaque no século IV, para justificar a primazia do bispo da capital imperial. Tanto assim que, quando a capital passa para Constantinopla, começaram as dificuldades entre a Igreja latina e a Igreja Oriental. (MELLO, 1997, p. 123). Diante de tantas opiniões de pessoas de elevado conhecimento, o que temos a fazer senão concordar plenamente com elas, especialmente, aquelas que vieram de pessoas vinculadas ao Catolicismo Romano. Aliás, nesse estudo, tivemos a preocupação inicial de fazer a análise bíblica primeiro, para só depois buscar informações em outras fontes. Aí tivemos a grata satisfação de ver que não somos “heréticos” sozinhos, pois em nossa companhia estão pessoas de elevado saber e de conhecimentos teológicos inquestionáveis. Fica a você, caro leitor, a possibilidade de aceitar ou não tais argumentos, porquanto, nada deve ser imposto a ferro e fogo, como outrora fizeram com muitos assuntos teológicos, mas rogamoslhe que seja imparcial, não advogando em causa própria! O Ritual do Batismo Sempre nos causa espécie, ver passagens bíblicas mencionando o ritual do batismo, em particular a que relata o batismo de Jesus, uma vez que esse rito não fazia parte das práticas religiosas dos hebreus. Assim, não sabemos por qual motivo que, de uma hora para outra, aparece, na Bíblia, alguém realizando o batismo, porquanto a circuncisão é que era o ritual praticado naquela época (Lv 12,3). Para nós só existe uma explicação possível para isso. Embora saibamos que ela não irá agradar aos fundamentalistas, mas, como buscamos a verdade, não nos resta senão a alternativa de deduzir que tal episódio seja uma interpolação. Mais ainda ficamos convictos dessa possibilidade, quando os próprios textos bíblicos nos levam justamente a essa hipótese. É o que veremos no desenrolar desse estudo. Cairbar Schutel, em O Batismo, assim relata sobre a sua origem: Esta prática, que assinala períodos milenários, parece ter nascido na Grécia Antiga, logo após a constituição de uma seita que cultuava a Deusa da Torpeza, a quem denominavam Cotito e a quem os atenienses rendiam os seus louvores. Esta seita, constituída de sacerdotes que tinham recebido o nome de baptas, porque se banhavam e purificavam com perfumes antes da celebração das cerimônias, deixou saliente nas páginas da História esse ato como símbolo da purificação do Espírito. (SCHUTEL, 1986, p. 15). Corroborando essa versão, Celso Martins, em Nas Fronteiras da Ciência, afirma: [...] Batizando as criaturas nas águas do Rio Jordão como símbolo da renovação espiritual de cada seguidor seu, João estava apenas lançando mão de um rito que remontava à Grécia antiga, pois o batismo é uma prática pagã que nos veio dos sacerdotes da deusa Cotito. Eles se banhavam antes de dedicar suas oferendas à referida deusa da mitologia dos gregos. Como tais sacerdotes se chamavam baptas, daí surgiu a etimologia da palavra batismo, banho em água, no ritualismo de muitas seitas cristãs e também orientais. (MARTINS, 2001, p. 30) (grifo do original). Em Jesus e sua Doutrina, A. Leterre, por sua vez, nos diz ser outra a origem: Os antigos persas apresentavam o recém-nascido ao padre, perante o Sol, simbolizado pelo fogo. O padre pegava a criança e a colocava em uma bacia com água, a fim de lhe purificar a alma. Nessa ocasião o pai dava nome ao filho. [...] A cerimônia do batismo, no verdadeiro sentido de banho expiatório, já havia, também, na Índia, milhares de anos antes de existir a Europa, tendo daí passado para o Egito. Na Índia eram as águas do Gange, consideradas sagradas, como ainda hoje, que possuíam esta propriedade purificadora, apesar de ser o foco da cólera-morbo; do Gange passou-se para o Indus, igualmente sagrado, de onde se propagou ao Nilo, do mesmo modo sagrado, para, finalmente, terminar no Jordão, onde João as empregava com o mesmo fim e como simples formalidade do seu rito. (LETERRE, 2004, pp. 172-173). (grifo do original). Seja lá qual for a sua origem, o que fica claro é que ela está indubitavelmente ligada às práticas de povos ditos pagãos. A primeira vez em que aparece, na Bíblia, a realização do ritual do batismo, é no Novo Testamento, quando João, o batista, às margens do rio Jordão, batizava, para o perdão dos pecados, àqueles que confessavam publicamente os seus (Mt 3,6). Jesus vai ao seu encontro para ser batizado, mas João reconhecendo que Jesus é maior que ele Lhe diz: “Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?” (Mt 3,14); entretanto, por insistência do Mestre, batiza–O. Imediatamente após o batismo, uma voz, vinda do céu, afirma: “Este é o meu filho amado, que muito me agrada” (Mt 3,17). É-nos estranha essa atitude de Jesus, porquanto João Batista somente batizava os que vinham a seu encontro para confessar os seus pecados (Mt 3,5-6), o que, segundo Marcos, significava que fazia o batismo de conversão para o perdão dos pecados (Mc 1,4-5). Jesus, então, tinha pecados? Estaria ele se convertendo naquele momento? Fica difícil aceitar isso... Observamos que João Batista identificou Jesus como o Messias, fato confirmado pelo plano espiritual (a voz que vinha do céu); diante disso, concluímos que não haveria a mínima possibilidade de dúvida por parte da “voz que clama no deserto”. Entretanto, isso não é um fato, pois, logo após ser preso, João Batista manda alguns de seus discípulos perguntarem a Jesus: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?" (Mt 11,2-3). Falta coerência nisso, já que, conforme relatado, João sabia perfeitamente quem era Jesus, e se, porventura, houvesse alguma dúvida de sua parte, ela teria sido completamente sanada pela manifestação espiritual ocorrida após o batismo, que apresenta Jesus como o Messias. Assim, a dúvida é de nossa parte para saber qual das duas situações realmente ocorreu, já que uma é contraditória à outra. Então, não é de todo improvável que a passagem que relata o batismo de Jesus é que não espelhe a realidade, mas que pode ter sido criada para validar e justificar o ritual do batismo realizado pelas igrejas ditas cristãs que, na verdade, praticam mesmo é o batismo de João, isto nos é claro. Tal prática ritualística vem contrariar o que o próprio João, o batista, afirmou: “Eu batizo vocês com água para a conversão. Mas aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu. E eu não sou digno nem de tirar-lhe as sandálias. Ele é quem batizará vocês com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3,11); o que é uma evidente demonstração de que o batismo que ele praticava não era um ritual a ser seguido. Colocava, isto sim, o batismo do “Espírito Santo e com fogo” como aquele a que todos deveriam ser submetidos, argumento esse que, também, pode ser confirmado em At 1,4-5: “Estando com os apóstolos numa refeição, Jesus deu-lhes esta ordem: ‘Não se afastem de Jerusalém. Esperem que se realize a promessa do Pai, da qual vocês ouviram falar: 'João batizou com água; vocês, porém, dentro de poucos dias, serão batizados com o Espírito Santo'". Por isso, concluímos que o relato do batismo de Jesus é bem provável que seja mesmo uma interpolação. Interessante é que os fariseus e os saduceus também queriam ser batizados (Mt 3,7); entretanto, foram prontamente rechaçados, já que João não via neles nenhuma postura de arrependimento. Essa atitude dele nos induz a acreditar que não era mesmo sua intenção colocar o batismo como um ritual, pois, se assim o fosse, teria batizado aquela “raça de víboras”. João Batista deixou claro o motivo mais importante pelo qual estava batizando ao dizer: "... para que ele fosse manifestado a Israel, vim eu, por isso, batizando com água" e "... o que me mandou a batizar com água, esse me disse: Sobre aquele que vires descer o Espírito, e sobre ele repousar, esse é o que batiza com o Espírito Santo" (Jo 1,3133). Ou seja, foi apenas para ele identificar o Messias. Mas, uma vez cumprido esse seu propósito, deixa de ser necessário o batismo de água, passando a vigorar, daquela hora em diante, o batismo verdadeiro, o de Jesus. Este, sim, é o verdadeiro batismo cristão: com Espírito Santo e com fogo. Ademais, observemos que, embora Mateus, Marcos e Lucas afirmassem que Jesus tenha sido batizado, João, o evangelista, um dos discípulos bem próximo a Jesus, nada diz sobre isso. É estranho este fato, para algo que dizem ser muito importante. E se o batismo fosse tão importante como alguns afirmam, então por que Jesus não atendeu a João, o batista, que Lhe disse “eu é que devo ser batizado por ti” (Mt 3,14)? Sem contar que os apóstolos não foram batizados em água, mas foram no Espírito Santo (At 1,4-5; 2,4). Exatamente por isso é que podemos reafirmar que o batismo em água não possui sustentação bíblica para a sua aplicação, pois estaria contrariando a determinação de Jesus citada em At 1,4-5, cujo teor veremos mais adiante, e o que foi revelado a João Batista. Vejamos que Paulo, o apóstolo dos gentios, percebe claramente essa diferença: At 19,1-6: “... Paulo... chegou a Éfeso e, achando ali alguns discípulos, perguntou-lhes: Recebestes vós o Espírito Santo quando crestes? Responderam-lhe eles: Não, nem sequer ouvimos que haja Espírito Santo. Tornou-lhes ele: Em que fostes batizados então? E eles disseram: No batismo de João. Mas Paulo respondeu: João administrou o batismo do arrependimento, dizendo ao povo que cresse naquele que após ele havia de vir, isto é, em Jesus. Quando ouviram isso, foram batizados em nome do Senhor Jesus. Havendo-lhes Paulo imposto as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo, e falavam em línguas e profetizavam”. Com isso fica claro que o batismo de João, ou seja, o de água, não tinha valor; caso contrário, Paulo teria deixado as coisas como estavam e não teria ministrado o batismo em nome do Senhor Jesus. E quanto ao fato de se batizar “em nome de Jesus” e não “em nome da Trindade” queremos, neste momento, apenas chamar a sua atenção, pois iremos falar sobre isso um pouco mais à frente. Em outra oportunidade Paulo disse enfático: “De fato, Cristo não me enviou para batizar, mas para anunciar o Evangelho...” (1Cor 1,17), do que podemos ver claramente que, na sua convicção, o batismo não era importante para salvação de ninguém. Paulo vai ainda mais longe: era contrário ao ritual que praticavam naquela época, no caso, a circuncisão. Senão vejamos: “De resto, cada um continue vivendo na condição em que o Senhor o colocou, tal como vivia quando foi chamado. É o que ordeno em todas as igrejas. Alguém foi chamado à fé quando já era circuncidado? Não procure disfarçar a sua circuncisão. Alguém não era circuncidado quando foi chamado à fé? Não se faça circuncidar” (1Cor 7,17-18). Evidentemente, não deixou de questionar tal prática: “Qual é a utilidade da circuncisão” (Rm 3,1)? Ele, Paulo, responde demonstrando que isso não faz a menor diferença: ”Não tem nenhuma importância estar ou não estar circuncidado. O que importa é observar os mandamentos de Deus” (1Cor 7,19). Justificando-se: “Então, será que Deus é Deus somente dos judeus? Não será também Deus dos pagãos? Sim, ele é Deus também dos pagãos. De fato, há um só Deus que justifica, pela fé, tanto os circuncidados como os não circuncidados” (Rm 3,29-30). Usando dos mesmos argumentos de Paulo, em relação ao batismo de água, diríamos: não tem nenhuma importância estar ou não estar batizado, já que o que importa é observar os mandamentos de Deus. Para análise e melhor entendimento desse assunto, podemos dividir em dois os períodos: o primeiro é relacionado aos acontecimentos durante a vida de Jesus, enquanto que o segundo se refere aos depois de sua morte. Isso é importante para separar o joio do trigo; mas, para tanto, devemos primeiramente questionar: Jesus batizou alguém? Orientou a seus discípulos a fazê-lo? Teriam sido eles batizados? Se Jesus falou de algum batismo, qual? Então, vejamos o que podemos encontrar no primeiro período. Quanto a saber se Jesus batizou alguém, só em João é que vamos encontrar algo a esse respeito. Em determinado momento o evangelista diz que sim, ou seja, que Jesus batizava; porém depois desmentiu e disse que não; mas quem batizava eram seus discípulos (Jo 4,1-2). Em relação a seus discípulos é fato curioso, pois nenhum dos outros evangelistas afirmou isso; somente João é que conta essa história. É estranho, pois não vemos, em momento algum, Jesus orientando a seus discípulos para que realizassem tal prática, o que podemos comprovar com o seguinte passo: “Então Jesus chamou seus discípulos e deu-lhes poder para expulsar os espíritos maus, e para curar qualquer tipo de doença e enfermidade... Jesus enviou os Doze com estas recomendações: ... ‘Curem os doentes, ressuscitem os mortos, purifiquem os leprosos, expulsem os demônios. Vocês receberam de graça, dêem também de graça!...’” (Mt 10,1-8, ver tb Mc 3,14-15 e Lc 9,12). De outra feita, Jesus faz recomendações a setenta e dois discípulos (Lc 10,1) não estando também entre elas o batismo. Assim, observamos que Jesus, quando vivo, passou vários conselhos aos discípulos, mas não há nenhum relacionado a batismo. Será que depois de morto teria mudado de idéia, uma vez que tal recomendação só aparece após este fato? É o que veremos agora. Depois de sua morte o que aconteceu? Encontramos no evangelho apenas duas passagens em que supostamente Jesus teria orientado o batismo. Falamos supostamente, pois demonstraremos que uma delas é interpolação grosseira e a outra um acréscimo ao texto primitivo. Analisemos a primeira passagem em que aparecem as orientações de Jesus, ressurreto, aos discípulos (ver tb Mc 16,14-18): Mt 28,16-20: Os onze discípulos foram para a Galiléia,... Então Jesus se aproximou, e falou: "... Portanto, vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês...”. Essa passagem é o que, por último, encontramos no evangelho de Mateus e somente nele é que se recomenda batizar “em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”, ou seja, em toda a Bíblia é o único passo que diz isso. Chama-nos atenção para o fato de que, naquela época, não se acreditava na Trindade, provando que isso é uma vergonhosa interpolação para justificar práticas ritualísticas criadas posteriormente à morte de Jesus. Agiram dessa forma para transparecer que era coisa comum no período em que Ele ainda vivia entre os discípulos. Léon Denis, em Cristianismo e Espiritismo, disse: Depois da proclamação da divindade de Cristo, no século IV, depois da introdução, no sistema eclesiástico, do dogma da Trindade, no século VII, muitas passagens do Novo Testamento foram modificadas, a fim de que exprimissem as novas doutrinas (Ver João I, 5,7). “Vimos, diz Leblois(145), na Biblioteca Nacional, na de Santa Genoveva, na do mosteiro de Saint-Gall, manuscritos em que o dogma da Trindade está apenas acrescentado à margem. Mais tarde foi intercalado no texto, onde se encontra ainda”. __________ (145) “As bíblias e os iniciadores religiosos da humanidade”, por Leblois, pastor de Strasburgo. (DENIS, 1987, p. 272). (grifo nosso). Grifamos apenas para ressaltar que a origem dessa informação foi tirada da fala de um pastor; isto é importante para demonstrar a imparcialidade de quem dá a notícia. O historiador e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, David Flusser (1917-2000), que lecionou no Departamento de Religião Comparada por mais de 50 anos, nascido na Áustria, foi estudioso da literatura clássica e talmúdica, conhecia 26 idiomas, informa que: De acordo com os manuscritos de Mateus que foram preservados, o Jesus ressuscitado ordenou aos seus discípulos batizar todas as nações “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. A fórmula trinitária franca, aqui, é de fato notável, mas já foi mostrado que a ordem para batizar e a fórmula trinitária faltam em todas as citações das passagens de Mateus nos escritos de Eusébio anteriores ao Concílio de Nicéia. O texto de Eusébio de Mt 28:19-20 antes de Nicéia era o seguinte: “Ide e tornai todas as nações discípulas em meu nome, ensinando-as a observar tudo o que vos ordenei”. Parece que Eusébio encontrou essa forma do texto nos códices da famosa biblioteca cristã em Cesaréia. 75 Esse texto mais curto está completo e coerente. Seu sentido é claro e tem seus méritos óbvios: diz que o Jesus ressuscitado ordenou que seus discípulos instruíssem todas as nações em seu nome, o que significa que os discípulos deveriam ensinar a doutrina de seu mestre, depois de sua morte, tal como a receberam dele. (FLUSSER, 2001, p, 156). É importante transcrevermos também a nota na qual Flusser coloca sua base de informação: 75. Ver D. Flusser, "The Conclusion of Matthew in a New Jewish Christian Source", Annual of the Swedish Theological lnstitute, vol. V, 1967, Leiden, 1967, pp. 110-20; Benjamin J. Hubbard, “The Matthean Redaction of a Primitive Apostolic Commissioning", SBL, Dissertation Series 19, Montana, 1974. Mais testemunho da conclusão não-trinitária de Mateus está preservado num texto copta (ver E. Budge, Miscelleaneous Coptic Texts, Londres, 1915, pp. 58 e seguintes, 628 e 636), onde é descrita uma controvérsia entre Cirilo de Jerusalém e um monge herético. "E o patriarca Cirilo disse ao monge: 'Quem te mandou pregar essas coisas?' E o monge lhe disse: 'O Cristo disse: Ide a todo o mundo e pregai a todas as nações em Meu nome em cada lugar". O texto é citado por Morcon Smith, Clement of Alexandria and a Secret Cospel of Mark, Harvard University Press, Cambridge, Mass, 1973, pp. 342-6. (FLUSSER, 2001, p. 170). Na seqüência, Flusser diz que... “um testemunho adicional das versões mais curtas de Mt 28:19-20a foi descoberto há pouco tempo numa fonte judeu-cristã...” (FLUSSER, 2001, p. 156), citando como fonte: Sh. Pinès, “The Jewish Christians of the Early Centuries of Christianity According to a New Source”, The Israel Academy of Sciences and Humanities Proceedings, vol. II, nº 13, Jerusalém, 1966, p. 25. (FLUSSER, 2001, p. 170). Já o escritor José Reis Chaves, em um artigo intitulado O Batismo, publicado no Jornal O Tempo, nos informa: Porém, temos sempre nos originais gregos do Novo Testamento “Pneuma Hagion” (Espírito Santo), sem o artigo definido “ho” (o) diante dele. Neles não há também o artigo indefinido (um), porque este não existe em Grego, mas em Português existe. Logo, devemos dizer “um” Espírito Santo e não “o” Espírito Santo. Só a partir dos Concílios de Nicéia (325) e Constantinopla (381), é que o Espírito Santo e a Santíssima Trindade foram instituídos, com as subseqüentes adaptações no Novo Testamento. Nas primeiras comunidades cristãs e no V.T., eles são desconhecidos. No V.T., só aparece o E.S., como sendo um espírito humano evoluído, santo. Em Daniel 13,45 (Bíblia católica, pois a protestante só tem 12 capítulos), lemos: “Suscitarei entre vós um homem de um Espírito Santo chamado Daniel.” E, em Isaías 63, 11, lê-se: “Onde está o que pôs nele seu Espírito Santo?” “Um” Espírito Santo (Consolador) é, pois, um espírito humano santo, que profetiza consolando (1 Coríntios 14,3). (CHAVES, 2003, p. 6). Podemos colocar dois argumentos para contradizer essa passagem de Mateus: 1º) é que Jesus, quando vivo, não recomendou o batismo de água, mas um outro, o que veremos mais à frente; 2º) em Atos (2,38; 10,48 e 19,5) se batiza somente “em nome de Jesus”, evidenciando falta grave de quem fez a interpolação por não ter percebido esse pequeno detalhe. Eh!... Não há mesmo crime perfeito! Mas esse fato não passou despercebido pelos tradutores da Bíblia de Jerusalém, que o minimizam dizendo: É possível que, em sua forma precisa, essa fórmula reflita influência do uso litúrgico posteriormente fixado na comunidade primitiva. Sabe-se que o livro dos Atos fala em batizar “no nome de Jesus” (cf. At 1,5+; 2,38+). Mais tarde deve ter-se estabelecido a associação do batizado às três pessoas da Trindade. Quaisquer que tenham sido as variações nesse ponto, a realidade profunda permanece a mesma. O batismo une à pessoa de Jesus Salvador; ora, toda a sua obra salvífica procede do amor do Pai e se completa pela efusão do Espírito. (explicação para Mt 28,19, p. 1758). A segunda passagem, em que se supõe Jesus ter dito algo sobre o batismo, é essa: Mc 16,14-16: “Por fim, Jesus apareceu aos onze discípulos... disselhes:’Vão pelo mundo inteiro e anunciem a Boa Notícia para toda a humanidade. Quem acreditar e for batizado, será salvo. Quem não acreditar, será condenado’". Aqui se percebe claramente que atribuíram essas palavras a Jesus. É tão óbvio isso que se torna difícil negar, especialmente se verificarmos a frase “quem não acreditar, será condenado”; isso porque, para ela ser coerente com essa outra “quem acreditar e for batizado, será salvo”, deveria ser uma sentença negativa da seguinte forma: “Quem não acreditar e não for batizado, será condenado”. Além disso, se compararmos essa passagem com o que encontramos em Atos, veremos que não era esse o pensamento corrente, já que nessa outra nem se fala em batismo; vejamos: “Crê no Senhor Jesus, e serás salvo, tu e tua casa” (At 16,31). Desconcertante é que nesse versículo se diz que apenas “um da família” precisa crer para que sua casa, quer dizer, toda sua família, seja salva. Já no verso de Marcos a norma é outra, já que não só nada foi dito dos familiares, mas também porque afirma que a regra para todos é: "quem crer e for batizado...", deixando-nos na certeza da interpolação mal feita. Mais complexa fica essa questão da salvação, já que também está dito: “... o Evangelho que vos preguei,... por ele sereis salvos,...” (1Cor 15,1-2), deixando-nos completamente perdidos quanto a saber o que efetivamente irá nos salvar; fora o que foi dito por Jesus: “a cada um segundo suas obras” (Mt 16,27). Entretanto, para não dar a impressão de que isto é só opinião nossa, vamos apresentar o que disseram os tradutores da Bíblia de Jerusalém. Leiamos suas observações relativas a Marcos capítulo 16, versículos de 9 a 20: O trecho final de Mc (vv. 9-20) faz parte das Escrituras inspiradas; é tido como canônico. Isso não significa necessariamente que foi escrito por Mc. De fato, põe-se em dúvida que este trecho pertença à redação do segundo evangelho. – As dificuldades começam na tradição manuscrita. Muitos mss, entre eles o do Vat. e o Sin., omitem o final atual... A tradição patrística dá também testemunho de certa hesitação. – Acrescentemos que, entre os vv. 8 e 9, existe, nessa narrativa, solução de continuidade. Além disso, é difícil admitir que o segundo evangelho, na sua primeira redação, terminasse bruscamente no v. 8. Donde a suposição de que o final primitivo desapareceu por alguma causa por nós desconhecida e de que o atual fecho foi escrito para preencher a lacuna. Apresenta-se como um breve resumo das aparições do Cristo ressuscitado, cuja redação é sensivelmente diversa da que Marcos habitualmente usa, concreta e pitoresca. Contudo, o final que hoje possuímos era conhecido, já no séc. II por Taciano e santo Ireneu, e teve guarida na imensa maioria dos mss gregos e outros. Se não se pode provar ter sido Mc o seu autor, permanece o fato de que ele constitui, nas palavras de Swete, “uma autêntica relíquia da primeira geração cristã”. (Bíblia de Jerusalém, p. 1785). (grifo nosso). Apesar desses argumentos, é certo que ainda encontraremos pessoas que continuarão a aceitar a frase como verdadeira. Mesmo que fosse, por coerência, é muito improvável que Jesus estivesse falando do batismo de João. O mais certo é que estaria se referindo ao batismo "com Espírito Santo e com fogo", pois é o que sucede a todo aquele que crê em suas palavras e pratica seus ensinos. Que essa passagem de Marcos não deveria ser usada para sustentar o batismo que praticam é um fato. Inclusive é o que podemos comprovar pela opinião do tradutor da Bíblia Anotada que, em relação a Mc 16,9-20, diz: “... A discutível genuinidade dos vv. 9-20 torna pouco sábio construir uma doutrina ou basear uma experiência sobre eles (especialmente os vv. 16-18)” (Bíblia Anotada, p. 1265). E, especificamente, quanto ao versículo 16, ele explica: “Esta pode ser uma referência ao batismo do Espírito Santo (1Cor 12:13). O batismo com água não salva (veja as notas sobre At. 2:38; 1Pe 3:21)” (Bíblia Anotada, p. 1265). Mais opiniões sobre essa parte do evangelho de Marcos: Mc 9-20: Este trecho difere muito do livro até aqui; por isso é considerado obra de outro autor. Os cristãos da primeira geração provavelmente quiseram completar o livro de Marcos com um resumo das aparições de Jesus e uma apresentação global da missão da Igreja. Parece que inspiraram no último capítulo de Mateus (28,18-20), em Lucas (24,10- 53), em João (20,11-23) e no início do livro dos Atos dos Apóstolos (1,414). (Bíblia Sagrada, Edição Pastoral, p. 1307). (grifo nosso). Mc 16,1-8: A conclusão original do evangelho de Marcos é surpreendente e desconcertante, a ponto de os escritores posteriores terem acrescentado um epílogo, respaldado como canônico pela autoridade da Igreja... (Bíblia do Peregrino, p. 2446) (grifo nosso). Mc 16,9: A passagem 9-20 falta nos manuscritos mais antigos. Não é provavelmente de Marcos. (Bíblia Sagrada Editora Ave Maria, p. 1344). (grifo nosso). Seguindo em nossa análise, veremos que pelo evangelho de Lucas (cap. 24) nada foi recomendado aos discípulos com relação a esse nosso assunto. Mas como Lucas, segundo os exegetas, é o autor do livro Atos dos Apóstolos, é nele que encontramos as recomendações de Jesus, na versão desse evangelista: At 1,1-5: “... Jesus começou a fazer e ensinar, desde o princípio, até o dia em que foi levado para o céu. Antes disso, ele deu instruções aos apóstolos que escolhera, movido pelo Espírito Santo... Estando com os apóstolos numa refeição, Jesus deu-lhes esta ordem: ‘Não se afastem de Jerusalém. Esperem que se realize a promessa do Pai, da qual vocês ouviram falar: 'João batizou com água; vocês, porém, dentro de poucos dias, serão batizados com o Espírito Santo’...”. Conforme já dissemos anteriormente, Jesus pregou, sim, um batismo, mas o batismo do Espírito Santo e não o de água. E aqui, dessa passagem, não consta que devemos ser batizados “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, como está em Mateus, evidenciando, mais uma vez, que isso é mesmo uma interpolação. E, em relação aos discípulos, o batismo do Espírito Santo, foi o único ao qual eles se submeteram; o que nos leva a concluir que, caso haja necessidade de batismo, é esse o que deveria ser feito. Podemos ainda, nesse ponto, colocar o que Pedro disse: “Foi então que me lembrei da declaração do Senhor, quando disse: ‘É verdade que João batizou com água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo’” (At 11,16). Essa passagem confirma a anterior, onde se encontra o que Lucas disse. E, por fim, vejamos a narrativa de João. Jo 20,19-23: “Era o primeiro dia da semana. Ao anoitecer desse dia, estando fechadas as portas do lugar onde se achavam os discípulos por medo das autoridades dos judeus, Jesus entrou. Ficou no meio deles e disse: ‘A paz esteja com vocês’. ‘... Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês’. Tendo falado isso, Jesus soprou sobre eles, dizendo: ‘Recebam o Espírito Santo. Os pecados daqueles que vocês perdoarem, serão perdoados. Os pecados daqueles que vocês não perdoarem, não serão perdoados’". Em João não encontramos Jesus recomendando diretamente nenhum tipo de batismo. Mas, por outras passagens, já citadas, podemos entender que “ao soprar sobre os discípulos” Jesus estava realizando o batismo do Espírito Santo, aquele que lhes tinha prometido. Inclusive, era esse o praticado pelos discípulos; senão vejamos: At 2,38: “Pedro lhes respondeu: ‘Convertei-vos e cada um peça o batismo em nome de Jesus Cristo, para conseguir perdão dos pecados. Assim recebereis o dom do Espírito Santo’”. At 10,44-48: “Pedro ainda falava, quando o Espírito Santo desceu sobre todos os que escutavam seu discurso. Os fiéis de origem judaica, que tinham ido de Jope com Pedro, ficaram admirados por verem que o dom do Espírito Santo tinha sido derramado também sobre os não-judeus. De fato, eles os ouviam falar em diversas línguas e glorificar a Deus. Então Pedro disse: ‘Quem poderá recusar a água do batismo a esses, que receberam o Espírito Santo da mesma forma que nós?’ E decidiu que fossem batizados em nome de Jesus Cristo...”. Observe, caro leitor, que uma parte do passo de Atos 10,44-48 tem tudo para ter sofrido uma interpolação, talvez por quererem justificar o batismo com água. Vejamos o trecho do texto para análise: “Então Pedro disse: ‘Quem poderá recusar a água do batismo a esses, que receberam o Espírito Santo da mesma forma que nós?’”. Se dele retirarmos a expressão “a água do batismo” o texto estaria mais coerente em sua estrutura e significado; senão vejamos: “Quem poderá recusar a esses, que receberam o Espírito Santo da mesma forma que nós?” Assim, percebemos que a expressão “a água do batismo” não tem nada a ver com o assunto abordado por Pedro, que certamente questionava se essas pessoas iriam ser recusadas mesmo depois de terem recebido o “dom do Espírito Santo”. Ressaltamos também a questão, falada anteriormente, quando comentamos At 19,1-6, sobre a fórmula do batismo, que, ao invés de “em nome do Pai, do filho e do Espírito Santo”, batizavam somente “em nome de Jesus”. Aliás, com relação a essa última expressão podemos encontrar dez outras passagens [11] em que se diz para fazer algo “em nome de Jesus”, enquanto que, em relação à primeira, nenhuma, pois a única encontrada provou-se ser uma interpolação. Há ainda uma outra passagem bíblica que, apesar de não se relacionar ao batismo, querem os teólogos, com suas interpretações dogmáticas, atribuir-lhe tal sentido. É a passagem que narra o diálogo de Jesus com Nicodemos, conforme o evangelho de João: Jo 3,1-12: “... Jesus lhe respondeu: ‘Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus’. Disse-lhe Nicodemos: ‘Como pode um homem nascer, sendo velho? Poderá entrar segunda vez no seio de sua mãe e nascer?’ Respondeu-lhe Jesus: ‘Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito. Não te admires de eu te haver dito: deveis nascer de novo. O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde ele vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito’. Perguntou-lhe Nicodemos: ‘Como isso pode acontecer?’ Respondeu-lhe Jesus: ‘És mestre em Israel e ignoras essas coisas? Em verdade, em verdade, te digo: falamos do que sabemos e damos testemunho do que vimos, porém, não acolheis o nosso testemunho. Se não credes quando vos falo das coisas da terra, como crereis quando vos falar das coisas do céu?’”. Sobre esse assunto, o primeiro ponto, inclusive, já poderíamos ter falado antes, quando citamos trechos do evangelho de João. É que nos parece muito estranho atribuir a autoria desse evangelho a ele, porquanto sabemos que foi escrito em grego - por volta de 100 d.C. - e que, como Pedro, João era iletrado e sem instrução (At 4,13), ficando-nos uma enorme suspeita de que “falaram” por ele, ou então isso veio por uma provável psicografia. O segundo é em relação ao fato de que Jesus não batizou nem recomendou batismo de água a ninguém, conforme estamos constatando neste estudo. Quanto ao conteúdo deste texto, não há explicação para que Nicodemos “ignorasse essas coisas”, sendo ele um membro do Sinédrio, especialmente se Jesus estivesse se referindo ao batismo, pois, se fosse mesmo, certamente ele o teria entendido. Se ignorava, é porque, na verdade, era sobre outra coisa que Jesus lhe falava. Pelos seus questionamentos a Jesus, fica claro que era algo muito mais profundo do que um simples ritual, como o do batismo; portanto, seria um assunto mais complexo que esse. Com certeza, a reencarnação é algo assim, já que a maioria das pessoas por “ignorar essas coisas”, não sabe exatamente como pode “um homem velho voltar a nascer de novo; porventura, irá entrar no seio de sua mãe e nascer”? A esses Jesus replicaria, como já o fizera antes: “Não te admires disso”. Para justificarem o batismo nessa passagem concentram seus argumentos no trecho “quem não nascer da água”, jogando por terra todo o simbolismo que, naquele tempo, se via nisso: [...] A água tinha grande simbolismo entre os hebreus: tanto o espírito como as águas são fecundos (Is 32:15; 44,3; Ez 36:25-27); o espírito é coisa que Deus envia e derrama, como água (Jl 3,1-2; Zc 12;10). Água era uma expressão para indicar influências boas ou más, como no (Sl 1,3): “Pois será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, a qual dá o seu fruto na estação própria, e cujas folhas não caem; e tudo quanto fizer prosperará”. [...] (PALHANO, 2001, p. 403). Então concluímos que Jesus, após sua ressurreição, manteve-se coerente com o que pensava antes de sua morte; a mudança ocorreu por conta de interpolação e acréscimo. Ainda bem! A justificativa de alguns para o ritual do batismo, é porque todos, ao nascerem, trazem como herança o pecado original. De fato, é bastante “original” o pecado de Adão e Eva; apenas isso, pois, ao imputarem-no a todos nós, além de cometerem a maior das injustiças, é contrário ao que “a palavra de Deus” determina: “Os pais não serão mortos pela culpa dos filhos, nem os filhos pela culpa dos pais. Cada um será executado por causa de seu próprio crime” (Dt 24,16) ou “O indivíduo que peca, esse é que deve morrer. O filho nunca será responsável pelo pecado do pai, nem o pai será culpado pelo pecado do filho” (Ez 18,20). Mas, se tal coisa é verdadeira, se devemos ser batizados por conta do pecado original, então como explicar o batismo de Jesus, já que todos nós acreditamos que Ele tenha nascido puro? Por que Jesus nunca disse: Vá, seja batizado e será salvo? Evidentemente é porque Jesus nunca pregou o batismo de João, apesar de, conforme já o dissemos, encontrarmos uma passagem bíblica (Mc 16,14-16), sobre a qual já comentamos, colocando isso como se fossem palavras de Jesus. Por outro lado, entre o ritual do batismo praticado por João Batista e o realizado hoje em dia, há grande diferença, pois o anterior era o batismo do arrependimento que só era realizado após a pessoa confessar seus pecados, o que não acontece quando se batiza uma criança recém-nascida. De fato, o batismo nos primeiros tempos do cristianismo era tido como sendo um ritual que conferia uma espécie de selo ao novo cristão, ao novo convertido, ou seja, o ritual não era uma causa, mas uma conseqüência da conversão. E hoje, mesmo no caso de pessoas adultas que fizeram "estudo bíblico" para se batizarem, elas não confessam seus pecados nem antes, nem durante ou após a cerimônia. Além disso, o ritual era o de submersão (mergulho); mas vemos que, nas práticas atuais, nem sempre o fazem dessa forma, já que em determinadas correntes religiosas apenas se esparge água sobre o crente, enquanto que em outras se derrama água sobre a sua cabeça. Com isso, ratificamos o que dissemos anteriormente sobre as igrejas cristãs praticarem mesmo é o batismo de João. Mas quem tem razão? Qual dos Espíritos Santos está lhes inspirando o batismo correto? Uma outra questão: as mulheres eram batizadas? Sim (At 8,12); mas isso é estranho já que, pela cultura da época, as mulheres não tinham o menor valor; inclusive, parece-nos que nem mesmo participavam dos rituais religiosos (1Cor 14,34-35), só admitidos aos homens. Convém lembrar que o ritual de iniciação judaica era a circuncisão, obviamente feita somente aos do sexo masculino. Sabendo-se que as mulheres estão salvas “por dar à luz filhos” (1Tm 2,15), não haveria necessidade de batizá-las visandolhes a salvação por esse ritual; não é mesmo? Justificam alguns que, pelo fato de Jesus ter sido batizado, nós também devemos sê-lo. Embora já tenhamos demonstrado por que Jesus foi batizado (Jo 1,31.33), afirmamos que, se o simples fato dele ter sido batizado nos obriga a isso, então, por questão de coerência e de lógica, devemos manter o ritual da circuncisão, já que Jesus também se submeteu a tal prática. Ah! Só mais um lembrete: Jesus também foi crucificado... Quem se habilita? Outros mais, talvez, apresentem alguma passagem bíblica para corroborar o batismo, por puro apego a rituais, dos quais não querem largar mão; por isso não buscam uma visão do conjunto e se dão por satisfeitos com a primeira passagem que encontram. Muitos desses, provavelmente, irão querer contestar esse nosso texto; mas, se não pesquisam sobre o assunto e ainda ficam presos às interpretações dogmáticas, o que poderemos fazer?... A esses apenas apresentamos esta passagem: “Temos muito a dizer sobre este assunto, mas é difícil explicar, porque vocês se tornaram lentos para compreender. Depois de tanto tempo, vocês já deviam ser mestres; no entanto, ainda estão precisando de alguém que lhes ensine as coisas mais elementares das palavras de Deus. Em vez de alimento sólido, vocês ainda estão precisando de leite. Ora, quem precisa de leite ainda é criança, e não tem experiência para distinguir o certo do errado. E o alimento sólido é para os adultos que, pela prática, estão preparados para distinguir o que é bom e o que é mau” (Hb 5,11-14). Mas cabe-nos um esclarecimento final a respeito do batismo, aquele que era o praticado naquela época; para isso vamos recorrer a Palhano Jr, que explica: Batismo. (Do grego: bapto, mergulhar). Ritual de purificação. João Batista administrava um batismo de arrependimento para a remissão de pecados (Marcos 1,4), antecipando o batismo no espírito e em fogo (verdade) que o Messias exerceria (Mateus 3,10). O batismo cristão está arraigado na ação redentora de Jesus e o ato d'Ele, quando se submeteu ao batismo de João (Marcos 1,9), demonstrou e efetivou sua solidariedade com os homens. Na igreja primitiva, o batismo não era com água, mas com a imposição das mãos sobre aquele que se convertia e objetivava o chamado 'dom do espírito santo', isto é, sensibilizar aquele que era batizado para que ganhasse percepção espiritual ou mediúnica (Atos 19,6). O batismo com água é um mero ritual sem nenhum valor moral e os espíritas não devem se preocupar com isso. Trata-se de um sacramento dogmático que afirma ter ação salvadora um ato externo, ritualístico, mais uma obrigação religiosa que descaracteriza a obrigação do esforço próprio, para o merecimento da paz e da felicidade. O batismo de criancinhas, para apagar o 'pecado original', é o resultado da ação judaizante sofrida pelos cristãos, pois nada mais é do que a substituição do sinal da circuncisão ao oitavo dia de nascido para o filho varão. O espiritismo preconiza a inutilidade de qualquer culto, ritual, sacramento, paramento, sinal, para as coisas religiosas, visto que os verdadeiros adoradores de Deus o adoram em espírito e verdade (João 4,23). (PALHANO JR, 1999, p. 173). Esperamos, caro leitor, que esse estudo possa lhe ser útil em alguma coisa, especialmente para que encontre a “verdade que liberta”. A traição de Judas – uma história mal contada É interessante como alguns temas bíblicos não resistem a uma análise mais profunda. Vários deles, que já tratamos em outros textos, nos levam a uma certeza que muitos trechos constantes da Bíblia são uma deliberada e sutil montagem para se chegar a um objetivo previamente definido. Daí porque muitos deles foram amoldados a esse objetivo, passando por cima da verdade histórica que deveriam conter tais escritos. Muitas pessoas se chocam com atitudes como essa: a de uma análise crítica. Entretanto, não abrimos mão de fazer uso da inteligência com a qual nos dotou o Criador. Nós, seres humanos racionais, que efetivamente somos, temos que usar esse dom, pois, não usá-lo é abdicar da única faculdade que nos difere dos animais, ditos irracionais, por isso, acreditamos que só ofendemos a Deus, quando não utilizamos a nossa inteligência plenamente. Reconhecemos, entretanto, ser muito difícil a inúmeras pessoas, principalmente as que não pesquisam, abandonar conhecimentos adquiridos, especialmente quando foram passados como verdades divinas, sob coação ideológica. Ou seja, o simples questionamento da veracidade das mesmas já é, por si só, considerado como grave ofensa à divindade. Essa possibilidade de heresia, acaba gerando um bloqueio mental em função do medo do conseqüente castigo por esse tipo de “pecado”. Assim, somos “levados” a aceitar, sem o mínimo questionamento, o que nos tem sido imposto como verdade absoluta. Com o tempo, passamos a defender idéias, que nunca analisamos ou criticamos, como se nossas fossem. O assunto que iremos tratar, desta vez, está relacionado a uma suposta traição a Jesus, que teria sido realizada por Judas Iscariotes, um de seus discípulos. Inclusive, tudo que consta na Bíblia sobre ele está somente nas passagens que iremos ver a seguir. Em Lucas 22,3-6, está escrito que, após satanás ter entrado em Judas, ele foi procurar os sacerdotes para ver de que maneira entregaria Jesus. Os sacerdotes ficaram tão satisfeitos com isso que combinaram em dar-lhe dinheiro, uma vez que eles desejavam, de há muito, eliminar esse herético. Tal acontecimento se deu, na versão de Lucas, antes da festa dos Ázimos; evidentemente, antes da ceia de páscoa, cujo prato principal eram os cordeiros que matavam especificamente para essa finalidade. No entanto, segundo João, esse fato se deu após a ceia (Jo 13,26-27), apesar de, um pouco antes, ele ter dito: “Enquanto ceavam, tendo já o diabo posto no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, que o traísse” (Jo 13,2), sendo, por conseguinte, omisso sobre qualquer combinação anterior entre Judas e os sacerdotes. Portanto, podemos verificar que há conflito entre as narrativas. Quanto à questão dessa combinação com os sacerdotes, Mateus diz que Judas pediu dinheiro para lhes entregar Jesus (Mt 26,15), enquanto que Marcos (14,11) e Lucas (22,5) afirmam que foram os sacerdotes que tomaram a iniciativa de retribuir ao discípulo, dando-lhe dinheiro como recompensa pelo seu ato ignominioso. Um bom observador irá perceber que, pelas suas narrativas, Mateus teve uma evidente preocupação, qual seja, a de relacionar Jesus com as profecias, inclusive, muito mais que os outros Evangelistas. Daí ser ele o único que diz sobre o quanto Judas teria recebido, dando como certa a importância de trinta moedas de prata (Mt 26,15; 27,3). Essas passagens que falam disso são relacionadas a Zc 11,12-13, no pressuposto de que ela seja uma profecia; entretanto, os fatos ali narrados se referem ao próprio profeta Zacarias; não é, por conseguinte, uma revelação sobre algo que viesse a ocorrer no futuro. Ao narrar os acontecimentos durante a ceia, Mateus relata que Jesus, ao responder aos discípulos sobre quem o iria trair, teria dito: “Quem vai me trair, é aquele que comigo põe a mão no prato. O Filho do Homem vai morrer, conforme a Escritura fala a respeito dele..." (Mt 26,23-24). Passagem relacionada ao Sl 41,10, onde Davi reclama sobre um amigo que o trai. O que nos leva a concluir que tal passagem não é uma profecia; assim, não poderia estar relacionada a Jesus, como querem os que buscam, nas Escrituras, apoio para seus dogmas. Davi foi traído por um amigo, seu próprio conselheiro, de nome Aquitofel, conforme narrativa em 2Sm 15,12.31. O final trágico da vida desse “amigo da onça” foi enforcar-se (2Sm 17,23); por isso, querem, igualmente, atribuir esse mesmo destino a Judas, como iremos ver mais à frente. Outra coisa que nos parece sem nenhum sentido, principalmente por tudo que Jesus fez, é que Ele tenha realmente se preocupado em delatar o seu traidor, conforme narra Jo 13,26, quando, para identificar quem o trairia, diz aos que o acompanhavam, naquela ceia, que seria a quem desse um pão molhado; dito isso, imediatamente, molha um pão e o entrega a Judas. Talvez a preocupação aqui seja buscar mais uma forma de relacionar tal episódio a uma suposta profecia sobre esse acontecimento. Mateus (26,48) e Marcos (14,44) dizem que Judas havia combinado com os sacerdotes um sinal – o beijo – para que pudessem identificar quem era Jesus, e o colocam fazendo isso (Mt 26,49; Mc 14,45). Lucas, apesar de não relatar absolutamente nada sobre esse sinal, diz que Judas aproximando-se de Jesus o saúda com um beijo (Lc 22,47). Enquanto que João não fala de ter havido uma combinação de sinal, nem que Jesus teria dito algo a respeito, e nem mesmo coloca Judas beijando a Jesus, já que, para ele, foi o Mestre que se adiantou, aos guardas acompanhados de Judas, se identificando a eles como sendo Jesus, o Nazareno, a quem procuravam (Jo 18,3-5). Fatos novamente conflitantes. Nenhum outro evangelista, a não ser João, coloca Judas como sendo aquele que, entre os discípulos, cuidava da “bolsa”; vai ainda mais longe acusando-o de ladrão (Jo 12,6). Como uma acusação grave dessa não foi feita por mais ninguém? Se Judas fosse realmente um gatuno, por que motivo o deixaram tomando conta do dinheiro? Alguém colocaria um ladrão como seu administrador financeiro? Não seria, evidentemente, para colocar a honra desse discípulo em jogo, fórmula encontrada para se justificar que, por ser assim, ele não teria também nenhum escrúpulo em trair o seu próprio Mestre? Não bastassem os que já encontramos, aparecem-nos agora mais dois evidentes conflitos. O primeiro está relacionado à forma pela qual Judas deu cabo à sua vida, movido, segundo relata Mateus, por profundo remorso. Estranhamente ele é o único evangelista que fala disso; nenhum outro apresenta uma linha sequer sobre Judas ter se arrependido. Continuando seu relato, Mateus diz que Judas enforcou-se (27,5); entretanto, em Atos (1,18) está se afirmando que ele “precipitando-se, caiu prostrado e arrebentou pelo meio, e todas as suas entranhas se derramaram”, mudando, desta maneira, a versão anterior a respeito de sua morte. Encontramos a seguinte explicação para esse passo: “Possivelmente a narração da morte de Judas enforcando-se, está inspirada na história da morte de Aquitofel (cf. 2Sm 17,23)” (Bíblia Sagrada Santuário, p. 1463). Conforme citamos anteriormente Aquitofel enforcou-se, mas querer, daí, apenas por inspiração, atribuir a Judas uma morte semelhante é lamentável, pois esse fato bíblico deveria ter sido relatado fielmente como ocorrido, aliás, não só esse mas todos; não como o autor quer que tenha acontecido, o que nos coloca diante de uma mera suposição. O segundo diz respeito ao destino dado às moedas. Mateus menciona que Judas as teria devolvido, atirando-as dentro do santuário, que, recolhidas pelos sacerdotes, foram, por deliberação, destinadas à compra do campo do oleiro, para servir de cemitério aos estrangeiros (Mt 27,310), citando que isso aconteceu para se cumprir o que dissera o profeta Jeremias. Mas essa história parece-nos mal contada, pois em Atos se diz que o próprio Judas teria comprado um campo (At 1,18), que até poderia ser esse do oleiro; mas, de qualquer forma, está em conflito com a versão anterior. Na maioria das Bíblias em que consultamos, dizem que as profecias relacionadas a Mt 27,9, cujo teor é: “Cumpriu-se, então, o que foi dito pelo profeta Jeremias: Tomaram as trinta moedas de prata, preço do que foi avaliado, a quem certos filhos de Israel avaliaram e deram-nas pelo campo do oleiro, assim como me ordenou o Senhor”, seriam: Zc 11,12-13 e Jr 32,5-16, ou Jr 18,1-4 e 19,1-3 (Bíblia Anotada, p. 1229), havendo, portanto, sérias dúvidas quanto à identificação da profecia específica relacionada ao episódio. Como já falamos sobre a citação de Zacarias, fica-nos, por conseguinte, apenas as de Jeremias para dizermos alguma coisa. Em notas explicativas sobre elas encontramos que: “A citação é uma combinação artificial de Jr 32,6-9 e Zc 11,12-12” (Bíblia do Peregrino, p. 2386); isso deixa-nos diante da realidade de que, por se admitir que seja “uma combinação artificial”, estamos, certamente, diante de mais uma tentativa de se relacionar acontecimentos no Novo Testamento com ocorrências registradas no Antigo Testamento, tidas como se fossem verdadeiras profecias. Quem tiver a curiosidade de consultar a passagem citada de Zacarias não encontrará nela nenhum aspecto de profecia; são apenas fatos relacionados àquele momento vivido por esse profeta. E quanto a Jeremias, não se encontra absolutamente nada que ele tenha comprado alguma coisa por trinta moedas. Sobre a compra de um terreno, sim, como podemos ver em 32,6-12; mas uma situação circunstancial, explicada da seguinte forma: À primeira vista se trata de um incidente: a compra e venda de um terreno segundo as normas e o procedimento da legislação judaica. O narrador se compraz em registrar todos os detalhes, mostrando que a lei foi estritamente cumprida e que o ato é juridicamente válido. O surpreendente dessa compra-e-venda é que se realiza às vésperas da catástrofe inevitável. Que sentido tem nesse momento comprar um terreno para que fique em poder da família? Tudo já está perdido. Mas o absurdo do ato é a chave do seu sentido. Para efeitos legais imediatos, a compra nada servirá; para efeitos proféticos, é admirável ato de esperança no futuro. É um oráculo em ação, Jeremias profetiza ao vivo: não só palavras, nem ação simbólica, mas ato real jurídico. Esse ato significa o futuro que ele antecipa: a jarra de barro onde se guarda o contrato é um penhor que Deus concede. Apesar do que está para acontecer, a terra continua sendo propriedade dos judaítas: a terra prometida aos patriarcas e possuída durante séculos... (Bíblia do Peregrino, p. 1928). Podemos ainda confirmar isso com a seguinte explicação: “A citação [Mt 27,9] é tirada na realidade de Zacarias (11,12-13). Mas, ele lembra também diversos versículos de Jeremias onde se faz menção do campo e do oleiro (32,6-6; 18,2-12)”. (Bíblia Ave Maria, p. 1319). Ressaltamos que a expressão “ela lembra”, é uma afirmativa que depõe contra o próprio texto que, positivamente, diz ser de Jeremias essa profecia. Percebemos que as narrativas possuem diversos fatos conflitantes entre si, deixando-nos na convicção que tudo não passa, na melhor das hipóteses, de um ajuste dos textos para se chegar a um objetivo prédeterminado, conforme já falávamos, desde o início. Para se ter uma idéia mais exata sobre isso, colocaremos a passagem Mateus 27,1-26, que, para tornar a explicação mais fácil de ser entendida, iremos dividi-la em três partes: I) 1-2: “De manhã cedo, todos os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo convocaram um conselho contra Jesus, para o condenarem à morte. Eles o amarraram e o levaram, e o entregaram a Pilatos, o governador'. II) 3-10: “Então Judas, o traidor, ao ver que Jesus fora condenado, sentiu remorso, e foi devolver as trinta moedas de prata aos chefes dos sacerdotes e anciãos, dizendo: 'Pequei, entregando à morte sangue inocente'. Eles responderam: 'E o que temos nós com isso? O problema é seu'. Judas jogou as moedas no santuário, saiu, e foi enforcar-se. Recolhendo as moedas, os chefes dos sacerdotes disseram: 'É contra a Lei colocá-las no tesouro do Templo, porque é preço de sangue'. Então discutiram em conselho, e as deram em troca pelo Campo do Oleiro, para aí fazer o cemitério dos estrangeiros. É por isso que esse campo até hoje é chamado de 'Campo de Sangue'. Assim se cumpriu o que tinha dito o profeta Jeremias: 'Eles pegaram as trinta moedas de prata - preço com que os israelitas o avaliaram - e as deram em troca pelo Campo do Oleiro, conforme o Senhor me ordenou'". III) 11-26: “Jesus foi posto diante do governador, e este o interrogou: 'Tu és o rei dos judeus?' Jesus declarou: 'É você que está dizendo isso'. E nada respondeu quando foi acusado pelos chefes dos sacerdotes e anciãos. Então Pilatos perguntou: 'Não estás ouvindo de quanta coisa eles te acusam?' Mas Jesus não respondeu uma só palavra, e o governador ficou vivamente impressionado. Na festa da Páscoa, o governador costumava soltar o prisioneiro que a multidão quisesse...” Para o que queremos colocar não é necessário citar toda a narrativa; assim, omitimos o restante da seqüência dessa última (vv. 1626), pois até aqui, no versículo 15, já encontramos o suficiente para entendermos e percebermos que os versículos de 3-10 nada têm a ver com o contexto geral daquilo relatado na passagem. Inclusive, no versículo 3 está dito que Judas viu que Jesus havia sido condenado, quando, no desenrolar do texto, esse fato ainda não havia acontecido, que só veio acontecer mais à frente. A quebra brusca na seqüência dessa narrativa, não deixou de ser percebida pelo tradutor da Bíblia do Peregrino, conforme nos explica: O episódio da morte de Judas interrompe estranhamente o curso do relato, como se a entrega de Jesus ao governador ultrapassasse suas previsões. Sabemos que a figura de Judas alimentou desde cedo fantasias legendárias. Lucas dá versão diferente (At 1,18-20). A morte violenta do perseguidor ou culpado é tema literário conhecido (p. ex. Absalão, 2Sm 18: Antíoco Epífanes, 2Mc9; em versão poética vários oráculos proféticos, p.ex. Is 14; Ez 28). Antes de morrer, Judas acrescenta seu testemunho sobre a inocência de Jesus. Confessa o pecado, mas desespera do perdão... (pp. 2385-2386). Isso vem confirmar todas as nossas suspeitas de que tudo foi um calculado “arranjo” visando ajustar os textos às conveniências dos interessados para que eles tivessem referências às suas idiossincrasias. E, em relação ao assunto tratado, temos fortes suspeitas de que vários outros trechos foram intercalados às narrativas bíblicas, para amoldá-los a um propósito determinado. Podemos citar, como exemplo, Mt 26,14-16; 2125; 28,11-15; Mc 10,10-12; 14,18-21; Lc 22,3-6; 21-23; Jo 1,33; 11,12-16, para que você, caro leitor, faça uma análise mais aprofundada. Podemos ainda recorrer a Ernest Renan (1823-1892), que disse: Quanto ao desgraçado Judas de Cariote, lendas terríveis correram sobre sua morte. Disseram que, com o prêmio de sua perfídia, comprara umas terras nos arredores de Jerusalém. Havia, justamente, ao sul do monte Sião, um local chamado Hakeldama (campo de sangue) (8). Pensou-se que era a propriedade adquirida pelo traidor (9).Segundo uma tradição, ele se matou (10). Segundo uma outra, ele levou um tombo na sua propriedade e, como conseqüência, suas entranhas se espalharam pelo chão (11). Segundo outras, ele morreu de uma espécie de hidropsia, acompanhada de circunstâncias repugnantes que foram tomadas como castigo do céu (12). O desejo de comparar Judas a Achitofel (13) e de mostrar nele o cumprimento das ameaças que o Salmista pronunciou contra o amigo pérfido (14) pode ter dado ensejo a essas lendas. 8. São Jerônimo, De situ et nom. Loc. hebr., para a palavra Acheldama. Eusébio (ibid.) diz ao norte. Mas os itinerários confirmam a lição de São Jerônimo. A tradição que nomeia Haceldama à necrópole situada no fundo do vale de Hinon remonta pelo menos à época de Constantino. 9. Atos, I, 18-19. Mateus, ou melhor, seu interlocutor, deu aqui um tom menos satisfatório à tradição, a fim de ligar a isso a circunstância de um cemitério para estrangeiros, que se achava perto dali, e de encontrar uma pretensa confirmação em Zacarias, XI,12-13. 10. Mat. XXVII, 5. 11. Atos, l.c.; Pápias, em Ecumenius, Enarr, in Act. Apost., II e em Fr. Münter, Fragm. Patrum graec. (Hafniae, 1788, fasc. I, p. 17 e seg.; Teofilacto, em Mat., XXVII, 5. 12. Pápias, em Münter, l.c., Teofilacto, l.c. 13. II Sam., XVII,23. 14. Salmos LXIX e CIX. (RENAN, A vida de Jesus, 2004, pp. 396-397). (grifo nosso). Ficamos a pensar como se sentiu e como ainda pode estar se sentindo Judas sobre tudo quanto lhe imputaram como procedimento. O pobre coitado ainda é julgado e condenado, anos após anos, pelos ditos “cristãos”, que, com certeza, não cumprem o: “Não julgueis os outros para não serdes julgados, porque com o julgamento com que julgardes, sereis julgados e com a medida que medirdes sereis medidos” (Mt 7,1-2). Não bastasse isso, ainda é humilhado, malhado e, ao final, é espetacularmente “detonado”. Infelizmente esse nos parece ser o seu destino cruel, que se perpetua anualmente nas comemorações da Semana Santa realizadas por determinadas religiões cristãs tradicionais. Reabrimos esse “processo”, pois chega-nos às mãos a revista Discovery Magazine, mês de março de 2005, com uma interessante reportagem intitulada Últimos momentos de Jesus, assinada por Walter Falceta Jr, da qual transcrevemos os seguintes trechos: (...) Mas pesquisas mais recentes lançam novos olhares especialmente sobre o odiado Judas – aquela figura que, vestida em boneco de trapos, mobiliza os malhadores nos Sábados de Aleluia. Ao contrário da tradição, os estudos modernos são mais complacentes com o discípulo dissidente, tido no imaginário popular como um homem ambicioso e sem caráter. O magistrado israelense Haim Cohn, ex-juiz da Suprema Corte de Israel, autor de O Julgamento e a Morte de Jesus, defende que, à época da Paixão, Jesus já era conhecido em Jerusalém e sabia-se de seu costume de meditar no Monte das Oliveiras. “Não seria necessário, portanto, que alguém indicasse seu refúgio”, diz Cohn. Dessa forma, o episódio do “beijo da traição”, que teria sido protagonizado por Judas para indicar aos soldados romanos o momento adequado da captura de Jesus, pertenceria ao campo da lenda e não da realidade... Para outros especialistas, o perfil de Judas foi moldado para representar os arquétipos da maldade. De acordo com o bispo da Igreja Anglicana John Spong, de Newark (EUA), até o nome de Judas teria sido escolhido para remeter o inconsciente coletivo ao termo “judaísmo”, numa estratégia para marcar negativamente a imagem dos primeiros opositores do cristianismo. FICÇÃO NOS EVANGELHOS Na década passada, o padre Raymond Brown, ex-professor do Seminário Teológico União, de Nova York, produziu o mais detalhado estudo sobre o que aconteceu nos últimos dias da vida de Cristo. Um calhamaço de 1.600 páginas, o livro The Death of J. B. Howell the Messiah (“A morte do Messias”, ainda não editado no Brasil) compara os argumentos de vários intérpretes da Bíblia, os chamados exegetas, à luz de dados históricos. Em seus textos, Brown dá crédito aos escritos oficiais e estimula uma leitura conservadora das Escrituras. Mesmo assim, admite que o objetivo dos autores dos textos sagrados era evangelizar e não reconstituir fatos históricos. Segundo ele, é natural que tenham recorrido à ficção para expor suas idéias. Brown considera, por exemplo, que a história das 30 moedas que, segundo a Bíblia, Judas recebeu dos sacerdotes do Sinédrio para entregar Cristo passou a simbolizar o suposto gosto dos judeus pelo dinheiro. (pp. 28-33). Isso vem, de certa forma, em apoio ao que deduzimos de nossos estudos bíblicos, sinal que não estamos sendo heréticos sozinhos, embora isso não nos preocupe, pois para nós o que é mais importante é que se restabeleça a verdade. A Questão do Bom ladrão Muitas vezes, a passagem de Lucas a respeito do “bom ladrão” é utilizada, principalmente, pelos nossos detratores de plantão, para sustentarem a idéia de que não existe a reencarnação. Não querendo entrar detalhadamente neste assunto, apenas gostaríamos de dizer para aqueles que não a aceitam, que vejam como ela é obvia nas seguintes passagens: Mt 17,12: “Mas digo-vos que Elias já veio, e não o conheceram, mas fizeram-lhe tudo o que quiseram. Assim farão eles também padecer o Filho do homem”. Mt 11,14-15: “E, se quereis dar crédito, é este o Elias que havia de vir. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”. Jo 3,3: “Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. Jo 3,7: “Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo”. Vemos que, infelizmente, muitos ainda não “têm ouvidos de ouvir”. Não compreendemos como podem conceber uma Justiça Divina sem a reencarnação. Já que, para nós, a reencarnação é o único meio de “sermos perfeitos como o Pai Celestial” (Mt 5,48), conforme nos recomenda Jesus, a não ser que Ele nos tenha ensinado algo que não pudéssemos fazer, o que seria um absurdo. Voltando ao que nos propomos, achamos por bem fazer uma análise desse episódio, para que possamos encontrar a verdade. Vamos, então, às narrativas bíblicas sobre tal acontecimento, tiradas da Bíblia Anotada, Editora Mundo Cristão: Mt 27,44: “E os mesmos impropérios lhe diziam também os ladrões que haviam sido crucificados com ele”. Mc 15,32: “Também os que com ele foram crucificados o insultavam”. Lc 23,39-43: “Um dos malfeitores crucificados blasfemava contra ele, dizendo: 'Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós também'. Respondendo-lhe, porém, o outro repreendeu-o dizendo: 'Nem ao menos temes a Deus, estando sob igual sentença? Nós na verdade com justiça, porque recebemos o castigo que os nossos atos merecem; mas este nenhum mal fez'. E acrescentou: 'Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino'. Jesus lhes respondeu: 'Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso'”. Jo 19,18: “Onde o crucificaram, e com ele outros dois, um de cada lado, e Jesus no meio”. Ressaltamos que se a Bíblia, segundo dizem, é totalmente inspirada por Deus por que não narram os Evangelistas os mesmos fatos? Ora, se a fonte de inspiração é de uma mesma origem, Deus, deveriam ser tais narrativas completamente iguais, pelo menos quanto ao fundo. Poderemos até aceitar palavras diferentes, mas não com divergências quanto ao fato ocorrido; e aqui ele é narrado de forma diferente, conforme iremos observar a seguir: 1 – Quanto ao diálogo: Mateus, Marcos e João nada relatam de qualquer diálogo entre os três crucificados. 2 – Quanto à atitude: Mateus e Marcos dizem que os ladrões estavam, isto sim, entre os que escarneciam de Jesus. Só Lucas diz que Jesus teria dito para um deles que “hoje estarás comigo no Paraíso”. 3 – Quanto à testemunha: João que estava ao pé da cruz, ou seja, a testemunha ocular, nada diz sobre este diálogo de Jesus com um dos ladrões. Por curiosidade, vamos ver como essa frase aparece nas Bíblias de outras editoras: Mundo Cristão: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso”. Vozes: “Em verdade te digo: ainda hoje estarás comigo no paraíso”. Pastoral: “Eu lhe garanto: hoje mesmo você estará comigo no paraíso”. Ave Maria: “Em verdade te digo, hoje estarás comigo no paraíso”. Barsa: “Em verdade te digo: que hoje serás comigo no paraíso”. Loyola: “Eu te asseguro: hoje mesmo estarás comigo no paraíso”. Perguntaríamos, então, qual delas é a frase mais verdadeira? Enquanto algumas dizem “em verdade”, outras dizem “eu garanto” e “eu te asseguro”, apesar dessas Bíblias terem como origem o mesmo segmento religioso. Por outro lado, vários outros autores confirmam o que o Dr. Severino Celestino da Silva disse em seu livro Analisando as Traduções Bíblicas: Sabemos que os manuscritos originais do Novo Testamento não possuíam pontuação, e em face do fato de o grego clássico (incluindo o grego koiné, no qual foi escrito o Novo Testamento) gozar de ampla liberdade no tocante à ordem das palavras, é impossível, à base do próprio texto grego, provar um lado ou outro dessas idéias contraditórias. (SILVA, 2001, pp. 309-310) Assim, não fica difícil entender que nas traduções colocaram a pontuação conforme a conveniência de cada tradutor. Analisando, especificamente essa frase, e, se admitirmos que isso realmente tenha acontecido, teremos uma contradição de Jesus, pois Ele mesmo disse: a cada um segundo suas obras. (Mt 16,27). E, quando do episódio com Madalena, após sua ressurreição, disse Ele a esta mulher: “Não me detenhas, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai para meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” (Jo 20,17). Ora, se Jesus, três dias após sua morte, ainda não tinha subido ao Pai, como Ele poderia ter afirmado ao “bom ladrão”, que hoje estarás comigo, ou seja, justamente no dia de sua morte na cruz? Por outro lado, o “bom ladrão”, ao reconhecer que “nós na verdade com justiça, porque recebemos o castigo que os nossos atos merecem; mas este nenhum mal fez”, ele está aceitando a justiça dos homens, e por mais forte razão, aceitaria a Justiça de Deus que lhe daria uma pena merecida. Assim, podemos concluir também que ele não estava pedindo uma recompensa por algo que não tivesse feito, mas, apenas que Jesus se lembrasse dele quando voltasse; certamente visando o perdão dos seus pecados; não é mesmo? Além disso, o dito “bom ladrão” (e, diga-se de passagem, é o único ladrão bom da história da humanidade) somente reconheceu que ele e o outro tinham motivos para morrerem crucificados, e que Jesus era um inocente sendo condenado; assim, já que não houve nem mesmo um simples arrependimento, por parte dele, por que o prêmio? Narra Mateus (20,20-23) que a mãe dos filhos de Zebedeu chega a Jesus com o seguinte pedido: “Ordena que estes meus dois filhos se sentem um à tua direita e outro à tua esquerda, no teu reino”. Não vemos Jesus atendendo ao pedido desta abnegada mãe; ao contrário, disse-lhe: “Mas quanto a vos sentardes à minha direita ou à minha esquerda, não me cabe concedê-lo, porque estes lugares são destinados àqueles para os quais meu Pai os reservou”. Ora, se aqui Jesus afirma que não cabe a Ele conceder um lugar no Paraíso ou reino dos céus, como, então, promete um lugar ao “bom ladrão”? Será que Ele estaria contradizendo-se? Acreditamos que não, pois tanto nesse caso, quanto no outro, teria que agir sem conceder qualquer tipo de privilegio, ou seja, “a cada um segundo suas obras” (Mt 16,27). Não bastassem os fatos acima, uma análise cuidadosa da cena do Calvário revela que o ladrão pode não ter morrido naquele mesmo dia, pois João (19,31-33) nos diz: "Os judeus, pois, para que no sábado não ficassem os corpos na cruz, visto como era a Preparação (pois era grande o dia de Sábado), rogaram a Pilatos que lhes quebrassem as pernas, e que fossem tirados. Foram, pois, os soldados e, na verdade, quebraram as pernas do primeiro, e ao outro que com ele fora crucificado; mas, vindo a Jesus, e vendo-O já morto, não Lhe quebraram as pernas". Arnaldo B. Chistianini aborda a questão do costume de quebrar as pernas em seu livro Sutilezas do Erro, de onde transcrevemos: Por que "quebrar as pernas" dos justiçados? Porque o crucificado não morria no mesmo dia. Cristo foi caso excepcional e sabemos que não morreu dos ferimentos ou da hemorragia, mas de quebrantamento do coração. Morreu de dor moral por suportar os pecados do mundo. Mas os outros, não, e as crônicas descrevem o condenado esvaindo-se lentamente durante dias. Diz, por exemplo o comentário de J. B. Howell: "O crucificado permanecia pendurado na cruz até que, exausto pela dor, pelo enfraquecimento, pela fome e a sede, sobreviesse a morte. Duravam os padecimentos geralmente três dias, e às vezes, sete." (1) É óbvio que os homens de maior robustez física duravam até sete dias na cruz. No caso em tela, os judeus, não permitiram que se conservasse um criminoso na cruz no dia de sábado, pois consideravam um desrespeito à santidade do dia de repouso. "De acordo com o costume, quebravam as pernas dos criminosos depois de os haverem removido da cruz, deixando-os estendidos no chão, até que o sábado passasse. Depois do sábado haver passado, sem dúvida esses dois corpos foram outra vez amarrados na cruz, e lá ficaram diversos dias, até morrerem..." Se era necessário quebrar as pernas aos dois malfeitores, antes do pôr-do-sol, é porque não haviam, morrido ainda. Na pior das hipóteses viveram ainda, pelo menos, um dia a mais que o Mestre. Como podia, um deles, estar no mesmo dia junto de Jesus? (1) E. Howell, Comentário a S. Mateus, pág. 500. (CHISTIANINI, 1965, pp. 274-275). Se era necessário quebrar as pernas aos dois malfeitores, antes do pôr-do-sol, é porque não haviam morrido ainda. Na pior das hipóteses, viveram ainda pelo menos um dia a mais que o Mestre. Como podia, um deles, estar no mesmo dia junto de Jesus? Já falamos, várias vezes, mas não custa repetir. Coloquemos a frase do seguinte modo: Em verdade te digo hoje, estarás comigo no paraíso. Veja como uma simples vírgula muda completamente o sentido do texto... Desta forma, é muito mais condizente com a Justiça Divina, pois um indivíduo somente irá para o Paraíso, quando tiver realizado as obras que justifiquem merecê-lo, não importando quanto tempo levará para isso. Também não estaria em conflito com o texto: “Ora, se invocais como Pai aquele que, sem acepção de pessoas, julga segundo a obra de cada um, portai-vos com temor durante o tempo da vossa peregrinação, ...” (1Pd 1,17). E, para reforçar que Deus não faz mesmo acepção de pessoas, pedimos para consultar: Dt 10,17; 2Cr 19,7; Jó 34,19; At 10,34; 15,9; Rm 2,11; Ef 6,9 e Cl 3,25. O Enigma do Sudário O assunto a respeito do Sudário, volta e meia, aparece na mídia. Como a sua veracidade ainda não foi cientificamente comprovada, a dúvida persegue os líderes religiosos que possuem interesse específico no caso, embora, para alguns deles, seja uma peça absolutamente verdadeira, já que, conforme pensam, é a mesma que envolveu o corpo de Jesus. Essa peça de linho branco, medindo 4,30 m de comprimento por 1,10 m de largura, é atualmente propriedade do Vaticano, que, diga-se de passagem, prudentemente não a reconhece como prova material de qualquer milagre, deixando para a Ciência atestar ou não a sua autenticidade. Em 1988, laboratórios internacionais nos EUA, Inglaterra e Suíça, após o teste do “Carbono 14”, estimaram que essa peça teria menos de 700 anos. Foi um baque para os que acreditavam na sua veracidade. Mas, a coisa não parou por aí, pois o resultado do teste foi contestado, voltando tudo a estaca zero. Assim, até hoje não se tem nada, em definitivo, que possa assegurar que é uma peça verdadeira. É por isso que esse assunto sempre está voltando ao palco dos debates. Em Set/2002 o programa “Fantástico”, da Rede Globo, fez uma reportagem sobre essa relíquia e no mês de Abr/2003 foi a vez da Revista Galileu trazer novamente à discussão esse polêmico assunto. O autor da reportagem na Galileu demonstrou um jornalismo autêntico, sem tender para lado algum, apenas fornecendo as informações, para que o leitor tire suas próprias conclusões. Estamos fazendo questão de ressaltar essa atitude, pois o que normalmente se vê em reportagens é o jornalista colocar suas próprias idéias a respeito do assunto tratado, muitas vezes sem ter uma base de dados consistentes para uma opinião crítica aceitável, agindo mais por “ouvi dizer” do que pelos fatos em si. Muitos não têm nem mesmo coragem de enfrentar as “instituições”; dizem mais o que agradam a elas, em detrimento da pura verdade. Como normalmente somos interessados em assuntos relacionados à Bíblia, fomos pesquisar para ver o que nela poderíamos encontrar sobre isso. Foi aí que deparamos com perguntas sem respostas. Veja bem; os evangelistas Mateus (27,59), Marcos (15,46) e Lucas (23,52-53) relatam que José de Arimatéia comprou um lençol e com ele envolveu o corpo de Jesus. Entretanto, João (19,40) já diz que foi envolvido em panos de linho com aromas, como os judeus costumavam sepultar, dando-nos a idéia de que foram vários panos, não apenas um. Esses panos eram longas e largas tiras de linho (A Bíblia Anotada, p. 1353), ou seja, eram faixas (Tradução Novo Mundo das Escrituras Sagradas, p. 1257) Ao narrar os acontecimentos do dia da ressurreição João (20,4-7) relata-nos que os panos de linho estavam no chão e “o sudário que cobrira a cabeça de Jesus estava enrolado num lugar à parte”. Ora, isso nos mostra que o sudário é uma peça que se usava para cobrir a cabeça do morto, não o corpo inteiro, como nos apresentam. No caso da ressurreição de Lázaro, João (11,44) nos informa que ele saiu do sepulcro com os pés e mãos enfaixados e com o rosto recoberto com um sudário, coincidindo, portanto, com o que realmente era. Nosso “Aurélio” define o Sudário como: “S.m.: 1. Pano com que outrora se limpava o suor; 2. Véu com que, na Antiguidade, se cobria a cabeça dos mortos; 3. Espécie de lençol para envolver cadáveres; mortalha; 4. Tela que representa o rosto ensangüentado de Cristo”. Ora, uma dessas definições equivale exatamente à que encontramos constante do Evangelho pela narrativa de João, ou seja, pano que, na antigüidade, se cobria a cabeça dos mortos. Deste modo, podemos concluir que o Sudário era, na verdade, uma peça de pano (lençol de linho) que cobria apenas a cabeça do morto. Então, como o Sudário, atribuído a Jesus, possui todas as características de ter envolvido de forma contínua a frente e o verso do corpo, em desacordo com o costume daquela época? E mais: será que enterravam seus mortos sem lhes fazer nenhum tipo de asseio? No caso de Jesus, não se lavou o seu corpo antes de enterrá-lo? Se o corpo foi embalsamado, com mirra e aloés, para o sepultamento, obviamente deve ter sido lavado, fato que podemos confirmar com: [...] Depois que retiraram Jesus do Gólgota, o sol começou a brilhar, comprovando que ainda eram seis da tarde. José, com a ajuda das mulheres, levou o corpo para uma carroça que tinha preparado e o conduziu até sua propriedade. Ali lavaram (43) o corpo, envolveram-no num lençol e o puseram no sepulcro. _________ 43. Evangelho de Pedro, 24. (PIÑERO, 2002, p. 126) (grifo nosso). Assim, a lavagem do corpo certamente não deixaria nenhum vestígio de sangue; então, como explicar as manchas de sangue no Sudário, na hipótese de ser ele verdadeiro? Por outro lado, ainda nessa mesma hipótese, como explicar, diante da cultura daquela época, que ele tenha sido intencionalmente guardado de modo a chegar até os nossos dias? Ora, “as mortalhas eram consideradas ritualmente impuras pelos judeus; não havia motivo, portanto, para que os discípulos as recolhessem” (MELO, 1997, p. 102). Com certeza, ficar impuro era o que um judeu não queria de jeito nenhum, pois significava ser contrário aos preceitos religiosos. A Lei mosaica considerava impuro todo aquele que viesse a tocar em cadáver humano, em ossos e em sepultura, etc. Assim, é muito pouco provável que, diante do rigor religioso daquela época, alguém se atrevesse a entrar no túmulo, onde Jesus estivera sepultado, para pegar sua mortalha, a fim de guardá-la como um importante objeto de recordação. Talvez nos dias de hoje, algumas pessoas pudessem até aceitar isso como uma coisa normal, principalmente diante do fato de que determinados indivíduos ainda possuem o costume religioso de usar relíquias. A história registra, para vergonha de todos nós, que há tempos atrás ocorreu a venda indiscriminada delas, como se fossem uma mercadoria qualquer, deixando de lado a sua significação religiosa. Ficam aí as nossas perguntas, aguardando uma resposta plausível dos teólogos, não dos fanatizados por sua religião; mas dos que buscam a verdade, onde quer que ela se encontre, mesmo que com isso tenham que mudar conceitos ou dogmas estabelecidos. Espíritos em Prisão Reza o credo católico que Jesus “... padeceu sob o poder Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado. Desceu aos infernos e ao terceiro dia ressurgiu dos mortos; subiu aos céus e está sentado à mão direita de Deus-Pai, todo-Poderoso, de onde há de vir julgar os vivos e os mortos...”. A pergunta é: o que terá Jesus ido fazer nos infernos? De onde tiraram essa idéia? Bom, parece-nos que isso foi retirado da primeira carta de Pedro (3,19-20), onde se diz que Jesus pregou “aos espíritos em prisão”, acrescentando que esses espíritos são os que foram desobedientes nos dias de Noé, ou seja, até antes do dilúvio. Disso se pode concluir que, pela Bíblia, a palavra espírito significa um ser humano desencarnado e que os espíritos exercem influência sobre os encarnados. É o que se verifica por várias passagens bíblicas, onde encontramos os espíritos (imundos ou impuros) exercendo domínio sobre uma pessoa (o possesso de Gerasa12; o possesso de Cafarnaum13 e o menino mudo e epilético14). Os seres aos quais se denominam demônios são, sem sombra de dúvidas, os espíritos, tendo em vista que, pelas passagens citadas, as narrativas ora dizem demônio ora espírito impuro, demonstrando, portanto, que são sinônimas. Mas, voltando à questão inicial, o que terá Jesus pregado a esses espíritos em prisão? A resposta ainda se encontra na primeira carta de Pedro (4,6), onde ele diz que “o Evangelho foi pregado também a mortos”. Resumindo: Jesus desceu aos infernos para pregar o Evangelho aos espíritos dos que haviam morrido até o dilúvio. Três questões nos surgem agora: a primeira, por que só pregou para os que viveram até Noé, e os que morreram após o dilúvio até o início de sua pregação não tiveram a oportunidade de receber essa pregação? Então onde fica “Deus não faz acepção de pessoas” (Rm 2,11)? A segunda, é que se Jesus foi pregar aos mortos que se encontravam nos infernos (em prisão) é pelo fato de que esses condenados poderiam ser recuperados? Em função dessa possibilidade de recuperação, na qual acreditamos, podemos afirmar que na hipótese do inferno existir mesmo, ele não poderá ser eterno. Até mesmo porque somente se fica na prisão até que seja pago o último centavo da dívida (Mt 5,26). Terceira, se Jesus foi aos infernos pregar aos mortos concluímos que os mortos foram julgados; daí, haveria alguma explicação racional para o tal juízo final, onde serão julgados os vivos e os mortos? Vejamos agora o que dizem os teólogos. Os protestantes, nos explicam a expressão “pregou aos espíritos em prisão”, dizendo: Alguns pensam que esta frase significa que Cristo, entre Sua morte e ressurreição, desceu ao Hades e ofereceu aos que viveram antes de Noé (v. 20) uma segunda oportunidade de salvação, uma doutrina que não tem apoio escriturístico. Outros pensam que foi apenas uma proclamação de Sua vitória sobre o pecado aos que estavam no Hades, sem o oferecimento de uma segunda chance. É Mais provável que este versículo seja uma referência ao Cristo pré-encarnado pregando através de Noé àqueles que, por terem rejeitado Sua mensagem, agora são ‘espíritos em prisão’. (Bíblia Anotada, p. 1566). Já com relação à pregação do Evangelho a mortos, dizem: a mortos, I.e., cristãos já falecidos O evangelho foi pregado àqueles mártires agora mortos. Eles foram julgados na carne e condenados ao martírio segundo padrões humanos de justiça, mas estão vivos espiritualmente depois da morte. Outra interpretação deste versículo relaciona esta pregação àquela mencionada em 3:19. (Bíblia Anotada, p. 1566). Diremos que o apoio escriturístico para a pregação de Jesus aos espíritos que estavam na prisão é confirmado pela própria passagem questionada, como também em 1Pe 4,6; mas em nota nessa passagem, dizem que Jesus teria ido pregar aos cristãos já falecidos. Essa hipótese é absurda, pois os que seguiam Jesus só foram chamados de cristãos mais tarde (At 11,26), por volta do ano 37 d.C., época da fundação da Igreja de Antioquia; isso, considerando que a morte de Jesus se deu na Páscoa de 30, nos dá aproximadamente 7 anos depois da morte de Cristo. Resta-nos portanto, a alternativa de que realmente Jesus foi pregar aos espíritos em prisão. Os católicos, por sua vez, explicam: Provável alusão à descida de Cristo ao limbo. Quem sejam os espíritos aos quais Jesus foi pregar, é controverso. Há quem afirme que se trata dos espíritos maus, aos quais Cristo anunciou a derrota e a sujeição; outros, ao contrário, vêem neles os incrédulos dos tempos de Noé; mas provavelmente são os justos do A. T. que haviam esperado no Cristo. (Bíblia Sagrada Paulinas, pp. 1329-1330). E, em relação aos mortos dizem: Quanto a esses mortos, cfe 3,19. São os justos que morreram pelo dilúvio, entre os quais houve os que se arrependeram de seus pecados, embora esse arrependimento tardio, tendo salvo a alma, não serviu para salvar o corpo da morte. Há quem sustente tratar-se de mortos espirituais. (Bíblia Sagrada Paulinas, p. 1330). A atitude de Jesus descer aos infernos apenas para anunciar aos espíritos maus a sua derrota e sujeição, não condiz com tudo que Ele pregou e exemplificou. Isso seria apenas uma demonstração de superioridade com conseqüente humilhação àqueles que estaria se dirigindo; portanto, fora de propósito. Seriam os justos como sugerem? Se os justos estavam na prisão é porque mereceram castigo; ora, só pelo fato de se merecer castigo é uma conseqüência de não ser justo, pois justo merece prêmio, não castigo. Limbo? Ora, na Bíblia não encontramos nada a respeito. Afinal o que é isso? Segundo o Dicionário da Bíblia Barsa seria também: a “residência das almas das crianças mortas sem terem sido batizadas, ...quem não tiver cometido pecado mortal não será castigado com o inferno e de que só os que tiverem tido o pecado original apagado pelo Batismo (de água, sangue ou desejo) é que entrarão no céu” (p. 159). Ah! O que esses teólogos não inventam para justificarem seus dogmas?! Veja bem; criam um lugar que não existe, estabelecendo as condições para os que para lá irão; tudo sem nenhum apoio bíblico; apenas como justificativa a seus dogmas. Essa, por exemplo, do pecado original não condiz com: “Os pais não serão mortos pela culpa dos filhos, nem os filhos pela culpa dos pais: cada um será morto pelo seu próprio pecado” (Dt 24,16). Mas, afinal, a quem Jesus teria pregado? Teria pregado a todos ou somente aos que morreram do dilúvio para trás? Já que todos podem dar a sua opinião, diremos que “provavelmente” Jesus tenha pregado a todos os espíritos que estavam “presos”, até mesmo porque Deus trata todos de igual modo. Mas presos onde? Acreditamos que no “umbral”, onde todos os espíritos, que ainda não possuem evolução suficiente para se desvincularem do planeta Terra, ficam presos nessa faixa, em volta dela. Assim não admitimos que o “inferno” seja eterno, nem que os “mortos” ficam dormindo à espera do juízo final. O grande problema que surgirá, se aceitarem isso, é que vai para o beleléu a fortuna que fazem usando o dízimo; não é mesmo? Alguém poderá dizer: Mas o credo que conheço não fala em “infernos”, cita “mansão dos mortos”. É fato; entretanto, ao que tudo indica, mudou-se a forma de rezar o credo para fugir dos inevitáveis questionamentos. Estão querendo, como se diz popularmente, “tapar o Sol com a peneira”; apenas isso. Não adianta, pois um dia a verdade aparecerá. A morte de Agripa Quem conta um conto, aumenta um ponto. A ingenuidade de muitos em acreditar piamente em todas as narrativas bíblicas, como se fossem verdades irrefutáveis, é digna de pena. A grande maioria dessas pessoas, se nem mesmo ousa admitir uma simples dúvida, que dirá contestar aquilo que se encontra relatado na Bíblia, já que pressupõem que tudo que ali está é plena verdade proveniente de Deus. Ainda não perceberam que, por conta da esperteza da liderança religiosa da antigüidade, tacitamente incorporada pela atual, foi o que transformou a Bíblia num livro cujo conteúdo passou a ser supostamente a palavra de Deus. Foi a forma fácil e prática que se encontrou para manter sob seu domínio os fiéis: ovelhas que não berram. Leiamos sobre a morte de Agripa conforme a narrativa bíblica: At 12,20-23: “Herodes estava enfurecido com os habitantes de Tiro e Sidônia. Estes fizeram um acordo entre si e se apresentaram diante de Herodes, depois de conquistarem as graças de Blasto, o camareiro real. Eles pediam a paz, já que seu país recebia mantimentos do território do rei. No dia marcado, Herodes vestiu-se com os trajes reais, tomou seu lugar na tribuna, e lhes dirigiu a palavra oficial. O povo começou a clamar: 'É a voz de um deus, e não de um homem!' Mas, imediatamente, o anjo do Senhor feriu Herodes, porque ele não tinha dado glória a Deus. E Herodes expirou, carcomido por vermes”. Segundo os tradutores da Bíblia Anotada, esse personagem é “Herodes Agripa I, neto de Herodes, o Grande, que reinara ao tempo do nascimento de Cristo. Agripa, pelo menos exteriormente, era um zeloso praticante dos rituais judaicos e era um patriota em questões religiosas” (p. 1378). E, em relação à sua morte, completam: “Josefo afirma que Herodes adoeceu subitamente durante seu discurso e, depois de cinco dias de sofrimento, morreu (44 A.D.)” (p. 1379). Vejamos então, para conferir, o que Josefo, o historiador hebreu, fala a respeito desse assunto. A versão de Josefo, parece-nos ser bem diferente dessa que acabamos de citar. Vamos iniciar seu relato após Agripa ter sido preso, acusado por um liberto de nome Eutico, de desejar a morte do imperador Tibério, para que seu amigo Caio o substituísse no poder: Um dia, quando Agripa estava com outros prisioneiros diante do palácio, a fraqueza, que lhe causava a tristeza, fez que ele se apoiasse a uma árvore sobre a qual uma coruja veio pousar. Um alemão, que era do número desses prisioneiros, tendo-o notado, perguntou a um soldado que o olhava e que estava acorrentado com ele, quem era aquele homem; tendo sabido que era Agripa, o mais notável de todos os judeus pela glória de sua origem, rogou-lhe que se aproximasse dele, a fim de que pudesse ouvir de sua boca alguma coisa sobre os costumes de seu país. O soldado assim fez; o alemão, então, disse a Agripa, por meio de um intérprete: “Bem vejo que uma mudança tão grande e tão repentina de vossa sorte vos aflige, e que dificilmente acreditaríeis que a divina providência vos dará a liberdade, muito em breve. Mas eu tomo os deuses como testemunhas, os deuses que eu adoro e os que são reverenciados neste país, que me puseram nestas cadeias, de que, o que eu vos tenho a dizer, não é para vos dar uma vã consolação, sabendo, como eu sei, que quando as predições favoráveis não são seguidas de seus efeitos só servem para aumentar a nossa tristeza. Quero pois dizer-vos, embora com perigo, o que essa ave que acaba de voar sobre vossa cabeça vos pressagia. Estareis bem depressa em liberdade e elevado a tão grande poder, que sereis invejado por aqueles que agora têm compaixão de vossa infelicidade. Sereis feliz durante todo o resto de vossa vida e deixareis filhos que sucederão à vossa felicidade. Mas quando virdes aparecer de novo essa mesma ave, sabei que somente vos restarão cinco dias de vida. Eis o que os deuses vos pressagiam e como eu tenho conhecimento disso, julguei dever dar-vos essa alegria, para amenizar vossos males presentes, com esperança de tantos bens futuros. Quando vos encontrardes em tão grande prosperidade não nos esqueçais, eu vos rogo, e trabalhai para nos tirar da miséria em que nos encontramos”. A predição desse alemão pareceu tão ridícula a Agripa, que provocou nele, naquele instante, uma gargalhada, tão forte que depois causou-lhe a ele mesmo, espanto e admiração. (JOSEFO, 2003, pp. 425-426) Será que essa profecia foi cumprida? Para sabermos o que aconteceu, continuemos o relato de Josefo um pouco mais à frente, cujo tempo decorrido é cerca de seis meses depois: Trouxeram nesse mesmo tempo duas cartas de Caio; uma endereçada ao senado, com a qual lhe dava o anúncio da morte de Tibério e de que ele o havia escolhido para substituí-lo no império; a outra, a Pisão, governador da cidade, que dizia a mesma coisa, ordenando-lhe tirar Agripa da prisão e permitir-lhe voltar à sua casa. Assim ele se viu livre de todo temor: e embora estivesse ainda guardado, vivia no resto, como queria. Pouco depois, Caio veio a Roma para onde fez trazer o corpo de Tibério, mandando fazer-lhe, segundo o costume dos romanos, soberbos funerais. Ele quis pôr Agripa em liberdade, no mesmo dia, mas Antônia aconselhou-o a diferir, não, porque não sentisse afeto por ele, mas porque julgava que aquela precipitação iria contra o decoro, porque não se podia apressar tanto a liberdade daquele a quem Tibério conservava preso, sem manifestar ódio por sua memória. No entanto, alguns dias depois, Caio mandou chamá-lo e não se contentou em dizer-lhe que mandasse cortar os cabelos, mas lhe pôs a coroa na cabeça; depois fê-lo rei da tetrarquia que Felipe havia possuído e acrescentou-lhe ainda a de Lisânias. Quis também como sinal de seu afeto dar-lhe uma cadeia de ouro do mesmo peso da de ferro que ele havia usado e mandou em seguida Marullhe, como governador da Judéia. (JOSEFO, 2003, p. 427) Então se a primeira parte da profecia, dita pelo alemão, foi cumprida, fica provado que os deuses que lhe passaram a informação estavam certos. Mas, e quanto à segunda parte da profecia, a que dizia a respeito de sua morte? Será que Agripa ouviu a coruja piar novamente? Voltemos à Josefo e leiamos: No terceiro ano do seu reinado ele celebrou na cidade de Cesaréia, que antigamente era chamada a Torre de Estratão, jogos solenes em honra do imperador. Todos os grandes e toda a nobreza da província, reuniram-se nessa festa; no segundo dia dos espetáculos Agripa veio bem cedo, pela manhã, ao teatro, com uma veste cujo forro era de prata trabalhada com tanta arte, que quando o sol o iluminava com seus raios, desprendiam-se reflexos tão vivos de luz, que não se podia olhar para ele sem se sentir tomado de um respeito, misto de temor. Mesquinhos bajuladores, então, com palavras melífluas que destilam veneno mortal no coração dos príncipes, começaram a dizer que até então haviam considerado seu rei, como um simples homem, mas que agora viam que o deviam reverenciar como um deus, rogando-lhe que se lhes mostrasse favorável, pois parecia que ele não era como os demais, de condição mortal. Agripa tolerou essa impiedade, que deveria ter castigado mui rigorosamente. Mas, logo levantando os olhos, viu uma coruja, por sobre sua cabeça, pousada numa corda estendida no ar e lembrou-se de que aquela ave era um presságio de sua infelicidade como outrora tinha sido de sua prosperidade. Soltou, então, um profundo suspiro e sentiu, ao mesmo tempo, as entranhas roídas por uma dor horrível. Voltou-se para seus amigos e disse-lhes: “Aquele que quereis fazer acreditar que é imortal, está prestes a morrer e essa necessidade inevitável não podia ser uma mais pronta convicção de vossa mentira. Mas é preciso querer tudo o que Deus quer. Eu era muito feliz e não havia príncipe de quem eu devesse invejar a felicidade”. Dizendo estas palavras, sentiu que as dores cresciam cada vez mais; levaram-no ao palácio e a notícia espalhou-se imediatamente, de que ele estava prestes a exalar o último suspiro. Logo todo o povo, com a cabeça coberta de um saco, segundo costume de nossos pais, fez oração a Deus pela saúde e todo o ar ressoou com gritos e lamentações. O príncipe que estava no quarto mais alto do palácio, vendo-os de lá, prostrados por terra, não pôde reter as lágrimas; as dores, porém, continuaram por cinco dias a fio e o levaram, aos cinqüenta e quatro anos de sua vida, sétimo do seu reinado, pois reinara quatro sob o imperador Caio, nos três primeiros dos quais ele só tinha a tetrarquia, que fora de Filipe, e no quarto, acrescentaram-lhe a de Herodes; nos três anos em que reinou sob Cláudio, esse imperador deu-lhe também a Judéia, a Samaria e Cesaréia. Mas, embora suas rendas [*] fossem muito grandes, ele era liberal e tão magnânimo que era obrigado ainda a pedir emprestado. [*] O grego diz: Mil e duzentas vezes dez mil, sem nada mais especificar. (JOSEFO, 2003, p. 453). Interessantíssimo é que as duas previsões, constantes da profecia, que foram ditas pelo alemão a Agripa, se cumpriram. Ora, ele mesmo afirmou a ter recebido dos deuses, o que então prova que não era somente o Deus dos hebreus que tinha profetas aqui na terra. Será que havia um acordo entre os deuses de ambos – o do alemão e o dos hebreus? Provavelmente; haja vista o cumprimento integral da profecia. Vejamos, agora, os pontos que foram aumentados: Lucas: Herodes estava enfurecido com os habitantes de Tiro e Sidônia. Estes fizeram um acordo entre si e se apresentaram diante de Herodes, depois de conquistarem as graças de Blasto, o camareiro real. Eles pediam a paz, já que seu país recebia mantimentos do território do rei. Josefo: Nada fala desse assunto. Coloca o evento quando do acontecimento de jogos solenes oferecidos por Agripa em honra ao imperador, ocasião em que se reuniram vários príncipes e toda a nobreza para essa majestosa festa. Lucas: No dia marcado, Herodes vestiu-se com os trajes reais, tomou seu lugar na tribuna, e lhes dirigiu a palavra oficial Josefo: Fala que Agripa chegou ao local dos jogos de manhã usando “uma veste cujo forro era de prata trabalhada com tanta arte, que quando o sol o iluminava com seus raios, desprendiam-se reflexos tão vivos de luz, que não se podia olhar para ele sem se sentir tomado de um respeito, misto de temor.” Não diz absolutamente nada de que Agripa tenha feito, da tribuna, algum tipo de discurso oficial. Lucas: O povo começou a clamar: "É a voz de um deus, e não de um homem!" Josefo: O motivo para que alguns o elevaram à categoria de um deus, foi justamente a roupa brilhante citada anteriormente. Condição não contestada por Agripa, que ainda, segundo Josefo, deveria tê-los castigados. E quem disse alguma coisa foram os mesquinhos bajuladores, o que pode não significar necessariamente que teria sido o povo, que dá uma idéia de que todos, ou pelo menos, a maioria dos que ali estavam. Lucas: Mas, imediatamente, o anjo do Senhor feriu Herodes, porque ele não tinha dado glória a Deus. E Herodes expirou, carcomido por vermes. Josefo: Após o episódio acima, Agripa vê uma coruja o que o faz lembrar-se da profecia que ouvira do alemão; daí sim é que ele fala ao povo contestando a sua condição de deus, assumindo sua condição de mortal e dizendo-lhes que brevemente estaria morto. O fato imediato é que ele começou a passar mal, sentindo muitas dores. Nesse estado, Agripa permaneceu por cinco dias, quando finalmente dá o seu último suspiro. Embora Josefo não fale nada sobre o enterro de Agripa, é de se presumir que aconteceu, pois, se tivesse ocorrido algo em contrário, seria ponto de destaque que não passaria despercebido por um historiador. Assim, Agripa não foi imediatamente carcomido por vermes, fato que, para salvar o texto bíblico, devemos considerar como épico. E mais: o motivo da morte de Agripa nada tem a ver com ele não ter dado glória a Deus. Por aqui provamos que, no presente caso, quem contou o conto, aumentou não foi um só ponto, mas vários. Os relatos históricos não podem ser preteridos às narrativas bíblicas, cujos autores não se preocuparam nem com a verdade histórica, nem mesmo com a ordem cronológica dos acontecimentos, a eles só interessavam os seus heróis enaltecidos. Sempre estamos ouvindo dogmáticos querendo salvar a veracidade dos textos bíblicos, relegando os fatos históricos, arqueológicos e mesmo científicos, na doce ilusão de que “tá na Bíblia é verdade”. Coitados, pois ainda acham que conseguirão tapar o Sol com uma peneira! A conversa de Jesus com Nicodemos - És mestre em Israel e ignoras essas coisas? O que temos observado, e que achamos muito interessante, é que as pessoas que não acreditam na reencarnação fazem de tudo para retirar essa idéia da Bíblia, como se isso, por si só, fosse resolver a questão. Estes indivíduos pressupõem, ingenuamente, que se a Bíblia não disser nada sobre a reencarnação, esta não irá existir. Já falamos, e por várias vezes, que a Bíblia não é um compêndio de Ciência e que, por isso, não podemos determinar a existência ou não de qualquer uma das leis naturais com base em suas páginas. Para nós a reencarnação está no âmbito das leis naturais, não tendo nada a ver com religião como a querem levar a esse campo seus contraditores, para, daí, apresentarem a Bíblia como prova de sua não existência. Nosso objetivo será exatamente o de provar o contrário. Após retirarem, mudarem ou interpretarem de forma equivocada e tendenciosa algumas passagens, arrematam categóricos: “não está lá”. Isso satisfaz, evidentemente, aos que aceitam tudo sem questionar e aos que, subjugados pela liderança religiosa, não ousam contestá-la, esquecendo-se de que somente “onde se acha o Espírito do Senhor aí existe a liberdade” (2Cor 3,17). Vamos analisar uma das passagens, talvez a que causa maior polêmica entre os anti-reencarnacionistas de carteirinha, ou seja, os cristãos fundamentalistas, para extrair dela o seu significado. A passagem está em João capítulo 3, versículos de 1 a 12; leiamos: “1. Havia, entre os fariseus, um homem chamado Nicodemos, um notável entre os judeus. 2. à noite ele veio encontrar com Jesus e lhe disse: 'Rabi, sabemos que vens da parte de Deus como mestre, pois ninguém pode fazer os sinais que fazes, se Deus não estiver com ele'. 3. Jesus lhe respondeu: 'Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus'. 4. Disse-lhe Nicodemos: 'Como pode um homem nascer, sendo velho? Poderá entrar segunda vez no seio de sua mãe e nascer?' 5. Respondeu-lhe Jesus: 'Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. 6. O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito. 7. Não te admires de eu te haver dito: deveis nascer de novo. 8. O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito'. 9. Perguntou-lhe Nicodemos: 'Como isso pode acontecer?' 10. Respondeu-lhe Jesus: 'És mestre em Israel e ignoras essas coisas? 11. Em verdade, em verdade, te digo: falamos do que sabemos e damos testemunho do que vimos, porém não acolheis o nosso testemunho. 12. Se não credes quando vos falo das coisas da terra, como crereis quando vos falar das coisas do céu?'” (Bíblia de Jerusalém). O realce, em negrito, aos termos dos versículos 3 e 7, é nosso, já que deveremos destacá-los mais à frente. a) A Teologia Católica A polêmica instala-se por conta do termo grego anóthem, que, segundo os exegetas, tanto pode ser entendido como “de novo” quanto “do alto”. Isso é um prato cheio para que os teólogos tirem dessa passagem a idéia da reencarnação, para introduzirem a do batismo, para, com isso, justificarem este ritual. Uma das traduções que destacamos é a da Bíblia de Jerusalém, pelo motivo dela ter sido elaborada por uma equipe de tradutores católicos e protestantes. Nela lemos a seguinte explicação: “João emprega um termo grego, anóthem, que significa também ‘do alto’ (cf. 3, 7.31). Esse duplo sentido não existe na língua de Jesus e de Nicodemos”. (p. 1847). Aqui vemos um golpe de morte naqueles que querem buscar nisso um pretexto para retirar dessa passagem a idéia da reencarnação. Vejamos o que encontramos em outras Bíblias católicas: Ave Maria: no v. 4 está dito “renascer”, e quanto ao v. 5 explicam que é uma alusão ao batismo. (p. 1386). Pastoral: apenas no v. 3 usaram “do alto”, buscam, também, relacionar essa passagem ao rito do batismo. (p. 1356-1357). Barsa: aplicaram ao v. 3 a expressão “renascer de novo”, no v. 5 “renascer” e no 7 “nascer outra vez”. Embora não falem nada sobre batismo, implicitamente querem levar a essa idéia quando, no v. 5, ao invés de colocar “e do Espírito”, mudam para “e do Espírito Santo”. Um detalhe importante dessa Bíblia é sua antigüidade; foi editada em 1965, do que concluímos que nas edições mais recentes, a preocupação de retirar a idéia da reencarnação fica mais evidente. (Novo Testamento, p. 79). Santuário: Usam no v. 3 e 5 “de novo”; na explicação do v. 3 colocam: O termo grego aqui empregado é ambíguo. Tanto se pode traduzir por ‘nascer de novo’ como por ‘nascer do alto’. Nicodemos entende-o no primeiro sentido, como se vê pelo contexto. Jesus, porém, reconduz a conversa ao seu caminho: os que pertencem ao Reino, não são os que nasceram da carne e do sangue (os descendentes de Abraão, como pensavam os judeus), mas os que nasceram de Deus (cf. Jo 1,13). Tal nascimento realiza-se no batismo (Jo 3,5). (p. 1574). (grifo nosso). Do Peregrino: informam-nos que Nicodemos em grego quer dizer “vitória do povo”; aliás, muito significativo para a idéia da reencarnação. (p. 2552). Vozes: nos v. 3 e 7, aplicam o “do alto”, dando a seguinte explicação: A expressão nascer do alto (v. 3) em grego pode ser entendida também como nascer de novo, como faz Nicodemos (v.4), no sentido de ser concebido e dado à luz. Jesus, no entanto, fala de um novo nascimento de Deus, da água e do Espírito Santo (v.5), numa referência direta ao rito do batismo (cf. 1,12s). (p. 1275) (grifo nosso). Aqui temos a confirmação de que, pelo contexto, a expressão deverá ser entendida como “nascer de novo”, pois foi assim que Nicodemos entendeu, conforme nos afirmam alguns tradutores da Bíblia. Não adianta, para justificar o contrário, querer comparar o significado de uma palavra colocada em textos diferentes, uma vez que ela poderia, muito bem, ter significados distintos, o que somente o contexto em que cada uma está poderá dar a conhecê-los. Quanto à questão do batismo, não iremos falar aqui, pois já foi objeto de estudo num capítulo à parte. b) A Teologia Protestante Tanto a Novo Mundo, quanto a SBB e a Mundo Cristão, utilizam o “nascer de novo”. Dessa última transcreveremos as explicações a seguir: 3:3 nascer de novo. Lit., de cima (como em 3:31; 19:11), embora a palavra também signifique “outra vez”, “de novo” (Gl 4:9). O novo nascimento ou regeneração (Tt 3:5) é o ato de Deus que concede vida eterna ao que crê em Cristo. Como resultado, tal pessoa torna-se membro da família de Deus (1 Pe 1;23) com uma nova capacidade e um novo desejo de agradar a seu Pai celeste (2 Co 5;17). 3:5 Quem não nascer da água e do Espírito. Várias interpretações têm sido sugeridas para o termo água neste versículo: (1) Que ela se refere ao batismo como condição para a salvação. Isto, porém, contradiz muitas outras passagens do N.T. (Ef 2:8-9). (2) Representa o ato de arrependimento indicado pelo batismo de João. (3) Refere-se ao nascimento físico; assim, o versículo diria: “Quem não nascer a primeira vez da água e a segunda vez do Espírito”. (4) Significa a palavra de Deus, como em Jo 15;3. (5) É um sinônimo para o Espírito Santo, sendo esta a tradução: “da água, isto é, do Espírito”. Uma verdade é clara: o novo nascimento vem de Deus através do Espírito. (p. 1322). Vez por outra, recorremos a um renomado filósofo do século XVII, Baruch de Espinosa (1632-1677), já que, o que afirmou, ainda prevalece em nossos dias. Agora novamente o faremos; assim leiamos: Admira-me bastante, pois, a engenhosidade de pessoas, como aquelas de quem já falei, que enxergam na Escritura mistérios tão profundos que se torna impossível explicá-los em qualquer língua humana e que, além disso, introduziram na religião tantas matérias de especulação filosófica que a Igreja até parece uma academia e a religião uma ciência, ou melhor, uma controvérsia. (...). (ESPINOSA, 2003, p. 208). O comum dos teólogos, todavia, entende que se devem interpretar metaforicamente aquelas passagens em que se atribuem a Deus coisas que eles conseguem ver pela luz natural serem incompatíveis com a natureza divina, ao passo que tudo aquilo que escapa à sua capacidade de compreensão se deverá aceitar à letra. Porém, se todas as passagens daquele gênero que se encontram na Escritura tivessem obrigatoriamente de ser interpretadas e entendidas metaforicamente, então a Bíblia não teria sido escrita para o povo e para o vulgo ignorante, mas unicamente para os especialistas, designadamente os filósofos. (ESPINOSA, 2003, p. 213). Aqui é interessante notar que mais um tiro mortal é dado, dessa vez em relação à questão de relacionar a passagem ao ritual do batismo como condição sine qua non para a salvação, conforme ainda podemos perceber em alguns argumentos teológicos. c) A Teologia Espírita Vamos apresentar os argumentos de um escritor espírita sobre este assunto. No livro “Analisando as Traduções Bíblicas”, o autor Severino Celestino da Silva, no capítulo XVII – A Reencarnação no Novo Testamento, ao se referir à passagem de João 3,1-12 (pp. 238-242), diz-nos o seguinte: Este é o texto que tem dado mais trabalho aos exegetas que querem negar a Reencarnação. No entanto, é o mais claro e contundente de todos, por isso, existe um verdadeiro malabarismo por parte destes, no sentido de obscurecer o verdadeiro e claro sentido desta passagem. Iniciamos pelo vocábulo ’anóten’ que em grego pode significar ’de novo’ e ’do alto’. Nesta passagem, esse vocábulo significa realmente ‘de novo’, porém a maioria dos exegetas emprega o termo ‘do alto’ para justificar a sua descrença na Reencarnação. Este malabarismo envolve também a questão gramatical na tradução do texto, como veremos mais adiante. Colocaremos, aqui, muitas observações e conceitos empregados, sobre este texto, feitos por Torres Pastorino na sua obra ‘Sabedoria do Evangelho’, com relação ao texto grego. Concordamos plenamente com todos os seus conceitos, razão por que o usaremos para reforçar nossa exegese. A análise do texto hebraico é de autoria e responsabilidade nossa. Muitos começam com a afirmação de que Jesus teria dito: ‘AQUELE QUE NÃO NASCER ‘DO ALTO’. Observe, no entanto, que a pergunta feita por Nicodemos, em seguida, denota que ele entendeu que Jesus falava realmente em nascer ‘de novo’ e não ‘do alto’: Como ‘pode o homem, depois de velho, entrar pela segunda vez (duteron) no ventre materno?’. Esta ambigüidade de entendimento só acontece na língua grega, porque no hebraico, que foi realmente a língua em que Jesus dialogou com Nicodemos, este problema não existe. O texto é bem claro e jamais pode significar ‘do alto’. Diz o seguinte: (‘im lô iauled ish mimkôr ‘al lôiukal lirôt et-malkut haelohim’) im=se, lô=não, iualed=incompleto do grau qal(1) do verbo ‘nolad’=nascer, ish=um homem, mimikôr=palavra composta, formada por mi=de + makôr=fonte de água viva, origem. Existe a expressão hebraica ‘Mekôr chaim’ que quer dizer ‘fonte da vida’. Observe que não existe nada referente ‘ao alto’, no texto grego, como muitos querem se fazer entender. Assim, o Cristo fala que aquele que não nascer em origem, no sentido de se voltar à fonte original da vida, ou seja, nascer novamente, ‘não poderá’ (lô-iuchal=incompleto do verbo iachôl=poder) ver o reino de Deus (lirôt et-malkut haelohim). Assim, no diálogo, a palavra grega ‘anóten’ tem o sentido e significado de ‘de novo’, portanto, Jesus falava de retorno, ou seja, de Reencarnação mesmo, como foi visto no texto hebraico. Lembramos, ainda, que Nicodemos já era um cidadão de idade avançada e o Cristo lhe fala da Reencarnação (Nascer de Novo), como uma esperança e reconforto para ele, mostrando-lhe que a vida não termina com a morte, nem os velhos devem temer a morte, pois podem renascer e começar tudo novamente. Na seqüência, Cristo confirma que era isso mesmo que Ele queria dizer: ‘Quem não nascer de água (materialmente, com o corpo denso, dado que o nascimento físico é feito através da bolsa d’água do líquido aminiótico), veja o cap. VII deste livro, Salmo 23 e de espírito (pneumatos), ou seja, que adquira nova personalidade no mundo terreno, em cada nova existência, a fim de progredir). Se Nicodemos entendeu ao pé da letra as palavras de Jesus, o Mestre as confirma ao pé da letra e reforça o seu ensino. Com efeito, o espírito, ao reentrar na vida física, pode ser considerado o mesmo espírito que reinicia suas experiências, esquecido de todo passado’. A questão gramatical: No texto em grego não há artigo diante das palavras ‘água’ (ek ydatos= de água) ‘e espírito’ (kai pneumatos), portanto, o texto fala em nascer ‘de água e de espírito’. Não é portanto, nascer da água do batismo, nem do espírito, mas de água (por meio da água) e de espírito (pela Reencarnação do espírito). O primeiro versículo do Gênesis (1:1) fala que no princípio criou Deus os Céus e a terra. A palavra ‘céus’ em hebraico ‘Shamaim’ - ???? (2) - significa: ‘Carrega água’, ‘Ali existe água’; ‘fogo e água’ que misturados um ao outro, formaram o Céus. Como podemos observar, tudo começou com as águas. Água é vida e essa era a crença geral naquela época. É lógico que o Cristo não falava de batismo e sim de retorno através da água. Lembramos ainda que 99% da constituição das células reprodutoras são água. Daí a explicação que segue: ‘o que nasce da carne (ek tês sarkos) com artigo (tês) em grego, é carne’, isto é com corpo físico, com toda a hereditariedade física herdada do corpo dos pais; ‘e o que nasce do espírito (ek tou pneumatos) é espírito’, ou seja, o espírito que reencarna provém do espírito da última encarnação com toda a hereditariedade pessoal (cármica) que traz do passado. E Jesus prossegue: ‘Por isso não te admires de eu te dizer: é-vos necessário nascer de novo’. Observe a diferença de tratamento: ‘dizer-TE’ no singular, e ‘é-VOS’ no plural, porque o renascimento é para todos, não apenas para Nicodemos. E mais: ‘o espírito sopra (isto é, age, reencarna, se manifesta onde quer), e não sabes de onde veio (ou seja, sua última encarnação), nem para onde vai (qual será a próxima). ’As palavras de Jesus foram de modo a embaraçar Nicodemos, que indaga: “como pode ser isso’? E Jesus: ‘Tu que (entre nós dois) é Mestre de Israel, te perturbas com estas coisas terrenas? Que te não acontecerá então, se te falar das coisas celestiais (espirituais)?’. Logicamente Jesus não podia esperar que Nicodemos entendesse as interpretações mais profundas desse ensinamento, nem tão pouco estava querendo ensinar-lhe o batismo, nesta passagem, como muitos querem justificar Se o Cristo falava realmente do batismo para Nicodemos, por que não o convidou a se batizar? E por que o próprio Cristo não o batizou? Leia em João 4:2 que Cristo não batizava, quem batizava eram os discípulos. E por que diante de tantas curas, milagres e encontros, como no da ‘Adúltera’, com ‘Zaqueu’, com o ‘Centurião’, com a ‘Cananéia’, Cristo nunca falou em batismo? Não seria uma oportunidade para este convite? No entanto, sua recomendação era para a mudança interior: ‘vai e não peques mais para que coisa pior não te venha acontecer’. E Jesus conclui exemplificando: ‘como Moisés ergueu a serpente no deserto, assim o Filho do Homem será erguido da Terra’. (Veja a história da serpente erguida no deserto no Livro Números – vicrá- 21:4-9). Aqui o Cristo prevê o que aconteceria a Ele, ou seja, a sua morte na cruz para que hoje seja erguido na terra como filho de Deus e dirigente de toda a nação terrena. Paulo, em sua epístola a Tito 3:4-5, interpreta bem esta citação do Cristo: ‘Mas quando apareceu a vontade de Deus, nosso salvador, e o seu amor para com os homens, não por obras da justiça que tivéssemos feito, mas segundo sua misericórdia nos salvou pelo lavatório da reencarnação, e pelo renascimento de um espírito santo’. Aqui, Paulo deixa bem claro que Deus nos salvou não porque o tivéssemos merecido, mas por Sua misericórdia, servindo-se da reencarnação a qual é um ‘lavatório’ (de água) e um ‘renascimento do espírito’. A palavra grega do texto a que se refere Paulo é ... (a palavra está em grego que não temos condições de reproduzir) ‘Palingenesia’ – isto é, ‘renascimento’, ‘Novo Nascimento’, REENCARNAÇÃO. (1) Esclarece-nos o autor do livro, Dr. Severino que: O termo QAL ou qal é uma palavra hebraica que significa "Fácil" que tem o sentido gramatical de "forma fácil" ou "simples" de conjugação do verbo na língua hebraica. O verbo em hebraico possui sete graus de conjugação (Qal, nif'al, piel, pual, hif'iil, haf'al e hitpa'el.) Nesse caso específico foi colocado com relação ao verbo nascer (nolad-em hebraico). O incompleto que é o futuro do verbo na forma QAL que é a mais simples das conjugações. (2) Neste ponto o Dr. Severino coloca a palavra em grego, na “fonte” SIL EZRA, que não colocamos por não a possuirmos. (SILVA, 2001, pp. 238-242) (os grifos são do original). Deixa-nos Severino Celestino, e com clareza meridiana, um posicionamento sereno e equilibrado diante da passagem analisada, embora saibamos que não irá agradar aos fundamentalistas. Mas como já o dissemos, não é este o nosso objetivo. Como sempre argumentam que, naquela época, não existia a idéia conceitual da reencarnação, devemos, por amor à verdade, apresentar as provas de que isso não tem fundamento. A primeira questão é que, se nós formos buscar a palavra “reencarnação” na Bíblia, não a encontraremos. Entretanto, facilmente encontraremos uma outra terminologia que é usada em algumas situações, com o conceito de reencarnação, e que é a palavra “ressurreição”. Quatro são as idéias que eles tinham sobre ressurreição: 1ª - alguém voltar a viver na condição de espírito; 2ª - reviver no mesmo corpo físico; 3ª - voltar a viver num outro corpo físico; e 4ª - ressurgir em espírito e, nessa condição, influenciar uma pessoa. Mais informações sobre essas quatro idéias poderão ser vistas, neste livro, no capítulo Ressurreição, o significado Bíblico. Para exemplificar a terceira idéia, podemos citar a narrativa de Lucas (9,18-20) sobre o episódio em que Jesus pergunta aos seus discípulos o que o povo pensava dele, ao que lhe responderam: "Alguns dizem que tu és João Batista; outros, que és Elias; mas outros acham que tu és algum dos antigos profetas que ressuscitou". Pela resposta podemos perceber que é exatamente a idéia da reencarnação, pois Jesus só poderia ser Elias, Jeremias, que é citado em Mt 16,14, ou algum outro dos antigos profetas, se aceitassem essa possibilidade de ressurreição no sentido de reencarnação, termo, inclusive, usado no texto. A prova que não entendiam bem sobre a reencarnação, aqui com o nome de ressurreição, é pelo fato de terem citado João Batista, que foi contemporâneo de Jesus. Considerando que nos foi informado que Nicodemos era um fariseu, não podemos deixar de falar dessa classe política e religiosa que existia àquela época. Nós buscaremos esta informação num historiador que viveu naquele tempo, chamado Flávio Josefo. Suas obras históricas são: “Antiguidades Judaicas”, “Guerra dos Judeus” e “Resposta de Flávio Josefo a Ápio”, que, em nosso caso, fazem parte do livro História dos Hebreus. E a título de informação transcrevemos: Quem foi Flávio Josefo? Foi ele um escritor e historiador judeu que viveu entre 37 a 103 d.C. Seu pai foi sacerdote e sua mãe descendia da casa real hasmoneana. Portanto, Josefo era de sangue real. Ele foi muito bem instruído na vasta cultura judaica, bem como na grega. Falava perfeitamente o latim – o idioma do Império Romano, e também o grego. Logo cedo na vida demonstrou intenso zelo religioso, filiando-se ao grupo religioso dos fariseus. (...) (p. 41). Ele, descrevendo a maneira de viver dos fariseus, coloca: (...) Eles julgam que as almas são imortais, que são julgadas em um outro mundo e recompensadas ou castigadas segundo foram neste, viciosas ou virtuosas; que umas são eternamente retidas prisioneiras nessa outra vida e que outras voltam a esta. (...) (p. 416). (grifo nosso). E quando alguns soldados, derrotados na guerra contra os romanos, pensavam em suicidar-se, alerta-os dizendo: (...) Não sabeis que Ele difunde suas bênçãos sobre a posteridade daqueles, que depois de ter chamado para junto de si, entregam em suas mãos, a vida, que, segundo as leis da natureza, Ele lhes deu e que suas almas voam puras para o céu, para lá viverem felizes e voltar, no correr dos séculos, animar corpos que sejam puros como elas e que ao invés, as almas dos ímpios, que por loucura criminosa dão a morte a si mesmos são precipitados nas trevas do inferno; (...) (p. 600). (grifo nosso). Assim, é justo dizer que os fariseus acreditavam numa ressurreição em outro corpo. Ora, isso não é nada mais nada menos do que aquilo que entendemos por reencarnação. Podemos, ainda, para corroborar a afirmativa de que ela era crença no judaísmo, trazer para comprovação os conhecimentos contidos na Cabala, que, segundo seus estudiosos, é o significado mais profundo e oculto da Torá. O Rabino Philip S. Berg, em “Reencarnação as Rodas da Alma”, diz que: A palavra hebraica para reencarnação é Guilgul Neshamot, que literalmente quer dizer ‘roda da alma’. É para esta vasta roda metafísica, com sua coroa constelada de almas, como estrelas nas bordas de uma galáxia, que devemos dirigir nosso olhar, se desejamos ver além da aparência da inocência punida e da maldade recompensada. Guilgul Neshamot é uma roda em constante movimento e, ao girar, as almas vêm e vão diversas vezes, num ciclo de nascimento, evolução e morte e novo nascimento. A mesma evolução ocorre com o corpo no decorrer de uma única vida. Ocorre o nascimento, o crescimento das células, a paternidade e a morte – novos corpos produzidos pelos antigos, dando assim continuidade à forma física. É sempre um pai que concede sua semente para que haja continuidade, num processo sem fim. (BERG, 1998, pp. 17-18). Severino Celestino, citando o Rabino Shamai Ende, diz: Sobre a Reencarnação, apresentamos, aqui, para ilustrar, o depoimento do Rabino Shamai Ende, colaborador da Revista Judaica ‘Chabad News’,publicação de Dez a Fev 1998. Vejamos o texto na íntegra: ‘O conceito de Guilgul (Reencarnação) é originado no judaísmo, sendo que uma alma deve voltar várias vezes até cumprir todas as mistsvot(1) da Torá. Além disso, cada alma tem uma missão específica. Caso não tenha cumprido a sua, a alma deve retornar a este mundo para preencher tal lacuna. Somente pessoas especiais sabem exatamente qual é sua missão de vida. (...)’. __________ (1) Mitsvot – plural de mitsvá que significa mandamento ou prática de boas obras – caridade. (SILVA, p. 161) (grifo do original). Disso podemos concluir que Nicodemos, sendo um fariseu, fatalmente acreditava que alguém poderia voltar; entretanto, não sabia como isso poderia acontecer, razão daquelas suas perguntas a Jesus. Será que Jesus pregou o batismo? Um fato incontestável é que Jesus nasceu, viveu e morreu como judeu. Também não há como discutir que o batismo não era a prática ritualística no judaísmo, que sabemos ser a da circuncisão, ato a que, segundo narrativa no Evangelho, o próprio Jesus foi submetido. Sobre esse assunto, veja o estudo no capítulo à parte. Uma outra questão para análise é: João Batista era Elias reencarnado? Após tecer comentários sobre o diálogo entre Jesus e Nicodemos, Allan Kardec conclui: Se o princípio da reencarnação, conforme se acha expresso em S. João, podia, a rigor, ser interpretado em sentido puramente místico, o mesmo já não acontece com esta passagem de S. Mateus, que não permite equívoco: ELE MESMO é o Elias que há de vir. Não há aí figura, nem alegoria: é uma afirmação positiva. (...) (ESE, Capítulo IV, p. 62). Igualmente julgamos oportuno abordar essa questão, já que é um dos argumentos que reforçam a reencarnação, pois irá nos ajudar a fortalecer a convicção que essa idéia era, de fato, não somente comum à época de Jesus, como também está presente no texto bíblico. Mas como já falamos sobre isso, não vemos a necessidade de repetir aqui. Pedimos, ao leitor que reporte ao capítulo no qual tratamos disso. Concluímos seguramente, sem nenhum medo de estarmos errados, que realmente a passagem analisada diz da reencarnação. O contexto histórico nos dá conta de que a reencarnação era crença no judaísmo, embora com o nome de ressurreição. A grande dificuldade é que encontramos essa palavra com vários sentidos; daí a grande confusão que causa a alguns, principalmente àqueles que não querem, por razões dogmáticas, aceitar a reencarnação como uma realidade. Citaremos, para corroborar o que temos dito aqui, o que os pesquisadores Kersten e Gruber disseram no livro O Buda Jesus: Analisando as teorias de Pitágoras, descobrimos que sua teoria da reencarnação veio da Índia. Apesar de todos os expurgos, essa idéia também é preservada em várias passagens do Novo Testamento, a ponto de ter-se a impressão de que esse conceito não-cristão foi ensinado pelo próprio Jesus. [...] Pode-se portanto afirmar que, nessa época, a idéia do renascimento e da transmigração da alma estava enraizada no sentimento popular dos judeus. Isso pode ser demonstrado em várias passagens do Novo Testamento. Lembramo-nos da pergunta dos discípulos a Jesus sobre o homem que era cego de nascença: “Quem pecou, ele ou os pais para que ele tenha nascido cego?” (João 9,20. A hipótese de que o próprio homem tivesse pecado pressupõe, naturalmente, que o pecado tivesse sido cometido numa vida anterior, constituindo uma aceitação da idéia do carma. [...] Essa crença evidente no renascimento que encontramos no Novo Testamento não era, de modo algum, familiar aos judeus dos primeiros tempos. Foi a filosofia helênica que a disseminou por todas as regiões dentro de sua esfera de influência. O conceito de renascimento (gilgul) só se tornou conhecido nos círculos judaicos por volta do início do nosso milênio. Os talmudistas acreditavam que Deus havia criado um número determinado de almas judias, que renasciam constantemente. Como punição elas, retornavam no corpo de animais. De acordo com essa idéia, o ser humano tinha que experimentar uma longa transmigração da alma (gul- neschama) até alcançar a redenção (tikkun – a harmonia). A idéia de que a redenção só ocorre quando é atingido o objetivo do desenvolvimento terreno indica a origem hindu e budista do conceito e só surgiu entre os judeus durante o período helênico. A idéia da reencarnação sem dúvida ocupou um lugar de destaque na visão que Jesus tinha da vida. Isso coloca duas possibilidades: ou Jesus era um mestre da sabedoria helenista que adotou o conceito de renascimento como uma abordagem filosófica, ou extraiu a idéia de fontes hindus. No entanto, a maneira pela qual a idéia do renascimento é integrada à sua mensagem, constituindo um componente fundamental de seu entendimento sobre a redenção, torna a hipótese das raízes hindus muito plausível. Apenas na Índia a reencarnação desfrutou de tal aceitação, e apenas na Índia ela esteve ligada a uma moral semelhante à que Jesus divulgou na Palestina. É por isso que os ensinamentos budistas de Jesus soavam tão estranho aos judeus. O tema renascimento está presente em muitas passagens do Novo Testamento15. Jesus fala de suas vidas passadas e de seu retorno, assumindo desta forma uma clara defesa da idéia da reencarnação. Sua referência mais explicita a uma existência anterior (“Antes que Abraão fosse, eu sou” - João 8:58) encontra um paralelo no mais antigo relato sobre a vida de Buda, o Nidanakartha, onde o Desperto é apresentado como um ser preexistente desde o início dos tempos. As passagens mais importantes do Novo Testamento em que Jesus revela sua crença no renascimento estão no Evangelho segundo João (João 3:1-4, 7:9-11). Infelizmente, elas têm sido enormemente mutiladas por traduções incorretas. Graças ao cuidadoso trabalho de Günther Schwarz, muitos desses erros foram corrigidos. Em diversas publicações, esse teólogo conseguiu restabelecer o texto aramaico original dos Evangelhos a partir das traduções gregas existentes, que usou então como base para urna nova versão alemã. O resultado de todos esses anos de trabalho é a obra Jesus-Evangelium16, na qual, com a ajuda de seu filho Jörn Schwarz, reuniu os quatro Evangelhos canônicos e fontes não-bíblicas. Esse "Evangelho de Jesus" será uma constante fonte de referência em nossa análise dos paralelos com o budismo. As citações dessa obra serão abreviadas como "JeEv". Na tradução correta, o verdadeiro significado das idéias de Jesus sobre o renascimento se torna evidente. Uma noite, sabendo que Jesus "fora enviado como mestre" (JeEv 5:11), Nicodemos, um fariseu, foi até ele. Na tradução alemã usual, a conversa com Nicodemos é acompanhada por incompreensíveis palavras de Jesus: "Se um homem não nascer do alto, não poderá ver o reino de Deus" (João 3:3). A versão não autorizada é menos enigmática: "Se o homem não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus". Nos séculos seguintes, a Igreja empenhou-se em suprimir do Novo Testamento todas as referências à reencarnação, sem contudo conseguir eliminá-las totalmente. Nessa nova versão, corretamente traduzida, a intenção das palavras de Jesus volta a se tornar clara. Nicodemos pergunta a Jesus: "O que devo fazer para entrar no Reino de Deus?" Jesus responde: "Em verdade, em verdade, vos digo: quem não nascer de novo e de novo, não poderá ser (re)admitido no Reino de Deus". Nicodemos então pergunta: "Como pode um homem nascer de novo e de novo se já é velho? Pode ele voltar ao ventre da mãe e nascer de novo?" Ao que Jesus replica: "Não te admires do que eu disse, é preciso nascer de novo e de novo". O que está em questão é a readmissão no Reino de Deus como princípio e fim da existência humana. Essa lição deve ser compreendida à luz das passagens da Bíblia em que Jesus diz que João Batista é Elias que voltou à terra (Mateus 11:13-15, 17:10-13; Marcos 9:11-13) e em que ele próprio é considerado um Elias, um Jeremias ou um dos outros profetas renascido. Não existe pois nenhuma dúvida de que Jesus estava falando de um renascimento físico, no sentido hindu de reencarnação. Visto nesse contexto, o erro de tradução de um famoso versículo de Mateus (18:3) deve ser corrigido. Jesus supostamente teria dito: "Se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças...", quando o surpreendente resultado da tradução correta é: "Se não renascerdes, não entrareis no Reino dos Céus"17. (JeEv 5:12-16). ________ 15.Otto Flink (Schopenhauers Seelenwanderungslehre und ihre Quellen) menciona as seguintes passagens: Mateus 14:1-2, 1Cor 15:35-55; Mateus 17:9-12; Lucas 9:7,8,19; Marcos 9:9-13; Mateus 19:28-30; João 3,3 e 3:8. Ele acredita que a idéia de carma está presente em João 9:2-3; Mateus 19:30; Mateus 5:4,26; Marcos 10:19-31; Lucas 18:29-20. 16. Schwarz e Schwarz (1993). 17. Schwarz (1990), p. 46. (KERSTEN e GRUBER, s/d, pp. 131-132). (grifo nosso). Acreditamos que, por motivos de interesses de poder e de dinheiro, a liderança religiosa atual não faz a mínima questão de esclarecer essas dúvidas, pois estariam colocando em risco esses seus interesses. Mas estamos confiantes em que, muito mais cedo do que querem alguns, a ciência dará o veredicto definitivo, quando provar categoricamente a lei natural da reencarnação, única coisa pela qual poderemos explicar inúmeros questionamentos humanos, e é por ela que a Justiça de Deus se manifesta em plenitude. Sobre isso o leitor encontrará informações na internet pelo endereço: http://geocities.yahoo.com.br/existem_espiritos/. O Antigo Testamento foi revogado por Jesus? Neste texto estudaremos algumas passagens do Evangelho buscando compreender as palavras de Jesus, visando deixar o mais claro possível o que Ele pensava, de modo que também você, leitor, tenha elementos suficientes para tirar sua própria conclusão. Mt 5,17-18: “Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas: não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: 'Até que o céu e a terra passem, nem um 'i' ou um 'til' jamais passará da lei, até que tudo se cumpra'”. Essa é a passagem em que se apóiam para concluir que Jesus estaria confirmando toda a Bíblia. Mas, com essa fala, Ele estava apenas querendo dizer que devia se cumprir tudo que Dele está escrito na Lei e nos profetas, dizendo que nem um “i” ou nem um “til” do que ali consta deixaria de ser cumprido; isso ficará bem claro, no desenrolar desse estudo. Lc 10,25-28: “E eis que certo homem, intérprete da lei, se levantou com intuito de por Jesus em provas, e disse-lhe: 'Mestre, que farei para herdar a vida eterna?' Então Jesus lhe perguntou: 'Que está escrito na lei? Como interpretas?' A isto ele respondeu: 'Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e amarás o teu próximo como a ti mesmo'. Então Jesus lhe disse: 'Respondeste corretamente; faze isto, e viverás'”. Se Jesus, quando disse a respeito da Lei (Mt 5,17-18), estivesse mesmo se referindo a todo o Pentateuco mosaico, estaria em contradição com esta passagem, pois considerou como correta a resposta do intérprete, que somente disse que está escrito o: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Ora, na legislação de Moisés existem muitas outras coisas para se cumprirem além dessas, que, segundo os exegetas, são, ao todo, 613 normas. Lc 16,16-17: “A lei e os profetas vigoraram até João; desde esse tempo vem sendo anunciado o evangelho do reino de Deus, e todo homem se esforça por entrar nele. E é mais fácil passar o céu e a terra, do que cair um til sequer da lei”. Se a Lei e os profetas vigoraram até João é porque depois de João está vigorando algo diferente, uma nova legislação. Ela não é nada mais nada menos que o Evangelho, ou seja, o Novo Testamento. A questão de “cair um til sequer da lei” se refere a tudo que há nela com relação às profecias sobre a vinda de Jesus. Assim, os acontecimentos que iriam ocorrer com Ele é que seriam cumpridos e não, como querem alguns, que todas as ordenações contidas lá, devam ser rigorosamente seguidas. Até mesmo porque, como iremos ver mais adiante, especificamente algumas delas Ele as alterou profundamente, como é o caso, por exemplo, da questão do “olho por olho”. Lc 24,25-27: “Ele então lhes disse: 'Ó homens sem inteligência, como é lento o vosso coração para crer no que os profetas anunciaram! Não era preciso que Cristo sofresse essas coisas para entrar na glória?' E partindo de Moisés começou a percorrer todos os profetas, explicando em todas as Escrituras, o que dizia respeito a ele mesmo”. Após ressuscitar, Jesus caminha com dois discípulos que estavam indo para a aldeia de Emaús, e lhes explica o que constava nas Escrituras a respeito dele. Iniciando por Moisés, percorre todos os profetas, ou seja, esclarece-lhes somente o que era importante e que deveria ser cumprido nesse contexto. Portanto, confirma o que estamos dizendo desde o início, quer dizer, o que Ele não veio revogar ou abolir as profecias a Seu respeito. Se tudo nas Escrituras fosse mesmo importante, não iria restringir-se a só explicar o que nelas diziam sobre Ele. E para provar que não estamos distorcendo os fatos, vejamos a passagem seguinte: Lc 24,44-45: “A seguir Jesus lhes disse: 'São estas palavras que eu vos falei, estando ainda convosco, que importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos'. Então lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras”. Veja você, caro leitor, que é perfeitamente claro o que Jesus quis dizer quanto ao cumprimento das Escrituras. Não era, portanto, tudo quanto existia nelas, mas somente importava que se cumprisse tudo o que dele estava escrito nela, ou seja, sua origem da casa de Davi, sua missão, todo o seu padecimento que culminou com sua morte na cruz e sua gloriosa ressurreição. Assim, não há como entender de outra forma, a não ser que as palavras de Jesus não sirvam para nada ou que as queiramos distorcer. Jo 1,17: “Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo”. Aqui temos uma nítida demonstração de que a Lei de Moisés não é de suma importância para os cristãos, já que a VERDADE veio por Jesus Cristo, e é a Ele que nós procuramos seguir, e não a Moisés. Não poderemos dizer que a Lei de Moisés não teve o seu valor; é claro que teve; entretanto, como diz Jesus, somente até João (Lc 16,16). Isso porque, para um povo atrasado, ela foi um fator de desenvolvimento. Jo 1,45: “Filipe encontrou Natanael e lhe falou: 'Achamos aquele de quem escreveram Moisés na Lei e os Profetas, Jesus, filho de José de Nazaré'”. Passagem que vem confirmar que as profecias a respeito do Messias estavam se cumprindo no momento em que Jesus inicia a sua vida pública. E era justamente nisso que os hebreus esperavam, ansiosamente, que se cumprissem as Escrituras. Jo 7,23: “Se um homem recebe a circuncisão no sábado, para cumprir a Lei de Moisés, por que vos irritais contra mim porque curei totalmente um homem no sábado?”. Jo 8,5-7: “Na Lei, Moisés nos manda apedrejar as adúlteras; mas tu o que dizes? ... Jesus... lhes disse: ‘Aquele de vós que estiver sem pecado, atire-lhe a primeira pedra'”. Se, realmente, as leis que Moisés passou ao povo hebreu fossem todas provenientes do Criador, por que nestas duas passagens não se diz: cumprir a Lei de Deus e Na lei, Deus nos manda, respectivamente? Porque eram leis de Moisés e não provenientes da divindade. Tanto é que, na questão da adúltera, Jesus não disse ao povo para cumprir a Lei, antes; ao contrário, revoga-a, inclusive, demonstrando uma inteligência que Lhe era peculiar. Deus também nunca diria: “Não cobiçar a mulher do próximo”, mandamento que realça ser, obviamente, um produto da cultura de uma sociedade machista daquela época; nada mais que isso, sendo, portanto, da forma que está expressa, lei dos homens e não de Deus. Paulo, em carta aos romanos, disse-lhes o seguinte: Rm 7,5: “Enquanto viviam segundo a carne, as paixões pecaminosas, estimuladas pela Lei, produziam fruto para a morte em nossos membros”. Podemos deduzir desta passagem, que a Lei estimulava paixões pecaminosas? Se for isto mesmo, é porque ela, a Lei, não era a VERDADE, que veio somente com Jesus. E no versículo seguinte continua: Rm 7,6: “Mas agora, livres da Lei, estamos mortos para aquilo que nos conservava prisioneiros, de sorte, que podemos servir a Deus conforme um espírito novo e não segundo a letra antiga”. “Livres da Lei”, ou seja, que não estamos mais submissos a ela. Não é claro isso? Se podemos servir a Deus conforme um espírito novo, qual seja, os ensinamentos de Jesus, por que ficar ainda apegados a Moisés (letra antiga)? O Antigo Testamento foi revogado, ou ainda queremos permanecer na dúvida? Mt 5,19-20: “Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus. Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus”. Nosso quadro é: Jesus na passagem evangélica do Sermão do Monte, onde inicia dizendo os novos ensinamentos que deveremos cumprir. São as verdades que Ele passa a todos nós como roteiro de vida. São apenas os mandamentos que disse para que não os violássemos. A partir dali, também, é que altera e revoga a legislação de Moisés; confirmamos isso com as passagens relativas ao capítulo 5 de Mateus, que serão colocadas logo a seguir. Mt 5,21-22: “Ouvistes que foi dito aos antigos: 'Não matarás; e: Quem matar estará sujeito a julgamento'. Eu, porém, vos digo que todo aquele que (sem motivo) se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo”. Moisés: Não matarás. Jesus: que não devemos nem mesmo irar contra ou insultar ao nosso irmão. Mt 5,27-28: “Ouvistes que foi dito: 'Não adulterarás'. Eu, porém, vos digo: Qualquer um que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração já adulterou com ela. Moisés: Não adulterarás. Jesus: só o fato de olhar para uma mulher com intenção impura, já cometemos adultério. Mt 5,31-32: “Também foi dito: 'Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio'. Eu, porém, vos digo: Qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada comete adultério. Moisés: poder-se-ia repudiar a mulher. Jesus: se a repudiares estás expondo a mulher ao adultério. Mt 5,33-37: “Também ouvistes que foi dito aos antigos: 'Não jurarás falso, mas cumprirás rigorosamente para com o Senhor os teus juramentos'. Eu, porém, vos digo: De modo algum jureis: Nem pelo céu, por ser o trono de Deus; nem pela terra, por ser estrado de seus pés; nem por Jerusalém, por ser cidade do grande Rei; nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar um cabelo branco ou preto. Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não. O que disto passar vem do maligno”. Moisés: Não jurarás falso. Jesus: De modo algum jureis. Mt 5,38-42: “Ouvistes que foi dito: 'Olho por olho, dente por dente'. Eu, porém, vos digo: Não resistais ao perverso; mas a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas. Dá a quem te pede, e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes”. Moisés: Olho por olho, dente por dente. Jesus: Quem te ferir na face direita, volta-lhe também a outra. Mt 5,43-48: “Ouvistes que foi dito: 'Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo'. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste”. Moisés: Odiarás o teu inimigo. Jesus: Amai os vossos inimigos. E, objetivamente, quanto à questão da revogação do Antigo Testamento, vejamos o que encontramos de apoio a essa tese no Novo Testamento: 1Cor 15,2: “É pelo evangelho que vocês serão salvos, contanto que o guardem de modo como eu lhes anunciei; do contrário, vocês terão acreditado em vão”. Ef 1,13: “Em Cristo, também vocês ouviram a palavra da verdade, o Evangelho que os salva”. Paulo deixa claro que é pelo Evangelho que seremos salvos; em outras palavras, ele não aceita o Antigo Testamento como algo com que possamos nos salvar. Hb 7,18-19: “Portanto, por um lado, se revoga a anterior ordenança, por causa de sua fraqueza e inutilidade (pois a lei nunca aperfeiçoou cousa alguma) e, por outro lado, se introduz esperança superior, pela qual nos chegamos a Deus. E, visto que não é sem prestar juramento (porque aqueles, sem juramento, são feitos sacerdotes, mas este, com juramento, por aquele que lhe disse: O Senhor jurou e não se arrependerá; Tu és sacerdote para sempre); por isso mesmo Jesus se tem tornado fiador de superior aliança”. Hb 8,6-8.13: “Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente, quanto é ele também mediador de superior aliança instituída com base em superiores promessas. Porque, se aquela primeira aliança tivesse sido sem defeito, de maneira alguma estaria sendo buscado lugar para segunda. E, de fato, repreendendo-os, diz: Eis aí vêm dias, diz o Senhor, e firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá. Quando ele diz Nova, torna antiquada a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquado e envelhecido, está prestes a desaparecer”. Hb 10,9: “... Desse modo, Cristo suprime o primeiro culto para estabelecer o segundo”. Se até aqui ainda poderia existir alguma pequena sombra de dúvida, agora foi definitivamente dissipada por estas narrativas da carta aos Hebreus. Poderíamos até dizer: “quem tem ouvidos que ouça”, mas diremos quem tem olhos veja: a aliança anterior é fraca, inútil e com defeito, enquanto que a nova é superior a ela. Quanto ao “está prestes a desaparecer”, só não desapareceu ainda é por causa da insistência de alguns que querem, a todo custo, manter viva a legislação de Moisés contida no Antigo Testamento. Repetindo: Porque, se aquela primeira aliança tivesse sido sem defeito, de maneira alguma estaria sendo buscado lugar para segunda. Mc 2,18-22: “Como os discípulos de João e os fariseus estavam jejuando, foram lhe perguntar: 'Por que é que os discípulos de João e os discípulos dos fariseus jejuam, e os teus não?' Jesus lhes respondeu: 'Por acaso ficaria bem que os convidados para um casamento fizessem jejum, enquanto o esposo está com eles? Enquanto está, não convém. Mas virá um tempo em que o esposo lhes será tirado. Então sim, eles vão jejuar. Ninguém costura um remendo de pano novo em roupa velha. Do contrário o remendo novo, pelo fato de encolher, estraga a roupa velha e o rasgão fica pior. Ninguém põe vinho novo em velhos recipientes de couro. Caso contrário, o vinho arrebentaria os recipientes. Ficariam perdidos os recipientes e também o vinho. Para vinho novo, recipientes novos!'”. Seria o mesmo que Jesus dizer: Se vocês ficarem apegados aos ensinamentos de Moisés, não conseguirão suportar nem compreender o que agora vos trago. Onde se falava sobre os jejuns? Não é no Velho Testamento, que, tanto os fariseus e quanto os discípulos de João Batista, tiravam o que seguiam? Lembremo-nos de que “a Lei e os Profetas vigoraram até João” (Lc 16,16). Assim, não fica claro sua revogação por Jesus? Só não o é para os que ainda insistem em seguir Moisés. Mais claro fica quando tomamos da nota de rodapé constante do Novo Testamento, Edições Loyola, o seguinte: “Tanto o pano novo como o vinho novo são símbolos duma nova era (cf. At 10,11; Hbr 1,11; Gên 49,11-12); os cristãos devem estar animados dum espírito novo, incompatível com antigas prescrições do judaísmo já ultrapassadas” (p. 57). Há um episódio na vida de Jesus que nos levou a formar uma forte convicção que seus ensinamentos eram superiores aos de Moisés. É a passagem em que João narra, o que se supõe como sendo, o primeiro milagre de Jesus. Apesar de termos refletido muito sobre ela, ainda não tínhamos nenhuma explicação que justificasse a atitude de Jesus em transformar água em vinho, para embebedar os convidados da festa de que participava. Vejamos o episódio: “No terceiro dia, houve uma festa de casamento em Caná da Galiléia, e a mãe de Jesus estava aí. Jesus também tinha sido convidado para essa festa de casamento, junto com seus discípulos. Faltou vinho e a mãe de Jesus lhe disse: 'Eles não têm mais vinho!' Jesus respondeu: 'Mulher, que existe entre nós? Minha hora ainda não chegou'. A mãe de Jesus disse aos que estavam servindo: 'Façam o que ele mandar'. Havia aí seis potes de pedra de uns cem litros cada um, que serviam para os ritos de purificação dos judeus. Jesus disse aos que serviam: 'Encham de água esses potes'. Eles encheram os potes até a boca. Depois Jesus disse: 'Agora tirem e levem ao mestre-sala'. Então levaram ao mestre-sala. Este provou a água transformada em vinho, sem saber de onde vinha. Os que serviam estavam sabendo, pois foram eles que tiraram a água. Então o mestre-sala chamou o noivo e disse: 'Todos servem primeiro o vinho bom e, quando os convidados estão bêbados, servem o pior. Você, porém, guardou o vinho bom até agora'. Foi assim, em Caná da Galiléia, que Jesus começou seus sinais. Ele manifestou a sua glória, e seus discípulos acreditaram nele”. (Jo 2,1-11). Mas qual é o verdadeiro sentido dessa passagem? Nós o encontraremos naquilo que a pessoa encarregada da festa disse para o noivo: “Todos servem primeiro o vinho bom e, quando os convidados estão bêbados, servem o pior. Você, porém, guardou o vinho bom até agora”. Considerando que, com esse primeiro ato público, Jesus inicia a sua missão, podemos dizer que o “vinho bom guardado até agora” são os ensinamentos de Jesus, superiores aos recebidos anteriormente, por meio de Moisés que seria simbolicamente o vinho de pior qualidade, até mesmo porque, e sem querer desmerecê-los, a humanidade daquela época não estava preparada para receber vinho (ensinamento) de melhor qualidade, se assim podemos nos expressar. Tudo o que já dissemos anteriormente sobre os ensinos de Jesus, vale para corroborar essa nossa opinião. Mas podemos ainda trazer como apoio a isso: “Em comparação com esta imensa glória, o esplendor do ministério da antiga aliança já não é mais nada” (2Cor 3,10). Provamos que Jesus não se restringiu a só revogar os rituais e sacrifícios como alguns pensam. Provamos também que não distorcemos as narrativas da Bíblia à nossa conveniência, de que tanto nos acusam. São elas, exatamente, que nos dão uma base sólida para afirmar com absoluta certeza que: 1 – O cumprimento da lei e dos profetas a que Jesus se refere no Evangelho é apenas com relação às profecias contidas nas Escrituras sobre Ele mesmo; 2 – Que somente tem que ser cumprido da Lei: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo. 3 – Que nunca disse para seguirmos toda a Lei, aqui entendida como todo o Pentateuco. Agora, podemos responder ao questionamento inicial: O Antigo Testamento foi revogado por Jesus? Sim; sem nenhuma sombra de dúvida. E é por isso que não nos sentimos na obrigação de cumprir nada do que consta nele, até mesmo para sermos coerentes com o que pensamos e por acreditar nessa fala de Jesus: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6). Por que Ele se colocou como sendo o caminho que conduz ao Pai e não a Moisés? É porque somente os seus ensinos é que devem ser seguidos. Esse é o entendimento a que chegamos. Entretanto, não há como obrigar ninguém a pensar como nós. A única coisa que pedimos é para que as pessoas deixem de se apegar em demasia aos velhos ensinamentos, como se eles fossem verdadeiros. A Terra já não é mais o centro do Universo, visto que o homem, percebendo a ignorância de tal afirmativa, finalmente, aceitou a voz da Ciência. Além de que, muitas coisas não foram mudadas pelas cúpulas religiosas, justamente para que elas conservassem, a todo custo, o domínio que têm sobre o povo e, também, para que pudessem mantêlo a todo custo. Ainda hoje encontramos as que buscam incutir a validade dos ensinamentos do Antigo Testamento não se dando conta de que “rompestes com Cristo, vós que buscais a justiça na Lei; caístes fora da graça” (Gl 5,4). Sabemos que não fazem isso por ignorância, mas por esperteza visando dominar seus “fiéis”, a fim de conseguir e manter o “poder” e o “dinheiro” na base do que podemos chamar de terrorismo religioso. Será que os profetas previram a vinda de Jesus? Faremos uma análise de várias passagens bíblicas tidas como profecias a respeito de Jesus, o Messias, considerado o enviado de Deus com a missão de libertar os judeus do domínio estrangeiro, povo esse que teria supremacia em relação aos demais. Primeiramente, cumpre-nos ressaltar que, por mais paradoxal que seja, cada uma das correntes religiosas tira da Bíblia aquilo que melhor lhe convém, principalmente, o que parece justificar seus dogmas, esquecendo-se que se, de fato, sua origem for uma só, ou seja, de Deus, não poderia haver divergências de interpretações. Veja, caro leitor, a questão das profecias a respeito de Jesus que se encontram mencionadas no Novo Testamento, cujo número, segundo o que pudemos levantar, chega a trinta. Entretanto, navegando pela Internet, visitamos um Site católico15 que nos apresenta uma lista de sessenta, enquanto que um protestante16 nos mostra apenas quinze. Se num ponto tão importante como esse os que se consideram os cristãos verdadeiros não se entendem, imagine quanto ao resto. E não custa lembrar que, até nos livros que compõem a Bíblia, essas correntes religiosas divergem, já que a dos católicos possui setenta e três livros, enquanto que a dos protestantes contém sessenta e seis. Se afirmam que sua origem é de total inspiração divina, como pode esta mensagem, provinda de uma mesma fonte, causar tantos desentendimentos e divergências entre as pessoas, quando, na verdade, deveria ser justamente o contrário, ou seja, deveria uni-las? Uma coisa que nos chama a atenção é o fato de que o povo da época, a quem todas estas profecias teriam sido dirigidas, não aceitou Jesus como sendo o Messias; daí estranharmos por conta de que as correntes religiosas ditas cristãs o têm nesse conceito. Ao que tudo indica, houve, nos evangelhos, uma preocupação, por parte de seus seguidores, de colocar Jesus como sendo o Messias esperado. Isso ocorre de forma mais evidente em Mateus. Por esse motivo, apoiar-se nos Evangelhos para sustentar essa hipótese não é uma boa alternativa. Não sabemos como encontraram tantas profecias; inclusive, diga-se de passagem, que muitas não são propriamente o que se pode chamar de profecia, já que são passagens relacionadas a fatos corriqueiros do diaa-dia das respectivas épocas, não sendo, portanto, uma previsão para um acontecimento futuro. Acreditamos que, no desenrolar desse estudo, iremos ressaltar algumas delas, a fim de que, você, leitor, possa ter elementos suficientes para tirar suas próprias conclusões. Analisaremos, nesse momento, apenas aquelas que, por coerência, deveriam ser consideradas como profecias, já que são citadas nos textos do Novo Testamento. As que foram acrescentadas pelo fanatismo cego, deixaremos para uma outra oportunidade. Tomaremos essas como base para nosso estudo que, conforme já falamos, são em número de trinta, ou seja, o dobro das que os protestantes consideram e apenas a metade das citadas pelos católicos. Para a identificação das profecias usamos a Bíblia Sagrada Ave Maria e para a transcrição dos textos a Bíblia Sagrada Pastoral. Mt 1,22-23: “Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: 'Vejam: a virgem conceberá, e dará à luz um filho. Ele será chamado Emanuel, que quer dizer: Deus está conosco'”. Profecia: Is 7,14: “Pois saibam que Javé lhes dará um sinal: A jovem concebeu e dará à luz um filho, e o chamará pelo nome de Emanuel”. Na análise dessa passagem, iremos perceber que ela não diz respeito a Jesus. Mas, antes, para uma melhor compreensão e para que não paire dúvida alguma, temos que realçar o início desse versículo, já que ele é quase sempre subtraído quando justificam suas interpretações: Pois saibam que Javé lhes dará um sinal. Ora, devemos concluir disso que Deus daria um sinal a alguém; mas, quem e por quê? Para saber as respostas, vamos recorrer às informações constantes da Bíblia, em nota de rodapé, sobre esse episódio. Diz lá: O reino do Norte (Efraim), cujo rei era Facéia, se aliou a Rason, rei de Aram, numa tentativa de se libertar do perigo assírio. Como o reino do Sul (Judá) não participou da coalizão entre o reino do Norte e Aram, estes dois temeram que Judá se tornasse aliado da Assíria; resolveram então atacar o reino do Sul, para destronar o rei Acaz e colocar no seu lugar o filho de Tabeel, rei de Tiro. Acaz teme o cerco e verifica a reserva de água da cidade. Isaías vai ao seu encontro e o tranqüiliza, mostrando que não haverá perigo, pois continua válida a promessa de que a dinastia de Davi será perene, desde que se coloque total confiança em Javé. O sinal prometido a Acaz é o seu próprio filho, do qual a rainha (a jovem) está grávida. Esse menino que está para nascer é o sinal de que Deus permanece no meio do seu povo (Emanuel = Deus conosco).17 (grifo nosso). Assim, pelo contexto bíblico e confirmado por essa nota, podemos observar que Deus promete um sinal ao rei Acaz e esse sinal é justamente o filho do rei que está por nascer. Fora disso é distorcer a interpretação do texto. Além de que o fato é próximo e não uma previsão para um acontecimento num futuro longínquo, já que querem atribuir essa profecia a Jesus. E mais, o nome Jesus significa “Deus é salvação”; obviamente, diferente de Emanuel que quer dizer “Deus está conosco”, que é o nome previsto na profecia, fato que o fanatismo cego não deixa muitos perceberem. E continuando. Na explicação do verbete Emanuel, lemos: É o nome dado por Isaías a uma futura criança cujo nascimento será, para o rei Acaz, o “sinal” da assistência divina (Is 7,14-17). A interpretação deste oráculo deve estar ligada ao significado do nome e ao alcance que terá na conjuntura daquele momento. O reino de Judá é ameaçado pelos sírios e efraimitas aliados, que querem acertar contas com a dinastia reinante, a mesma dinastia que se beneficia das promessas feitas a Davi. Em vez de recorrer a essas promessas, Acaz apela para a Assíria. Isaías condena este modo de agir e proclama: Deus está presente; ele está “conosco”. Qual será a criança cujo nascimento será portador de uma mensagem como esta? Como é ao rei, contemporâneo de Isaías, que o sinal será dado, o nascimento anunciado deve ocorrer proximamente. Será Ezequias – afirmase muitas vezes, e com boas razões. Mas esta criança é descrita numa linguagem poético-mítica, concretamente irrealizável. O oráculo abre portanto uma perspectiva que vai além do rei em questão. Graças a este oráculo, os crentes, insatisfeitos com os reis históricos, esperarão por uma personagem que finalmente satisfará a esperança deles. Mateus e os cristãos posteriores a ele reconhecem em Jesus aquele que realiza plenamente o anúncio de Isaías (Mt 1,23).18 (grifo nosso). Vê-se, portanto, que essa profecia realmente não se refere a Jesus, conforme ficou bem claro na explicação. Como não ficaram satisfeitos com Ezequias, a quem se referia esta profecia, foram postergando para uma outra época até que, finalmente, a encaixaram na pessoa de Jesus. Querem passar por cima do contexto histórico, atropelando os acontecimentos da época, para trazer para os dias de hoje aquilo que desejam que os outros acreditem piamente. Mas, é muito interessante ver como os segmentos religiosos tradicionais se divergem a respeito da interpretação das passagens bíblicas. Veja, por exemplo, o que dizem os protestantes a respeito dessa profecia de Isaías: O sinal divino para Acaz seria de que uma virgem (quando a profecia foi dada, referia-se provavelmente à mulher, na ocasião virgem, que Isaías tomaria como segunda esposa, 8:1-4) conceberia um filho, que não teria mais que 12 ou 14 anos antes de Israel e Síria serem capturadas pela Assíria.19 Aqui dizem que o filho é de Isaías, não do rei Acaz como é o que se pode retirar da passagem. Por fim, agem como os outros que sempre procuram, mesmo sob pena de serem incoerentes, relacionar determinadas passagens como uma profecia a respeito de Jesus, segundo podemos confirmar na seqüência dessa nota: A virgem da profecia de Isaías é um tipo de Virgem Maria, que, pelo Espírito Santo, concebeu milagrosamente a Jesus Cristo (veja Mt 1:23). A palavra hebraica aqui traduzida por virgem é encontrada também em Gn 24,43; Ex 2:8; Sl 68:25; Pv 30:19; Ct 1:3; 6:8, e em todas estas passagens significa uma jovem solteira e casta20. (grifo nosso). Só que aqui, nos deparamos com um problema. É a questão do significado da palavra hebraica almah, para a qual encontramos esta outra explicação: “O termo hebraico “almah” designa, quer a donzela, quer uma jovem casada recentemente, sem explicitar mais”21. Assim, se evidencia que é muito difícil estudar a Bíblia usando somente uma tradução, pouco importando qual seja a denominação religiosa que a tenha editado. Devemos ler várias, para ver se conseguimos entender os textos como eles são e não como querem que os entendamos. Mt 2,5-6: “Eles responderam: 'Em Belém, na Judéia, porque assim está escrito por meio do profeta: ‘E você, Belém, terra de Judá, não é de modo algum a menor entre as principais cidades de Judá, porque de você sairá um Chefe, que vai apascentar Israel, meu povo’”. Profecia: Mq 5,1: “Mas você, Belém de Éfrata, tão pequena entre as principais cidades de Judá! É de você que sairá para mim aquele que há de ser o chefe de Israel. A origem dele é antiga, desde tempos remotos”. Nesta segunda profecia, perceberemos que, simplesmente, pegaram parte de um texto, que, fora do seu contexto, se aplica muito bem aos seus propósitos, mas cuja realidade é completamente outra. Para elucidar essa questão, vejamos a seqüência da passagem: “Pois Deus os entrega só até que a mãe dê à luz, e o resto dos irmãos volte aos israelitas. De pé, ele governará com a própria força de Javé, com a majestade e o nome de Javé, seu Deus. E habitarão tranqüilos, pois ele estenderá o seu poder até as extremidades da terra. Ele próprio será a paz. Se a Assíria invadir o nosso território e quiser pisar o interior de nossos palácios, poremos em luta contra eles sete pastores e oito comandantes. Eles vão governar a Assíria com espada, a terra de Nemrod com punhal. Ele nos livrará da Assíria, se invadirem o nosso território, se atravessarem nossas fronteiras” (Mq 5,2-5). A pessoa de quem Miquéias está falando é a que livrará o povo hebreu da Assíria. Nas pesquisas que fizemos, não conseguimos estabelecer com precisão quem era. O mais provável é que seja Ezequias, filho do rei Acaz, Rei de Judá (721-693 a.C.), já que a profecia anterior, conforme pudemos constatar, se refere a ele. A Revista Superinteressante traz um artigo esclarecedor intitulado “Quem foi Jesus?”, assinado por Rodrigo Cavalcante, do qual ressaltamos: (...) E o segundo problema, ainda mais grave, é que provavelmente Jesus não nasceu em Belém. “Há quase um consenso entre os historiadores de que Jesus nasceu em Nazaré”, diz o padre Jaldemir Vitório, do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, em Belo Horizonte. Então por que o evangelho de Mateus diz que o nascimento foi em Belém? Vitório explica que o texto segue o gênero literário conhecido por midrash. Basicamente, o midrash é uma forma de contar a história da vida de alguém usando como pano de fundo a biografia de outras personalidades históricas. No caso de Jesus, ele explica, a referência a Belém é feita para associá-lo ao rei Davi do Antigo Testamento – que, segundo a tradição, teria nascido lá. (CAVALCANTE, 2002, p. 43) (grifo nosso). Não há como contestar os dados da história; não é mesmo? Mt 2,14-15: “José levantou-se de noite, pegou o menino e a mãe dele, e partiu para o Egito. Aí ficou até a morte de Herodes, para se cumprir o que o Senhor havia dito por meio do profeta: 'Do Egito chamei o meu filho'”. Profecia: Os 11,1: “Quando Israel era menino, eu o amei. Do Egito chamei o meu filho;”. A explicação é que “Oséias compara a relação entre Deus e Israel como a relação que existe entre pai e filho”22. (grifo nosso). Veja como a passagem deixa isso bem claro. Trata-se, portanto, da libertação do povo judeu (chamado de Israel), quando Deus, através do profeta Moisés, tira esse povo da subjugação dos egípcios. E para confirmar isso, vejamos, em seqüência, os versículos 2 a 11: “E no entanto, quanto mais eu chamava, mais eles se afastavam de mim: ofereciam sacrifícios aos baais, queimavam incenso aos ídolos. E não há dúvida, fui eu que ensinei Efraim a andar, segurando-o pela mão. Mas eles não perceberam que era eu quem cuidava deles. Eu os atraí com laços de bondade, com cordas de amor. Fazia com eles como quem levanta até seu rosto uma criança; para dar-lhes de comer, eu me abaixava até eles. Voltarão para a terra do Egito, a Assíria será o seu rei, porque não quiseram converter-se. A espada devastará suas cidades, exterminará seus filhos e demolirá suas fortalezas. O meu povo é difícil de se converter: é chamado a olhar para o alto, mas ninguém levanta os olhos. Como poderia eu abandoná-lo, Efraim? Como haveria de entregar você a outros, Israel? Será que eu poderia tratá-lo como a Adama? Eu poderia tratá-lo como a Seboim? O meu coração salta no meu peito, as minhas entranhas se comovem dentro de mim. Não me deixarei levar pelo ardor da minha ira, não vou destruir Efraim. Eu sou Deus, e não um homem. Eu sou o Santo no meio de você, e não um inimigo devastador. Eles seguirão a Javé. E Javé rugirá como um leão. E quando ele rugir; eles virão voando como pássaros; como pombos, eles virão do país da Assíria. Então eu os farei morar nas suas próprias casas – oráculo de Javé”. Na narrativa, que acabamos de colocar, a fala está sendo dirigida ao povo de Israel, não resta a menor dúvida. O que consta do versículo 1, fora deste contexto, modifica completamente o sentido que se deve dar à expressão “meu filho”; mas a citação do texto isolado parece ter sido de propósito, para se dar a idéia de que é a respeito de Jesus que se fala, já que esse era o objetivo que buscavam atingir. Mt 2,16-18: “Quando Herodes percebeu que os magos o haviam enganado, ficou furioso. Mandou matar todos os meninos de Belém e de todo o território ao redor, de dois anos para baixo, calculando a idade pelo que tinha averiguado dos magos. Então se cumpriu o que fora dito pelo profeta Jeremias: 'Ouviu-se um grito em Ramá, choro e grande lamento: é Raquel que chora seus filhos, e não quer ser consolada, porque eles não existiam mais'”. Profecia: Jr 31,15: “Assim diz Javé: Escutem! Ouvem-se gemidos e pranto amargo em Ramá: é Raquel que chora inconsolável por seus filhos que já não existem mais”. Pelo contexto, o fato relacionado à passagem de Jeremias é: “Raquel: mãe de Benjamim e, por José, avó de Efraim e Manasses. Chora os homens dessas três tribos levadas para o exílio”, mas continuando a explicação dizem: “Este trecho é citado em Mat 2,18 por acomodação à dor das mulheres, cujos filhos Herodes massacrara” 23. Observe bem que na expressão “por acomodação” já se denuncia que não é o sentido original do texto. Trata-se aqui do exílio na Babilônia, que o povo hebreu está vivendo. Este era o motivo do choro de Raquel; portanto, nada tem a ver com uma profecia a respeito da morte das crianças no tempo de Jesus. Mt 2,22-23: “... Por isso, depois de receber aviso em sonho, José partiu para a região da Galiléia, e foi morar numa cidade chamada Nazaré. Isso aconteceu para se cumprir o que foi dito pelos profetas: 'Ele será chamado Nazareno'”. Profecia: Esta profecia não existe. A que ponto chegaram: citar uma profecia que não existe, comprovando que o fanatismo religioso é de longa data. Nota-se, como já falamos anteriormente, a nítida preocupação de citar inúmeras profecias na tentativa de identificar Jesus como o Messias. O problema é que conseguem atingir o objetivo, pois a maioria das pessoas justifica a veracidade da Bíblia justamente usando do argumento do cumprimento das profecias. Infelizmente poucos são habituados a conferir e/ou questionar; entretanto, essa é a única forma de se conseguir descobrir a verdade. Mt 4,13-16: “Deixou Nazaré, e foi morar em Cafarnaum, que fica às margens do mar da Galiléia, nos confins de Zabulon e Neftali, para se cumprir o que foi dito pelo profeta Isaías: 'Terra de Zabulon, terra de Neftali, caminho do mar, região do outro lado do rio Jordão, Galiléia dos que não são judeus! O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz; e uma luz brilhou para os que viviam na região escura da morte'”. Profecia: Is 9,1: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, e uma luz brilhou para os que habitavam um país tenebroso”. Em nota explicativa referente às passagens de Isaías 8,23b-9.6, encontramos: Em 732 a.C., o rei da Assíria toma os territórios da Galiléia e adjacências, incluindo Zabulon e Neftali. O povo do Reino do Sul teme o avanço assírio, mas o profeta mostra que Javé libertará os oprimidos e trará a paz. O que leva Isaías a essa luminosa esperança é o nascimento do Emanuel (cf. 7,14), que é Ezequias, o filho herdeiro de Acaz. O profeta prevê um chefe sábio, fiel a Deus, duradouro e pacífico; ele perpetuará a dinastia de Davi, estendendo o reinado deste até às regiões agora dominadas pela Assíria e organizando uma sociedade fundada no direito e na justiça. 24 Assim, refere-se, como já deduzimos um pouco atrás, a uma outra pessoa, não a Jesus; trata-se do filho de Acaz chamado Ezequias. Ao citar Isaías (9,1), não houve nenhuma preocupação em se analisar o contexto da frase, pois fazer isso é fundamental para o entendimento dela. Assim, vamos complementar com os versículos de 2 a 6. Só que agora, iremos recorrer à Bíblia Barsa, cujos versículos correspondentes são os números 3 a 7, por termos nela uma narrativa mais clara dos fatos ocorridos àquele momento. Vamos à narrativa: “Multiplicaste a gente, não aumentaste a alegria. Eles se alegrarão quando tu lhes apareceres, bem como os que se alegram no tempo da messe, bem como exultam os vencedores com a presa que tomaram, quando repartem os despojos. Porque tu quebraste o jugo do peso que o oprimia, e a vara que lhe rasgava as espáduas, e o ceptro do exator, como o fizeste na jornada de Madian. Porque todo o violento saque feito com tumulto e a vestidura manchada de sangue, será entregue à queima, e ficará sendo o pasto do fogo. Porquanto já UM PEQUENO se acha NASCIDO para nós, e um filho nos foi dado a nós, e foi posto o principado sobre o seu ombro: e o nome com que se apelide será admirável, conselheiro, Deus forte, pai do futuro século, príncipe da paz. O seu império se estenderá cada vez mais, e a paz não terá fim: assentar-se-á sobre o trono de Davi, e sobre o seu reino: para firmar e fortalecer em juízo e justiça, desde então e para sempre. Fará isso o zelo do Senhor dos exércitos”. 25 (grifo do original). Chamamos a sua atenção, caro leitor, para a expressão “porquanto já um pequeno se acha nascido”, que evidencia tudo o que já temos dito anteriormente, no que se refere ao fato de que essa passagem não diz respeito mesmo a Jesus, porém de uma outra pessoa, já nascida na época, conforme a narração. Ora, se já se achava nascida, não se trata de profecia, mas, sim, de confirmação de um fato já ocorrido. Com relação aos títulos: “admirável conselheiro, Deus forte, Pai do futuro século, Príncipe da Paz”, encontramos a seguinte explicação: “Os quatro títulos aqui empregados imitam o protocolo egípcio lido durante a coroação do novo Faraó. Trata-se, pois, de um rei ideal que é aqui anunciado. O texto refere-se, provavelmente, ainda ao mesmo Emanuel prometido em Is 7,14”. 26 Explicação que vem também reforçar que não se trata de Jesus. Mt 8,16-17: “À tarde, levaram a Jesus muitas pessoas que estavam possuídas pelo demônio. Jesus, com a sua palavra, expulsou os espíritos e curou todos os doentes, para que se cumprisse o que fora dito pelo profeta Isaías: 'Ele tomou as nossas enfermidades e carregou as nossas doenças'”. Profecia: Is 53,4: “Todavia, eram as nossas doenças que ele carregava, eram as nossas dores que ele levava em suas costas”. Os versículos compreendidos entre Isaías 52,13–53,12, ou seja, do versículo 13 do capítulo 52 ao versículo 12 do capítulo 53, são explicados da seguinte forma: Apresentam o Servo sofrendo vicariamente pelos pecados dos homens. A interpretação judaica tradicional entende a passagem como uma referência ao Messias, como, é claro, fizeram os primeiros cristãos, que criam ser Jesus o referido Messias (At. 8,35). Não foi senão no século XII que surgiu a opinião de que o Servo aqui se refere à nação de Israel, opinião que se tornou dominante no Judaísmo. O Servo, todavia, é distinto do “meu povo” (53,8), e é uma vítima inocente, algo que não se podia dizer da nação (53,9)”.27 Interessante que querem, de todas as maneiras, desvirtuar o texto para aplicá-lo a Jesus, quando, em verdade, se refere especificamente à nação de Israel. Também encontramos: Os capítulos 40-55 foram escritos por profeta anônimo, na época do exílio na Babilônia, apresentando uma mensagem de esperança e consolação. Esse profeta é comumente chamado Segundo Isaías. O fim do exílio é visto como um novo êxodo e, como no primeiro, Javé será o condutor e a garantia dessa nova libertação. O povo de Deus, convertido, mas oprimido, é denominado “Servo de Javé”. 28 (grifo nosso). Veja que até divergem quanto à questão da palavra “Servo”. Essa divergência se torna ainda mais inexplicável, pois ambas as Bíblias que foram consultadas, segundo dizem, são a “palavra de Deus” e de “tradução diretamente dos originais”. Já que falamos em Servo, e como este termo será utilizado outras vezes, vamos ver nas explicações dadas sobre o Livro de Isaías o seguinte: Merecem destaque os “Cânticos do Servo de Deus” (42,1-4; 49,1-6; 50,4-9a; 52,13-53,12). Neles se descreve a vocação do Servo, sua missão de pregador, sua função mediadora da salvação para os homens e, especialmente, o caráter expiatório de seus sofrimentos e de sua morte. O Servo às vezes parece ser Israel como povo, ou enquanto elite; outras vezes um indivíduo, talvez o profeta dos poemas, o rei Ciro, o rei Joaquim ou outro personagem qualquer.29 Bom, aqui assumem não saberem exatamente a que se refere a palavra Servo; mas, apesar disso, continuam: “Seja como for, o Novo Testamento viu no Servo sofredor o tipo por excelência dos sofrimentos e da morte redentora de Cristo”. Ora, ver “ser um tipo” não quer dizer que a profecia seja exatamente a respeito de Jesus. E mais, o Novo Testamento não vê nada, quem viu foram alguns dos autores do Novo Testamento ou, quem sabe, foram colocadas umas palavrinhas aqui, outras ali, como sendo desses autores, conforme o interesse. Quanto a Ciro, que sabemos ter sido o rei da Pérsia, podemos ver que, em Is 44,28, ele é colocado como pastor do rebanho de Deus, e mais especificamente em Is 45,1, está como ungido de Deus que, para melhor destaque, grifamos: “Eis aqui o que diz o Senhor a Ciro meu cristo, a quem tomei pela destra para lhe sujeitar ante a sua face as gentes, e fazer voltar as costas aos reis, e abrir diante dele as portas, e estas mesmas portas não se fecharão”. (texto da Bíblia Barsa). Especificamente quanto ao capítulo 53 do livro de Isaías, deverá ser, mais à frente, objeto de várias citações, para as quais servem as explicações que estamos colocando aqui. Mt 12,15-21: “Jesus soube disso, e foi embora desse lugar. Numerosas multidões o seguiram, e ele curou a todos. Jesus ordenou que não dissessem quem ele era. Isso aconteceu para se cumprir o que foi dito pelo profeta Isaías: 'Eis aqui o meu servo, que escolhi; o meu amado, no qual minha alma se compraz. Colocarei sobre ele o meu Espírito, e ele anunciará o julgamento às nações. Não discutirá, nem gritará, e ninguém ouvirá a sua voz nas praças. Não esmagará a cana quebrada, nem apagará o pavio que ainda fumega, até que leve o julgamento à vitória. E em seu nome as nações depositarão a sua esperança'”. Profecia: Is 42,1-4: “Vejam o meu servo, a quem eu sustento: ele é o meu escolhido, nele tenho o meu agrado. Eu coloquei sobre ele o meu espírito, para que promova o direito entre as nações. Ele não gritará nem clamará, nem fará ouvir a sua voz na praça. Não quebrará a cana que já está rachada, nem apagará o pavio que está para se apagar. Promoverá fielmente o direito: não desanimará, nem se abaterá, até implantar o direito na terra e a lei que as ilhas esperam”. Muitos se prendem à expressão “meu servo”, como aplicação exclusiva a Jesus; entretanto podemos ver que várias outras personagens bíblicas também foram chamadas de meu servo como, por exemplo: Abraão (Gn 26,24), Moisés (Nm 12,7), Caleb (Nm 14,24), Davi (2Sm 3,18), Naamã (2Rs 5,6), Eliacim (Is 22,20), Nabucodonosor, rei da Babilônia (Jr 25,9), Zorobabel (Ag 2,23), Jacó (Ez 37,25) e, finalmente, Jó (Jó 1,8). Notemos que a expressão “meu servo”, conforme já falamos, também é atribuída ao próprio povo de Israel. Em uma nota sobre esta passagem explicam: É o primeiro “cântico do Servo de Javé”. Quem é esse Servo? De início, provavelmente, uma pessoa; depois essa pessoa foi tomada como figura coletiva, sendo aplicado a todo o povo pobre e fiel. O Servo é a grande novidade que Javé prepara: o missionário escolhido que, graças ao Espírito de Javé, recebe a missão de fazer que surja uma sociedade conforme a justiça e o direito. Ele não submeterá os fracos ao seu domínio, mas o seu agir acabará produzindo uma transformação radical: os cegos enxergarão e os presos serão libertos Os evangelhos aplicam a Jesus a figura do Servo (cfe. Mt. 3,17 e paralelos; 12,17-21; 17,5) 30. Falando-se a respeito do livro de Isaías, colocam: No livro estão inseridas quatro peças líricas, os “cânticos do Servo” (42,1-4 [5-9]); 49,1-6; 50,4-9 [10-11]; 52,13-53,12). Eles apresentam um perfeito servo de Iahweh, que reúne o seu povo e é a luz das nações, que prega a verdadeira fé, expia por sua morte os pecados do povo e é glorificado por Deus. Essas passagens estão incluídas entre as mais estudadas do Antigo Testamento, e não existe acordo nem quanto à sua origem nem quanto ao seu significado. A atribuição dos três primeiros cânticos ao Segundo Isaías é muito verossímil; é possível que o quarto seja obra de um dos seus discípulos. A identificação do Servo é muito discutida. Muitas vezes se tem visto nele uma figura da comunidade de Israel, à qual outras passagens do Segundo Isaías dão, de fato, o título de “servo”. Mas os traços individuais são marcados demais e é por isso que outros exegetas, que formam atualmente a maioria, reconhecem no Servo uma personagem histórica do passado ou do presente; nesta perspectiva, a opinião mais atraente é a que identifica o Servo com o próprio Segundo Isaías; o quarto cântico teria sido apresentado após sua morte. Combinaram-se assim as duas interpretações, considerando o Servo como um indivíduo que incorporava os destinos de seu povo. Seja como for, uma interpretação que se limitasse ao passado ou ao presente não explicaria suficiente os textos. O Servo é o mediador da salvação messiânica, que uma parte da tradição judaica, dava destas passagens, afora o aspecto sofrimento.31 (grifo nosso). Apesar de sempre reconhecerem que a expressão o “Servo” se aplica ao povo de Israel, sempre apresentam um “porém”. Realmente, algumas vezes, é usado para um indivíduo, conforme já demonstramos; entretanto, não se trata de Jesus, mas de alguém da época que viria libertá-los. Mt 13,13-15: “Eis por que vos falo em parábolas: Para que vendo, não vejam, e ouvindo, não ouçam nem compreendam. Assim se cumpre para eles o que foi dito pelo profeta Isaías: 'Ouvireis com vossos ouvidos e não entendereis, olhareis com os vossos olhos e não vereis, porque o coração deste povo se endureceu: taparam os seus ouvidos, e fecharam os seus olhos para que seus olhos não vejam, e seus ouvidos não ouçam, nem seu coração compreenda; para que não se convertam e eu os sare'”. Profecia: Is 6,8-10: “Em seguida ouvi a voz do Senhor que dizia: 'Quem hei de enviar? Quem irá por nós?', ao que respondi: 'Eis-me aqui, enviame a mim'. Ele me disse: 'Vai e dize a este povo: Podereis ouvir certamente, mas não entendereis; podereis ver certamente, mas não compreendereis. Embora o coração deste povo, torna-lhe pesados os ouvidos, tapa-lhe os olhos, para que não veja com os olhos, não ouça com os ouvidos, seu coração não compreenda, não se converta e não seja curado'”. Essa passagem de Isaías se refere a ele mesmo, no início de sua vocação profética, conforme podemos comprovar em: A prontidão de Isaías lembra a fé de Abraão (Gn 12,1-4) e contrasta com as hesitações de Moisés (Ex 4,10-12) e sobretudo de Jeremias (Jr 1,6). A pregação do profeta embaterá na incompreensão de seus ouvidos. Os imperativos aqui usados não devem causar ilusão, equivalem a indicações (cf. 29,9): Deus não quer essa incompreensão, ele a prevê, ela serve aos seus desígnios. Ela desvela o pecado do coração e precipita o julgamento; comparar com o endurecimento do faraó (Ex 4,21; 7,3 etc.)32. Mt 13,34-35: “Tudo isso Jesus falava em parábolas às multidões. Nada lhes falava sem usar parábolas, para se cumprir o que foi dito pelo profeta: 'Abrirei a boca para usar parábolas; vou proclamar coisas escondidas desde a criação do mundo'”. Profecia: Sl 77,2: “Abrirei os lábios, pronunciarei sentenças, desvendarei os mistérios das origens”. No Salmo 77 (78), se relata: “Asafe recorda a história antiga da nação para advertir as gerações futuras contra a repetição da infidelidade. Ele convida (vv. 1-11) o povo a recordar sua provação de Deus no deserto (vv. 12-39), sua ingratidão durante o Êxodo (vv. 40-5), e a sua infidelidade durante o período dos juízes (vv. 56-72)”33. Outra vez encontramos uma aplicação fora do contexto, já que dizem que essa frase se refere a uma profecia. Ora, nem mesmo disso o texto trata. Vejamos, agora, a explicação dada para os versículos 1 e 2: A história é instrução que ensina o povo a viver. Não é, porém, instrução direta. De fato, os acontecimentos são parábolas, que exigem participação para se captar o sentido delas. Tal sentido faz a história um enigma: é preciso ter a chave da fé para perceber que a história é o processo através do qual Deus age, levando o povo para a liberdade e a vida34. Assim, fica claro que não se trata de uma profecia. E a título de curiosidade, vejamos como o versículo 2 é colocado nas Bíblias: Ave Maria: “Abrirei os lábios, pronunciarei sentenças, desvendarei os mistérios das origens”. Pastoral: “Vou abrir minha boca em parábolas, vou expor enigmas do passado”. Vozes: “Vou abrir a boca para um provérbio e enunciar enigmas de tempos idos”. “Pronunciarei sentenças”, “parábolas” e “provérbio” não são palavras de mesmo sentido, ou seja, sinônimas, uma vez que cada uma tem um sentido próprio. Mt 17,5: “Pedro ainda estava falando, quando uma nuvem luminosa os cobriu com sua sombra, e da nuvem saiu uma voz que dizia: 'Este é o meu Filho amado, que muito me agrada. Escutem o que ele diz'”. Profecia: Is 42,1: “Vejam o meu servo, a quem eu sustento: ele é o meu escolhido, nele tenho o meu agrado”. Novamente o capítulo 42 está sendo usado fora do contexto, embora poucos exegetas considerem esse passo de Mateus como uma profecia. Em qualquer passagem bíblica que pegarmos e tirarmos uma frase isolada do contexto, ela se aplicará ao que for do nosso interesse; não é mesmo? Mt 21,1-5: “... Então Jesus enviou dois discípulos, dizendo: 'Vão até o povoado, que está na frente de vocês. E logo vão encontrar uma jumenta amarrada, e um jumentinho com ela. Desamarrem, e tragam os dois para mim. Se alguém lhes falar alguma coisa, vocês dirão: ‘O Senhor precisa deles, mas logo os mandará de volta’'. Isso aconteceu para se cumprir o que foi dito pelo profeta; 'Digam à filha de Sião: eis que o seu rei está chegando até você. Ele é manso e está montado num jumento, num jumentinho, cria de um animal de carga'”. Profecia: Zc 9,9: “Dance de alegria, cidade de Sião; grite de alegria, cidade de Jerusalém, pois agora o seu rei está chegando, justo e vitorioso. Ele é pobre, vem montado num jumento, num jumentinho, filho de uma jumenta”. A seqüência no versículo 10 nos dirá a quem se refere esta passagem; vejamos: “Ele destruirá os carros de guerra de Efraim e os cavalos de Jerusalém; quebrará o arco de guerra. Anunciará paz a todas as nações, e seu domínio irá de mar a mar, do rio Eufrates até os confins da terra”. Mas, quem seria esse guerreiro que destruirá os carros de guerra? A nossa resposta é Alexandre Magno. Nesta época, ele marcha pela Síria, depois pela Fenícia, e finalmente pela Filistia. Assim, pelos acontecimentos, não se trata de profecia a respeito de Jesus. Como já dissemos, e agora reafirmamos, qualquer texto que pegarmos, poderemos aplicar ao que quisermos. Mt 21,42: “Então Jesus disse a eles: 'Vocês nunca leram na Escritura: ‘A pedra que os construtores deixaram de lado tornou-se a pedra mais importante; isso foi feito pelo Senhor, e é admirável aos nossos olhos?'”. Profecia: Sl 118,22-23: “A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular. Isso vem de Javé, e é maravilha aos nossos olhos”. A explicação que encontramos para este Salmo é que: A pedra...: diretamente é o povo israelita que foi rejeitado pelos construtores de impérios como indigna de seus planos grandiosos, mas foi por Deus escolhida para pedra angular do reino messiânico. Israel é aqui um tipo do Cristo, que, em sentido mais perfeito, afirmou ser a pedra angular 35. A pedra angular, portanto, é o povo de Israel. Alguma dúvida? Então, podemos acrescentar, para esclarecer essa questão: Canto solene de ação de graças, recitado alternadamente por um solista e pelo coro, durante a procissão ao templo para comemorar festivamente o dia da vitória de Deus sobre os inimigos de seu povo, libertado de um grande perigo nacional. Chegando à porta do santuário, a comitiva pede entrada, só franqueada aos justos, que conformam sua vida às exigências da lei divina. O motivo da exultação dos fiéis no templo é o amor de Deus, manifestado na eleição de Israel dentre todos os povos, para ser pedra angular no edifício da salvação da humanidade. Os construtores do edifício da história humana excluíam dos conchavos da política internacional um povo tão insignificante como Israel, o qual, porém, seguindo os desígnios de Deus, ocupa o lugar central na vida espiritual dos povos, por ser a chave do processo de estabelecer o reino de Deus na terra e o veículo de transmissão dos desígnios salvíficos de Deus na história36. Esse texto não deixa nenhuma dúvida sobre quem era a pedra angular. Mt 26,31: “Então Jesus disse aos discípulos: 'Esta noite vocês todos vão ficar desorientados por minha causa, porque a Escritura diz: ‘Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho se dispersarão’”. Profecia: Zc 13,7: “Espada, desperte contra o meu pastor e contra o homem da minha parentela – oráculo de Javé dos exércitos. Fira o pastor, para que as ovelhas se dispersem, pois vou virar a minha mão contra os pequenos”. Para um melhor entendimento desta passagem, iremos juntar várias notas, tiradas da mesma fonte, que explicam muito bem o que está ocorrendo. Vejamos: O primeiro ato exigido para reunificação é reconhecer Javé como único absoluto (olharão para mim). Em seguida, reconhecer os pecados da idolatria cometidos. O ‘transpassado’, aqui, designa o próprio povo que, por seus pecados, sofreu a punição do exílio. O processo de purificação não é simplesmente um ato; é uma atitude, um processo contínuo, que exige a refontização da própria vida em Deus (fonte). O processo é doloroso (espada – v. 7 – e fogo – v. 9). Espada: os judeus deixaram de ter um rei (pastor) depois da destruição de Jerusalém, e o povo mais pobre, sem um ponto de união, se dispersou pelo país. Fogo: é o exílio na Babilônia, onde foi testada a fidelidade de Israel37. Mais uma vez, nós percebemos que se fala do povo de Israel; não é de uma pessoa específica; portanto não se poderia aplicá-la a Jesus. Mas, se fazem questão de “descobrir” o cumprimento de profecias, vamos ver o versículo 8 de Zacarias, que é a seqüência do versículo citado: “E acontecerá em toda a terra – oráculo de Javé – que dois terços serão eliminados e somente um terço restará. Farei essa terça parte passar pelo fogo, para apurá-la como se apura a prata, para prová-la como se prova o ouro”. Quando foi que isso aconteceu? Ou, se não aconteceu, quando será que isso acontecerá? Veja: Deus eliminando dois terços da humanidade e só salvando um terço; seria uma atitude justa? Um pai de misericórdia agiria assim para com seus filhos? Mt 26,55-56: “E nessa hora, Jesus disse às multidões: 'Vocês saíram com espadas e paus para me prender, como se eu fosse um bandido'. Todos os dias, no Templo, eu me sentava para ensinar, e vocês não me prenderam. Porém, tudo isso aconteceu para se cumprir o que os profetas escreveram”. Profecia: Não especificada. Não foi informada a qual profecia se refere essa passagem. Não encontraram nada que pudesse se enquadrar nela. Sabe por que, caro leitor? É porque ela não existe. Mt 27,6-9: “Recolhendo as moedas, os chefes dos sacerdotes disseram: 'É contra a Lei colocá-las no tesouro do Templo, porque é preço de sangue'. Então discutiram em conselho, e as deram em troca pelo Campo do Oleiro, para aí fazer o cemitério dos estrangeiros. É por isso que esse campo até hoje é chamado de 'Campo de Sangue'. Assim se cumpriu o que tinha dito o profeta Jeremias: 'Eles pegaram as trinta moedas de prata – preço com que os israelitas o avaliaram – e as deram em troca pelo Campo do Oleiro, conforme o Senhor me ordenou'”. Profecia: Não se encontra nada igual nem parecido em Jeremias. Encontramos a seguinte explicação para esse fato: Estas palavras são encontradas em Zc 11:12-13, com alusões a Jr 18:1-4 e 19:1-3. Foram atribuídas a Jeremias pois, no tempo de Jesus, os livros dos profetas eram iniciados com Jeremias, não com Isaías como hoje, e a citação é identificada pelo primeiro livro do volume, e não pelo nome do livro específico do seu autor. 38 Vejamos então o que se pode encontrar em Zc 11,12-13: Então eu disse: “Se estão de acordo, façam o meu pagamento; se não, deixem”. Então eles pesaram o dinheiro do meu pagamento: trinta siclos de prata. E Javé me disse: “Envie ao fundidor este preço fabuloso com que fui avaliado por eles...”. Mas, como explicação para essa passagem de Zacarias lemos: “Por ter o povo rejeitado o ministério do bom pastor, ele pediu por seu salário o preço de um simples escravo. Zacarias representava o papel do Messias futuro”39. Vejamos a seguinte nota: Um governador tem direito a ordenado (cf. Ne 5,15). Aqui o ordenado pago alegoricamente pelas classes dirigentes ao profeta (representando Iahweh) é irrisório, o preço de um escravo. Em resumo, zombam de Iahweh! Mt. 27,3-10, aplicou os vv. 12-13 a Cristo, do qual o profeta, tomando o lugar de Iahweh desprezado, aparece aqui como o “tipo” 40. Todavia, ainda temos que completar essa nota; para isso, vamos à nota que consta de Mateus: Om. (omissão): ‘Jeremias’. Trata-se, de fato, de uma citação livre de Zc 11,12-13, combinada com a idéia da compra de um campo sugerida por Jr 32,6-15. Isso juntamente com o fato de que Jeremias fala em oleiros (18,2s), que se encontravam na região de Hacéldama (19,1s), explica que todo o texto podia ser-lhe atribuído por aproximação.41 Percebemos que a realidade é bem diferente, já que não se trata de uma profecia, mas de um fato ocorrido, em que: Zacarias falando em nome de Deus pergunta se ainda querem que Ele continue a governá-los, se sim, que Lhe dêem o salário devido ao governador. As trinta moedas eram um preço irrisório, mais de zombaria do que de recompensa, pois eram a indenização que a lei estabelecia que se pagasse ao dono de um escravo que alguém tivesse morto.42 Entretanto, chega-se a misturar duas passagens bíblicas para tentar justificar uma suposta profecia. Mt 27,35: E, havendo-o crucificado, repartiram as suas vestes, lançando sortes, para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta: Repartiram entre si as minhas vestes, e sobre a minha túnica lançaram sortes. Profecia: Sl 22,19: Entre si repartem minhas vestes, e sorteiam a minha túnica. A título de curiosidade, informamos que o trecho sublinhado, na citação de Mateus, não existe em algumas Bíblias. Aí perguntamos: Como podem ser todas verdadeiras, se divergem entre si? Encontramos como explicação para o Salmo 22, cujo autor é o profeta Davi, o seguinte: Este Salmo é uma das expressões mais profundas do sofrimento, nas orações bíblicas. É composto de duas partes: lamentação individual (2.22) e cântico de ação de graças (23.32). O salmista, abandonado e solitário em sua dor, privado da presença divina, apela ao Deus da santidade, lembrando-lhe as promessas relativas aos justos. Depois de relatar seus sofrimentos morais e espirituais, alude, em sucessão trágica, às dores físicas, aos tormentos corporais e ao terror da morte. Do extremo da dor passa à certeza da esperança: a salvação está assegurada e já está próxima, tanto assim que já pode convidar a comunidade dos fiéis a unirse a ele no louvor a Deus, cujo desígnio de salvação se estende ao mundo inteiro e às gerações futuras43. Qual a conclusão que podemos tirar disso? É que todo o Salmo 22 se refere a Davi, que lamenta a sua própria sorte, não sendo, portanto uma profecia. Veja que, até aqui, muitas passagens que são tidas como profecias, na verdade não o são; são apenas fatos ou acontecimentos localizados, ou daquela época; nada mais que isso. Devemos ressaltar também que, segundo Mateus e Marcos, Jesus citando esse Salmo disse: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Sl 22,2). Não sabemos se são realmente palavras pronunciadas por Jesus ou se O fizeram falar isso, já que percebemos a nítida preocupação em identificá-lo como um Messias, objeto de várias profecias. Mc 15,27-28: “Com ele crucificaram dois bandidos, um à direita e outro à esquerda. Desse modo cumpriu-se a Escritura que diz: 'Ele foi incluído entre os fora-da-lei'”. Profecia: Is 53,12: “Pois isso eu lhe darei multidões como propriedade, e com os poderosos repartirá o despojo: porque entregou seu pescoço à morte e foi contado entre os pecadores, ele carregou os pecados de muitos e intercedeu pelos pecadores”. Quanto ao capítulo 53 de Isaías, já tivemos oportunidade de falar anteriormente; não cabe aqui nenhuma nova observação. Lc 4,16-21: “Jesus foi à cidade de Nazaré, onde se havia criado. Conforme seu costume, no sábado entrou na sinagoga, e levantou-se para fazer a leitura. Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus encontrou a passagem onde está escrito: 'O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor'. Em seguida Jesus fechou o livro, o entregou na mão do ajudante, e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. Então Jesus começou a dizer-lhes: 'Hoje se cumpriu essa passagem da Escritura, que vocês acabaram de ouvir'”. Profecia: Is 61,1-2: “O Espírito do Senhor Javé está sobre mim, porque Javé me ungiu. Ele me enviou para dar a boa notícia aos pobres, para curar os corações feridos, para proclamar a libertação dos escravos e pôr em liberdade os prisioneiros, para promulgar o ano da graça de Javé, o dia da vingança do nosso Deus, e para consolar todos os aflitos, os aflitos de Sião”. Em consulta, no Novo Testamento, vemos que dos dois discípulos diretos de Jesus, Mateus e João, somente o primeiro fala desse acontecimento, mas nada fala sobre a leitura do livro de Isaías. Marcos e Lucas, que não foram discípulos, como sabemos, compuseram suas narrativas por pesquisas ou informações obtidas de outras pessoas e, quem sabe, de textos já existentes. Marcos age como Mateus, ou seja, registra o episódio sem citar a leitura. Somente Lucas é quem cita a leitura, o que já nos deixa intrigados e num questionamento sobre se o fato foi real ou não. As explicações sobre essa passagem de Isaías podem nos ajudar a entender o texto; vejamos: O profeta, muito provavelmente o autor dos caps. 60 e 62, anuncia que recebeu de Deus uma mensagem de consolação (vv.1-3): reconstruir-se-á (v. 4); os estrangeiros assegurarão as necessidades materiais de Israel, transformando em povo de sacerdotes e cumulado de glória (vv. 5-7); Deus toma a palavra para estabelecer aliança eterna (vv. 8-9). Os vv. 10-11 são uma ação de graças do profeta que fala em nome de Sião. Este poema repercute os cânticos do Servo (cf. 42,1; 42,7; 49,49, e também 50,4-11, onde quem fala é o Servo, como aqui)44. Do que concluímos que são citações que se aplicam a Isaías e não uma profecia. Mas, supondo que Jesus tenha realmente lido essa passagem de Isaías, isso por si só não a torna uma profecia. O que ocorre é que Jesus aplicou à sua missão uma origem divina, afirmando que estaria agindo pelo Espírito de Deus, que permanecia sobre ele; essa é uma certeza que temos. Independentemente de alguma profecia, isso poderia acontecer; mas, nem sempre, o homem está em plenas condições vibracionais de receber as instruções do plano espiritual, transmitidas à humanidade por vontade do Criador; por isso muitas vezes as deturpa ou as modifica, conforme sua maneira de pensar. Com isso não estamos negando o valor inestimável de seus ensinamentos; muito ao contrário, já que achamos que Ele é inigualável em tudo que fez, disse ou exemplificou. Lc 18,31-33: “Tomando consigo os doze, disse-lhes: 'Eis que subimos a Jerusalém e se cumprirá tudo o que foi escrito pelos Profetas a respeito do Filho do Homem. De fato, ele será entregue aos gentios, escarnecido, ultrajado, coberto de escarros, depois de açoitar, eles o matarão. E no terceiro dia ressuscitará'”. Profecia: Não especificada. Realmente não existe nenhuma profecia a respeito de que, especificamente, alguém deveria ressuscitar no terceiro dia. Aliás, Mateus (20,17-19) e Marcos (10,32-34), quando relatam esse episódio não estabelecem relação a nenhuma profecia. Entretanto em Os 6,1-2 encontramos o seguinte pensamento: “Vinde, e tornemos para o Senhor, porque Ele despedaçou, e nos sarará, fez a ferida, e a ligará. Depois de dois dias nos dará a vida: ao terceiro dia nos ressuscitará, e viveremos diante dele” (Bíblia Sagrada - SBB). Vejamos o que encontramos a respeito dessa passagem: a) Para caracterizar a superficial conversão de Israel, o profeta recorre a uma possível fórmula penitencial da época (cf. 1Rs 8,31-53; Jr 3,21-25; Sl 85)45; b) Depois de dois dias... terceiro dia. I.e., num curto espaço de tempo (veja Lc 13,32-33: 2Pe 3, 8) 46; c) A expressão “depois de dois dias”, “no terceiro dia” (cf. Am 1,3: “por três crimes de Damasco e por quatro”) designa breve lapso de tempo. Desde Tertuliano a tradição cristã aplicou este texto à ressurreição de Cristo no terceiro dia. Mas o NT não o cita jamais; neste contexto é lembrada a estada de Jonas no ventre do peixe (Jn 2,1 = Mt 12,40). Contudo é possível que a menção da ressurreição no terceiro dia “conforme as escrituras” (1Cor 15,4, cf. Lc. 24,16) do querigma primitivo e dos símbolos de fé se refira ao nosso texto interpretado de acordo com as regras exegéticas da época. 47 O que tomam como ressurreição é, na verdade, outra coisa bem diferente. Observe que até mesmo o significado da expressão “depois de dois dias... terceiro dia” diz respeito ao que ocorreria num curto espaço de tempo, não como uma ressurreição ao terceiro dia. Mais claro isso fica quando pegamos uma outra versão dessa passagem de Oséias: “Vinde, e tornemos para o Senhor, porque ele nos despedaçou, e nos sarará; fez a ferida, e ligará. Depois de dois dias nos revigorará; ao terceiro dia levantará, e viveremos diante dele”.48 Aqui percebemos, nitidamente, não se tratar de ressurreição, mas de levantar alguém que, após vários castigos, fica quase desfalecido, sendo revigorado por Deus, num curto espaço de tempo. Lc 24,25.27.44-47: “Ele, então, lhes disse: 'Insensatos e lentos de coração para crer tudo o que os profetas anunciaram! E, começando por Moisés e percorrendo todos os Profetas, interpretou-lhes em todas as Escrituras o que a ele dizia respeito'. Depois disse-lhes: 'São estas as palavras que eu vos falei, quando ainda estava convosco: era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos'. Então abriu-lhes a mente para que entendessem as Escrituras, e disse-lhes: 'Assim está escrito que o Cristo devia sofrer e ressuscitar dos mortos ao terceiro dia, e que, em seu Nome, fosse proclamado o arrependimento para a remissão dos pecados a todas as nações, a começar por Jerusalém'”. Profecia: Não especificada. Apesar de também se tratar de mais uma profecia que não se identifica onde ela se encontra, podemos colocar os argumentos da anterior, já que aqui também é dito sobre ressuscitar ao terceiro dia. Por tudo o que estamos vendo até aqui, já não temos mais nenhuma certeza de que Jesus tenha realmente dito qualquer palavra sobre alguma profecia a Seu respeito, o que nos leva a supor que, simplesmente, foram utilizadas palavras adequadas, às conveniências dos “donos” da religião, ou às dos tradutores, atribuindo-as ao Mestre. Aliás, segundo um grupo de especialistas, que se reuniram para estudar o evangelho (The Jesus Seminar), somente 16%49 do que Lhe tenham atribuído é provável que tenha realmente falado. Jo 5,46: “Se vocês acreditassem em mim, porque foi a respeito de mim que Moisés escreveu”. Profecia: Dt 18,15: “Javé seu Deus fará surgir, dentre seus irmãos, um profeta como eu em seu meio, e vocês o ouvirão”. Se tivermos a preocupação de ler todo o contexto de Dt 18, iniciando, para uma completa elucidação, a partir do versículo nove, indo até o final desse capítulo, veremos que não se trata de um profeta em particular. Informação que podemos confirmar pela nota: “Um profeta: esse texto anuncia a vinda, não de uma determinada pessoa, mas de uma série de profetas, que falavam, como Moisés, sob o impulso da inspiração”. 50 E, para dirimir quaisquer dúvidas, podemos colocar o final desse texto bíblico: “Foi o que você me pediu a Javé seu Deus, no Horeb, no dia da assembléia: 'Não quero continuar ouvindo a voz de Javé meu Deus, nem quero ver mais este fogo terrível, para não morrer'. Javé me disse: 'Eles têm razão: Do meio dos irmãos deles, eu farei surgir para eles um profeta como você. Vou colocar minhas palavras em sua boca, e ele dirá para eles tudo o que eu lhe mandar. Se alguém não ouvir as minhas palavras, que esse profeta pronunciar em meu nome, eu mesmo pedirei contas a essa pessoa. Contudo, se o profeta tiver a ousadia de dizer em meu nome alguma coisa que eu não tenha mandado, ou se ele falar em nome de outros deuses, tal profeta deverá ser morto”. Talvez você se pergunte: 'Como vamos distinguir se uma palavra não é palavra de Javé?’ Se o profeta falar em nome de Javé, mas a palavra não se cumpre e não se realiza, trata-se então de uma palavra que Javé não disse. Tal profeta falou com presunção. Não tenha medo dele”. (Dt 18,16-22). Assim, não há que se falar em um profeta específico, já que aqui se trata de como distinguir quem é um verdadeiro profeta. Portanto, valendo para todos os profetas posteriores a Moisés. Não se aplica a uma profecia sobre a vinda de Jesus. Se se aplicasse a Jesus, a ameaça atingiria a Ele. Por outro lado, se Moisés fala em “um profeta como eu”, isso equivale a dizer que seria um profeta igual a ele; entretanto, na Bíblia temos o reconhecimento de que Jesus é superior a Moisés. Quem duvidar é só verificar em Hb 3,1-6. Jo 12,37-41: “Apesar de Jesus ter realizado na presença deles tantos sinais, não acreditaram nele. Assim se cumpriu a palavra dita por Isaías: 'Senhor, quem acreditou em nossa mensagem? Para quem foi revelada a força Senhor?' O próprio Isaías mostrou a razão pela qual eles não podiam acreditar: 'Deus cegou os olhos deles e endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos e não compreendam com o coração, a fim de que não se convertam, e eu tenha que curá-los'. Isaías falou assim, porque viu a glória de Jesus e falou a respeito dele”. Profecia: Is 53,1: “Quem acreditou em nossa mensagem? Para quem foi mostrado o braço de Javé?” e Is 6,10: “Torne insensível o coração desse povo, ensurdeça os seus ouvidos, cegue seus olhos, para que ele não veja com os olhos nem ouça com os ouvidos,nem compreenda com o seu coração, nem se converta, de modo que eu não o perdoe”. Esta passagem é parecida com Mt 13,13-15, cuja citação da profecia de Isaías é a mesma (6,10), que comentamos mais no início desse estudo. Quanto ao capítulo 53, de Isaías já falamos anteriormente. Jo 13,18: “Eu não falo de todos vocês. Eu conheço aqueles que escolhi, mas é preciso que se cumpra o que está na Escritura: 'Aquele que come pão comigo, é o primeiro a me trair!'”. Profecia: Sl 41,10: “Até o meu amigo, em que eu confiava e que comia do meu pão, é o primeiro a me trair”. Situação acontecida com Davi. De fato, um amigo, o seu próprio conselheiro, o trai, conforme podemos deduzir das narrativas de 2Sm 15,12.31: “Enquanto fazia os sacrifícios, Absalão mandou buscar, na cidade de Gilo, o gilonita, Aquitofel, que era conselheiro de Davi. A conspiração se fortalecia e o partido de Absalão aumentava. E disseram a Davi: 'Aquitofel se uniu à conspiração de Absalão'. Davi, então, rezou: 'Javé, faze com que o plano de Aquitofel fracasse'”. É impressionante como tomam coisas que nada têm a ver com o que querem demonstrar. Jo 15,23-25: “Aquele que me odeia, odeia também a meu Pai. Se eu não tivesse feito entre eles obras, como nenhum outro fez, não teriam pecado: mas agora as viram e odiaram a mim e a meu Pai. Mas foi para que se cumpra a palavra que está escrita na Lei: ‘Odiaram-me sem motivo’”. Profecia: Sl 35,19: “Que não se alegrem à minha custa meus inimigos traidores. Que não pisquem os olhos aqueles que me odeiam sem motivo!” e Sl 69,5: “Mais que os cabelos da minha cabeça, são os que me odeiam sem motivo. Mais duros que meus ossos, são os que injustamente me atacam. (Deveria eu devolver aquilo que não roubei?)”. Existe aqui uma coisa que não condiz com a realidade. Trata-se da expressão “está escrito na Lei”, atribuída a Jesus, pois o correto não seria “na Lei”, já que a palavra Lei significava, naquele tempo a Torá, o Pentateuco de Moisés, e as profecias citadas não se encontram nela, mas nos Salmos, que faziam parte daquilo que os judeus chamavam de Ketuvim ou Escritos (SILVA, 2001, p. 36). Com referência ao Salmo 35, encontramos: “Neste salmo imprecatório, Davi pede ao Senhor que o livre e traga destruição sobre seus inimigos (vv. 1-10), lamenta o ódio não justificado de seus inimigos contra ele (vv.11-16) e volta a solicitar a Deus livramento e justiça (vv. 17-28). É provável que tenha sido escrito numa época em que Davi estava sendo perseguido por Saul, sendo, em certo sentido, um desenvolvimento de 1Sm 24:15. A impressão não é contra o próprio Saul (pois Davi poupara sua vida), mas contra aqueles que fomentavam o ciúme doentio que Saul sentia de Davi” 51. É um fato presente vivido por Davi, não uma previsão para uma ocorrência futura. No Salmo 69, isso não é diferente; senão vejamos: “Este lamento pode ser esboçado da seguinte maneira: o desespero de Davi durante a perseguição (vv. 1-12), seu desejo de punição (para seus inimigos) (vv. 13-28), e sua declaração de louvor (vv. 29-36)” 52. Portanto, nenhuma das duas citações é realmente profecia, já que ambas se referem a situações momentâneas, não para o futuro. Jo 17,12: “Quando eu estava com eles, eu os guardava em teu nome, o nome que me deste. Eu os protegi e nenhum deles se perdeu, a não ser o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura”. Profecia: Não especificada. Aqui temos, mais uma vez, uma suposta profecia para a qual não se encontra nenhuma passagem que possamos relacionar a ela. Jo 18,8-9: “Jesus falou: 'Já lhes disse que sou eu. Se vocês estão me procurando, deixem os outros ir embora'. Era para se cumprir a Escritura que diz: 'Não perdi nenhum daqueles que me destes'”. Profecia: Não especificada. Vale as mesmas observações da passagem anterior. Jo 19,33-37: “Vendo que Jesus estava morto, não lhe quebraram as pernas, mas um soldado lhe atravessou o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água. E aquele que viu, dá testemunho, e o seu testemunho é verdadeiro. E ele sabe que diz a verdade, para que também vocês acreditem. Aconteceu isso para se cumprir a Escritura que diz: 'Não quebraram nenhum osso dele'. E outra passagem que diz: 'Olharão para aquele que transpassaram'”. Profecia: Ex 12,46: “Cada cordeiro deverá ser comido dentro de uma casa; e nenhum pedaço de carne deverá ser levado para fora; e dele não se deverá quebrar nenhum osso;” Sl 34,21: “Javé protege os ossos do justo: nenhum deles será quebrado” e Zc 12,10: “Quanto àquele que transpassaram, chorarão por ele como se chora pelo filho único; vão chorá-lo amargamente, como se chora por um primogênito”. É incrível, repetimos, como buscam relacionar determinadas passagens como sendo proféticas, quando a realidade é bem outra, ou seja, são fatos do dia-a-dia e não profecia relacionada a algum evento futuro. E mesmo quando relacionada ao futuro, ele estava próximo, não longínquo. Vejamos, pela enésima vez, mais um exemplo, o passo Ex 12,46. Nós não podemos pegá-lo isolado do seu contexto, pois, agindo assim, estaremos desvirtuando sua interpretação ou até mesmo querendo “forçar a barra”, para que esse fato se amolde ao que queremos. Portanto, vamos iniciar a partir do versículo 43: “Javé disse a Moisés e Aarão: 'Assim será o ritual da Páscoa: nenhum estrangeiro comerá dela. Os escravos que você tiver comprado por dinheiro, poderão comer dela se forem circuncidados. Quem estiver de passagem e os mercenários não comerão dela'”. Agora sim, é que se segue o versículo 46, já citado. Como se vê nesta passagem estão as determinações de Javé a respeito de como os judeus deveriam celebrar a Páscoa, com instruções bem específicas a respeito dos cordeiros, que deveriam ser mortos para serem comidos durante a celebração. É em relação a esses cordeiros, que Deus determina que nenhum dos ossos deveria ser quebrado. Fora disso, podemos concluir que são apenas conjecturas pessoais; dos teólogos, dos autores bíblicos, ou dos tradutores. Quanto ao Sl 34,21, é uma oração de agradecimento que Davi faz a Deus, por ter ficado livre de Abimelec, que o perseguia, e para se livrar dele, Davi fingiu de louco. A respeito dos vv. 12-23, explicam: Grande catequese, centrada no temor de Javé. Trata-se de reconhecer que Deus é Deus, e que o homem não é Deus. Em seguida, é preciso empenhar a própria vida na luta pela verdade e justiça, para que todos possam viver dignamente. Essa é a luta que constrói a paz. Nessa luta Javé toma partido dos justos, ouvindo o seu clamor, libertando-os e protegendo-os. Por outro lado, Javé se posiciona contra os injustos, que são destruídos pelo próprio mal que produzem. 53 O que demonstra tratar-se de algo relacionado ao próprio salmista Davi. E em relação a Zc 12,10, encontramos a seguinte explicação para os versículos de 12,9 a 13,1: “O primeiro ato exigido para a reunificação é reconhecer Javé como único Absoluto (olharão para mim). Em seguida, reconhecer os pecados da idolatria cometidos. O “transpassado”, aqui, designa o próprio povo que, por seus pecados, sofreu a punição do exílio” 54. Ficando, portanto, claro que “transpassado” é o próprio povo e não uma profecia a respeito de Jesus, fato que já concluímos anteriormente em análise de outra passagem. At 8,30-35: “Filipe correu, ouviu o eunuco ler o profeta Isaías, e perguntou: 'Você entende o que está lendo?' O eunuco respondeu: 'Como posso entender, se ninguém me explica?' Então convidou Filipe a subir e sentar-se junto a ele. A passagem da Escritura que o eunuco estava lendo era esta: 'Ele foi levado como ovelha ao matadouro. E como um cordeiro perante o seu tosquiador, ele ficava mudo e não abria a boca. Eles o humilharam e lhe negaram a justiça. Quem poderá contar seus seguidores? Porque eles o arrancaram da terra dos vivos'. Então o eunuco disse a Filipe: 'Por favor, me explique: de quem o profeta está dizendo isso? Ele fala de si mesmo, ou se refere a outra pessoa?' Então Filipe foi explicando. E, tomando essa passagem da Escritura como ponto de partida anunciou Jesus ao eunuco”. Profecia: Is 53,7-12: “Foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; tal como cordeiro, ele foi levado para o matadouro; como ovelha muda diante do tosquiador, ele não abriu a boca. Foi preso, julgado injustamente; e quem se preocupou com a vida dele? Pois foi cortado da terra dos vivos e ferido de morte por causa da revolta do meu povo. A sepultura dele foi colocada junto com a dos ímpios, e seu túmulo junto com o dos ricos, embora nunca tivesse cometido injustiça e nunca a mentira estivesse em sua boca. No entanto, Javé queria esmagá-lo com o sofrimento: se ele entrega a sua vida em reparação pelos pecados então conhecerá os seus descendentes, prolongará a sua existência e, por meio dele, o projeto de Javé triunfará. Pelas amarguras suportadas, ele verá a luz e ficará saciado, Pelo seu conhecimento, o meu servo justo devolverá a muitos a verdadeira justiça, pois carregou o crime deles. Por isso eu lhe darei multidões como propriedade, e com os poderosos repartirá o despojo: porque entregou seu pescoço à morte e foi contado entre os pecadores, ele carregou os pecados de muitos e intercedeu pelos pecadores”. A respeito do capítulo 53 do livro de Isaías já fizemos anteriormente nossos comentários. Não o faremos novamente, para não nos tornarmos mais repetitivos do que o necessário. Rm 11,26-27: “Então, todo o Israel será salvo, como diz a Escritura: 'De Sião sairá o libertador, ele vai tirar as impiedades de Jacó; essa será a minha aliança com eles, quando eu perdoar os seus pecados'”. Profecia: Is 59,20-21: “Mas de Sião virá um redentor, a fim de agastar os crimes cometidos, contra Jacó – oráculo de Javé. Da minha parte, esta é a minha aliança com eles, diz Javé: O meu Espírito está sobre você, e as minhas palavras, que eu coloquei em sua boca, jamais se afastarão dela, nem da boca de seus filhos, nem da boca de seus netos, desde agora e para sempre, diz Javé,” e Is 27,9: “Pois é assim que a culpa de Jacó será apagada; será esse o fruto por ele se agastar do seu pecado, quando ele reduziu todas as pedras do altar a pedras de cal que se transformaram em pó, quando não mais erguer postes sagrados e altares de incenso”. As explicações para o capítulo 59, versículos 1-21, são dadas da seguinte maneira: Aqui temos uma espécie de liturgia penitencial (cf. Jl 1-2; Jr 36) onde os temas do pecado e seu castigo se sucedem e alternam. Na situação difícil dos primeiros decênios do pós-exílio o povo tem a impressão que a Deus falta poder e vontade para trazer tempos melhores (v. 1). Mas como em 50,1-2 também aqui o profeta responde que a salvação demora por causa dos pecados do povo contra Deus e contra o próximo. 55. A explicação é suficiente para chegarmos à conclusão de que não se trata de uma profecia, mas de liturgia penitencial. E, novamente, a título de curiosidade, temos a informação de que o versículo 21 é “prosaico e obscuro, parece um acréscimo” 56. Precisamos dizer mais alguma coisa? Duas explicações semelhantes encontramos para a passagem Is 27,69. A primeira diz: “Deus corrige os erros do seu povo, e muito mais os erros de seus inimigos, pois seu povo conhece seu projeto, enquanto os inimigos o desconhecem. Todavia, se a comunidade abandona os ídolos, Deus lhe envia o perdão e a renovação da vida” 57. A segunda nos trás: A interpretação deste passo é embaraçada pela aparente desordem e pelo estado corrompido do texto. Parece que os vv. 7-8.10-11 dizem respeito ao castigo dos opressores de Israel, identificados com a “cidade fortificada” deste apocalipse (v. 10) Os vv. 6 e 9, que são uma promessa a Israel, cuja iniqüidade está sendo expiada, poderiam estar preparando o oráculo de 12-13. 58. Donde podemos concluir, que também aqui, nada há de se referir a uma profecia. Como falamos a respeito de que algumas passagens que não são propriamente uma profecia é necessário definirmos, mesmo a essa altura do nosso estudo, o que seja profecia. Segundo o Dicionário Aurélio, profecia é: “Predição do futuro feita por um profeta; oráculo, vaticínio, presságio”. Já no Dicionário Prático, constante da Bíblia da Barsa, explicam: Propriamente é o ato ou efeito de falar em nome de outrem. Assim Aarão é chamado, por Deus, o profeta de Moisés, por falar em nome deste (Ex 4,10-15; 7,1), mas, em geral, o nome de profeta é reservado ao que fala em nome de Deus. Hoje, porém, entende-se por profecia apenas a predição de algum acontecimento futuro, que depende da livre vontade de Deus ou do homem, e que, por conseguinte, só pode ser conhecida por divina revelação. Esta predição do futuro entrava nas profecias antigas apenas como prova de que o profeta era autêntico e que suas palavras, ordens ou conselhos provinham, de fato, de Deus, uma vez que só Deus pode conhecer o futuro. Com o decorrer do tempo, a palavra profecia passou a designar apenas esta parte da profecia. As profecias podem ser: condicionais, por ex.: a cidade de Nínive teria sido destruída se seus habitantes não tivessem feito penitência à pregação de Jonas (Jon 3): absolutas, por ex.: Cristo predisse sua morte e ressurreição. As duas espécies de profecias podem ser encontradas no Antigo como em o Novo Testamento. As profecias que anunciam a vida de Cristo são chamadas Messiânicas. O livro de Isaías abunda em profecias messiânicas e, por esta razão, é algumas vezes chamado o quinto evangelho. O próprio Jesus, freqüentemente, apelou para as profecias como prova de sua divindade e de sua missão divina: “Investigai as Escrituras... São elas que dão testemunho de mim” (Jo 5,39). (p. 221). Para que as coisas fiquem claras, esclarecemos que todas as vezes que se diz de profecias a respeito de Jesus, estão dizendo das previsões que os profetas fizeram para o futuro; portanto, podemos concluir que são profecias absolutas. O que se percebe nessa análise das profecias é que o povo hebreu, após a experiência de ser libertado da escravidão no Egito, e como se considerava o povo eleito, vivia numa eterna “lua de mel” com Deus, supondo que todas as vezes que ele estivesse subjugado por outros povos, Deus o libertaria novamente como já tinha feito através de Moisés. Dentro desse pensamento, toda vez que se via subjugado, esperava um novo Messias libertador para fazer o que Moisés fez, até mesmo porque, segundo acreditavam, Deus teria prometido que faria surgir do meio do povo um profeta como ele. Só que essa promessa não se referia a um profeta específico, mas a todos os profetas que falavam em nome de Deus. Apesar disso, os teólogos preferiram atribuir tal passagem a Jesus. Na Bíblia de Jerusalém, encontramos algo interessante na “Introdução aos Profetas”, sobre o pensamento do povo hebreu; vejamos: Para estabelecer e governar seu reino na terra, o Rei Iahweh terá um representante, cuja unção o fará um vassalo seu: ele será o “ungido” de Iahweh, em hebraico seu “messias”. Foi um profeta, Natã, que, ao prometer a Davi a permanência da sua dinastia (2Sm 7), apresentou a primeira expressão deste messianismo régio, cujo eco reencontramos em certos Salmos. Entretanto, os fracassos e a má conduta da maioria dos sucessores de Davi pareciam desmentir esse messianismo “dinástico”, e a esperança concentrou-se num rei particular, cuja vinda era esperada para futuro próximo ou longínquo. É este salvador que vislumbram os profetas, sobretudo Isaías, mas também Miquéias e Jeremias. O Messias (podemos agora escrever com maiúsculas) será da estirpe davídica (Is 11, 1; Jr 23, 5 = 33, 15) e sairá como ela de Belém de Éfrata (Mq 5, 1). Receberá os mais magníficos títulos (Is 9, 5), e o Espírito de Iahweh repousará sobre ele com todo o cortejo de seus dons (Is 11, 1-5). Para Isaías, ele é Emmanuel, “Deus conosco” (Is 7, 14); para Jeremias, Iahweh çideqenu (apesar de estranho a palavra é essa mesmo), “Iahweh é nossa justiça” (Jr 23, 6), dois nomes que resumem o puro ideal messiânico. Esta esperança sobreviveu ao desmoronamento dos sonhos de dominação terrestre e à dura lição do Exílio, mas as perspectivas mudaram. Apesar das esperanças que por um momento Ageu e Zacarias colocaram no davidita Zorobabel, o messianismo régio sofreu um eclipse: nenhum descente de Davi estava mais no trono e Israel estava submetido à dominação estrangeira. Ezequiel, sem dúvida, espera a vinda dum novo Davi, mas chama-o de “príncipe” e não de “rei”, e descreve-o antes como mediador e pastor do que como soberano poderoso (Ez 34, 23-24; 37, 24-25); Zacarias anunciará a vinda dum rei, mas ele será humilde e pacífico (Zc 9, 9-10). Para o Segundo Isaías , o Ungido de Iahweh não é um rei davídico mas Ciro, rei da Pérsia, (Is 45, 1), instrumento de Deus para a libertação do seu povo; mas o mesmo profeta coloca em cena outra figura da salvação, o Servo de Iahweh, que é o mestre do povo e a luz das nações, pregando com mansidão o direito de Deus; não terá projeção humana, será rejeitado pelos seus, mas alcançará a salvação deles ao preço de sua própria vida (Is 42, 1-7; 49, 1-9; 50, 4-9 e principalmente 52, 13-53-12). Enfim, Daniel vê chegar sobre as nuvens do céu um como que Filho de homem, que recebe de Deus o domínio sobre todos os povos, um reino que não passará (Dn 7). Houve, entretanto, uma reaparição da antiga corrente: nas vésperas da nossa era, a espera dum Messias régio estava largamente difundida, mas certos meios esperavam também um Messias sacerdotal, e outros um Messias transcendente. 59. Bom, isso reafirma o que já dissemos a respeito do que pensavam e que sempre ficavam esperando um novo messias para libertá-los. Verificamos que a grande maioria das supostas profecias é tirada do livro de Isaías, entretanto cabe-nos, por respeito a você, caro leitor, fazer algumas considerações sobre este livro. Novamente, iremos recorrer à Bíblia de Jerusalém 60 que coloca: (...). Gênio religioso tão grande, marcou profundamente sua época e fez escola. Suas palavras foram conservadas e sofreram acréscimos. O livro que traz o seu nome é o resultado de um longo processo de composição, impossível de reconstituir em todas as suas etapas. (...). O livro recebeu acréscimos mais consideráveis ainda. Os caps. 40-55 não podem ser obra do profeta do século VIII. Não só nunca é mencionado aí o seu nome, mas também o contexto histórico é posterior cerca de dois séculos: Jerusalém foi tomada, o povo se acha cativo em Babilônia, Ciro já está em cena e será o instrumento da libertação. Sem dúvida, a onipotência divina poderia transportar um profeta a um futuro longínquo, retirá-lo do presente e alterar as imagens e seus pensamentos. Mas isso supõe o desdobramento dos contemporâneos – para os quais ele foi enviado – os quais não têm paralelo na Bíblia e são contrários à própria noção de profecia, a qual não faz intervir o futuro senão como ensinamento para o presente. Esses capítulos contêm a pregação dum anônimo, continuador de Isaías e grande profeta, como ele, o qual, na falta de um nome melhor, chamamos de Dêutero-Isaías ou de Segundo Isaías. Pregou em Babilônia entre as primeiras vitórias de Ciro, em 550 a.C. – que levam a adivinhar a ruína do império babilônico – e o edito libertador de 538, que permitiu os primeiros retornos. (...). (...) Os oráculos dos caps. 1-39 eram geralmente ameaçadores e cheios de alusões aos acontecimentos dos reinados de Acaz e de Ezequias; os dos caps. 40-55 estão desligados deste contexto histórico e são consoladores. O julgamento cumpriu-se na ruína de Jerusalém, o tempo da restauração está próximo. Será uma renovação completa e este aspecto é sublimado pela importância dada ao tema de Deus criador, unido ao de Deus salvador. Um novo êxodo, mais maravilhoso do que o primeiro, reconduzirá o povo a uma nova Jerusalém, mais bela que a primeira. (...). A última parte do livro (caps. 56-66) tem sido considerada como obra de outro profeta, denominado “Trito-Isaías”, Terceiro Isaías. Hoje, geralmente se reconhece que é uma coletânea diversificada. (...). (todos os grifos são nossos). Veja bem; um livro é composto de várias coletâneas que não se sabe quem são realmente os autores; e ainda têm coragem de afirmar que é “inspirado por Deus”... Tudo que já dissemos antes vem se confirmar nesses textos que acabamos de colocar. E para finalizar, queremos dizer que há muito tempo estávamos pensando em fazer esse estudo; chegamos a fazer o levantamento das profecias, pesquisamos na Internet para saber o que as outras correntes religiosas falavam sobre isso. Nesta busca encontramos um texto, que merece ser analisado, pois, como “não existe nada de oculto que não venha a ser conhecido” (Mt 10,26), a verdade acabará aparecendo. Quando isso acontecer os que advogam teses contrárias ficarão “num mato sem cachorro”, conforme o dito popular. Não terão nada em que se apoiar e ruirão por falta de base sólida. Assim, aos que ainda querem manter o povo na ignorância, que aguardem, pois seu dia chegará. É o que profetizamos. Alguém pode objetar dizendo que Jesus em várias oportunidades disse que estava cumprindo as profecias. Longe de nós contestar o que Jesus disse; entretanto, agora ao final desse estudo, por não ter encontrado nenhuma profecia sobre Ele, ficamos com plena convicção de que é bem provável que atribuíram-Lhe certas palavras. Nada mais que isso. E, estamos com o Mahatama Gandhi, quando disse: “Se todos os livros religiosos da humanidade perecessem e só se salvasse o Sermão da Montanha, nada estaria perdido”. E, coincidência ou não, no Sermão da Montanha (Mt 5, 6 e 7) não existe nenhuma profecia a respeito de Jesus. Cremos que o valor dos ensinamentos de Jesus está no sentido profundo e altamente moral, não por ter Ele vindo cumprir profecias. Nunca podemos negar o fato, de que Ele foi um enviado de Deus, como muitos outros também o foram, quer tenham sido profetas ou não. O que faz Ele diferente dos outros é que ele foi o maior de todos. Mas, apesar disso, Ele diz: “Quem crê em mim fará as obras que faço e fará até maiores do que elas” (Jo 14,12); o que deixa claro que, para Ele, todos nós somos iguais e podemos fazer as mesmas coisas, já que temos a mesma origem: Deus. E aqui colocamos o pensamento de um teólogo, que vem justamente ao encontro do que observamos nesse estudo: “‘Há neles uma clara tentativa de adaptar os detalhes da vida de Jesus às profecias do Antigo Testamento’, comenta o teólogo Fernando Altemeyer Júnior, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo”, conforme nos informa a Revista Galileu Especial – Jesus e os mistérios que a Bíblia não explica, no texto de José Tadeu Arantes, p. 16. Vemos como de necessidade urgente uma completa revisão nos conceitos teológicos tradicionais, para buscar a “verdade que liberta”, sob pena de causar, cada vez mais, incrédulos, conforme podemos comprovar no texto logo abaixo: Cristianismo: Uma História de Plágio e Profecias Arbitrárias61 Autor: Ubiratan Castro A base de toda a crença cristã está na Bíblia, livro adotado pelos cristãos como sendo a Palavra do Deus Vivo. E a existência do próprio deus cristão é comprovada (?) mediante argumentos bíblicos, em especial profecias, analisados em termos de verossimilhança ou probabilidades. Entretanto, a inconsistência das profecias está na arbitrariedade dos argumentos usados para sustentá-las, selecionados de modo a favorecer a posição teísta ou bíblica. E a história do cristianismo e do seu mito Jesus encontra vários paralelos em crenças e mitologias ainda mais antigas. Os cristãos consideram espantoso e maravilhoso o fato que tantas profecias do Velho Testamento se tivessem cumprido de forma precisa e exata na vida de Jesus, porém não enxergam, não querem enxergar ou simplesmente desconsideram o caráter arbitrário dado a elas. Eles assumem que as profecias foram feitas e cumpridas, mas ao mesmo tempo não tem evidência real para apoiar essas suposições. Quando estes alegados cumprimentos de profecias são estudados nos seus contextos originais, vemos facilmente que a maior parte deles nada tinha que ver com as aplicações que os escritores do Novo Testamento lhes deram de forma arbitrária. Um exemplo excelente é o cumprimento da profecia sobre a matança das crianças inocentes promovidas por Herodes. Mateus 2:16-18 diz o seguinte: "Então Herodes, vendo-se iludido pelos magos, irritou-se muito e mandou matar todos os meninos de Belém, e de todos os seus arredores, de dois anos para baixo, segundo o tempo que diligentemente inquirira os magos. ENTÃO CUMPRIU-SE O QUE FOI DITO PELO PROFETA JEREMIAS: Ouviu-se uma voz em Ramá, choro e grande lamentação, Raquel chorando por seus filhos, e recusando ser consolada, porque já não existem”. Para o cristão comum, esta é apenas mais uma das profecias cumpridas a respeito de Jesus. No tempo em que eu era evangélico, não poucas foram as vezes que ouvi a frase "todo o texto usado sem um contexto é um pretexto". E mesmo depois de ter me tornado ateu, muitas vezes esta frase foi a mim dirigida com o intuito de desmentirem meus argumentos anti-bíblicos. Agora é a minha vez de dar o troco. A profecia que Mateus afirma ter se cumprido está em Jeremias 31:15. No entanto, Jeremias 31:15 é uma declaração que no contexto original se referia aos judeus que tinham sido espalhados pelo estrangeiro durante a Diáspora. Jeremias referiu-se figurativamente a isto como Raquel chorando pelos seus filhos, mas no contexto da declaração, há uma promessa no versículo seguinte segundo a qual estes filhos "regressariam da terra do inimigo" (versículo 16). Portanto, é óbvio que Jeremias não estava de maneira nenhuma a falar de um massacre brutal de crianças judias, pelo que torcer a passagem e dar-lhe a aplicação que Mateus lhe deu só pode ser visto como um ato de desespero da parte de alguém que, não tendo qualquer evidência real do seu lado, tenta provar que este homem Jesus cumpriu as profecias judaicas sobre o vindouro Messias. Quando juntamos a isso a ausência total de referências em histórias seculares contemporâneas à matança dos inocentes por Herodes, temos uma boa razão para acreditar que nunca ocorreu este evento que Mateus alegou ser um cumprimento de profecia. O cristianismo, além de apoiado em profecias fundamentadas em arbitrariedades, é baseado também em histórias de religiões ANTERIORES ao próprio cristianismo. Entre elas, vale a pena reparar na versão Hindu, pois é espantosamente paralela à história de Mateus. Segundo a literatura Hindu, quando Krishna, a oitava encarnação do deus Vishnu, nasceu da virgem Devaki, ele foi visitado por homens sábios que haviam sido guiados até ele por uma estrela. Anjos também anunciaram o nascimento a pastores nos campos próximos. Quando o Rei Kansa soube do nascimento miraculoso desta criança, enviou homens para "matar todas as crianças nas localidades vizinhas", mas uma "voz celestial" segredou ao pai adotivo de Krishna e avisou-o para que tomasse a criança e fugisse através do rio Jumna. Um estudo de mitologia pagã estabeleceria paralelos similares nas histórias de Zoroastro (Persa), Tammuz (Babilônica), Perseus e Adonis (Grega), Horus (Egípcia), Rômulo e Remo (Romana), Gautama (o fundador do Budismo), e muitas outras, pois vários elementos do mito da 'criança perigosa' podem ser observados nas histórias de todos estes deuses e profetas pagãos. Todos estes mitos são anteriores, geralmente muitos séculos, ao relato de Mateus sobre o massacre das crianças em Belém. Krishna, por exemplo, era um salvador Hindu que alegadamente viveu no sexto século A.C., portanto quando um estudo da literatura do mundo antigo mostra que um evento incomum como a matança dos inocentes parece ter ocorrido por todo o lado, pessoas razoáveis percebem que esse evento provavelmente não ocorreu em lugar nenhum, ou na melhor das hipóteses ocorreu apenas uma vez e depois foi plagiarizado. Como a história ocorre muitas vezes antes da versão de Mateus, só podemos concluir que tal evento não ocorreu em Belém como Mateus, E SOMENTE MATEUS, alegou. Muitos outros alegados cumprimentos de profecias na vida de Jesus têm paralelos na mitologia antiga. Os milagres de Jesus haviam sido profetizados em Isaías 53:4-5, a sua crucificação no Salmo 22:16, a sua ressurreição no Salmo 16:10, e a sua ascensão no Salmo 68:18. Contudo, o exame destas passagens no seu contexto revela o mesmo problema citado acima no caso de Jeremias 31:15. As afirmações são notoriamente obscuras e só se tornam profecias através das alegações arbitrárias dos escritores do Novo Testamento, que as retiraram do contexto e as aplicaram a situações que os escritores originais não referiram. Portanto não há maneira de alguém estabelecer que estas "profecias" tenham sido originalmente feitas com a intenção de serem profecias. Tudo o que temos é a palavra não confirmada de escritores do Novo Testamento, dizendo que essas declarações foram feitas com a intenção de serem profecias, e isso não é uma base suficientemente boa sobre a qual se deva construir um argumento. O Cristianismo não é a única religião que alega que o seu salvador realizou milagres, foi crucificado, foi ressuscitado dos mortos e ascendeu ao céu. Escritos Hindus atribuíram todas estas coisas a Krishna. De fato, as vidas de Jesus e Krishna, conforme relatadas nas respectivas literaturas dos seus seguidores, são tão espantosamente paralelas que pessoas razoáveis só podem concluir que os escritores do Novo Testamento tomaram de empréstimo muitas das suas idéias de uma mitologia do salvador que tinha evoluído muito antes do primeiro século. De fato, salvadores nascidos de virgens, crucificados e ressuscitados eram a coisa mais comum na mitologia pagã, e se isso não destrói os argumentos bíblicos (na medida em que se referem a cumprimento de profecias) nas mentes dos cristãos, então eles estão obviamente determinados a acreditar na extravagância do mito Cristão, independentemente de quão convincente possa ser a evidência em contrário. Ainda assim, vamos supor que seja possível provar o cumprimento da profecia da matança das crianças inocentes, por exemplo. Deixo bem claro que esta não é a minha tarefa, mas de todos os cristãos que afirmam que o seu mito e as profecias que o sustentam são verdadeiras. Desta maneira, quem quisesse provar que a matança dos inocentes aconteceu e foi realmente profetizada por Jeremias teria de demonstrar ABSOLUTAMENTE, além de qualquer dúvida, que Jeremias pretendia que a declaração fosse uma profecia da matança dos inocentes por Herodes. Particularmente eu duvido que alguém consiga passar desta etapa, mas supondo que alguém consiga, mas vamos supor que alguém conseguira provar que Jeremias pretendia que a declaração fosse uma predição da matança das crianças em algum momento no futuro do profeta, tal pessoa ainda teria que provar DE FORMA ABSOLUTA que o massacre das crianças de Belém por Herodes pode ser estabelecido como fato histórico. A ausência total de qualquer referência a tal evento por qualquer outro escritor do Novo Testamento ou qualquer historiador secular contemporâneo a essa época torna isso uma tarefa impossível para qualquer um. Contudo, se um evento que alegadamente é um cumprimento de profecia não pode ser estabelecido fatualmente, como é que uma pessoa que possua um mínimo de inteligência pode afirmar que foi um cumprimento de profecia? Se provar que uma profecia a respeito de Jesus realmente aconteceu é algo impossível, o que dizer de uma série delas? Será que alguém é capaz de pegar as supostas profecias sobre o messias cristão e passar pelo mesmo processo? Isto significaria pegar as alegações proféticas sobre o nascimento virginal de Jesus, os milagres, a entrada triunfal, a traição, a crucificação, o tratamento durante a crucificação, a ressurreição, a ascensão e centenas de outros alegados cumprimentos proféticos e provar para cada uma delas que: (1) a intenção da declaração original era mesmo fazer uma profecia de algo que ocorreria na vida do Messias e que (2) o acontecimento profetizado ocorreu mesmo a Jesus. Alguém se habilita? É possível de alguma forma que alguém estudasse as escrituras do Velho Testamento, interpretasse algumas passagens obscuras como profecias e depois escrevesse uma biografia de um personagem fictício de modo a fazer parecer que todas estas "profecias" tinham sido cumpridas na sua vida? De acordo com forma como a vida e as profecias a respeito de Jesus Cristo nos são apresentadas, é perfeitamente possível sim. Portanto, o meu objetivo com este artigo é mostrar que estes alegados cumprimentos de profecias nunca aconteceram, que os escritores dos evangelhos limitaram-se a procurar no Velho Testamento declarações que podiam interpretar como profecias e depois escreveram as biografias do seu Messias de modo a fazer parecer que todas as profecias tinham sido maravilhosamente cumpridas. Mesmo que as ações de "cumprimento de profecias" tenham mesmo ocorrido, podiam ter sido feitas deliberadamente com o objetivo de dar ao pretenso Messias a oportunidade de alegar que ele tinha de fato cumprido as profecias judaicas. Com o desabafo desse ex-evangélico, queremos deixar bem claro que, a manter as coisas como estão, causaremos um prejuízo muito grande, pois estaremos, cada vez mais, dando origem a indivíduos que se dizem ateus. Observe que ele era um evangélico; é, pois, uma pessoa que estudou muito a Bíblia, o que nos leva a crer que todos os que a estudarem em profundidade e confrontarem suas conclusões com as orientações das suas respectivas lideranças religiosas, poderão acabar como ele, ou seja, mais um indivíduo no rol dos ateus. Ora, um livro de inspiração divina nunca poderia levar pessoas ao ateísmo; se isso está ocorrendo é porque existe alguma coisa errada. O que está errado? Pensamos que os teólogos do passado, por mais sábios que pudessem ser, não possuíam uma visão holística dos fatos, sempre colocavam os textos bíblicos sob o seu estreito ponto de vista. E não há como negar que o homem avançou de maneira considerável, principalmente no campo das ciências. Isso vem provocando uma revisão completa nos conhecimentos do passado; só que ainda essa revisão não teve como alvo a teologia tradicional. A humanidade, hoje, mais questionadora, e indubitavelmente mais exigente, não quer aceitar mais nada sem o crivo da razão e da lógica. E, quando resolver passar a Bíblia por esse crivo, as coisas irão complicarse, já que a maioria das correntes religiosas tradicionais terá que modificar seus conceitos, sob pena de continuarem formando mais ateus que crentes. Desejamos, com tudo isso, fazer um urgente pedido de socorro: Vamos separar na Bíblia o joio do trigo para o próprio bem dela. Agora, como reflexão final, colocaremos o complemento do pensamento de um Espírito que se identificou como Erasto: Vale mais repelir dez verdades do que admitir uma só mentira, uma só falsa teoria. Com efeito, sobre essa teoria poderíeis edificar todo um sistema que desabaria ao primeiro sopro da verdade, como um monumento construído sobre areia movediça, ao passo que, se rejeitais hoje certas verdades, porque não vos são demonstradas lógica e claramente, logo um fato brutal ou uma demonstração irrefutável virá delas vos afirmar a autenticidade 62. Ressurreição, o significado bíblico Vamos procurar fazer um estudo sobre a questão da ressurreição, na tentativa de encontrar qual o entendimento que os antigos tinham sobre isso. Sabemos não ser muito fácil fazer esse tipo de pesquisa, pois os textos bíblicos de hoje, não sendo os originais e estando eivados de “vícios” de tradução, torna o resultado dessa tarefa assaz comprometido com a verdade, já que “a verdade bíblica” pode ser bem diferente da realidade. Por outro lado, conceitos arraigados que servem de arquétipo ao homem hodierno, talvez possam nos levar a um caminho fora do nosso objetivo principal que é saber quais são realmente os fatos verdadeiros. Mas, para que não fiquemos apenas numa opinião isolada, e mesmo de pouco valor, trazemos a opinião do pesquisador holandês Emanuel Tov, especialista nos Manuscritos do Mar Morto, contida na Revista Veja edição 1747, na reportagem “Espião do Passado”, de autoria de Adriana Carvalho: Nas cavernas de Qumran e em outros lugares de Israel, nós encontramos centenas de manuscritos, todos da Bíblia hebraica, o Velho Testamento. Comparando com as traduções que conhecemos hoje da Bíblia, notamos que há passagens que eram mais curtas, outras mais compridas ou com textos diferentes dos que conhecemos hoje. O Livro de Jeremias nos manuscritos aparece em uma versão talvez 15% mais curta. Isso significa que, nas cópias feitas por gerações após gerações, freqüentemente os escribas mudavam os textos, acrescentando alguns detalhes, suprimindo outros. Eles consideravam-se também autores e permitiam-se fazer alterações. Isso ocorreu com os textos de Homero, as tragédias gregas, não apenas com a Bíblia. (CARVALHO, 2002, p. 14). Primeiramente, cabe-nos informar qual é o significado daquilo que iremos tratar. Diz-nos o Aurélio que ressurreição significa: “S. f. 1. Ato ou efeito de ressurgir ou ressuscitar; ressurgência. 2. Rel. Festa católica comemorativa da ressurreição de Cristo, ao terceiro dia após a morte: 3. Fam. Cura surpreendente e imprevista. 4. Fig. Vida nova; renovação, restabelecimento. 5. Quadro que representa a ressurreição de Cristo. 6. Rel. Na doutrina cristã, o surgir para uma nova e definitiva vida, distinta e, em certa medida, oposta à existência terrestre, e que, a partir da ressurreição de Cristo, aguarda todos os fiéis cristãos”. E que ressuscitar significa: “V. t. d. 1. Fazer voltar à vida; reviver, ressurgir. 2. Restaurar, renovar, reproduzir: V. int. 3. Voltar à vida; tornar a viver; reviver, ressurgir. 4. Tornar a surgir; reaparecer, ressurgir: 5. Escapar de grande perigo”. Assim, podemos, para o nosso estudo, concluir que ressurreição é a ocorrência que faz voltar à vida, tornar a viver ou reviver; quem passou pelo derradeiro momento da morte física. Nesse conceito, mais abrangente, podemos também considerar como ressurreição a volta do Espírito à sua condição anterior no plano espiritual, ou seja, a ressurreição do espírito. Já pelo conceito encontrado no Dicionário Bíblico Universal é: Ressurreição não é a volta à vida. É de maneira inexata que se fala de ressurreição a propósito das crianças curadas por Elias e Eliseu (1Rs 17, 2Rs 4), a propósito do filho da viúva de Naim (Lc 7,11-17), de Lázaro (Jo 11) etc. Os textos se referem somente a um retorno à vida que não dispensa a pessoa beneficiada de ter que morrer um dia. Ressuscitar é descobrir, além da morte, uma vida de tipo novo, comportando relações novas dos homens entre si e dos homens com Deus. (p. 681) O que não conseguimos estabelecer é quando e porque o povo hebreu passou a acreditar na ressurreição, pois os textos bíblicos, só mais tardiamente, por volta de 175 a 161 a.C., é que passam a falar dessa possibilidade. Nos livros que compõem o Antigo Testamento, percebemos que essa idéia aparece, como que caída de um pára-quedas, já que até o século II a.C., nem se pensava nisso; antes, ao contrário, não tinham nenhuma perspectiva para a existência de alguma coisa depois da morte. A cultura egípcia admitia a vida após a morte. Leiamos: A morte, para os egípcios, tinha um especial interesse. Havia entre eles uma crença absoluta no renascer dos mortos. Por isso, a preocupação em preservar o cadáver e o desenvolvimento da técnica de mumificação. De acordo com sua religião, a alma precisava de um corpo para morar por toda a eternidade. Acreditava-se que a morte apenas separava o corpo da alma. Daí, a obrigação a ser cumprida pelos parentes quanto ao morto querido: a mumificação de seu corpo. Se a vida poderia durar eternamente, desde que a alma encontrasse no túmulo o corpo destinado a servi-lhe de morada, era precioso, portanto, preservar suas características físicas. (A Magia do Egito, nº 01, p. 47). É interessante o que pensavam a respeito do após morte: A vida no outro mundo começava no próprio túmulo com uma viagem pelo subterrâneo. Primeiro, o ka (energia vital) deixaria o corpo acompanhado por ba (alma). O deus Coros conduz o ba através dos portais de fogo até o salão do juízo final. O julgamento final era a prova de fogo para que a pessoa morta alcançasse, finalmente, a vida eterna. No julgamento final, o morto deveria provar que foi verdadeiro e justo durante a vida, sem ter faltado com a verdade. Se a pessoa não passasse pelo julgamento final, estaria condenada a uma espécie de coma perpétuo, ou seja, teria então uma segunda morte porque, agora, o acesso à eternidade estaria vedado. (A Magia do Egito, nº 05, p. 12). Os egípcios acreditavam que o corpo ressuscitaria magicamente do outro lado da vida por meio de um ritual chamado de ‘abertura da boca’. O sacerdote ou alguém da família tocava a boca do morto com um instrumento de metal para que ele pudesse ter uma boa passagem para o outro mundo e conseguisse pronunciar as palavras necessárias na hora do julgamento. No mundo dos mortos, os egípcios eram julgados pelo deus Osíris e seus 42 assessores. Diante de cada juiz, o defunto declarava não ter passado por determinada infração. Seu coração era pesado numa balança. ‘Se pesasse mais que a pluma da justiça de Maat, a deusa da ordem universal, o morto seria engolido por um monstro em forma de crocodilo, leão e hipopótamo e teria, assim, uma morte definitiva, deixando por completo de existir’, afirma o historiador Ciro Flamarion Cardoso, da Universidade Federal Fluminense. (Revista das Religiões, p. 42). Ora, sabemos que o povo hebreu permaneceu por 430 anos em escravidão no Egito, tempo suficiente para incorporar, em sua cultura, os costumes do povo que o subjugava. O que nos causa espécie é: por que a ressurreição não aparece na Bíblia desde a época dos hebreus no Egito? O que vemos é que, inicialmente, nem tinham idéia de vida após a morte. Não aparece nem mesmo, quando promulgados, no monte Sinai, os Dez Mandamentos. Neles observamos que todas as recompensas e penalidades, estabelecidas por Deus, estão relacionadas às situações terrenas, não para uma vida futura após a morte. Na visão que tinham, todos iam para o mesmo lugar; o sheol. Com o passar dos anos, desenvolveu-se a idéia de que somente os injustos é que iam para lá. O sheol era, na verdade, a sepultura comum, da qual não viam nenhum corpo voltar, razão de pensarem que a vida só se resumia a essa aqui na terra. Quando imaginavam que alguém estava nas graças de Deus, davam a ela uma vida longa. É por isso que aparecem na Bíblia pessoas com tempo de vida inverossímil. A idéia da ressurreição aparece, pela primeira vez, no período histórico situado entre 175 a.C. a 161 a.C., narrados em 2 Macabeus e em Daniel; ambos os relatos se referem a esse mesmo período. É certo que alguns teólogos admitem que Isaías teria falado a respeito dela. Mas é difícil saber com certeza, pois quê “suas palavras foram conservadas e sofreram acréscimos. ... São acréscimos mais extensos ‘o Apocalipse de Isaías’ (24-27), que por seu gênero literário e por sua doutrina não pode ser situado antes do século V a.C.;...” (Bíblia de Jerusalém, p. 1238). Quando lemos em Is 26,19: “Os teus mortos tornarão a viver, os teus cadáveres ressurgirão”, ficamos na dúvida sobre de que se trata realmente; mas, em nota de rodapé, explicam-nos: “O texto poderia se entender como restauração nacional (cf. Ez 37) ou como afirmação da fé na ressurreição dos mortos (Dn 12,2)”. (Bíblia Sagrada Vozes, p. 912). Reportando-nos a Ezequiel, lemos a seguinte explicação para o passo 37,1-14: Cumprindo-se os castigos anunciados pelo profeta (Ez 4-24) os exilados caíram em profunda prostração. Longe de sua terra, sem templo nem culto, estavam ameaçados de perder a identidade de povo eleito (cf. 20,32; 33,10). As esperanças de uma restauração pareciam perdidas (37,11). Neste contexto Ezequiel anuncia uma restauração milagrosa de Israel, a ser produzida pelo espírito de Deus. (Bíblia Sagrada Vozes, p. 1072). E, confirmando essa afirmativa, citamos da Bíblia de Jerusalém:“Como em Os 6,2; 13,14 e Is 26,19, Deus anuncia aqui (cf. 1114) a restauração messiânica de Israel, após os sofrimentos do Exílio (cf. Ap 2-,4+)” (p. 1534). Até aí estavam indo muito bem; mas... Contudo, pelos símbolos utilizados, ele já orientava os espíritos para a idéia de ressurreição individual da carne, entrevista em Jó 19,25+, explicitamente afirmada em Dn 12,2; 2Mc 7,9-14; 12,43-46; Cf. 2Mc 7, 9+. Para o NT, ver Mt 22, 29-32 e sobretudo 1Cor 15. (Bíblia de Jerusalém, p. 1534). Do texto de Ezequiel: “... estes ossos representam toda a casa de Israel, que está a dizer: ‘Os nossos ossos estão secos, a nossa esperança está desfeita. Para nós está tudo acabado. Pois bem, profetiza e dizelhe: Assim diz o Senhor Iahweh: Eis que abrirei os vossos túmulos e vos farei subir dos vossos túmulos, ó meu povo, e vos reconduzirei para a terra de Israel” (37,11-12), confirmando o que foi dito a respeito da restauração do povo de Israel. Não é, portanto, uma ressurreição coletiva e nem individual o que se pode deduzir do texto. Vemos este apenas como uma tentativa de se achar uma saída para justificar a crença na ressurreição da carne. Embora não fosse desta forma que pensávamos em tratar desse assunto, devemos, para uma melhor compreensão, ver o que se narra nos livros 2 Macabeus e Daniel. a) Livro de Macabeus O Segundo Livro dos Macabeus não é uma continuação dos fatos narrados por 1Mc. É antes um relato paralelo a 1 Mc 1-7. Começa com os fatos do tempo do Sumo Sacerdote Onias III e do rei Seleuco IV (180 aC.). E termina pouco antes da morte de Judas Macabeu, com a derrota de Nicanor (161 a.C.). Apresenta-se como um resumo de uma obra mais ampla, em cinco volumes, de um tal de Jasão de Cirene (2,19-32). Este Jasão mostra-se bem informado ao menos sobre a situação em Jerusalém, a administração selêucida e seu funcionamento. O autor do resumo é um desconhecido, profundamente religioso, talvez um fariseu. É um apaixonado pela causa dos judeus e grande admirador de Judas Macabeu, seu herói principal. A obra de Jasão de Cirene deve ter sido composta em torno de 130 a.C. E o ‘resumo’ deve ser posterior a 124 a. C (data da primeira carta; 1,9) e anterior a 63 a. C., quando Jerusalém foi ocupada pelos romanos. Como se nota pelas duas cartas iniciais e pelo prólogo, o ‘resumo’ foi composto em Alexandria e sobretudo para leitores da comunidade judaica local. (Bíblia Sagrada Vozes, p. 573). As informações que Jasão possuía – segundo o que podemos deduzir do resumo fiel – especialmente as notícias minuciosas e exatas sobre certas particularidades da história dos Selêucidas, informações precisas sobre títulos, cargos etc., nos levam a crer que tenha consultado arquivos palestinenses e ouvido boas testemunhas. É sabido, com efeito, que os judeus cultos da época costumavam empreender tais viagens e pesquisas. A exatidão das notícias, que Jasão dá só poderá ter recolhido por via oral, leva-nos a crer que as tenha escrito quando ainda vivas as testemunhas oculares dos fatos, e que, portanto, sua obra tenha sido escrita nos últimos 20 anos séc. II a.C. (Bíblia Paulinas, p. 553). Por que o autor sentiu necessidade de retomar uma história já conhecida? Qual a originalidade? Podemos dizer que a intenção do autor é reler os mesmos fatos, para mostrar que a luta em defesa do povo se enraíza na atitude de fé, que confia plenamente no auxílio de Deus. (Bíblia Pastoral, p. 611). Os minúsculos que atestam a recensão do sacerdote Luciano (300 d.C.) conservam por vezes um texto mais antigo que os dos outros manuscritos gregos, texto que se reencontra nas Antiguidades Judaicas do historiador Flávio Josefo, que segue geralmente 1Mc e ignora 2Mc. A Vetus Latina, também, é a tradução dum texto grego perdido e freqüentemente melhor que o dos manuscritos que conhecemos. O texto que está na Vulgata não foi traduzido por são Jerônimo – para quem os livros dos Macabeus não eram canônicos – e não representa senão uma recensão secundária. (Bíblia de Jerusalém, p. 718). As informações acima são necessárias para compreendermos bem o que nos traz esse livro. Observe, principalmente, o que grifamos em negrito. Podemos tirar que esse livro foi escrito por alguém que acreditava na ressurreição e o escreveu depois dos fatos acontecidos. 2Mc 7,9: “Estando prestes a dar o último suspiro, disse: ‘Tu, execrável como és, nos tiras desta vida presente. Mas o Rei do universo nos ressuscitará para uma vida eterna, pois morremos por fidelidade às suas leis”. Analisando a frase “nos tira desta vida presente”, presumimos que acreditavam em outra vida, e quando se disse: “nos ressuscitará para uma vida eterna”, confirma essa idéia. Então, a ressurreição aqui tratada é a do espírito. E sobre essa última expressão, nos informam na Bíblia de Jerusalém que: “Lit. ‘para uma revivificação eterna da vida’” (Bíblia de Jerusalém, p. 777), o que sustenta a idéia concluída por nós. 2Mc 7,11: “dizendo com dignidade: ‘De Deus eu recebi esses membros, e agora, por causa das leis dele, eu os desprezo, pois espero que ele os devolva para mim’”. Aqui, ao que parece, a ressurreição que esperavam é a do corpo. 2Mc 7,13-14: “Passado também este à outra vida, submeteram o quarto aos mesmos suplícios, desfigurando-o. Quase a expirar, disse: ‘É desejável passar para a outra vida às mãos dos homens, conservando em Deus a esperança de ser um dia ressuscitado por ele. Para ti, porém, não haverá ressurreição para a vida!”. Essa passagem é singular, pois volta à questão de se acreditar em “outra vida”; entretanto, o texto já induz à idéia de uma ressurreição futura, talvez a do juízo final. Mas, é aí que a coisa fica difícil de entender, pois em outras Bíblias encontramos coisa diferente; vejamos: “Morto este, aplicaram os mesmos suplícios ao quarto, e este disse, quando estava a ponto de expirar: ‘É uma sorte desejável perecer pela mão humana com a esperança de que Deus nos ressuscite. Mas para ti, certamente não haverá ressurreição para a vida”. (Bíblia Sagrada Ave Maria). Tiraram a idéia da versão anterior de que acreditavam em uma “outra vida”, mas já não se tem a idéia que a ressurreição seja para um tempo futuro, dá-nos a entender que é próxima. Ao dizer que “para ti, não haverá ressurreição para a vida”, que vida? Não seria a vida espiritual? Não seria a ressurreição do Espírito? Se for, ficaria contrário a idéia da ressurreição do corpo. Assim esse livro não nos fornece elementos seguros para saber o que realmente pensavam. 2Mc 7,23: “Por isso, é o Criador do mundo, que organizou o nascimento dos homens e preside à geração de todas as coisas, ele mesmo é quem, na sua misericórdia, vos dará de novo o espírito e a vida, pois agora desprezais a vós mesmos, por amor às suas leis”. Será que aqui poderemos entender que “vos dará de novo o espírito e a vida” como a ressurreição espiritual? Acreditamos que sim. Observe que é mais forte essa ocorrência do que a ressurreição do corpo. 2Mc 12,43-44: “Em seguida fez uma coleta, enviando a Jerusalém cerca de dez mil dracmas, para que se oferecesse um sacrifício pelos pecados: belo e santo modo de agir, decorrente de sua crença na ressurreição, porque, se ele não julgasse que os mortos ressuscitariam, teria sido vão e supérfluo rezar por eles”. Oferecerem sacrifícios pelos pecados, apenas teria sentido, se acreditassem que já estariam ressuscitados, para que esses sacrifícios tivessem valor imediato. b) Livro de Daniel A data desta [composição] é fixada pelo testemunho claro fornecido pelo cap. 11. As guerras entre Selêucidas e Lágidas e uma parte do reinado de Antíoco Epífanes nele são narradas com grande luxo de pormenores insignificantes para o propósito do autor. Este relato não se parece com nenhuma profecia do Antigo Testamento e apesar de seu estilo profético, relata acontecimentos já ocorridos. Mas a partir de 11,40 muda o tom: o 'Tempo do fim” é anunciado de um modo que recorda os outros profetas. O livro teria sido composto, portanto, durante a perseguição de Antíoco Epífanes e antes da morte dele, antes mesmo da vitória da insurreição macabaica, isto é, entre 167 a 164. (Bíblia de Jerusalém, p. 1245). O livro de Daniel já não representa a verdadeira corrente profética. Não contém mais a pregação dum profeta enviado por Deus em missão junto de seus contemporâneos; foi composto e imediatamente escrito por um autor que se oculta por detrás dum pseudônimo, como já sucedera no opúsculo de Jonas. (Bíblia de Jerusalém, p. 1246). Autor e tempo de origem: Dn 1-6 nos coloca no tempo do exílio babilônico (séc VI a.C.). Dn 7-12, onde Daniel fala de si na primeira pessoa, é atribuído a Daniel, judeu deportado em 606 aC. De fato, até o séc. XIX o livro foi atribuído a este profeta exílico; mas deste então tornou-se opinião generalizada entre autores não-católicos e católicos que na realidade o livro foi escrito no séc. II a.C, no tempo da perseguição de Antíoco IV, entre os anos 167 a 163 a.C., no início do período macabeu. ... Portanto, o autor é um desconhecido, talvez pertencente ao grupo assideu (cf. 1Mc 2,27), o que não exclui que o livro contenha elementos mais antigos. O Autor desconhecido quis oferecer aos seus contemporâneos, cruelmente perseguidos pelo rei Antíoco, um livro de conforto e consolação. (Bíblia Vozes, p. 1086). Com efeito, este escrito foi redigido em três línguas: em hebraico, em grego e em aramaico; ora, os dois últimos idiomas não eram ainda utilizados no tempo em que o livro coloca o profeta. O seu redator, que escreveu certamente no segundo século a.C, serviu-se de documentos anteriores, que podem remontar até a própria época de Daniel. (Bíblia Ave Maria, p. 40). Pouco depois dele, Dn 12,2 explicitará a fé numa retribuição após a morte e no pensamento dele esta fé estará ligada à fé na ressurreição dos mortos, já que a mentalidade hebraica não concebe a vida do espírito separada da carne. No judaísmo alexandrino a doutrina progredirá em caminho paralelo e irá mais adiante. Depois que a filosofia platônica, com sua teoria da alma imortal, tiver libertado o pensamento hebraico de seus entraves, o livro da Sabedoria afirmará que “Deus criou o homem para a imortalidade (2,23) e que depois da morte a alma fiel gozará de felicidade sem fim junto de Deus, enquanto os ímpios receberão seu castigo (3,1-12). (Bíblia de Jerusalém, p. 798). A situação histórica coloca o nosso Daniel no reinado do Antíoco IV Epífanes, que determinou o extermínio da religião judaica e a consecutiva helenização da Palestina. O autor do livro de Daniel (a nós desconhecido) serve-se de histórias antigas, segundo o gênero agádico, então muito em voga (cc. 1-6; 13-14), para inculcar esperança e fé aos judeus perseguidos por Antíoco IV. Assim como Deus protegeu Daniel e os seus companheiros de todos os perigos, assim acontecerá com os judeus que forem fiéis à Lei e às tradições religiosas. O autor não tem em vista descrever fatos históricos, mas histórias moralizadoras, que poderiam, na realidade, ter um fundo ou um núcleo histórico, mas de segunda importância. Os dados internos do livro, lingüístico, histórico e teológico obrigam-nos a datar o livro por altura da morte do rei Antíoco IV (165-164 a.C). (Bíblia Santuário, p. 1313). A explicação que encontramos para o grupo dos assideus: “Forma grecizada do hebr. Hasîdîm, os ‘piedosos’, comunidade de judeus apegados à Lei. Eles resistiram à influência pagã desde antes dos Macabeus e tornaram-se a tropa de choque de Judas (cf. Mc 14,6), mas sem se subordinarem à política dos Asmoneus (cf. 1Mc 7,13). Segundo Josefo, durante a chefia de Jônatas, por volta de 150, eles se dividiram em fariseus (Mt 3,7+ e At 4,1+) e essênios, mais bem conhecidos desde as descobertas de Qumrã (cf. Ant. XIII, 17s)”. (Bíblia de Jerusalém, p. 724). Os fariseus acreditavam na ressurreição, anjo, espírito, imortalidade da alma, coisas que dariam para justificar o aparecimento da idéia de ressurreição, somente agora, já que estes dois livros, Macabeus e Daniel, provavelmente tiveram como autores pessoas com essas origens. O historiador Flávio Josefo registra, nessa época, as classes dos fariseus, dos saduceus e a dos essênios; inclusive, as duas primeiras são citadas no Novo Testamento. Recapitulando: autor desconhecido, escrito por volta de 165-164 a.C., o que nos coloca em data próxima do livro anterior, ou seja, 2 Macabeus. Dn 12,2: “Muitos dos que dormem na terra poeirenta, despertarão; uns para a vida eterna, outros para vergonha, para abominação eterna”. Encontramos a seguinte nota na Bíblia Santuário: O profeta anuncia a libertação de Israel após os horrores levados a efeito por Antíoco Epífanes. Além da ressurreição nacional, o v.2 anuncia a ressurreição da carne (Is 26,29; 2Mc 7,9-14, 23-36; 12,43-46). A doutrina da ressurreição da carne é tipicamente bíblica e semita, enquanto que a da imortalidade da alma é de sabor mais helênico. (pp. 1338-1339). Aqui, como já explicamos anteriormente sobre Ezequiel, é provável que a idéia seja mesmo a da ressurreição nacional, ou seja, restauração do povo de Israel. Vejamos agora qual era o conceito de época para a ressurreição, dele conseguimos levantar os seguintes significados: a) Voltar à vida no mesmo corpo Elias, que ressuscitou um filho de uma viúva (1Rs 17,17-24); Elizeu, que fez o mesmo com um filho de uma sunamita (2Rs 4,3237); Pedro, por ter ressuscitado a jovem chamada Tabita (At 9,36-41); Paulo, que fez voltar à vida o menino Êutico, que havia morrido após ter caído de uma janela (At 20,9-12); Jesus, a filha de Jairo (Mt 9,18-26; Mc 5,21-24.35-43; Lc 8,4042.49-56), o filho da viúva de Naim (Lc 7,11-17) e Lázaro (Jo 11,1-44). Será que realmente houve propriamente uma morte? Devemos observar, que no caso da filha de Jairo, Jesus disse: “a menina não morreu, está dormindo” (Mt 9,24; Mc 5,39 e Lc 8,52). Em relação a Lázaro a coisa é mais complicada, pois, apesar de Jesus ter afirmado que “esta doença não é para a morte” (Jo 11,4), e “nosso amigo Lázaro dorme” (Jo 11,11), o texto bíblico apresenta uma contradição a partir do versículo 13 a 16, dizendo que se trata de morte mesmo. Ora, isso, a nosso ver, decorre de um acréscimo ao texto original para se justificar a tese da ressurreição corporal, cujo teor, se retirarmos do texto não ocasiona solução de continuidade da narrativa, mantendo incólume o contexto. Temos dito, em várias oportunidades, que os médicos de hoje, se tivessem vivido naquele tempo, seriam considerados “profetas”, pois, com certeza, com os atuais conhecimentos de medicina, iriam “ressuscitar” inúmeras pessoas. A grande questão é saber se Lázaro e a filha de Jairo, e o filho da viúva de Naim estavam realmente mortos, ou se passaram por uma EQM - Experiência de Quase Morte, que tem despertado o interesse de vários pesquisadores nos tempos atuais... Esse era o significado popular, ou seja, o que o povo entendia; mas, como já demonstramos pelo Dicionário Bíblico, ele não é exato. b) Voltar à vida em outro corpo Lc 9,7-9: “O tetrarca Herodes, porém, ouviu tudo o que se passava, e ficou muito perplexo por alguns dizerem: ‘É João que foi ressuscitado dos mortos’; e outros: ‘É Elias que reapareceu’; e outros ainda: ‘É um dos antigos profetas que ressuscitou”. Herodes, porém, disse: ‘A João eu mandei decapitar. Quem é esse, portanto, de quem ouço tais coisas?’ E queria vê-lo”. (ver Mt 14,1-2 e Mc 6,14-16). Lc 9,18-19: “Um dia Jesus rezava num lugar retirado e seus discípulos estavam com ele. Ele lhes fez a seguinte pergunta; ‘Quem sou eu no dizer das turbas?’ Eles responderam: ‘Para uns, João Batista, para outros, Elias ou algum dos antigos profetas ressuscitado’”. (ver também Mt 16,1314; Mc 8,27-28). Por essas passagens podemos perfeitamente saber que o povo também acreditava que alguém, que já havia morrido, poderia voltar como outra pessoa; senão, não teria sentido o que o povo pensava a respeito de quem era Jesus. E se isso não fosse possível, com certeza, Jesus não teria feito essa pergunta; e, mais ainda: teria dito dessa impossibilidade, em função da resposta dada pelos discípulos. Assim, fica claro que o conceito de ressuscitar aqui nessas passagens pode muito bem ser entendido por reencarnar. Somente devemos fazer uma ressalva quanto a João Batista, que não poderia se enquadrar nesse entendimento; nós o estaremos explicando no item “d”. c) Ressurgir em Espírito Qual a ressurreição foi pregada por Jesus: a da carne ou a do Espírito? Para responder essa questão é necessário lermos a resposta que Jesus deu aos saduceus, negadores da ressurreição, sobre uma mulher que, para cumprir a lei mosaica, teve que casar com os sete irmãos. A dúvida deles era: quando da ressurreição ela seria mulher de qual deles? A isso responde Jesus: “As pessoas deste mundo se casam. Contudo, as que são julgadas dignas de ter parte naquele mundo e na ressurreição dos mortos, lá não se casam. E já não podem morrer outra vez, porque são iguais aos anjos e filhos de Deus, sendo participantes da ressurreição”. (Lc 20,3436). Se os que morrem são iguais aos anjos, isso significa que serão seres espirituais; daí, não se justifica mais o casamento, que é coisa para os que possuem corpos materiais. Jesus disse que “O espírito é que dá vida, a carne de nada serve” (Jo 6,63), o que vem reforçar a nossa natureza como sendo a espiritual. Por outro lado, partindo de que “Deus é Espírito” (Jo 4,24) e que somos a sua imagem e semelhança, é inevitável concluirmos que, na verdade, somos também Espíritos. Seguindo a leitura de Lucas, temos: “E que os mortos ressuscitem, é Moisés quem dá a conhecer através do episódio da Sarça Ardente, quando chama ao Senhor: o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó. Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos; para ele, então, todos são vivos”. (Lc 20,37-38). Considerando que se afirma, na narrativa, que Abraão, Isaac e Jacó “todos são vivos”, que não aconteceu o juízo final, para a esperada ressurreição dos corpos; e ainda que os três tiveram morte física, é de se deduzir que, se eles estão vivos, estão, portanto, vivos em Espírito. E, concluindo: pela comparação de Jesus, eles já ressuscitaram, ou seja, estão vivendo a vida do Espírito; por isso, não morrem mais. Disso inferimos que, o que Jesus ensinou foi a ressurreição do Espírito; não a do corpo físico, dogma de igrejas tradicionais. O que também poderá ser confirmado em Paulo, quando diz: “a carne e o sangue não poderão herdar o reino de Deus” (1Cor 15,50). d) Ressurgir em Espírito influenciando outra pessoa Mt 14,1-2: “Naquele tempo, Herodes, o tetrarca, veio a conhecer a fama de Jesus e disse aos seus oficiais: ‘Certamente se trata de João Batista: ele foi ressuscitado dos mortos e é por isso que os poderes operam através dele!’”. Essa passagem nós a estamos colocando para explicar a questão de João Batista. Ora, se acreditavam que Jesus estava fazendo prodígios porque “os poderes de João Batista operam através dele”, isso, num português bem claro, seria a possibilidade de um morto exercer algum tipo de influência sobre um vivo. Confirmando, pelo menos como uma hipótese muito provável, que aceitavam a interferência dos mortos sobre os vivos, ou seja, isso nada mais é do que a comunicação entre os dois planos da vida. Assim, também, podemos dizer que ressurreição, neste caso, seria a volta de um morto à sua condição de espírito. Podemos concluir que o conceito de ressurreição não é só o que se nos têm passado pelas tradições religiosas. É mais abrangente. Mas, ainda ficou uma questão no ar, poderá alguém nos falar. Sim, deixamos de propósito para falar agora: Jesus não ressuscitou no corpo físico? Não, apesar de que isso possa lhe causar um certo choque. Explicaremos. Sabemos que em várias oportunidades, Jesus disse aos seus discípulos que ressuscitaria após sua morte. Preocupa-nos a compreensão correta do que, em seu conceito, era a ressurreição. Vejamos a seguinte passagem: Lc 20,37-38: “E que os mortos ressuscitem, é Moisés quem dá a conhecer através do episódio da Sarça Ardente, quando chama ao Senhor: o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó. Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos; para ele, então, todos são vivos”. Veja bem; se Jesus, em se referindo a pessoas que haviam morrido, diz que, para Deus, todos “são vivos” é porque nossa individualidade sobrevive após a morte; em outras palavras, poderia estar se referindo à nossa condição de espíritos eternos. Ao que chamamos de morte é apenas um processo, ao qual nosso espírito, em seu regresso ao plano espiritual, de onde veio, devolve à natureza os elementos constitutivos do corpo físico, cuja finalidade era viabilizar o seu desenvolvimento moral e intelectual. Em vista disso, é que devemos entender que a ressurreição de que Jesus falava não era no corpo físico, e sim o ressurgir em espírito. Foi o que aconteceu com ele. Depois de sua morte, esteve ainda na terra em seu corpo espiritual, conforme se encontra em Atos: “Após sua paixão, ele lhes mostrou, com muitas provas, que estava vivo, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando-lhes do Reino de Deus” (At 1,3). Sabemos, por informação dos próprios espíritos, que eles se manifestam em seu corpo espiritual, denominado perispírito. Nele é evidenciada toda a evolução moral do espírito; assim quanto mais luminoso for, maior evolução e, via de conseqüência, quanto menos luz produzir, mais inferior é o espírito. Deve ser pelo motivo de sua luminosidade que, em algumas situações, Jesus não foi reconhecido pelos seus discípulos, como observamos em Mc 16,12: “Depois disto, ele apareceu sob outra forma, a dois deles que estavam a caminho do campo”. Também ao aparecer a Saulo, na estrada de Damasco (At 9,3-9), veio em sua plenitude espiritual, fato que impossibilitou aos que presenciavam o fenômeno de vê-lo; só ouviram sua voz. Ao narrar esse acontecimento, Paulo diz: “... aí pelo meio-dia, de repente uma grande luz que vinha do céu brilhou ao redor de mim” (At 22,6-9), o que confirma o que estamos dizendo sobre o perispírito refletir a evolução moral. A matéria, igualmente, não oferece nenhuma resistência a esse corpo perispiritual. Temos a prova disso pelo fato de Jesus ter entrado em ambiente fechado: “Oito dias depois, os discípulos se achavam de novo na casa, e Tomé com eles. Jesus entrou, estando as portas fechadas, pôsse no meio deles e os cumprimentou: A paz esteja convosco!”. (Jo 20,26). Podemos aceitar também que, em algumas circunstâncias, Jesus poderia ter se materializado diante dos discípulos. É bem provável que fez isso para se tornar tangível, tendo em vista que nem os discípulos nem os de sua época tinham conhecimento dos mecanismos das manifestações espirituais para entender o que estava acontecendo. Temos que convir que, em certos relatos do Evangelho, existem alguns exageros. Assim, determinados acontecimentos foram colocados buscando valorizar os fatos ou a pessoa quem os produziu. Vejamos, como exemplo, o que consta em Jo 21,25: “Há, porém, muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas elas fossem escritas uma por uma, creio que nem o mundo inteiro poderia conter os livros que seriam escritos”. Dito isso, vamos à 1ª carta aos Coríntios 15,3-6: “Eu vos transmiti principalmente o que eu mesmo recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; que foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras; que apareceu a Cefas, depois aos doze. Em seguida apareceu, de uma só vez, a mais de quinhentos irmãos, dos quais a maior parte vive ainda hoje, embora alguns tenham morrido”. Nenhum dos quatro evangelistas fala que Jesus teria aparecido a quinhentas pessoas, assim podemos supor que pode ser apenas um exagero de Paulo. Por outro lado, até mesmo a questão de Jesus ter ficado quarenta dias no meio dos discípulos poderíamos entender de outra forma, pois o número 40 possuía, para eles, um significado importante; observe esses exemplos: - O povo hebreu permaneceu 40 anos no deserto (Nm 14,33-34); - No dilúvio choveu 40 dias e 40 noites (Gn 7,12.17); - Jacó ao morrer ficou 40 dias embalsamado (Gn 50,2-3); - Moisés ficou no Sinai 40 dias e 40 noites, quando recebe os Mandamentos (Ex 24,18); - Deus, por castigo, entrega os israelitas aos filisteus por 40 anos (Jz 13,1); - Em desafio um filisteu se apresenta ao exército hebreu por 40 dias (1Sm 17,16); - Davi reinou por 40 anos (2Sm 5,4); - O templo tinha 40 côvados.(1Rs 6,17); - O reinado de Salomão durou 40 anos (1Rs 11,42); - Elias, após comer o que um anjo lhe dá, caminha 40 dias e 40 noites (1Rs 19,8); - Jesus jejuou 40 dias e 40 noites (Mt 4,2). Carlos Torres Pastorino, no Livro A Sabedoria do Evangelho (vol. I, p. 9), quando fala sobre como devemos fazer a interpretação da Bíblia, coloca: Os números possuem sentido muito simbólico, assim: 10 – diversos 40 – muitos 07 – grande número 70 – todos, sempre. Então, conclui, esse autor: “não devem ser tomados à risca”. Dessas aparições de Jesus podemos realçar duas coisas. A primeira, é que há vida após a morte; caso contrário, ninguém poderia aparecer depois de morto. A segunda, é que os mortos se comunicam com os vivos, por mais que alguns ainda venham a dizer que isso não pode ocorrer; a nós não resta dúvida alguma quanto a isso. Alguns querem sustentar que Jesus tenha se manifestado com o corpo físico; entretanto isso não condiz com o que podemos tirar dos acontecimentos. Então o Mestre não ressuscitou no corpo físico? Reafirmamos: não, apesar de que isso possa lhe causar um certo choque; no entanto, analisemos: Quando se apresenta a Maria de Madalena, Jesus diz a ela: “não me toques porque ainda não subi para meu Pai” (Jo 20,17). Entretanto, em relação a Tomé disse: “Põe aqui o teu dedo, vê as minhas mãos, aproxima também a tua mão, põe-na no meu lado” (Jo 20,27), nos parecendo uma contradição. Ainda fica mais difícil compreender quando colocam Jesus dizendo “porque um espírito não tem carne, nem ossos, como vós vedes que eu tenho” (Lc 24,39), e, na seqüência, ele está comendo peixe assado (Lc 24,42-43). Tudo isso nos parece uma montagem para justificar a idéia que os hebreus tinham que a alma não sobreviveria sem o corpo físico. No livro de Tobias, encontramos um anjo fazendo coisas comuns ao seres humanos, inclusive comendo; mas, ao final, ele declara: “Eu sou Rafael, um dos sete anjos... Vocês pensavam que eu comia, mas era só aparência... E o anjo desapareceu. Quando se levantaram, não o puderam ver mais”. (Tb 12,15-22). No caso de Jesus não poderia ser uma materialização? Nessa hipótese, estaria justificada a questão de ser tangível. Mas, considerando que, em determinadas oportunidades, se manifesta e ninguém o reconhece, somente acontecendo após algum gesto, como isso poderia ocorrer se ele tivesse ressuscitado no corpo físico? Se fosse em espírito poderia muito bem, pela sua evolução espiritual, transparecer com tanta luz que não conseguiram mesmo identificá-lo prontamente. Teria Ele, quando vivo, dito algo que negaria depois de morto, já que acreditamos que o que pregou mesmo foi a ressurreição do Espírito? Todos os evangelistas são unânimes em dizer que o corpo de Jesus foi colocado num túmulo novo. Enquanto pela narrativa de Mateus (27,5960) e Marcos (15,46) o túmulo era de José de Arimatéia, Lucas (23,52) não dá a entender isso e João (19,41-42) diz que o túmulo se localizava no jardim perto do lugar onde Jesus fora crucificado, e o colocaram lá porque estava perto, ficando, portanto, a idéia que não pertencia a José de Arimatéia. Preste atenção: “colocaram” e não “enterraram”; não seria, por conseguinte, um lugar provisório? Em Atos (5,1-11), quando se narra a morte de Ananias, e, logo após, a de Safira, sua mulher, está dito: “levaram para enterrar” (At 5,6.10), ou seja, em definitivo. Assim, por falta de maiores comprovações, podemos concluir que o lugar onde colocaram o corpo de Jesus não seria o seu túmulo definitivo, o que, provavelmente, foi feito depois; daí, a razão do desaparecimento de seu corpo, hipótese mais provável, pelas narrativas. Por outro lado, no domingo de manhã, dois dias depois da morte de Jesus, algumas mulheres compraram perfumes e foram ao sepulcro para embalsamar o corpo (Mc 16,1; Lc 24,1), reforçando a idéia de que foi colocado ali provisoriamente. No relato de João (20,1-2) somente Maria Madalena foi ao sepulcro, sem dizer o motivo e que, ao encontrá-lo vazio, diz: “Retiraram do sepulcro o Senhor e não sabemos onde o puseram”. (20,2), ou seja, falou exatamente o que se esperava acontecer para um lugar provisório. Por que estamos dizendo isso? Quem vai nos tirar desse impasse? Em Atos (16,7) Paulo e Timóteo tentam entrar na Bitínia; aí diz o texto: “mas o Espírito de Jesus os impediu”. Em 2Cor 3,17, Paulo afirma: “O Senhor é Espírito”. Pedro nos diz que Jesus: “...sofreu a morte em seu corpo, mas recebeu vida pelo Espírito” (1Pe 3,18) e nos dá outra informação dizendo que Jesus foi pregar o Evangelho aos mortos (1Pe 4,6); se isso aconteceu, Jesus só poderia ter feito em Espírito. Assim, tudo se converge para a idéia de que Jesus, após sua morte, ressuscitou em Espírito. A conclusão final, portanto, fica-nos que a ressurreição contida na Bíblia é a do Espírito e não a do corpo. E sendo a do Espírito, a conseqüência é a influência do Espírito sobre um encarnado. Fica aí evidenciada a necessidade de uma exegese mais realista dos fatos acontecidos, já que aquilo que os teólogos nos colocaram não condiz com a realidade. Jesus ficava calado? Vez por outra, ouvimos a afirmativa de que não devemos responder a isso ou àquilo, pois Jesus não respondeu a ninguém, sempre permanecia calado. Interessante como certas coisas facilmente são transformadas em mito. O mito, como sabemos, é algo que prolifera e, mesmo que seja o maior erro, torna-se uma verdade para muitos. Isso acontece, pois, normalmente, não somos dados a questionamentos, preferindo seguir pela “trilha do bezerro” do que abrir novo caminho pela mata. Recebemos recentemente um e-mail em que uma leitora nos propunha uma reflexão sobre nossa atitude de sempre defender a Doutrina Espírita dos ataques gratuitos feitos pelos detratores de plantão, nos sugerindo que, talvez, fosse melhor que ficássemos calados, seguindo o exemplo do Mestre. Sinceramente, até então não tínhamos pensado mais seriamente sobre isso; mas, dessa vez, não sabemos o porquê, resolvemos ir à fonte para conhecer como exatamente as coisas se deram. Assim, caro leitor, apresentamos agora o fruto de nosso estudo sobre esse assunto. Iremos analisar várias passagens bíblicas a fim de podermos saber como era realmente o comportamento de Jesus: ficava mesmo calado? Não! Quem tiver curiosidade de ler mais detidamente o Evangelho verá que a liderança religiosa da época – escribas, fariseus, saduceus, sacerdotes e anciãos do povo - não deram tréguas a Jesus. Entretanto, as narrativas nos dão conta de que o Mestre jamais ficou calado, sempre os respondeu à altura e nem mesmo os poupou de, por várias vezes, chamá-los de hipócritas e em uma oportunidade os comparou a sepulcros caiados, brancos por fora e podres por dentro. Isso, a nosso ver, não é ficar calado. Ao reler essas passagens foi que nos demos conta disso. Veja, se temos ou não razão: Mt 5,20: “Com efeito, eu lhes garanto: se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu". Percebe-se por aqui que Jesus, em relação aos escribas e fariseus, já os tomava a conta de pessoas às quais não devíamos seguir o exemplo, cuja justiça não deveria ser imitada. Mt 12,1-8: “Naquele tempo, Jesus passou por uns campos de trigo, num dia de sábado. Seus discípulos ficaram com fome, e começaram a apanhar espigas para comer. Vendo isso, os fariseus disseram: 'Eis que os teus discípulos estão fazendo o que não é permitido fazer em dia de sábado!' Jesus perguntou aos fariseus: 'Vocês nunca leram o que Davi e seus companheiros fizeram, quando estavam sentindo fome? Como ele entrou na casa de Deus, e eles comeram os pães oferecidos a Deus? Ora, nem para Davi, nem para os que estavam com ele, era permitido comer os pães reservados apenas aos sacerdotes. Ou vocês não leram também, na Lei, que em dia de sábado, no Templo, os sacerdotes violam o sábado, sem cometer falta? Pois eu digo a vocês: aqui está quem é maior do que o Templo. Se vocês tivessem compreendido o que significa: 'Quero a misericórdia e não o sacrifício', vocês não teriam condenado estes homens que não estão em falta. Portanto, o Filho do Homem é senhor do sábado'”. Essa questão de fazer algo no sábado era para eles um ponto de honra; daí, não perdiam oportunidade de importunar Jesus, quando ele fazia algo nesse dia. Ao ser questionado, sobre a atitude de seus discípulos em providenciar alimentação num dia de sábado, Jesus respondeu-lhes à altura, não deixando passar batido, como se diria popularmente. Mt 12,9-14: “Jesus saiu desse lugar, e foi para a sinagoga deles. Aí havia um homem com uma das mãos paralisada. E, para poderem acusar Jesus, os fariseus perguntaram: 'É permitido fazer cura em dia de sábado?' Jesus respondeu: 'Suponham que um de vocês tem uma só ovelha, e ela cai num buraco em dia de sábado. Será que ele não a pegaria e não a tiraria de lá? Ora, um homem vale muito mais do que uma ovelha! Logo, é permitido fazer uma boa ação em dia de sábado'. Então Jesus disse ao homem: 'Estenda a mão'. O homem estendeu a mão, e ela ficou boa e sadia como a outra. Logo depois, os fariseus saíram e fizeram um plano para matar Jesus”. Na continuação da narrativa anterior vemos Jesus curando num dia de sábado; mas, nem numa situação de estar praticando o bem, os intolerantes de sua época achavam certa essa atitude. Vemos, hoje em dia, os fundamentalistas agindo quase que da mesma forma. Os tempos mudam, mas, para muitos, é como se isso não ocorresse, já que ficam apegados ao passado. Mt 12,22-37: “Então levaram a Jesus um endemoninhado cego e mudo. Jesus o curou, de modo que ele falava e enxergava. E todas as multidões ficaram admiradas, e perguntavam: 'Será que ele não é o filho de Davi?' Os fariseus ouviram isso, e disseram: 'Ele expulsa os demônios através de Belzebu, o príncipe dos demônios!' Sabendo o que eles estavam pensando, Jesus disse: 'Todo reino dividido em grupos que lutam entre si, será arruinado. E toda cidade ou família dividida em grupos que brigam entre si, não poderá durar. E se Satanás expulsa Satanás, ele está dividido contra si mesmo. Como, então, o seu reino poderá sobreviver? Se é através de Belzebu que eu expulso os demônios, através de quem os filhos de vocês expulsam os demônios? Por isso, serão eles mesmos que julgarão vocês. Mas se é através do Espírito de Deus que eu expulso os demônios, então o Reino de Deus chegou para vocês. Ainda: como alguém pode entrar na casa de um homem forte, e se apoderar de suas coisas, se antes não amarrar o homem forte? Só depois poderá roubar a sua casa. Quem não está comigo, está contra mim. E quem não recolhe comigo, espalha. É por isso que eu digo a vocês: todo pecado e blasfêmia será perdoado aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada. Quem disser alguma coisa contra o Filho do Homem, será perdoado. Mas quem disser algo contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, nem neste mundo, nem no mundo que há de vir. Se vocês plantarem uma árvore boa, o fruto dela será bom; mas se vocês plantarem uma árvore má, também o fruto dela será mau, porque é pelo fruto que se conhece a árvore. Raça de cobras venenosas! Se vocês são maus, como podem dizer coisas boas? Pois a boca fala aquilo de que o coração está cheio. O homem bom tira coisas boas do seu bom tesouro, e o homem mau tira coisas más do seu mau tesouro. Eu digo a vocês: no dia do julgamento, todos devem prestar contas de cada palavra inútil que tiverem falado. Porque você será justificado por suas próprias palavras, e será condenado por suas próprias palavras'". Nem ainda saímos do capítulo doze e já encontramos mais uma outra situação em que a liderança religiosa, cega no seu saber, questiona a Jesus, quando o Mestre liberta uma criatura endemoninhada. Para seus adversários ele fazia isso porque era o príncipe dos demônios, ao que Jesus lhes responde com maestria. E, destacamos, ao final ainda os chama de raça de cobras venenosas, atiçando a ira deles. Daqui, percebemos que também a liderança religiosa nos dias atuais faz exatamente a mesma coisa em relação ao Espiritismo, que, apesar de libertar muitas pessoas das influências espirituais inferiores, é taxado de “obra do demônio”. Deveríamos repetir Jesus dizendo-lhes: raça de víboras? Mt 12,38-42: “Então alguns doutores da Lei e fariseus disseram a Jesus: 'Mestre, queremos ver um sinal realizado por ti'. Jesus respondeu: 'Uma geração má e adúltera busca um sinal, mas nenhum sinal lhe será dado, a não ser o sinal do profeta Jonas. De fato, assim como Jonas passou três dias e três noites no ventre da baleia, assim também o Filho do Homem passará três dias e três noites no seio da terra. No dia do julgamento, os homens da cidade de Nínive ficarão de pé contra esta geração, e a condenarão. Porque eles fizeram penitência quando ouviram Jonas pregar. E aqui está quem é maior do que Jonas. No dia do julgamento, a rainha do Sul se levantará contra esta geração, e a condenará. Porque ela veio de uma terra distante para ouvir a sabedoria de Salomão. E aqui está quem é maior do que Salomão'". Aos doutores da Lei e aos fariseus que queriam um sinal como prova de que Jesus era mesmo o Messias, a resposta de Jesus não se fez esperar; tanto que, nessa ocasião, os chama de geração má e adúltera. Mt 15,1-14: “Alguns fariseus e diversos doutores da Lei, de Jerusalém, se aproximaram de Jesus, e perguntaram: 'Por que os teus discípulos desobedecem à tradição dos antigos? De fato, comem pão sem lavar as mãos!' Jesus respondeu: 'Por que é que vocês também desobedecem ao mandamento de Deus em nome da tradição de vocês? Pois Deus disse: 'Honre seu pai e sua mãe'. E ainda: 'Quem amaldiçoa o pai ou a mãe, deve morrer'. E no entanto vocês ensinam que alguém pode dizer ao seu pai e à sua mãe: 'O sustento que vocês poderiam receber de mim é consagrado a Deus'. E essa pessoa fica dispensada de honrar seu pai ou sua mãe. Assim vocês esvaziaram a palavra de Deus com a tradição de vocês. Hipócritas! Isaías profetizou muito bem sobre vocês, quando disse: 'Esse povo me honra com os lábios, mas o coração deles está longe de mim. Não adianta nada eles me prestarem culto, porque ensinam preceitos humanos.' Em seguida, Jesus chamou a multidão para perto dele, e disse: 'Escutem e compreendam. Não é o que entra na boca que torna o homem impuro, mas o que sai da boca, isso torna o homem impuro'. Então os discípulos se aproximaram, e disseram a Jesus: 'Sabes que os fariseus ficaram escandalizados com o que disseste?' Jesus respondeu: 'Toda planta que não foi plantada pelo meu Pai celeste será arrancada. Não se preocupem com eles. São cegos guiando cegos. Ora, se um cego guia outro cego, os dois cairão num buraco'”. A liderança religiosa tinha um apego exagerado à tradição, fazia dela uma questão religiosa; daí se espantarem quando os discípulos não lavaram as mãos antes de comerem. Novamente recebem de Jesus uma resposta à altura, que os chama de hipócritas e guias cegos. Mt 16,5-12: “Quando atravessaram para o outro lado do mar, os discípulos se esqueceram de levar pães. Então Jesus disse: Prestem atenção, e tomem cuidado com o fermento dos fariseus e dos saduceus'. Os discípulos pensavam consigo mesmos: 'É porque não trouxemos pães'. Mas Jesus percebeu, e perguntou: 'Por que vocês estão pensando na falta de pães, homens de pouca fé? Vocês ainda não compreendem, nem mesmo se lembram dos cinco pães para cinco mil homens, e de quantos cestos vocês recolheram? Nem dos sete pães para quatro mil homens, e quantos cestos vocês recolheram? Como é que não compreendem que eu não estava falando de pão com vocês? Tomem cuidado com o fermento dos fariseus e saduceus'. Então eles perceberam que Jesus não tinha falado para tomar cuidado com o fermento de pão, mas com o ensinamento dos fariseus e saduceus”. Aqui Jesus recomenda aos discípulos para não seguirem o ensinamento dos fariseus e saduceus. Ficamos a pensar se Jesus não manteria esse discurso à liderança religiosa atual! Assim, com essa atitude, Jesus deixa claro que os ensinamentos deles não são de cunho divino, mas apenas fruto de seus próprios interesses, tal e qual está acontecendo nos dias atuais. Mt 19,1-12: “Quando Jesus acabou de dizer essas palavras, ele partiu da Galiléia, e foi para o território da Judéia, no outro lado do rio Jordão. Numerosas multidões o seguiram, e Jesus aí as curou. Alguns fariseus se aproximaram de Jesus, e perguntaram, para o tentar: 'É permitido ao homem divorciar-se de sua mulher por qualquer motivo?' Jesus respondeu: 'Vocês nunca leram que o Criador, desde o início, os fez homem e mulher? E que ele disse: 'Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe, e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne'? Portanto, eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não deve separar'. Os fariseus perguntaram: 'Então, como é que Moisés mandou dar certidão de divórcio ao despedir a mulher?' Jesus respondeu: 'Moisés permitiu o divórcio, porque vocês são duros de coração. Mas não foi assim desde o início. Eu, por isso, digo a vocês: quem se divorciar de sua mulher, a não ser em caso de fornicação, e casar-se com outra, comete adultério'. Os discípulos disseram a Jesus: 'Se a situação do homem com a mulher é assim, então é melhor não se casar'. Jesus respondeu: 'Nem todos entendem isso, a não ser aqueles a quem é concedido. De fato, há homens castrados, porque nasceram assim; outros, porque os homens os fizeram assim; outros, ainda, se castraram por causa do Reino do Céu. Quem puder entender, entenda'". Obviamente, que nesse episódio, os fariseus não estavam querendo se instruir, mas queriam colocar Jesus em situação difícil, ou seja, tudo que dissesse seria usado contra ele. Esse episódio é semelhante ao que nos acontece agora, quando algum fundamentalista emite perguntas capciosas, intentando colocar-nos contra a “palavra de Deus”. Mt 21,23-27: “Jesus voltou ao Templo. Enquanto ensinava, os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo se aproximaram, e perguntaram: 'Com que autoridade fazes tais coisas? Quem foi que te deu essa autoridade?' Jesus respondeu: 'Eu também vou fazer uma pergunta para vocês. Se responderem, eu também direi a vocês com que autoridade faço isso. De onde era o batismo de João? Do céu ou dos homens?' Mas eles raciocinavam, pensando: 'Se respondemos que vinha do céu, ele vai dizer: 'Então, por que vocês não acreditaram em João?' Se respondemos que vinha dos homens, temos medo da multidão, pois todos consideram João como um profeta'. Eles então responderam a Jesus: 'Não sabemos'. E Jesus disse a eles: 'Pois eu também não vou dizer a vocês com que autoridade faço essas coisas'". A todo momento Jesus era questionado quanto à sua autoridade, ao que sempre respondia à altura dos seus interlocutores, de forma que os deixava acuados perante suas próprias colocações. Diríamos, popularmente: “perderam uma ótima ocasião de ficar calados”. Mt 21,33-46: "Escutem essa outra parábola: Certo proprietário plantou uma vinha, cercou-a, fez um tanque para pisar a uva, e construiu uma torre de guarda. Depois arrendou a vinha para alguns agricultores, e viajou para o estrangeiro. Quando chegou o tempo da colheita, o proprietário mandou seus empregados aos agricultores para receber os frutos. Os agricultores, porém, agarraram os empregados, bateram num, mataram outro, e apedrejaram o terceiro. O proprietário mandou de novo outros empregados, em maior número que os primeiros. Mas eles os trataram da mesma forma. Finalmente, o proprietário enviou-lhes o seu próprio filho, pensando: 'Eles vão respeitar o meu filho'. Os agricultores, porém, ao verem o filho, pensaram: 'Esse é o herdeiro. Venham, vamos matá-lo, e tomar posse da sua herança'. Então agarraram o filho, o jogaram para fora da vinha, e o mataram. Pois bem: quando o dono da vinha voltar, o que irá fazer com esses agricultores?' Os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo responderam: 'É claro que mandará matar de modo violento esses perversos, e arrendará a vinha a outros agricultores, que lhe entregarão os frutos no tempo certo'. Então Jesus disse a eles: 'Vocês nunca leram na Escritura: 'A pedra que os construtores deixaram de lado tornou-se a pedra mais importante; isso foi feito pelo Senhor, e é admirável aos nossos olhos'? Por isso eu lhes afirmo: o Reino de Deus será tirado de vocês, e será entregue a uma nação que produzirá seus frutos. Quem cair sobre essa pedra, ficará em pedaços; e aquele sobre quem ela cair, será esmagado'. Os chefes dos sacerdotes e os fariseus ouviram as parábolas de Jesus, e compreenderam que estava falando deles. Procuraram prender Jesus, mas ficaram com medo das multidões, pois elas consideravam Jesus um profeta”. Constata-se, também, que Jesus não deixava por menos quando se defrontava com essa “raça de cobras venenosas”. Aqui, percebe-se, claramente, que a parábola é dirigida a eles; tal fato, nitidamente percebido por todos, lhes aumentava a raiva que nutriam por Jesus. Aguardavam, assim, o momento propício para lhe darem o venenoso bote. Mt 22,15-22: “Então os fariseus se retiraram, e fizeram um plano para apanhar Jesus em alguma palavra. Mandaram os seus discípulos, junto com alguns partidários de Herodes, para dizerem a Jesus: 'Mestre, sabemos que tu és verdadeiro, e que ensinas de fato o caminho de Deus. Tu não dás preferência a ninguém, porque não levas em conta as aparências. Dize-nos, então, o que pensas: É lícito ou não é, pagar imposto a César?' Jesus percebeu a maldade deles, e disse: 'Hipócritas! Por que vocês me tentam? Mostrem-me a moeda do imposto'. Levaram então a ele a moeda. E Jesus perguntou: 'De quem é a figura e inscrição nesta moeda?' Eles responderam: 'É de César'. Então Jesus disse: 'Pois dêem a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus'. Ouvindo isso, eles ficaram admirados. Deixaram Jesus, e foram embora”. Nunca perderam uma oportunidade de colocar Jesus numa situação difícil, sendo isso cabalmente denotado nessa situação. Percebendo a segunda intenção deles, Jesus, sem meias palavras, disse-lhes: “hipócritas!” Não poucas vezes os chamou desse modo, apontando-lhes a falsidade. Mt 22,23-33: “Os saduceus afirmam que não existe ressurreição. Alguns deles se aproximaram de Jesus, e lhe propuseram este caso: 'Mestre, Moisés disse: 'Se alguém morrer sem ter filhos, o irmão desse homem deve casar-se com a viúva, a fim de que possam ter filhos em nome do irmão que morreu'. Pois bem, havia entre nós sete irmãos. O primeiro casou-se, e morreu sem ter filhos, deixando a mulher para seu irmão. Do mesmo modo aconteceu com o segundo e o terceiro, e assim com os sete. Depois de todos eles, morreu também a mulher. Na ressurreição, de qual dos sete ela será mulher? De fato, todos a tiveram'. Jesus respondeu: 'Vocês estão enganados, porque não conhecem as Escrituras, nem o poder de Deus. De fato, na ressurreição, os homens e as mulheres não se casarão, pois serão como os anjos do céu. E, quanto à ressurreição, será que não leram o que Deus disse a vocês: 'Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó'? Ora, ele não é Deus dos mortos, mas dos vivos'. Ouvindo isso, as multidões ficaram impressionadas com o ensinamento de Jesus”. A pergunta dos saduceus não tinha por objetivo esclarecerem-se sobre o assunto, mas, tão somente, constatar se Jesus possuía a capacidade de se explicar, já que, intimamente, acreditavam que não; por conseguinte, adveio o desejo de pegá-lo com suas próprias palavras. Mt 22,34-40: “Os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito os saduceus se calarem. Então eles se reuniram em grupo, e um deles perguntou a Jesus para o tentar: 'Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?' Jesus respondeu: 'Ame ao Senhor seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma, e com todo o seu entendimento. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Ame ao seu próximo como a si mesmo. Toda a Lei e os Profetas dependem desses dois mandamentos”. Nem bem deixou os saduceus acuados, aparecem-lhe os fariseus, que, no íntimo, pensavam serem mais capazes que os primeiros. Assim, fizeram um novo questionamento a Jesus. Com certeza orgulhosos que eram, pensavam, intimamente, conduzirem Jesus àquilo que obstinadamente queriam: usar as palavras do Mestre para obterem um bom motivo de o matarem ou, na pior das hipóteses, confrontá-lo com o poder político. Mt 22,41-46: “Os fariseus estavam reunidos, e Jesus lhes perguntou: 'O que é que vocês acham do Messias? Ele é filho de quem?' Os fariseus responderam: 'De Davi'. Então Jesus disse: 'Como é que Davi, pelo Espírito, o chama Senhor, quando afirma: 'O Senhor disse ao meu Senhor: sente-se à minha direita, até que eu ponha os seus inimigos debaixo dos seus pés'? Se o próprio Davi o chama de Senhor, como ele pode ser seu filho?' E ninguém podia responder a Jesus uma só palavra. Desse dia em diante, ninguém mais se arriscou a fazer perguntas a Jesus”. Nessa passagem, verifica-se que Jesus é quem os indaga. Agindo sabiamente, os coloca em uma situação embaraçosa. O feitiço virou contra o feiticeiro, diríamos. Enfrenta-os destemido, mesmo conhecendo suas reais intenções; mas não os deixava sem respostas às suas indagações, por mais difíceis que fossem. Mt 23,1-12: “Jesus falou às multidões e aos seus discípulos: 'Os doutores da Lei e os fariseus têm autoridade para interpretar a Lei de Moisés. Por isso, vocês devem fazer e observar tudo o que eles dizem. Mas não imitem suas ações, pois eles falam e não praticam. Amarram pesados fardos e os colocam no ombro dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a movêlos, nem sequer com um dedo. Fazem todas as suas ações só para serem vistos pelos outros. Vejam como eles usam faixas largas na testa e nos braços, e como põem na roupa longas franjas, com trechos da Escritura. Gostam dos lugares de honra nos banquetes e dos primeiros lugares nas sinagogas; gostam de ser cumprimentados nas praças públicas, e de que as pessoas os chamem mestre. Quanto a vocês, nunca se deixem chamar mestre, pois um só é o Mestre de vocês, e todos vocês são irmãos. Na terra, não chamem a ninguém Pai, pois um só é o Pai de vocês, aquele que está no céu. Não deixem que os outros chamem vocês líderes, pois um só é o Líder de vocês: o Messias. Pelo contrário, o maior de vocês deve ser aquele que serve a vocês. Quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado'”. Ao recomendar a todos que não agissem como os doutores da lei e fariseus, implicitamente, estava chamando-os, indubitavelmente, de hipócritas. Jesus vai mais longe quando menciona que gostavam de serem vistos, dos primeiros lugares, de serem destacados na multidão, deixando a descoberto todo orgulho que acalentavam em seus corações. Podemos acrescentar que usavam a religião para esse fim, fato comum, também, nos dias de hoje, quando essa liderança religiosa, que se vê por aí, buscar na religião um veículo de satisfação de seu próprio interesse, ao invés de se preocupar, efetivamente, com a salvação dos fiéis. Mt 23,13-36: "Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês fecham o Reino do Céu para os homens. Nem vocês entram, nem deixam entrar aqueles que desejam. Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês exploram as viúvas, e roubam suas casas e, para disfarçar, fazem longas orações! Por isso, vocês vão receber uma condenação mais severa. Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês percorrem o mar e a terra para converter alguém, e quando conseguem, o tornam merecedor do inferno duas vezes mais do que vocês. Ai de vocês, guias cegos! Vocês dizem: 'Se alguém jura pelo Templo, não fica obrigado, mas se alguém jura pelo ouro do Templo, fica obrigado'. Irresponsáveis e cegos! O que vale mais: o ouro ou o Templo que santifica o ouro? Vocês dizem também: 'Se alguém jura pelo altar, não fica obrigado, mas se alguém jura pela oferta que está sobre o altar, esse fica obrigado'. Cegos! O que vale mais: a oferta ou o altar que santifica a oferta? De fato, quem jura pelo altar, jura por ele e por tudo o que está sobre ele. E quem jura pelo Templo, jura por ele e por Deus que habita no Templo. E quem jura pelo céu, jura pelo trono de Deus e por aquele que nele está sentado. Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês pagam o dízimo da hortelã, da erva-doce e do cominho, e deixam de lado os ensinamentos mais importantes da Lei, como a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vocês deveriam praticar isso, sem deixar aquilo. Guias cegos! Vocês coam um mosquito, mas engolem um camelo. Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês limpam o copo e o prato por fora, mas por dentro vocês estão cheios de desejos de roubo e cobiça. Fariseu cego! Limpe primeiro o copo por dentro, e assim o lado de fora também ficará limpo. Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e podridão! Assim também vocês: por fora, parecem justos diante dos outros, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e injustiça. Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês constroem sepulcros para os profetas, e enfeitam os túmulos dos justos, e dizem: 'Se tivéssemos vivido no tempo de nossos pais, não teríamos sido cúmplices na morte dos profetas'. Com isso, vocês confessam que são filhos daqueles que mataram os profetas. Pois bem: acabem de encher a medida dos pais de vocês! Serpentes, raça de cobras venenosas! Como é que vocês poderiam escapar da condenação do inferno? É por isso que eu envio a vocês profetas, sábios e doutores: a uns vocês matarão e crucificarão, a outros torturarão nas sinagogas de vocês, e os perseguirão de cidade em cidade. Desse modo, virá sobre vocês todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que vocês assassinaram entre o santuário e o altar. Eu garanto a vocês: tudo isso acontecerá a essa geração". Essa é, talvez, a passagem em que mais Jesus chamou a liderança religiosa de hipócrita. Aqui, desnudou aqueles falsos líderes, demonstrando que realmente preocupavam-se tão somente com aquilo que pudesse satisfazer seus desejos, explorando, para isso, a fé do povo. Infelizmente, tal forma de proceder está presente nos “lideres” contemporâneos. Mc 2,1-12: “Alguns dias depois, Jesus entrou de novo na cidade de Cafarnaum. Logo se espalhou a notícia de que Jesus estava em casa. E tanta gente se reuniu aí que já não havia lugar nem na frente da casa. E Jesus anunciava a palavra. Levaram então um paralítico, carregado por quatro homens. Mas eles não conseguiam chegar até Jesus, por causa da multidão. Então fizeram um buraco no teto, bem em cima do lugar onde Jesus estava, e pela abertura desceram a cama em que o paralítico estava deitado. Vendo a fé que eles tinham, Jesus disse ao paralítico: 'Filho, os seus pecados estão perdoados'. Ora, alguns doutores da Lei estavam aí sentados, e começaram a pensar: 'Por que este homem fala assim? Ele está blasfemando! Ninguém pode perdoar pecados, porque só Deus tem poder para isso!' Jesus logo percebeu o que eles estavam pensando no seu íntimo, e disse: 'Por que vocês pensam assim? O que é mais fácil dizer ao paralítico: 'Os seus pecados estão perdoados', ou dizer: 'Levante-se, pegue a sua cama e ande?' Pois bem, para que vocês saibam que o Filho do Homem tem poder na terra para perdoar pecados, - disse Jesus ao paralítico eu ordeno a você: Levante-se, pegue a sua cama e vá para casa'. O paralítico então se levantou e, carregando a sua cama, saiu diante de todos. E todos ficaram muito admirados e louvaram a Deus dizendo: 'Nunca vimos uma coisa assim!'". Algumas vezes esses críticos não tinham coragem de externar suas idéias; mas, mesmo assim, no íntimo, o faziam. Jesus, conhecendo-lhes o pensamento, rebate essa crítica “mental” para não perder mais essa oportunidade de provar-lhes a incoerência de suas atitudes. Mc 2,15-17: “Mais tarde, Jesus estava comendo na casa de Levi. Havia vários cobradores de impostos e pecadores na mesa com Jesus e seus discípulos; com efeito, eram muitos os que o seguiam. Alguns doutores da Lei, que eram fariseus, viram que Jesus estava comendo com pecadores e cobradores de impostos. Então eles perguntaram aos discípulos: 'Por que Jesus come e bebe junto com cobradores de impostos e pecadores?' Jesus ouviu e respondeu: 'As pessoas que têm saúde não precisam de médico, mas só as que estão doentes. Eu não vim para chamar justos, e sim pecadores'". Mas não havia nada que Jesus fizesse que agradasse essa liderança religiosa... Tudo quanto fazia era motivo de críticas. Será que é mera coincidência o que está acontecendo nos dias atuais em relação ao Espiritismo, ou será que os líderes religiosos de hoje são os saduceus e fariseus de antanho em nova reencarnação? Mc 2,18-22: “Os discípulos de João Batista e os fariseus estavam fazendo jejum. Então alguns perguntaram a Jesus: 'Por que os discípulos de João e os discípulos dos fariseus fazem jejum e os teus discípulos não fazem?' Jesus respondeu: 'Vocês acham que os convidados de um casamento podem fazer jejum enquanto o noivo está com eles? Enquanto o noivo está presente, os convidados não podem fazer jejum. Mas vão chegar dias em que o noivo será tirado do meio deles. Nesse dia eles vão jejuar. Ninguém põe um remendo de pano novo em roupa velha; porque o remendo novo repuxa o pano e o rasgo fica maior ainda. Ninguém coloca vinho novo em barris velhos; porque o vinho novo arrebenta os barris velhos, e o vinho e os barris se perdem. Por isso, vinho novo deve ser colocado em barris novos'". O apego às determinações de Moisés também era um dos motivos pelos quais eles não deixavam de criticar as atitudes de Jesus, já que o Mestre não parecia muito disposto a seguir ao pé da letra tais recomendações. Analisando a sua resposta podemos entender que Jesus claramente sobrepõe seus ensinamentos aos de Moisés; todavia, apesar disso ser tão óbvio, a liderança religiosa finge não ver. Para ela é interessante manter também a legislação anterior, pois é desta a premissa de que só se salvará aquele fiel que, pontualmente, pagar o dízimo. Lc 16,14-15: “Os fariseus, que são amigos do dinheiro, ouviam tudo isso, e caçoavam de Jesus. Então Jesus disse para eles: 'Vocês gostam de parecer justos diante dos homens, mas Deus conhece os corações de vocês. De fato, o que é importante para os homens, é detestável para Deus'”. Mais uma vez, Jesus ressalta a hipocrisia dos fariseus. Assim, como ocorria àquela época, a liderança religiosa atual caçoa daqueles que vêm justamente tentar restaurar os verdadeiros ensinamentos de Jesus mediante o Espiritismo. Lc 19,37-40: “Quando Jesus estava junto à descida do monte das Oliveiras, toda a multidão de discípulos começaram, alegres, a louvar a Deus em voz alta, por todos os milagres que tinham visto. E dizia: 'Bendito seja aquele que vem como Rei, em nome do Senhor! Paz no céu e glória no mais alto do céu'. No meio da multidão, alguns fariseus disseram a Jesus: 'Mestre, manda que teus discípulos se calem'. Jesus respondeu: 'Eu digo a vocês: se eles se calarem, as pedras gritarão'”. Nota-se que, até mesmo o fato de Jesus ter sido aclamado pelos seus discípulos, incomodava os fariseus. Mas não ficaram sem resposta, já que esse é o estilo do Mestre, que perfeitamente estamos identificando ao longo desse estudo. Aqui, terminamos as passagens em que Jesus responde a todas as críticas dos seus opositores, dando, a todas elas, a devida resposta. Não os poupou ao chamá-los de hipócritas, raça de víboras, entre outras denominações. Entretanto, agora vamos apresentar uma atitude ainda mais enérgica de Jesus, a qual demonstra, perfeitamente, que ele não agia como um manso cordeirinho, conforme querem que pensemos. Vejamos: Mt 21,12-13: “Jesus entrou no Templo, e expulsou todos os que vendiam e compravam no Templo. Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos vendedores de pombas. E disse: 'Está nas Escrituras: 'Minha casa será chamada casa de oração'. No entanto, vocês fizeram dela uma toca de ladrões". Nesse ponto, mais energicamente ainda, agiu Jesus ao expulsar do Templo os cambistas e todos os que estavam ali a vender, levando-nos a concluir que ele não era tão manso assim como querem pintá-lo. Acaba por insinuar que eram todos eles ladrões na toca. Bom; até agora somente apontamos passagens demonstrando que Jesus não cultivava o silêncio. Alguém poderia nos perguntar: “será que você não está distorcendo os fatos, considerando que, possivelmente, em algum momento, ele tenha mesmo silenciado?” A resposta é negativa: a verdade joga por terra toda essa idéia que tentam nos passar, ou seja, de um Mestre sem personalidade, pois, para nós, quem age tão mansamente assim é desprovido dessa característica. Vejamos então esta passagem: Mt 27,1-2.11-14: “De manhã cedo, todos os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo convocaram um conselho contra Jesus, para o condenarem à morte. Eles o amarraram e o levaram, e o entregaram a Pilatos, o governador. Jesus foi posto diante do governador, e este o interrogou: 'Tu és o rei dos judeus?' Jesus declarou: 'É você que está dizendo isso”. E nada respondeu quando foi acusado pelos chefes dos sacerdotes e anciãos. Então Pilatos perguntou: 'Não estás ouvindo de quanta coisa eles te acusam?' Mas Jesus não respondeu uma só palavra, e o governador ficou vivamente impressionado”. Está aí a única passagem em que Jesus nada respondeu. Foi exatamente aquela em que os chefes dos sacerdotes e anciões o acusaram diante de Pilatos. Mas isso se justifica, pois consciente de seu destino, em relação à sua missão, simplesmente entregou-se a ele. Pensamos que, se tivesse resistido, teria sido solto, obviamente, assim, se sua missão era morrer na cruz, esse fato não deveria ocorrer, se ele se defendesse a sua missão não teria sido cumprida. A conclusão obtida nesse estudo é a seguinte: devemos, sim, contestar todas as críticas e acusações que fazem ao Espiritismo, atitude perfeitamente compatível com a de Jesus a quem devemos seguir incondicionalmente. Mas, para que não fiquemos adstritos apenas à nossa opinião pessoal, vejamos o que o confrade Divaldo P. Franco, disse há tempos, especificamente em 17/06/2001, quando, ao comparecer no programa “Espiritismo Via Satélite”, pela Rede Visão, lhe fizemos esta pergunta: Caro Divaldo, considerando que Kardec no Projeto 1868, sugere que entre as atribuições da Comissão Central, a ser criada para coordenar o movimento espírita, estaria a refutação dos ataques ao Espiritismo, presumimos que os Espíritos Superiores concordaram com essa recomendação de Kardec. Assim lhe perguntamos: será que hoje os Espíritos não concordam com isso, ou seja, que não devemos refutar os ataques à Doutrina Espírita, ou isso é coisa dos Espíritas? A sua resposta foi: Naturalmente devemos refutar. Mas refutar numa linguagem nobre. O difícil é encontrar as pessoas que possuam condições para enfrentar esses debates sem descerem aos níveis infelizes dos agressores. A nossa imprensa Espírita, na medida do possível, através de homens e mulheres admiráveis, tem refutado as agressões que o Espiritismo vem sofrendo. Ainda há pouco lemos aqui, na Internet, a Rede Visão refutando agressões muito dolorosas, desonestas e não autenticas veiculadas por uma revista protestante que a espalhou por todo o mundo. Espíritas de diferentes países receberam essa revista, inclusive na Bélgica e na Itália, na qual está exarado um ataque muito grosseiro à reencarnação, sem qualquer fundamento, porque toda a documentação é adulterada e direcionada e, no entanto, aqui a Rede Visão, através da Internet como pode ser lida, está enfrentando. E o vem fazendo com muita assiduidade. Nós devemos, sim, refutar todas as agressões à Doutrina nobre, mas nunca descermos ao baixo nível dos nossos agressores. Apenas a título de informação: o que Divaldo cita que leu na Internet, são, por coincidência, textos de nossa autoria que estavam publicados no site da Rede Visão. O e-mail, do qual falamos no início, foi providencial e sinceramente já agradecemos ao autor por nos tê-lo enviado, pois ele foi motivo de estudo e reflexão de nossa parte. Se, antes, tínhamos alguma dúvida em relação à defesa da Doutrina Espírita, embora saibamos que o próprio Kardec não deixou por menos, fato que parece ser ignorado pela maioria dos Espíritas, agora não temos mais, pois enganaram-se os que pensam que Jesus ficou o tempo todo calado; e é por ele que nos esforçamos, tentando seguir o seu exemplo. Ecos do Passado - O paganismo no cristianismo É muito interessante quando temos às mãos alguma literatura, na qual encontramos informações sobre as religiões de antanho. Quem ainda não ficou completamente cego pelo fanatismo, percebe uma relação muito estreita entre alguns conceitos e determinadas práticas religiosas da antiguidade com os da atualidade. Vejamos, por exemplo, a cultura religiosa dos egípcios. Segundo as Escrituras Sagradas, os hebreus ficaram em escravidão no Egito por quatrocentos e trinta anos (Ex 12,40), o que nos leva, inevitavelmente, a acreditar que, de uma forma ou de outra, acabaram por incorporar em sua própria cultura parte da dos egípcios. Apontaremos alguns pontos curiosos que, nos dias atuais, podemos, perfeitamente, identificar como oriundos dessa cultura, que vieram a fazer parte do cristianismo, nos rituais religiosos praticados na atualidade. Seria, a nosso ver, por mais paradoxal que possa parecer, o paganismo dentro do cristianismo. Vejamos, então essas curiosidades: 1 - Procissão Vemos periodicamente como uma prática religiosa o ritual das procissões, que consiste em se percorrer um determinado trajeto, até um local pré-determinado, carregando uma imagem religiosa num andor. Mas qual é a origem desse ritual? Nas pesquisas que realizamos, tivemos oportunidade de verificar que tal ritual era praticado pelos egípcios; vejamos: O rio Nilo está em festa. Barcas enfeitadas homenageiam Amon, o deus dos mistérios e padroeiro dos navegantes. A população de Tebas, no sul do Egito, aguarda ansiosa o faraó e os sacerdotes que carregam nos ombros a imagem da divindade. Todos participam da Bela Festa do Vale, uma das mais importantes festividades do Egito Antigo, realizada no Médio Império (1975-1640 a.C.), no início do ano no calendário egípcio – ou meados de julho na contagem ocidental. (...). Antes da procissão, a estátua do deus passa por um ritual secreto. O faraó e os sacerdotes visitam o templo de Amon. Eles cantam, tocam instrumentos e queimam incenso para afastar qualquer energia negativa do ambiente... A imagem é perfumada, vestida e maquiada e, depois, recebe oferendas no templo de Karnak, o maior do mundo antigo. Do templo, o deus sai dentro de um andor e é transportado num barco. Durante a travessia as pessoas, em procissão, entoam cânticos e hinos sagrados. (...) (FELIPPE, 2003, pp. 40-45). Fato que também podemos comprovar em outra publicação, conforme se segue: Todos os anos, em meio a cantos, danças e celebrações, o faraó e os sacerdotes de Amon lideravam uma procissão que conduzia uma estátua dourada do deus celeste agonizante desde o santuário interno de Karnak até uma barcaça no Nilo. Esta era então rebocada pela barca real até o templo de Luxor. Enquanto os altos dignitários remavam cerimoniosamente a barcaça rio acima, soldados e camponeses nas margens a puxavam de fato com a ajuda de cabos. (GORE, 2002, pp. 8-35). Podemos ainda verificar que esse ritual consta em algumas narrativas bíblicas; vejamos: 1Rs 12,28-30: “Então Jeroboão teve a idéia de fazer dois bezerros de ouro. E disse ao povo: ‘Vocês já foram demais a Jerusalém. Israel, aqui está o seu Deus, aquele que tirou você da terra do Egito’. Colocou um dos bezerros em Betel e instalou o outro em Dã. Isso foi causa de pecado. O povo foi em procissão diante do bezerro até Dã”. 2Mc 6,5-7: “O próprio altar estava repleto de ofertas proibidas pela Lei. Não se podia celebrar o sábado, nem as festas tradicionais, nem mesmo se declarar judeu. Todo mês eram forçados a participar do banquete sacrifical, que se realizava no dia do aniversário do rei. Quando chegavam as festas de Dionísio, eram obrigados a participar da procissão em honra a Dionísio, com ramos de hera na cabeça”. Assim, fica evidenciado que o ritual da procissão é, realmente, uma prática religiosa que os hebreus copiaram dos egípcios. O cristianismo, por sua vez, manteve em seus rituais esse hábito do judaísmo citada em Sl 118,27: “Javé é Deus: ele nos ilumina! Formem procissão com ramos até os ângulos do altar”. 2 - Ressurreição da Carne Apesar de ser um dogma aceito pela maioria das religiões cristãs tradicionais, sua origem está intimamente ligada ao conceito que os egípcios tinham a respeito do corpo físico depois da morte. Os egípcios acreditavam que o corpo ressuscitaria magicamente do outro lado da vida por meio de um ritual chamado de ‘abertura da boca’. O sacerdote ou alguém da família tocava a boca do morto com um instrumento de metal para que ele pudesse ter uma boa passagem para o outro mundo e conseguisse pronunciar as palavras necessárias na hora do julgamento. (FELIPPE, 2003, pp. 40-45). Construídas com grandes blocos de pedra, as pirâmides nada mais eram do que as escusas tumbas dos faraós. Foram erguidas para abrigar o sarcófago do faraó até que sua alma voltasse ao corpo. O soberano supremo era enterrado com móveis, jóias e outros objetos, pois naquela época se acreditava que precisaria deles na outra vida. (A Magia do Egito nº 01, s/d, pp. 6-17). (...) Mas, para os egípcios, havia algo de maior significado que se expressava na preservação de bens valiosos dos mortos e construções de obras de estrutura física, que poderiam garantir uma outra vida além da morte, de muita fortuna. Para eles, após o falecimento do corpo, o morto de qualquer classe social teria uma existência semelhante à da Terra, mas sem os problemas e as necessidades desta. A morte, para os egípcios, tinha um especial interesse. Havia entre eles uma crença absoluta no renascer dos mortos. Por isso, a preocupação em preservar o cadáver e o desenvolvimento da técnica de mumificação. De acordo com sua religião, a alma precisava de um corpo para morar por toda a eternidade. Se a vida poderia durar eternamente, desde que a alma encontrasse no túmulo o corpo destinado a servir-lhe de morada, era preciso, portanto, preservar suas características físicas. Essa necessidade religiosa fez com que os egípcios desenvolvessem a técnica de mumificação. (A Magia do Egito nº 01, s/d, pp. 46-50). Assim, toda a crença dos egípcios estava centrada na possibilidade da vida após a morte, na qual acreditavam precisar do corpo físico para sobreviver, pois não tinham a menor consciência de que a nossa realidade é sermos um ser espiritual. Razão pela qual não haverá a mínima necessidade do corpo físico em uma dimensão completamente diversa da nossa, como querem os teólogos, apesar de se dizerem espiritualistas. Hoje em dia, aceitar que o corpo físico é que irá ressuscitar, é fazer vistas grossas para as leis divinas, que, pelo processo da decomposição, faz com que este corpo devolva à natureza os elementos que dela tomou emprestado. Estes, por sua vez, irão formar novas substâncias. 3 - Juízo Final Outra crença egípcia é a respeito do juízo final. Veja o que encontramos sobre o assunto: No mundo dos mortos, os egípcios eram julgados pelo deus Osíris e seus 42 assessores. Diante de cada juiz, o defunto declarava não ter passado por determinada infração. Seu coração era pesado numa balança. ‘Se pesasse mais que a pluma da justiça de Maat, a deusa da ordem universal, o morto seria engolido por um monstro em forma de crocodilo, leão e hipopótamo e teria, assim, uma morte definitiva, deixando por completo de existir’. (...) (FELIPPE, 2003, pp. 40-45). Tão logo falecia, a pessoa tinha de ser submetida a um julgamento pelo chamado Tribunal dos Deuses, uma espécie de justiça divina, presidido pelo deus Osíris. Segundo o ritual, o morto prostrava-se diante das autoridades celestiais e fazia uma espécie de confissão, na qual declarava que não cometera más ações durante sua vida. No centro, aparece o deus Anúbis, com cabeça de chacal, que faz a pesagem na balança – no prato, à direita, aparece o coração do morto, sede da consciência e onde estavam registradas suas ações na terra; no prato esquerdo, há uma pena, símbolo de Maat, a deusa da verdade: á direita, encontra-se Toth, que anota num papiro os resultados das pesagens. Se a pesagem constatar que o coração teve peso mais leve que a verdade, isso significava que o espírito não estava proferindo uma mentira quando afirmou que levou uma vida justa e respeitosa. Por isso, o tribunal posicionava-se que o mesmo estava apto a conquistar a vida eterna no paraíso. (A Magia do Egito nº 01, s/d, pp. 46-50). O julgamento final era a prova de fogo para que a pessoa morta alcançasse, finalmente, a vida eterna. No julgamento final, o morto deveria provar que foi verdadeiro e justo durante a vida, sem ter faltado com a verdade. Se a pessoa não passasse pelo julgamento final, estaria condenada a uma espécie de coma perpétuo, ou seja, teria então uma segunda morte porque, agora, o acesso à eternidade estaria vedado. (A Magia do Egito nº 01, s/d, pp. 6-17). É interessante essa maneira que percebiam o julgamento final de um indivíduo. Os cristãos adotaram esse juízo final, apesar de, contraditoriamente, dizerem que seremos julgados também logo após nossa morte. Haveria então dois julgamentos? Qual seria a utilidade deles? Quem fosse para o inferno no primeiro, poderia sair quando do segundo? 4 – Um ser gerado por um deus Encontramos no conceito religioso dos cristãos, a concepção de Jesus ocorrida por obra do Espírito Santo. Interessante que se isso ocorreu, Jesus deixa de ser descendente de Davi, contrariando as profecias a esse respeito. Mas, aqui, mais uma vez, percebemos que os egípcios também acreditavam na possibilidade de um deus fecundar uma mulher, leiamos: “Tamanha suntuosidade, tornou ImHotep uma figura célebre em todo Egito – depois de sua morte, ganhou status de um deus. Passou a ser considerado filho Ptah, o deus supremo de Mênfis, que teria fecundado uma mulher mortal”. (A Magia do Egito nº 01, s/d, pp. 36-45). Essa crença igualmente era compartilhada pelos gregos; senão vejamos: “Filho de Zeus e de uma mulher mortal, Alcmena, Heracles foi o maior e mais popular herói de toda a Grécia Antiga, embora a lenda tenha tido origem estritamente peloponésica” (Deuses Gregos nº 01, s/d, pp. 3340). Não devemos nos esquecer que os gregos também exerceram domínio sobre os judeus. 5 - Natal Vejamos o que encontramos a respeito do dia que dizem ser o do nascimento de Jesus: Quanto ao 25 de dezembro, ele só foi adotado por volta de 330 d.C. Nessa data, ocorria em Roma a festa pagã do Solis Invictus, o Sol Invencível. Comemorado logo após o solstício de inverno – quando o percurso aparente do Sol ocupa sua posição mais baixa no firmamento -, o festival homenageava o reinício do deslocamento da trajetória solar para o alto do céu, de onde os raios da estrela voltaram a aquecer generosamente a Terra. Frustrados na tentativa de acabar com a festa, os cristãos resolveram apropriar-se dela. (ARANTES, 2003, pp. 12-21). Esse fato não é do conhecimento da maioria dos cristãos; talvez somente os líderes religiosos saibam disso. É sabido que vários acontecimentos do passado longínquo se perderam, não chegando aos nossos dias, e os que chegam podem, por interesses, não terem sido relatados como exatamente acontecidos. 6 - Mediador A crença em que os líderes religiosos são os mediadores entre Deus e os homens não deixa de ser também uma crença egípcia; só que, ao invés dos líderes religiosos, o próprio Faraó era o mediador, conforme podemos comprovar: “O Faraó era visto pela população como um deus vivo, trazido à Terra para ser o mediador entre o céu e os homens. (...)” (FELIPPE, 2003, pp. 40-45). É o que vemos, em toda a Bíblia, na figura dos profetas, no Antigo Testamento e de Jesus, no Novo Testamento. A partir de sua morte essa intermediação, entre Deus e a humanidade, passa a ser feita pelos sacerdotes, pastores, etc. 7 - Culto aos Mortos A prática de se cultuar o faraó depois de sua morte, foi assimilada por alguns cristãos na forma de culto aos santos. Vejamos: “Normalmente, um faraó era cultuado somente após a morte, mas muitos soberanos utilizaram a religiosidade como instrumento de propaganda e conseguiram se tornar objeto de culto ainda em vida”. (FELIPPE, 2003, pp. 40-45). Dessa prática e da do culto a vários deuses, acabou a primeira sendo reforçada, ou seja, a do culto aos santos, que passou a responder por vários tipos de atividades relacionadas ao comportamento humano. Vejamos o item a seguir. 8 - Vários deuses (...) No princípio, do oceano primordial, auto-gerado, aparece Rá. Ele expele, de sua boca, Seb (o deus Ar) e Tefnut (Umidade). Deles nasce Geb (Terra) e Nut (Céu), pais de quatro filhos: Osíris, Íris e Seth e Néfits. Depois deles, surgem todas as outras divindades que, ao todo, somam mais de 2 mil. (...) (FELIPPE, 2003, pp. 40-45). A religião egípcia caracterizava-se, dessa maneira, como politeísta – quer dizer, aquela em que existem vários deuses. Do mesmo modo que a maioria das sociedades primitivas, o Egito tinha um panteão de deuses muito vasto. Era praticamente um deus para cada um dos muitos aspectos da vida cotidiana. (A Magia do Egito nº 02, s/d, pp. 18-23). Esse emaranhado de deuses, com suas atribuições, também acabaram dando origem às inúmeras atribuições que relacionaram a cada um dos santos. Vejamos, então alguns exemplos: Deuses Egípcios: Anúbis - Deus dos embalsamadores e da mumificação; Atum - Criador dos deuses, do homem e da ordem divina; Bastet - Deusa do lar, do fogo e das grávidas; Bes - Deus da música, dança e da família. Protetor das mulheres grávidas; Geb - Deus da terra, guia dos mortos para o além; Hathor - Deusa das mulheres, do amor e da música; Imhotep - Patrono dos escribas, curador, sábio e mágico; Ísis - Guardiã, deusa da mágica; Khonsu - Deus da lua; Maat - Deusa da ordem, das leis, da justiça e da verdade; Min - Deus da fertilidade masculina, patrono do deserto oriental; Montu - Deus da guerra. (Qual é o assunto? nº 02, s/d, pp. 4-6). No Catolicismo: Cosme e Damião, padroeiros dos médicos e protetores dos gêmeos e das crianças; São Brás, protetor dos que sofrem de engasgos ou doenças de garganta; Santo Antônio, padroeiro dos pobres e casamenteiro; São Cristóvão, protetor dos viajantes e motoristas; São Francisco de Sales, padroeiro dos escritores; São Judas Tadeu, advogado das causas desesperadas; Santa Bárbara, invoca-se esta para se proteger das tempestades e trovões; Santa Cecília, padroeira da música; Santa Inês, padroeira da castidade e das adolescentes; Santa Luzia, protetora da visão. Poderíamos acrescentar que tanto os gregos como os romanos também possuíam vários deuses e, da mesma maneira, cada um deles tinha uma atribuição própria. Assim, não percebemos nenhuma diferença entre os deuses da Antigüidade e os santos de hoje. 9 - Trindade Outro item que fazia parte da cultura religiosa dos egípcios, e do qual era mesmo de se esperar a sua incorporação na cultura religiosa dos judeus, é a Trindade. Entretanto, não sabemos por que razão essa só passou a ser admitida posteriormente no cristianismo a partir do século IV da era cristã. Leiamos: Os deuses costumavam ser divididos em grupos, geralmente em tríades compostas por duas divindades adultas e uma jovem. Assim, por exemplo, existe a tríade de Tebas, que compreende Amon-Rá, Mut e Khons, divindades dos três principais templos de Karnak. (A Magia do Egito nº 5, s/d, pp. 14-21). Além disso, podemos acrescentar que todos os povos, que dominaram os judeus, tinham três deuses, como base de sua cultura religiosa. Duas coisas mais merecem destaque, embora não pertencentes à cultura egípcia: uma é a origem de Satã e a outra a dos Dez Mandamentos; é o que veremos a seguir. 10 – Satã Vejamos: Sob a influência das doutrinas de Zaratustra, os judeus começaram a crer na existência dum espírito que procurava desfazer a obra de Jeová. E a esse adversário deram o nome de Satã. Passaram a odiá-lo e temê-lo, e no ano 331 convenceram-se de que Satã andava pela terra. (VAN LOON, 1951, p. 122). Assim, da cultura persa, que possuía o deus do bem (Ahura-Mazda) e o do mal (Ahriman), tiraram o ser denominado Satã correspondendo a esse último. 11 - Leis Morais Informam-nos que “Os babilônicos desenvolveram as leis morais mais tarde incorporadas por Moisés nos Dez Mandamentos e que ainda hoje constituem os alicerces do cristianismo”. (VAN LOON, 1951, p. 103). Essa informação, que nos parece muitíssimo interessante, nos dá notícia de que até mesmo os Dez Mandamentos não se trata de coisa original, pois, como estamos constatando, foram também copiados de outra cultura. Para nós tem sentido, uma vez que Deus nunca estabeleceria um mandamento só para homens como o “não cobiçar a mulher do próximo” (Ex 20,17); portanto, estamos diante de um preceito absolutamente machista; obviamente, reflexo cultural da sociedade daquela época. Ficamos a pensar: e se fizermos um levantamento completo, o que mais acharíamos para acrescentar a essa nossa pequena lista? Por que será que o homem ainda mantém em suas práticas coisas absolutamente ultrapassadas pelo tempo? Umas são realizadas sobre o pretexto de estarem na Bíblia, no pressuposto de que tudo que ali contém é absolutamente verdadeiro. Mentes abertas têm colocado em cheque esse pensamento, fazendo com que muitas pessoas possam ver além do véu. Há provas de que muitas coisas que ali estão são fruto de lendas, mitologias, outras não sustentadas pela ciência; enfim, uma verdadeira miscelânea! Essas mentes abertas, de que estamos falando, são as pessoas que aplicam integralmente uma recomendação que deveria servir para todos: “Examinem tudo e fiquem com o que é bom” (1Ts 5,21). Por outro lado, vemos como uma necessidade urgente de se aplicar essa análise ao Espiritismo como um alerta para que, nós, os espíritas, não venhamos a desfigurá-lo, trazendo para dentro de nossas casas espíritas determinadas práticas que nada têm a ver com os princípios ditados pelos Espíritos Superiores a Kardec. Pois, infelizmente, estamos vendo que muitos companheiros, embora agindo de boa vontade, mas sem nenhum respaldo doutrinário, desejam implantar, em nosso meio, práticas totalmente desvinculadas do que poderíamos chamar de verdadeira essência do Espiritismo, tais como: terapia de vidas passadas, cromoterapia, uso de cristais, roupas especiais, etc. Não que estejamos condenando-as e aos que as praticam, entendemos que, apesar da eficácia de algumas, não devem ser realizadas em qualquer instituição espírita, pois podem levar as pessoas a buscarem tais técnicas a fim de se livrarem de seus problemas, esquecidos de que o mais importante é a reforma íntima e a prática do bem. Ressurreição da Carne? Não é de hoje que este assunto é encarado, pelos fiéis das inúmeras correntes religiosas cristãs, como uma coisa líquida e certa. Entretanto, a ciência vem afirmar que o nosso corpo físico, no processo de sua decomposição, restitui à natureza os elementos - carbono, hidrogênio, azoto, oxigênio, etc. - de quem tomou emprestado. Este é mais um dos muitos motivos pelo qual não se concilia a Ciência com a religião; mas numa análise mais profunda, sem preconceito e nem dogmatismo, vimos que, biblicamente falando, a ressurreição nunca foi a da carne, como se apregoa por aí. Parece-nos que, pela análise de algumas passagens bíblicas, o que encontramos foi justamente o contrário. Vejamos: Mt 22,30: “De fato, na ressurreição, os homens e as mulheres não se casarão, pois serão como os anjos do céu”. Todos nós acreditamos que, indiscutivelmente, os anjos não possuem corpo físico. Logo quando Jesus afirma que na ressurreição os homens e mulheres serão como os anjos do céu e que, por isso não se casarão, Ele nos remete à questão da ressurreição espiritual. Jo 4,24: “Deus é Espírito...” Aqui temos um paradoxo, pois a nós, segundo a crença dogmática, caberia viver no plano espiritual na mesma condição de vida que tínhamos aqui no plano físico, enquanto Deus, nesse mesmo plano para o qual iremos, vive puramente na condição espiritual. Absurdo teológico, incompatível com a lógica, pois o plano espiritual está para o corpo espiritual, como o plano terreno está para o corpo físico. Para a manutenção da vida do nosso invólucro carnal é necessário, dentre inúmeras coisas, oxigênio, água e alimentação. Será que haverá necessidade de tudo isso no lugar para onde dizem que iremos após a morte? O pior é que todas essas coisas deverão existir tanto no céu quanto no inferno, já que muitos correm o risco de terem como destino o lago de fogo. Quem sabe um milagre resolva essa questão?... Jo 6,63: “... o espírito é que dá vida, a carne de nada serve”. Será que os teólogos nunca leram essa passagem? Se a carne de nada serve, então qual a sua utilidade no plano espiritual? Lc 16,19-23: “Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino, e dava banquete todos os dias. E um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, que estava caído à porta do rico... Aconteceu que o pobre morreu, e os anjos o levaram para junto de Abraão. Morreu também o rico, e foi enterrado. No inferno, em meio aos tormentos, o rico levantou os olhos, e viu de longe Abraão, com Lázaro a seu lado”. Considerando-se que o rico foi enterrado, pode-se concluir que foi isso o que ocorreu também a Lázaro. Tendo acontecido isso, forçosamente somos obrigados a aceitar que esses dois personagens não foram em seus corpos físicos para o outro lado da vida, já que se encontravam, conforme a narrativa, na condição de espíritos. Lc 23,43: “Jesus respondeu: ‘Eu lhe garanto: hoje mesmo você estará comigo no Paraíso’". Se essa afirmativa atribuída a Jesus for verdadeira, então a condição em que o “bom ladrão” transportou-se ao “paraíso” foi na condição espiritual, pois seu corpo deve, segundo o costume da época, ter servido de repasto aos urubus, já que os corpos dos executados, nessas condições, ficavam expostos para impressionar os transeuntes. Lc 23,46: “Pai, em tuas mãos entrego o meu Espírito”. Acaso Jesus tivesse dito, pelo menos, “Pai, em tuas mãos entregome”, poderia haver alguma dúvida quanto ao fato. Entretanto, Ele entrega o seu espírito, já que sabia que a carne de nada serve, conforme já houvera afirmado. 1Cor 15,44-50: “... é semeado corpo animal, mas ressuscita corpo espiritual. Se existe um corpo animal, também existe um corpo espiritual,... a carne e o sangue não poderão herdar o reino de Deus”. Paulo, sempre usado para sustentar algumas interpretações de conveniência, é quem também podemos usar para contestar, por mais uma vez, a crença na ressurreição da carne. Observe que o apóstolo dos gentios diz taxativamente que ressuscita o corpo espiritual e arremata, como que para não deixar dúvidas, dizendo que o corpo físico não pode herdar o reino de Deus. Esses textos, aqui relacionados, são suficientes para reconhecermos que iremos ressuscitar no corpo espiritual e não no corpo físico, como ainda é aceito e defendido por muitos. Mas alguém poderia objetar dizendo que Jesus teria ressuscitado em corpo físico, fato que confirmaria a ressurreição da carne. Pelos relatos bíblicos Jesus foi crucificado às nove horas da manhã. Parece-nos tempo insuficiente para que, já às primeiras horas do dia, ocorresse primeiro a reunião do Sinédrio, depois, em relação a Jesus, sua prisão, as torturas que sofreu, sua condução a Pilatos, a Herodes, e a Pilatos novamente, para que caminhasse até o Gólgota carregando a cruz, deixando-nos em dúvida quanto aos fatos descritos como ocorridos. Uma coisa que poucos sabem é que a morte por crucificação não era imediata; levava-se, segundo alguns estudiosos, de dois a três dias, outros estendem esse tempo a até cinco dias. Como não quebraram seus ossos, o que faziam para apressar a morte do condenado, e considerando o tempo entre a crucificação e morte foi de apenas seis horas, resta-nos a dúvida, por não termos elementos seguros para acreditar no relatado. É tão evidente que o tempo foi curto que até Pilatos, quando foram reclamar-lhe o corpo, se surpreende de que Jesus já havia morrido (Mc 15,44). Como o dogmatismo não manda mais ninguém para a fogueira, querendo demonstrar previamente como os ímpios irão arder no fogo do inferno, pensadores têm surgido questionando até mesmo a veracidade dos próprios textos bíblicos, quanto à realidade da morte de Jesus na cruz. Essas dificuldades que acabamos de colocar, podem nos remeter a essa hipótese. Para se ver, por exemplo, que os relatos não são tão mais inquestionáveis assim, transcrevemos, do capítulo “JESUS NÃO MORREU NA CRUZ” constante do livro A Sociedade Secreta de Jesus, o seguinte trecho: Ao raiar do dia, no sábado, vendo o sepulcro aberto e tendo o corpo de Jesus sumido, os guardas, com medo de Pilatos, vão até os sacerdotes saduceus e contam-lhes a história do desaparecimento do corpo de Jesus. No que os sacerdotes saduceus tranqüilizam os guardas e garantem que, caso a história chegue aos ouvidos de Pilatos, eles (os sacerdotes) iriam convencer Pilatos a não punir os guardas, deixando-os em paz, pois era sabido que os discípulos de Jesus iriam mesmo tentar roubar o corpo. Esta história está parcialmente contada em Mateus (28:11-15) Entretanto, como o cadáver de Jesus jamais apareceu e isto desmoronaria a tese da ressurreição, pois ninguém ressuscita sem morrer e para morrer tem que haver um cadáver; este corpo de Jesus morto jamais apareceu. E Mateus, novamente, conta exatamente esta história do roubo do corpo, mas depois diz que é mentira. Para os próprios cristãos, segundo evidências claras na Bíblia, Jesus não morreu na cruz. Senão vejamos: João (20:11-17) - Dois essênios de branco (confundidos como anjos) são vistos no sepulcro e Jesus – depois de "morto" - diz para Madalena, dentro do sepulcro, que ainda não havia morrido. “Jesus disse-lhe: - Não Me detenhas porque ainda não subi para Meu Pai ". Lucas (24:4-5) - Dois essênios de branco, resplandecentes, estão no sepulcro vazio e falam para Madalena, Joana e Maria mãe de Tiago: - “Por que buscais entre os mortos Aquele que vive?" Mateus (28:3) - Um essênio, vestido de branco, estava no sepulcro e fala às mulheres sobre o desaparecimento do corpo de Jesus. (Aqui uma questão simples: Se Jesus tivesse morrido (matéria) e ressuscitado (espírito)... onde foi parar o corpo? Tinha de haver um corpo. Tinha de haver a matéria). Marcos (16:5) - Um jovem essênio, vestido de branco, guardava o túmulo de Jesus e fala com Madalena, Salomé e Maria Mãe de Tiago. - Aqui sai Joana e entra Salomé, mas tudo bem - (Novamente a mesma questão simples: Se Jesus tivesse morrido e ressuscitado... onde foi parar o corpo?) João (20:5-7) - Pedro entra no sepulcro e encontra ataduras de curativos e ligaduras espalhadas por toda parte. (Se Jesus havia morrido na cruz... por que colocaram ataduras, remédios, ungüentos e ligaduras num "morto", como as que Pedro encontrou no sepulcro? Coloca-se atadura e remédio em morto?) Lucas (24:36-43) - Diante do espanto dos discípulos que imaginavam estar vendo um espírito, Jesus confessa aos discípulos, com todas as palavras que Ele não havia morrido na cruz. E para provar que era Ele mesmo, Jesus diz: - "Vede as Minhas mãos e os Meus pés?; Sou Eu mesmo!". E para provar que não era espírito e sim carne, complementa:- "Apalpai-me e olhai que um espírito não tem carne, nem ossos, como verificais que eu tenho!" E para encerrar de vez a discussão sobre espírito e matéria, Jesus pede comida aos discípulos ainda assombrados: - "Tendes aí alguma coisa que se coma?". Deram-lhe então uma posta de peixe assado e, tomando-a, comeu diante deles". Pode um relato ser mais claro? Ou seja, nem mesmo os cristãos, mais cegamente fiéis seguidores da Bíblia, podem acreditar na morte de Jesus na cruz, pois o relato de Lucas (24:26-43) é claro demais, cristalino demais, insofismável, resistente até ao mais insano dos exegetas de bicicleta. Jesus diz claramente que não havia morrido na cruz ("não ascendi ao pai"), que não era espírito e sim carne (e para provar que não era espírito e sim carne, complementa: Apalpa-me e olhai que espírito não tem carne nem ossos como verificais que eu tenho") e para finalizar Jesus pede comida e bebida, e de fato come peixe assado e bebe com os discípulos. (MACHADO, 2004, pp. 297-300). Argumentos que não encontramos meios de como rebatê-los; ainda mais pelo fato de encontrarmos essa mesma informação em outra fonte. Vejamos: Quando se refere à crucificação, o Alcorão diz o seguinte: ‘Eles não o mataram, não o crucificaram, mas isso lhes pareceu (Alcorão 4,156). ... Certos muçulmanos do Paquistão... para eles, Jesus foi de fato pregado à cruz, mas, quando o retiraram de lá, Ele ainda vivia. Então, livre da cruz, ele se curou e partiu para a Índia. (GUIDUCCI, s/d, p. 29). Tudo isso de certa forma poderia vir a corroborar o que está escrito em At 1,3: “Foi aos apóstolos que Jesus, com numerosas provas, se mostrou vivo depois da sua paixão: durante quarenta dias depois apareceu a eles,...”. Lucas, “... após fazer um estudo cuidadoso de tudo o que aconteceu desde o princípio,...” (Lc 1,3), afirma que Jesus se mostrou vivo, o que confirmaria aquilo que encontramos em outras fontes. É aqui que ficamos em dúvida, pois, se Jesus se apresentou fisicamente, então a tese, que apresentamos para uma reflexão, de que ele na verdade não morreu na cruz, seria uma possibilidade que deveria ser mais bem analisada. Todavia, alguém dirá: "Como é que os mortos ressuscitam? Com que corpo voltarão?" Insensato! Aquilo que você semeia não volta à vida, a não ser que morra. E o que você semeia não é o corpo da futura planta que deve nascer, mas simples grão de trigo ou de qualquer outra espécie. A seguir, Deus lhe dá corpo como quer: ele dá a cada uma das sementes o corpo que lhe é próprio. Nenhuma carne é igual às outras: a carne dos homens é de um tipo, a dos animais é de outro, e de outro a dos pássaros e de outro ainda a dos peixes. Há corpos celestes e há corpos terrestres. O brilho dos celestes, porém, é diferente do brilho dos terrestres. Uma coisa é o brilho do sol, outra o brilho da lua, e outra o brilho das estrelas. E até de estrela para estrela há diferença de brilho. O mesmo acontece com a ressurreição dos mortos: o corpo é semeado corruptível, mas ressuscita incorruptível; é semeado desprezível, mas ressuscita glorioso; é semeado na fraqueza, mas ressuscita cheio de força; é semeado corpo animal, mas ressuscita corpo espiritual. Se existe um corpo animal, também existe um corpo espiritual. Calma, não somos nós que está dizendo isso; é Paulo, o de Tarso (1Cor 15,35-44). Sua afirmação da existência do corpo espiritual é de tamanha clareza que não deveria deixar margem a dúvidas, nem tampouco o surgimento de interpretações equivocadas. Mas isso ainda não é tudo, pois, quando, um pouco mais à frente, ele arremata a sua argumentação, a coisa fica ainda mais clara; veja: “Eu lhes digo, irmãos, que a carne e o sangue não podem receber em herança o Reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorruptibilidade”. (1Cor 15,50). Há uma passagem muito elucidativa em que os saduceus, que afirmavam não existir ressurreição, perguntaram a Jesus sobre a situação de uma mulher que havia se casado com sete irmãos (para cumprir a lei do Levirato); queriam saber, quando da ressurreição, de qual dos sete ela seria mulher; ao que Jesus responde: “De fato, na ressurreição, os homens e as mulheres não se casarão, pois serão como os anjos do céu” (Mt 22,30). Ora, todos nós aceitamos que os anjos são seres espirituais; daí, se seremos iguais a eles, então, conseqüentemente, também seremos seres espirituais, condição em que ressuscitaremos. A afirmação de “seres espirituais” implica necessariamente na existência de um corpo espiritual. Na seqüência, ainda afirma Jesus: “Quanto à ressurreição dos mortos, não lestes o que Deus vos declarou: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó?’ Ora, ele não é Deus de mortos, mas sim de vivos” (Mt 22,32-33). Veja bem; se Deus é Deus de vivos, e os aqui citados foram Abraão, Isaac e Jacó, que já haviam morrido, concluímos que eles viviam na condição espiritual. Os que acham que a ressurreição será no final dos tempos, devem ficar desconcertados diante dessa passagem, pois, apesar do final dos tempos ainda não ter chegado, Jesus sugere que esses três personagens já estavam ressurretos e, portanto, vivos. A visão de Pedro sobre a morte e ressurreição de Cristo, também não deixa margem à ressurreição da carne. Segundo ele, o que aconteceu foi que Jesus “... Morto na carne, foi vivificado no espírito, no qual foi também pregar aos espíritos em prisão,” (1Pe 3,18-19). Assim, diante disso e de tudo o que já colocamos anteriormente, como ainda advogar a ressurreição da carne? Ela, a ressurreição da carne, falando à maneira do gosto de muitos teólogos, não possui respaldo bíblico. Terminamos o estudo sobre esse assunto, esperando contribuir para o esclarecimento dessa questão; mas, obviamente, não passa por nossa cabeça a unanimidade em relação ao que expomos, já que muitas pessoas, infelizmente, possuem a mente fechada para qualquer coisa que vá de encontro ao seu pensamento original, mesmo sendo este completamente contraditório. Pior ainda são os adeptos do: “creio, ainda que absurdo!”. Percebemos, em algumas pessoas, um certo medo de questionar o que a teologia tradicional lhes passou: isso é fruto de um terrorismo religioso, pois quem está com a verdade não teme absolutamente nada. Entretanto, os que são frágeis na convicção e os que sabem que suas idéias não são realmente verdadeiras, farão de tudo para contestar aquilo que possa contrariar seus interesses. Mas devemos lembrar Jesus que dizia: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8,32). Encerramos, ressaltando que: “... onde se acha o Espírito do Senhor aí existe a liberdade” (2Cor 3,17), do que é fácil concluir que, onde não há liberdade, o Espírito do Senhor não se encontra. Ressurreição ou Reencarnação? Recebemos um pedido de um leitor para desenvolvermos um estudo sobre o tema acima. É o que tentaremos fazer. Por ser assunto ligado especialmente às crenças religiosas, nos leva a buscar a Bíblia como fonte de pesquisa. Is 26,19: “Os teus mortos e também o meu cadáver viverão e ressuscitarão; despertai e exultai, os que habitais no pó, porque o teu orvalho será como o orvalho das ervas, e a terra lançará de si os mortos”. Dn 12,1-2: “E naquele tempo se levantará Miguel, o grande príncipe, que se levanta a favor dos filhos do teu povo, e haverá um tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo; mas naquele tempo livrar-se-á o teu povo, todo aquele que for achado escrito no livro. E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno”. Os 6,1-2: “Vinde, e tornemos ao Senhor, porque ele despedaçou, e nos sarará; feriu, e nos atará a ferida. Depois de dois dias nos dará a vida; ao terceiro dia nos ressuscitará, e viveremos diante dele”. Podemos constatar que, desde a antiguidade, já se acreditava que um dia iremos ressuscitar. Entretanto, essa idéia não era muito nítida quanto a sua abrangência e nem quanto à época em que ocorrerá a nossa ressurreição. Daniel, por exemplo, disse que muitos dos que dormem ressuscitarão. Será que estaria querendo dizer que a ressurreição não seria para todos? Disse mais: que uns para a vida eterna e outros para a vergonha e desprezo eterno. Não devemos atribuir a Deus sentimento de desprezo, ainda mais eterno, pois onde ficaria sua misericórdia, que também é eterna? Poderíamos, sim, ver aí apenas um simbolismo: os que irão para a vida eterna são os Espíritos que não necessitam mais da reencarnação, ao passo que os que irão para a vergonha e desprezo eterno, são os que ainda permanecerão presos ao ciclo das reencarnações sucessivas, até que um dia atinjam as mesmas condições dos primeiros. Devemos entender que esse ciclo é eterno enquanto dure, já que o termo eterno, neste caso, significa um período de longa duração. Oséias já nos traz a idéia de uma ressurreição próxima ao da nossa passagem para o mundo espiritual, para vivermos eternamente diante de Deus. Diferente de Daniel, não faz qualquer tipo de exclusão, como, também, não disse de nenhuma condenação eterna. De sua fala podemos concluir que todos receberemos o “prêmio”, muito embora não sendo tão imediato esse estar “vivendo diante Dele”, mas, sim, quando nos tornarmos Espíritos puros, não necessitando mais reencarnar. Mt 14,1-2: “Por aquela mesma época, o tetrarca Herodes ouviu falar de Jesus. E disse aos seus cortesãos: 'É João Batista que ressuscitou. É por isso que ele faz tantos milagres'”. Mt 16,13-14: “Chegando ao território de Cesaréia de Felipe, Jesus perguntou a seus discípulos: 'No dizer do povo, quem é o Filho do homem?' Responderam: 'Uns dizem que é João Batista; outros, Elias; outros, Jeremias ou um dos profetas'”. Temos, agora, uma das idéias que faziam da ressurreição; nessa circunstância é o que denominamos de reencarnação. Se pensavam que Jesus poderia ser João Batista, Elias, Jeremias ou um dos profetas, é porque, sem sombra de dúvidas, acreditavam que alguém morto poderia voltar em outro corpo; não há como fugir dessa verdade! Entretanto, neste caso específico, Jesus só não poderia ser João Batista reencarnado, pois eles viveram na mesma época. Mt 11,14: “E, se quereis compreender, é ele o Elias que devia voltar”. É uma afirmação positiva de Jesus. Ao falar que João Batista era o Elias, Jesus diz em outras palavras, e numa expressão mais simples, que João Batista era o Elias reencarnado. A expressão “devia voltar” pode-se muito bem entender que estaria querendo dizer “devia ressuscitar”. Mt 28,5-6: “Mas, o anjo disse às mulheres: 'Não temais! Sei que procurais a Jesus que foi crucificado. Não está aqui: ressuscitou, como disse'”. Comprovação evangélica de que a ressurreição, como voltar à condição de espírito, existe e ninguém contesta tal possibilidade. Seria uma outra idéia que tinham a respeito da ressurreição. Já que a ressurreição aqui narrada não se trata da dita ressurreição do final dos tempos, podemos concluir, sem medo de errar, que, naquela época, acreditavam em dois tipos de ressurreição. Hoje compreendemos estes dois tipos da seguinte forma: uma, de imediato, quando, pela morte do nosso corpo físico, voltamos à condição de Espírito; outra, no final dos tempos, quando, finalmente sairmos do ciclo da reencarnação tornando-nos espíritos puros. Mt 9,18-19.23-26: “Falava ele ainda, quando se apresentou um chefe de sinagoga. Prostrou-se diante dele e lhe disse: 'Senhor, minha filha acaba de morrer: Mas vem, impõe-lhe as mãos e ela vivera'. Jesus levantou-se e o foi seguindo com seus discípulos. Chegando à casa do chefe da sinagoga, viu Jesus os tocadores de flauta e uma multidão alvoroçada. Disse-lhes: 'Retirai-vos, porque a menina não está morta; ela dorme'. Eles, porém, zombaram dele. Tendo saído a multidão, ele entrou, tomou a menina pela mão e ela levantou-se. Esta notícia espalhou-se por toda a região”. Lc 7,11-16: “No dia seguinte dirigiu-se Jesus a uma cidade chamada Naim. Iam com ele diversos discípulos e muito povo. Ao chegar perto da porta da cidade, eis que levavam um defunto a ser sepultado, filho único de uma viúva; acompanhava-a muita gente da cidade. Vendo-a o Senhor, movido de compaixão para com ela, disse-lhe: 'Não chores!' E aproximou-se, tocou no esquife, e os que o levavam, pararam. Disse Jesus: 'Moço, eu te ordeno, levanta-te'. Sentou-se o que estivera morto e começou a falar, e Jesus entregou-o à sua mãe”. Estes dois casos de ressurreição poderiam muito bem ser idênticos aos que ainda acontecem nos dias de hoje. Apesar de todo o avanço da Medicina do Século XX, ela também se engana. Veja o que foi registrado pelo Jornal “O Estado de Minas” na coluna “Um dia no Mundo”: Em 01.11.94 – Título: Ex-defunto “Uma religiosa budista de 71 anos provocou pânico entre os sacerdotes presentes em seu enterro, quando acordou em meio a seu próprio funeral, depois de ter parado de respirar durante 24 horas, informou ontem uma fonte de Bangcoc. A ex-defunta foi levada então para um hospital e estava bem viva e em boa saúde, segundo declarou um médico, explicando que a religiosa sofrera um ataque de diabetes e perdido os sentidos (mas nada disse sobre o fato de ele ter parado de respirar)”. Em 18.04.96 – Título: Ressurreição “A britânica Maureen Jones, 59 anos, foi oficialmente declarada morta por um médico depois de sofrer um ataque de diabetes. Momentos depois, cumprindo função de rotina, policiais examinaram o corpo e, mexendo em suas pernas, a ressuscitaram. Este foi o segundo caso deste tipo neste ano na Grã-Bretanha. Em janeiro, a mulher de um fazendeiro, Daphne Banks, 61 anos, foi encontrada viva dentro de um necrotério, na região central do país, depois que um médico a declarou morta. Mais tarde, Daphne disse que estava tentando se matar”. Se nos dias atuais ainda acontece isso, imagine antigamente, quando a Medicina não conhecia tais fenômenos. Era, ou não era, para têlos como milagre? Observemos que, no caso da filha de Jairo, Jesus chegou a dizer “a menina não está morta; ela dorme”; assim, houve, na verdade, uma cura, não uma ressurreição propriamente dita. Jo 11,1-44: “Ora, estava enfermo um homem chamado Lázaro, de Betânia, aldeia de Maria e de sua irmã Marta. E Maria, cujo irmão Lázaro se achava enfermo, era a mesma que ungiu o Senhor com bálsamo, e lhe enxugou os pés com os seus cabelos. Mandaram, pois, as irmãs dizer a Jesus: 'Senhor, eis que está enfermo aquele que tu amas'. Jesus, porém, ao ouvir isto, disse: “Esta enfermidade não é para a morte, mas para glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela”. Ora, Jesus amava a Marta, e a sua irmã, e a Lázaro. Quando, pois, ouviu que estava enfermo, ficou ainda dois dias no lugar onde se achava. Depois disto, disse a seus discípulos: 'Vamos outra vez para Judéia'. Disseram-lhe eles: 'Rabi, ainda agora os judeus procuravam apedrejar-te, e voltas para lá?' Respondeu Jesus: 'Não são doze as horas do dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo; mas se andar de noite, tropeça, porque nele não há luz'. E, tendo assim falado, acrescentou: 'Lázaro, o nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo do sono'. Disseram-lhe, pois, os discípulos: 'Senhor, se dorme, ficará bom'. Mas Jesus falara da sua morte; eles, porém, entenderam que falava do repouso do sono. Então Jesus lhes disse claramente: 'Lázaro morreu; e, por vossa causa, folgo de que eu lá não estivesse, para que creiais; mas vamos ter com ele'. Disse, pois, Tomé, chamado Dídimo, aos seus condiscípulos: 'Vamos nós também, para morrermos com ele'. Chegando, pois Jesus encontrou-o já com quatro dias de sepultura. Ora, Betânia distava de Jerusalém cerca de quinze estádios. E muitos dos judeus tinham vindo visitar Marta e Maria, para as consolar acerca de seu irmão. Marta, pois, ao saber que Jesus chegava, saiu-lhe ao encontro; Maria, porém, ficou sentada em casa. Disse, pois, Marta a Jesus: 'Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. E mesmo agora sei que tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá'. Respondeu-lhe Jesus: 'Teu irmão há de ressurgir'. Disse-lhe Marta: 'Sei que ele há de ressurgir na ressurreição, no último dia'. Declarou-lhe Jesus: 'Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo aquele que vive, e crê em mim, jamais morrerá. Crês isto?' Respondeu-lhe Marta: 'Sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo'. Dito isto, retirou-se e foi chamar em segredo a Maria, sua irmã, e lhe disse: 'O Mestre está aí, e te chama'. Ela, ouvindo isto, levantou-se depressa, e foi ter com ele. Pois Jesus ainda não havia entrado na aldeia, mas estava no lugar onde Marta o encontrara. Então os judeus que estavam com Maria em casa e a consolavam, vendo-a levantar-se apressadamente e sair, seguiram-na, pensando que ia ao sepulcro para chorar ali. Tendo, pois, Maria chegado ao lugar onde Jesus estava, e vendo-o, lançou-se-lhe aos pés e disse: 'Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido'. Jesus, pois, quando a viu chorar, e chorarem também os judeus que com ela vinham, comoveu-se em espírito, e perturbou-se. E perguntou: 'Onde o puseste?' Responderam-lhe: 'Senhor, vem e vê'. Jesus chorou. Disseram então os judeus: 'Vede como o amava'. Mas alguns deles disseram: 'Não podia ele, que abriu os olhos ao cego, fazer também que este não morresse?' Jesus, pois, comovendo-se outra vez, profundamente, foi ao sepulcro; era uma gruta, e tinha uma pedra posta sobre ela. Disse Jesus: 'Tirai a pedra'. Marta, irmã do defunto, disse-lhe: 'Senhor, já cheira mal, porque está morto há quase quatro dias'. Respondeu-lhe Jesus: 'Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?' Tiraram então a pedra. E Jesus, levantando os olhos ao céu, disse: 'Pai, graças te dou, porque me ouviste. Eu sabia que sempre me ouves; mas por causa da multidão que está em redor é que assim falei, para que eles creiam que tu me enviaste'. E, tendo dito isso, clamou em alta voz: 'Lázaro, vem para fora!' Saiu o que estivera morto, ligados os pés e as mãos com faixas, e o seu rosto envolto num lenço. Disse-lhes Jesus: 'Desligai-o e deixai-o ir'”. Se Jesus disse: “esta enfermidade não é para a morte” reafirmando, por essa outra, que “Lázaro, nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo do sono” essas duas afirmativas, estariam em contradição com a seguinte: “Então Jesus lhes disse claramente: Lázaro morreu”. Como não aceitamos que Jesus tenha se contradito, preferimos acreditar que houve uma interpolação ao texto original, para reforçar a idéia da ressurreição da carne, coisa que Jesus nunca ensinou, já que falava da ressurreição espiritual. Paulo confirma isso ao dizer: “Irmãos, garanto o seguinte: a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem o que é destrutível herdar a indestrutibilidade” (1Cor 15,50). Mt 22,23-32: “Naquele mesmo dia, os saduceus, que negavam a ressurreição, interrogaram-no: 'Mestre, Moisés disse: Se um homem morrer sem filhos, seu irmão case-se com a sua viúva, e dê-lhe assim uma posteridade. Ora, havia entre nós sete irmãos: o primeiro casou-se e morreu. Como não tinha filhos, deixou sua mulher ao seu irmão. O mesmo sucedeu ao segundo, depois ao terceiro, até ao sétimo. Por sua vez, depois deles todos, morreu também a mulher. Na ressurreição, de qual dos sete será a mulher, uma vez que todos a tiveram?' Respondeu-lhes Jesus: 'Errais, não compreendendo as Escrituras nem o poder de Deus. Na ressurreição, os homens não terão mulheres, nem as mulheres maridos: mas serão como os anjos de Deus no céu. Quanto à ressurreição dos mortos, não lestes o que Deus vos disse: 'Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó. Ora, ele não é o Deus dos mortos, mas Deus dos vivos'”. Nessa passagem Jesus nos traz a idéia de que a ressurreição é mesmo a espiritual. É pensamento comum, principalmente nas religiões dogmáticas, que iremos ressuscitar de corpo e alma no final dos tempos. Isso não condiz com aquele ensinamento de Jesus. Aliás, perguntamos: se os homens não terão mulheres, nem as mulheres maridos, qual a necessidade de ressuscitarmos neste mesmo corpo físico? Não seremos como os anjos do céu? E já que se diz que “anjo não tem sexo”, então qual seria a utilidade do corpo físico no plano espiritual? Se nós seremos iguais aos anjos do céu não é por que os anjos já foram homens? Se Deus, na criação, criou também os anjos, como poderemos distinguir o anjo que foi criado, do que foi um homem? Anjos, para nós Espíritas, nada mais são que Espíritos Puros, ou seja, espíritos humanos que evoluíram, os que não mais necessitam reencarnar; são os que “vivem diante Dele”. E, para concluir nosso estudo, perguntamos: qual das duas hipóteses – ressurreição do corpo ou ressurreição do espírito - estaria mais próxima do reconhecimento da Ciência? Mas, antes de respondermos, teremos que ter em mente: tudo o que a ciência descobriu ou vier a descobrir sobre as leis que regulam qualquer tipo de fenômeno, coisa ou situação, ela nada mais faz do que comprovar as leis divinas, já que tudo que existe no Universo é obra de Deus. A ciência diz que nosso corpo é composto principalmente de oxigênio, hidrogênio, azoto e carbono, que se combinaram para formá-lo; mas, uma vez morrendo e se decompondo, esses elementos vão para novas combinações, formar novos corpos minerais, vegetais e animais (aqui incluindo o homem). Assim, não haverá a mínima possibilidade de voltarmos ao mesmo corpo que tínhamos quando vivos. Está em plena expansão a TVP – Terapia de Vidas Passadas. Ainda não se pode dizer que é uma ciência; mas, mais cedo do que muitos pensam, será considerada como tal. Bom; a TVP é um processo que, por hipnose ou relaxamento profundo, o terapeuta utiliza para levar o indivíduo retornar mentalmente às suas vidas passadas, buscando nelas as causas determinantes dos atuais problemas do referido indivíduo. Cada vez mais encontramos médicos, psiquiatras e psicólogos lançando mão deste recurso terapêutico para cura de seus pacientes. Embora não seja uma de suas metas provar a reencarnação, fatalmente chegarão a isso. Além da TVP, encontramos também pesquisas sendo realizadas com métodos científicos buscando a comprovação dos fatos relatados por crianças que se lembraram espontaneamente de uma vida anterior. Por outro lado, se entendermos ressuscitar como fazer voltar à vida; reviver; ressurgir, como consta do Aurélio, e considerando o que se diz popularmente de ressurreição da carne ou, algumas vezes, de ressurreição na carne, podemos perceber duas situações para que isso ocorra. A ressurreição na carne significando voltar a viver em um novo corpo, ou seja, o que nós denominamos de reencarnação. Já ressurreição da carne, seria a saída definitiva do Espírito do ciclo da ressurreição na carne, para viver sua plena vida de Espírito imortal, isto é, deixando o ciclo das reencarnações sucessivas. Inferno ou Purgatório? É comum vermos as expressões: “a Bíblia diz”, “a Bíblia fala”, “porque está na Bíblia”, “a Bíblia emprega a palavra tal em tal sentido”, etc., como se ela fosse de fato um ser vivo com capacidade de pensar e até de se expressar. Não entendem alguns teólogos, principalmente os dogmáticos, que na verdade foram os autores bíblicos que pensaram e se expressaram, e ao longo do tempo, foi ela, por força da afirmativa de ser “a palavra de Deus”, adquirindo essa vida própria. Se tivermos mente aberta, para analisar seu conteúdo, veremos que existem várias passagens que não podem, de forma alguma, ser atribuídas a Deus. Isso, por outro lado, colocaria em cheque a questão de ser ela somente a palavra de Deus. Ora, como tudo que faz parte de rituais religiosos, em todos os tempos e lugares, assume o caráter sagrado, e considerando que a leitura da Bíblia, desde o advento do judaísmo, faz parte do seu ritual, a Bíblia, para o cristão, por ser lida no ritual da missa, também adquiriu o caráter sagrado, passando, por isso, a ter o nome de Bíblia Sagrada, como a conhecemos hoje. Devemos, para extrair a verdade que ela contém, analisar os fatores culturais e os de época que, de maneira irrefutável, influenciaram os autores bíblicos. Sabemos que muitas pessoas não admitem essas coisas, mas não podemos compactuar com a ignorância, e deixar as coisas como estão. Assim, para mantê-la intocável em sua essência, devemos mostrar que determinadas coisas nela citadas foram mudando de sentido (ou significado) com o passar dos tempos. De uma maneira geral, para uma pessoa, parece ser muito mais fácil acreditar em algo, mesmo que ele não exista, do que mudar o seu pensamento a respeito de alguma coisa em que ela já acredita. Assim, com certeza, o que iremos colocar não será ouvido por muitos. E talvez sejamos execrados por outros, além daqueles que irão nos mandar “arder no mármore do inferno”. Mas, nada disso nos fará silenciar diante do que nossa consciência nos diz para fazer, já que buscamos “a verdade que liberta”, não a que querem a todo custo nos impor. Achamos isso uma afronta à nossa inteligência, pois agem como se ninguém, a não ser eles, tivesse capacidade de pensar. Os cinco primeiros livros da Bíblia formam o Pentateuco. O Pentateuco é uma palavra grega que significa “cinco livros”. Antigamente foram atribuídos a Moisés. Hoje em dia, não mais, porque entre eles se relata a morte de Moisés. Compõe-se dos seguintes livros: Gênesis, Êxodo, Números, Levítico e Deuteronômio. A este último é que os judeus chamavam “a Lei”, já que nele se encontravam os mandamentos e os estatutos de Deus. O primeiro mandamento Divino aos homens, com a sua conseqüente penalidade, nós vamos encontrá-lo em: Gn 2,16-17: “E Javé Deus ordenou ao homem: ‘Você pode comer de todas as árvores do jardim. Mas não pode comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, com certeza morrerá’”. Assim, a pena para a desobediência ao mandamento seria a morte. Relaciona-se, pois, a uma situação presente, e não para futura. Mas, estranhamente, é o que se supõe, as penas impostas, são dadas ao primeiro casal humano, foram: - mulher: parir com dor, ter paixão que a arrastaria para o marido (graças a Deus!), e que seria dominada por ele; - homem: ter que trabalhar até o “suor do rosto”, para tirar da terra os produtos dos quais deveria alimentar-se, e voltar ao pó, ou seja, morrer. Devemos observar que todos os castigos impostos estão relacionados à sua vivência diária, nada de vida após a morte. Embora não tenha ainda estabelecido que seria uma desobediência matar alguém, Deus exige explicação de Caim sobre a morte de seu irmão Abel, e acaba por penalizá-lo. Dizendo a Caim que o solo não lhe daria mais o seu produto, mesmo que o cultivasse, e que seria errante e perdido pelo mundo. Continua tudo relacionado com a vida presente. O homem cumprindo o “crescei e multiplicai-vos” (Gn 1,22) foi povoando a Terra. E não sabemos por que, a certa altura, Deus viu que a maldade do homem crescia na Terra, e que todo o projeto do coração do ser humano era sempre mau. Arrepende-se de tê-lo criado, e resolve eliminá-lo da face da Terra. Assim, escolhe entre os homens um justo, chamado Noé, e o orienta a construir uma arca, pois iria salvá-lo e à sua família da catástrofe que se iria iniciar com o dilúvio. A maldade do homem trouxelhe o castigo da morte. Depois do dilúvio, Deus dita a Noé um mandamento: “Não comer os animais com o sangue” (Gn 9,4), sem estabelecer a penalidade para quem não o cumprisse. Deus faz uma aliança com Abraão: Se ele considerasse o seu Deus, lhe daria uma descendência numerosa, como as “estrelas do céu”. Estabelece a circuncisão, como sinal dessa aliança perpétua. Diz ter escolhido Abraão, para que ele instrua seus filhos, sua casa e seus sucessores, a fim de se manterem no caminho de Javé, praticando a justiça e o direito. Deus diz a Abraão que o clamor contra Sodoma e Gomorra era muito grande, e o pecado de seus habitantes era muito grave. Ora, até o presente momento, Deus não havia definido o que era pecado ou não, assim não poderia culpar a ninguém de estar pecando, não é mesmo? Para atender a esse clamor, resolve destruir as duas cidades, salvando apenas Ló, sobrinho de Abraão. Para isso “Javé fez chover do céu enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra, destruindo essas cidades e toda a planície,... e viu a fumaça subir da terra como fumaça de uma fornalha” (Gn 19,24-28). Passa-se o tempo. Estamos agora no Deserto de Sur, após a saída do povo hebreu da escravidão no Egito. Apesar de ainda não ter estabelecido nenhuma Lei para ser cumprida, Deus estranhamente diz: “Se você obedecer a Javé seu Deus, praticando o que Ele aprova, ouvindo seus mandamentos e observando todas as leis, eu não mandarei sobre você nenhuma das enfermidades que mandei sobre os egípcios”. (Ex 15,26). A pena para a desobediência seriam as enfermidades, ou seja, coisas, também, para uma vida terrena. Moisés exercia a função de uma espécie de Juiz nas questões em que o povo o procurava, para que resolvesse. Pela narrativa, era o único que conhecia os estatutos e as Leis de Deus, muito embora, até aquele momento, não ficamos sabendo como Deus os tinha passado a ele. Somente após três meses no deserto, diante do Monte Sinai, é que Deus aparece a Moisés, e lhe entrega as tábuas com os Dez Mandamentos. Nessa ocasião, Moisés, apresenta ao povo várias outras normas de conduta, dizendo ser por ordem de Javé, muitas das quais a morte era a pena a ser aplicada ao infrator, contrariando a determinação de “não matarás”, contidas nas duas Tábuas que acabara de receber, as quais ainda deveriam estar debaixo de seu braço. Entre essas normas, encontramos: “quem trabalhar no dia de sábado será réu de morte” (Ex 35,2). A grande questão é saber se essa pena realmente procede de Deus. Veja que uma falta tão insignificante não poderia, por bom senso, ter uma pena tão grande como essa. Por isso, não a vemos como Divina, mas como uma necessidade de época, ou seja, Moisés, para implantar o culto a um Deus único, impôs essa medida extrema para atingir seu objetivo. Fizeram o mesmo na implantação do Cristianismo, quando, “a ferro e fogo”, o queriam impor a todos os seres humanos, através das Cruzadas e da Inquisição, ambas de triste memória, como atos de extrema barbárie, praticados pela humanidade, só comparáveis com os da 2ª Guerra Mundial. Moisés sobe, pela segunda vez, ao monte, e como estava demorando, o povo resolve fazer um bezerro de ouro, e passa a adorá-lo como o deus de Israel. Atitude que fez Deus inflamar-se em sua ira, ordenando a Moisés: “Cada um coloque a espada na cintura. Passem e repassem o acampamento, de porta a porta, matando até mesmo o seu irmão, companheiro e parente” (Ex 32,27). Morrendo, naquele dia, três mil homens. Talvez Deus tenha se esquecido do “não matarás” (Ex 20,13), e até aqui não se tinha estabelecido nenhuma penalidade para quem não cumprissem os Mandamentos. Encontramos, sim, rituais que deveriam ser feitos para expiação dos pecados. Estabeleceu-se que se alguém transgredisse, sem querer, algum dos Mandamentos de Javé, fazendo uma coisa proibida, deveria oferecer animais, sem defeito, em sacrifício pelo pecado; se fosse um sacerdote, deveria imolar, pela violação cometida, um bezerro, animal grande; se fosse a comunidade, deveria ser oferecido um bezerro, animal grande, se fosse um chefe, um bode; se fosse um homem do povo, uma cabra, e estabeleceu-se, ainda que: “... O sacerdote fará, assim, o rito pelo pecado desse homem, e este ficará perdoado” (Lv 4,31). Depois, são ditadas outras normas para casos especiais e sacrifícios de reparação. Diz, ainda, quais são os animais puros e impuros, da purificação depois do parto, sobre as doenças de pele, a lei sobre o leproso, a lei da purificação do leproso, impurezas sexuais. Estabeleceu-se, ainda, o dia do grande perdão, no qual deveria ser oferecido o bode do sacrifício pelo pecado do povo, e cujo ritual consistia: Lv 16,21-22: “Colocará as duas mãos sobre a cabeça do bode e confessará sobre ele todas as culpas, transgressões e pecados dos filhos de Israel. Depois de colocar tudo sobre a cabeça do bode, mandará o animal para o deserto. Assim, o bode levará sobre si, para uma região deserta, todas as culpas deles...”. Completando: “Esta será uma lei perpétua para vocês: uma vez por ano será feita a expiação por todos os pecados dos filhos de Israel” (Lv 16,34). O que será que ocorreu com esse mandamento, já que, apesar de ser uma lei perpétua, não vemos ninguém o cumprindo? Observemos que transferiram a Jesus a função desse “bode”, ou melhor, “cordeiro expiatório”. Mais à frente é dito: “... Não comam o sangue de nenhuma espécie de ser vivo, pois o sangue é a vida de todo ser vivo e quem o comer será exterminado” (Lv 17,14). Como ninguém cumpre esse mandamento, não seria o caso de se obedecer a essa ordem divina, exterminando todos os que o contrariam? Estamos agora em Levítico, capítulo 26, onde Deus fala das bênçãos e maldições, como conseqüência do cumprimento ou não dos seus Estatutos e suas normas. É o momento em que se estabelecem as penalidades para a desobediência. Vejamos, primeiramente, quais seriam as bênçãos: Lv 26,3-12: “Se vocês seguirem meus estatutos, guardarem meus mandamentos e os colocarem em prática, eu darei a vocês a chuva no tempo certo. Então a terra dará seus produtos e a árvore do campo seus frutos. A debulha se estenderá até a colheita da uva, e esta chegará até a semeadura. Vocês comerão até ficar saciados e habitarão tranqüilos no país de vocês. Eu farei reinar a paz no país e vocês dormirão sem alarmes de guerra. Farei desaparecer do país as feras, e a espada não passará pelo país. Vocês perseguirão os inimigos, e eles cairão diante de vocês ao fio da espada. Cinco de vocês perseguirão cem, e cem de vocês perseguirão dez mil, e os inimigos cairão diante de vocês ao fio da espada. Eu me voltarei para vocês e os farei crescer e se multiplicar, mantendo com vocês a minha aliança. E vocês comerão colheitas armazenadas e terão que jogar fora a colheita antiga, para poderem guardar a nova. Colocarei a minha morada no meio de vocês e nunca mais os rejeitarei. Eu caminharei com vocês. Serei o Deus de vocês, e vocês serão o meu povo”. O que podemos tirar dessas bênçãos não é o céu que as religiões dizem ser o destino dos que seguem fielmente a Deus. Todas essas recompensas prometidas estão relacionadas a uma vida terrena, não a uma vida futura no céu. Ou será que estamos interpretando erradamente essa passagem? Quem sabe se pelas maldições não poderíamos esclarecer isso? E, se aí, nas entrelinhas, não estaria a questão da existência de várias vidas? Mas, vamos às maldições: Lv 26,14-44: “Mas se vocês não me obedecerem e não colocarem em prática todos esses mandamentos, se vocês rejeitarem meus estatutos e desprezarem minhas normas, não pondo em prática meus mandamentos e rompendo minha aliança, então eu os tratarei do seguinte modo: mandarei contra vocês o terror, a fraqueza e a febre, que embaçam os olhos e consomem a vida. Vocês espalharão as sementes em vão, pois o inimigo de vocês é que as comerá. Eu me voltarei contra vocês, e vocês serão derrotados pelos inimigos. Seus adversários os dominarão. E vocês fugirão sem que ninguém os persiga. Apesar de tudo isso, se vocês ainda não me obedecerem, eu lhes darei uma lição sete vezes maior, por causa de seus pecados. Quebrarei a teimosia orgulhosa de vocês, fazendo com que o céu seja como ferro, e a terra de vocês como bronze. Vocês consumirão inutilmente suas energias, pois a terra não dará colheita, e as árvores do campo não produzirão frutos. Se vocês ainda se opuserem a mim e não me obedecerem, eu os castigarei sete vezes mais, por causa de seus pecados. Mandarei as feras do campo contra vocês. Elas deixarão vocês sem filhos, reduzirão seu gado e dizimarão vocês, a ponto de lhes deixar desertos os caminhos. E, apesar desses castigos, se vocês ainda não se corrigirem e continuarem a se opor a mim, eu também continuarei a ficar contra vocês, e os castigarei sete vezes mais, por causa de seus pecados. Mandarei contra vocês a espada vingadora da minha aliança. E quando vocês se refugiarem em suas cidades, eu mandarei a peste, e vocês terão de se entregar aos inimigos. Quando eu cortar de vocês o sustento de pão, dez mulheres irão assar o seu pão no mesmo forno, e darão a vocês o pão racionado, e vocês comerão, mas não ficarão saciados. E, apesar disso tudo, se vocês ainda não me derem ouvidos e continuarem a se opor a mim, eu ficarei furioso contra vocês, e os castigarei sete vezes mais, por causa de seus pecados. Vocês comerão a carne de seus filhos e a carne de suas filhas. Eu destruirei seus lugares altos, destroçarei seus altares de incenso, jogarei seus cadáveres sobre os cadáveres de seus ídolos, e rejeitarei vocês. Devastarei suas cidades, destruirei seus santuários e não aspirarei o perfume do incenso de vocês. Devastarei o país de vocês, e os inimigos que o ocuparem ficarão horrorizados. Quanto a vocês, eu os espalharei no meio das nações e os perseguirei com a espada desembainhada. Seus campos ficarão desertos e suas cidades em ruínas. Então a terra desfrutará de seus próprios sábados, durante todos os dias em que estiver desolada, enquanto vocês estiverem na terra dos inimigos. Então a terra descansará e desfrutará de seus próprios sábados. E durante todos os dias em que estiver desolada, ela descansará o descanso do sábado que vocês não lhe deram enquanto nela habitavam. Quanto aos seus sobreviventes, farei com que se acovardem na terra dos inimigos; ficarão assustados com o barulho das folhas que voam, fugirão como se fosse da espada, e cairão sem que ninguém os persiga. Tropeçarão uns nos outros, como se estivessem diante da espada, sem que ninguém os persiga. Vocês não poderão resistir aos inimigos, perecerão entre as nações, e a terra dos inimigos devorará vocês. Aqueles de vocês que sobreviverem apodrecerão no país inimigo, por causa da sua própria culpa e da culpa de seus pais. Confessarão a própria culta e a culpa de seus pais, a culpa de terem sido infiéis e de se oporem a mim. Eu também me oporei a eles e os conduzirei ao país de seus inimigos, para ver se eu dobro o coração incircunciso deles, e para ver se eles fazem penitência de sua culpa. Então eu me lembrarei da minha aliança com Jacó, da aliança com Isaac, da aliança com Abraão, e me lembrarei do país. No entanto, eles terão que abandonar o país, e este poderá então desfrutar de seus sábados, enquanto permanecer desolado com a ausência deles. Farão penitência pela culpa de terem rejeitado meus mandamentos e desprezado minhas leis. Apesar de tudo, quanto eles estiverem no país inimigo, eu não os rejeitarei, nem os desprezarei até o ponto de exterminá-los e de romper minha aliança com eles...”. Mesmo em relação às penalidades, os castigos são sempre relacionados com a vida aqui na terra, ou seja, na vida presente. Apesar das penas serem extremamente rigorosas, nada de inferno para ninguém. E é até importante ressaltar que, se Deus dá vários castigos cada vez maiores (a expressão “sete vezes mais” foi utilizada por quatro vezes), é porque espera a recuperação do infrator, por mais tardia que seja. E, ao final, diz que “não os rejeitarei, nem os desprezarei até o ponto de exterminálos”, ou seja, mesmo que errem muito, Deus ainda possui uma enorme comiseração para com os infratores. Excluindo, portanto, qualquer idéia de penas eternas. É o que podemos deduzir de Ez 33,11: “... Não sinto nenhum prazer com a morte do injusto. O que eu quero é que ele mude de comportamento e viva”. Seguindo, vamos parar em Deuteronômio, capítulo 25, onde encontramos algo novo, pois até aqui nada merece destaque, e algumas narrativas são repetições de outras que constam dos livros anteriores. Vejamos a passagem: Dt 25,1-3: “Quando houver demanda entre dois homens e forem à justiça, eles serão julgados, absolvendo-se o inocente e condenando-se o culpado. Se o culpado merecer açoites, o juiz o fará deitar-se no chão e mandará açoitá-lo em sua presença, com número de açoites proporcional à culpa. Podem açoitá-lo até quarenta vezes, não mais; isso para não acontecer que a ferida se torne grave, caso seja açoitado mais vezes, e seu irmão fique marcado diante de você”. Merecem comentários: - “absolvendo-se o inocente”: isto significa que não se deve condenar um inocente. - “condenando-se o culpado”: por questão de justiça o culpado deverá ser condenado. - “se o culpado merecer açoites”: sinal que pode haver situação especial em que o culpado não mereça receber um castigo, uma repreensão poderia, talvez, ser-lhe mais útil. - “o juiz... mandará açoitá-lo em sua presença”: a presença pessoal do Juiz indica a necessidade de se ter certeza do cumprimento da pena, se o culpado a merecer. - “com número de açoites proporcional à culpa”: sendo o castigo proporcional à culpa, significa que não poderá haver pena igual para todos os tipos de infração à lei. - “podem açoitá-lo até quarenta vezes, não mais”: significa, incontestavelmente, que tudo tem um limite, que a pena não poderá ser eterna. Íamos passando, mas em Dt 24,16, existe algo que, também, merece ser comentado. Diz lá: “Os pais não serão mortos pela culpa dos filhos, nem os filhos pela culpa dos pais. Cada um será executado por causa do seu próprio crime”. Isso acaba, de uma vez por todas, com essa absurda idéia de que ainda estamos pagando pelo pecado de Adão e Eva, já que o castigo está indo além do culpado, e que, de certa forma, está se perpetuando a pena imposta ao “primeiro casal”, uma vez que todas as pessoas, que vierem depois deles, continuarão indefinidamente pagando pela desobediência deles. Vejamos agora alguma coisa sobre o profeta Isaías, já que o usamno para justificar o inferno eterno. Na visão que Isaías teve a respeito de Judá e Jerusalém, encontramos o seguinte: Is 1,16-20: “Lavem-se, purifiquem-se, tirem da minha vista as maldades que vocês praticam. Parem de fazer o mal, aprendam a fazer o bem: busquem o direito, socorram o oprimido, façam justiça ao órfão, defendam a causa da viúva. Então venham e discutiremos – diz Javé. Ainda que seus pecados sejam vermelhos como púrpura, ficarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como escarlate, ficarão como a lã. Se vocês estiverem dispostos a obedecer, comerão os frutos da terra; mas, se vocês recusam e se revoltam, serão devorados pela espada. Assim fala a boca de Javé”. Para estar de bem com Deus, é necessária a prática do amor ao próximo, atendendo-o em todas as suas necessidades. Como recompensa, Ele promete uma vida terrena boa, se não, a morte, que aqui nada mais é que estar sem Deus. Outro ponto importante é que sempre usará de misericórdia para os nossos erros, já que Ele é um Pai amoroso. Mais à frente, lemos: “Se absolvermos o malvado, ele nunca aprende a justiça; sobre a terra ele distorce as coisas direitas e não vê a grandeza de Javé” (Is 26,10).A idéia central da passagem vai de encontro ao simples perdão, como pensam alguns, já que se diz ser necessário “castigar” o culpado, para que ele, efetivamente, possa aprender a justiça. Queremos lhe mostrar como é grande a dificuldade com a qual sempre nos deparamos, quando estudamos a Bíblia. Cada tradutor coloca o termo que lhe convém, isso, muitas vezes, quando não muda o sentido do texto, fazendo com que o leitor, menos avisado, o interprete fora do significado original, levando-o, portanto, a uma conclusão errada. Verifiquemos a passagem de Is 38,10, como exemplo, que é um caso típico disso: 1 – Bíblia Anotada: “Eu disse: Em pleno vigor de meus dias hei de entrar nas portas do além; roubado estou do resto dos meus anos”. Nota no rodapé: sepultura. Lit., Sheol, aqui equivalente à morte, i.e., na morte o indivíduo fica separado dos vivos que podem louvar a Deus. 2 – Bíblia Ave Maria: “Eu dizia: ‘É necessário, pois, que eu me vá, no apogeu da minha vida. Serei encerrado por detrás das portas da habitação dos mortos, durante os anos que me restariam viver”. 3 – Bíblia Barsa: “Eu disse: Na metade de meus dias irei para as portas do inferno. Busquei o resto de meus anos”. Nota no rodapé: Inferno: propriamente, Sheol, a residência dos mortos. 4 – Bíblia Pastoral: “Eu dizia: ‘Bem no meio da minha vida, eu me vou; pelo resto dos meus anos, ficarei postado à porta da mansão dos mortos”. 5 – Bíblia Vozes: “Eu disse: No melhor de meus dias devo partir. Sou trazido às portas do xeol pelo resto de meus anos”. Nota no rodapé: O Xeol, ou morada dos mortos, no tempo de Isaías era visto como um local de semi-vida, separado de Deus e onde louvá-lo era impossível (Sl 6,6; 30,10; 38,13; 88,11-13). 6 – Bíblia Shammah (em Bytes): “Eu disse: No cessar de meus dias ir-me-ei às portas da sepultura; já estou privado do restante dos meus anos”. Observemos que as expressões “do além”, “habitação dos mortos”, “inferno”, “mansão dos mortos”, “xeol” e “sepultura”, são todas elas repetidas em Ecl 9,10, respectivamente em cada uma dessas Bíblias. E, pelo contexto, de ambas as passagens, deveriam ter o mesmo significado. Entretanto, não é o que vemos sendo usado, principalmente, para a palavra “inferno”, que adquiriu status de um lugar somente para os maus. Inclusive, notamos que a Bíblia protestante é que mais usa essa palavra. O que podemos confirmar pelas informações contidas nelas, nas explicações e em notas no rodapé: “Habitação dos mortos: expressão freqüente que traduz o vocábulo hebraico Cheol. Os antigos hebreus não tinham, da vida futura, uma idéia tão clara como nós. Para eles, a alma separada do corpo permanecia num lugar obscuro, de tristeza e esquecimento, em que o destino dos bons era confundido com o dos maus. Donde a necessidade de uma retribuição terrestre para os atos humanos”. (Bíblia Sagrada Ave Maria, p. 660). “Os hebreus concebiam o cheol como imensa caverna subterrânea, tenebrosa, aonde acreditavam fossem as almas para passar uma vida amorfa, sem consolação, esquecidas de todos e esquecidas elas mesmas”. (Bíblia Sagrada Paulinas, p. 587). “Para o autor (Eclesiastes), como para os seus contemporâneos, todos os homens vão, depois da morte, para um único lugar, o cheol, ou a região dos mortos. A existência nesse lugar é descrita como uma existência sem consolações, nas trevas, sem felicidade alguma, onde nenhuma relação mais se tem com o que acontece na terra”. (Bíblia Sagrada Ave Maria, p. 33). Ressaltamos, para melhor localizar a época desse pensamento, que o livro Eclesiastes foi escrito entre os anos 190 a 180, a.C. Ele relata as condições sociais do período dos Ptolomeus (323-145 a.C.). Outro fato curioso é a variação da seguinte expressão: “em pleno vigor dos meus dias”, “no apogeu de minha vida”, “na metade dos meus dias”, “no meio de minha vida”, “no melhor dos meus dias” e, finalmente, a última “no cessar dos meus dias” que foge completamente ao sentido do texto, já que a idéia de “cessar” quer significar final da vida, enquanto que, pelo contexto, quer dizer o período em que se está no seu auge. Seguindo: Is 66,14-16.24: “... A mão de Javé se manifestará para os seus servos, mas se indignará contra seus inimigos. Porque Javé vem com fogo, e seus carros parecem furacão, para desabafar sua ira com ardor e sua ameaça com chamas de fogo. É com fogo que Javé fará justiça sobre toda a terra, e com sua espada ameaça o mundo todo: são muitas as vítimas que ele faz. Ao sair, eles verão os cadáveres daqueles que se revoltaram contra mim, porque o verme que os corrói não morre jamais e o fogo que os consome jamais se apaga...”. É dessa passagem que as correntes religiosas buscam sustentar o “inferno eterno”, entretanto, se bem observamos, é apenas uma figura de linguagem, sendo, portanto, um simbolismo, não uma coisa objetiva. Na realidade “este inferno foi localizado no vale de Hinon, a Geena, lugar maldito, profanado outrora pelo culto de Moloc, deus dos mortos, tornado em seguida desaguadouro e ossuário, onde eram jogados, sem sepultura, os corpos dos apóstatas”. (Bíblia Sagrada Ave Maria, p. 1031). Explicam-nos: “Geena. (do hebr. Gê-hinnon, vila de Hinnon). Conhecido também por ‘Vale de Josafá’ está situado ao sul de Jerusalém e era considerado lugar maldito por causa dos sacrifícios de crianças que ali fizeram ao ídolo Moloc (ou Tofet) ao qual chegaram a construir um templo. O santo rei Josias, na restauração que fez de Israel destruiu o templo e transformou o lugar em depósito de lixo. Por óbvios motivos de higiene, aí mantinham os judeus um fogo permanentemente aceso. Com o tempo, passou naturalmente esta palavra a ser empregada como sinônimo de maldição e Jesus usou-a para designar o Inferno”. (Dicionário Bíblico Universal, p. 102). Busquemos a passagem de Mc 9,43: “Se tua mão for para ti ocasião de perda, corta. Melhor te será entrares na vida aleijado do que com duas mãos ires para o inferno, o fogo que não se apaga”. Várias traduções, ao invés de inferno colocam geena. Só que o significado de geena não é o inferno que os teólogos dizem. Podemos confirmar isso na explicação dada nesta passagem de Marcos constante da Bíblia Vozes: “Para o “inferno”, literalmente, para a “geena”, isto é, o vale a ocidente de Jerusalém, lixeira da cidade, onde um fogo permanente queimava os detritos, e vermes fervilhavam na podridão”. (p. 1225). Sendo, portanto, de sentido completamente diferente do que querem dar. E, quanto à questão do significado de fogo, devemos entender: “O fogo que fulmina a imaginação dos israelitas é fogo do trovão, admirado por sua dupla eficácia: o raio destruidor e a tempestade, fonte de chuva benfeitora. Considerado pelos semitas como o símbolo de sua divindade, o fogo se torna sinal de Javé, cenário necessário de suas manifestações, símbolo de sua presença”. (Dicionário Bíblico Universal, p. 304). O fogo é considerado um elemento purificador, como bem podemos ver pela seguinte passagem: Ez 24,9-13: “Por isso, assim diz o Senhor Javé: Ai da cidade sanguinária! Eu também vou fazer uma grande fogueira. ...Coloque a panela vazia em cima das brasas, para que esquente até o ferro ficar vermelho, para que a sujeira se derreta e a ferrugem desapareça. Por mais que alguém se esforce, nem com o fogo a ferrugem se descola. A devassidão é a sua sujeira; eu quis purificar você, mas você não se deixou purificar. Por isso, você não será purificada de sua sujeira enquanto eu não derramar sobre você a minha ira”. Vejamos a palavra eternidade: “Em parte alguma da Bíblia se encontra a idéia de uma eternidade que seria imobilidade perfeita, ‘fora do tempo’. Mas a palavra hebraica olam para o AT e sua tradução grega aiôn para os LXX e o NT designam um período completo, determinado, apesar da incerteza de sua duração. Porque a palavra hebraica olam visa o que está oculto, secreto, cujo começo e fim são ignorados: o que é indefinido ou indeterminável. ... O “fogo” é chamado “eterno” porque é misterioso e faz parte da “duração que vem”. (Dicionário Bíblico Universal, p. 263). Assim, a expressão “fogo eterno” poderia, dentro da perspectiva de que “... a misericórdia triunfa sobre o juízo” (Tg 2,13), ser entendida como um período de purificação, do qual não se sabe o fim, nada mais que isso. Podemos comprovar usando a passagem Sl 103,8-9: “O Senhor é misericordioso e compassivo; longânimo e assaz benigno. Não repreende perpetuamente, nem conserva para sempre a sua ira”. Chegamos a uma interessante conclusão: que apesar da palavra inferno constar da Bíblia, não o podemos aceitar, a não ser no sentido de “um longo tempo de purificação”, o que se confunde com o conceito de purgatório, que somos forçados a aceitar, mesmo não constando da Bíblia, já que alguém poderia alegar isso. Kardec, analisando essa questão, diz: O princípio do purgatório está, pois, fundado na eqüidade, porque, comparado à justiça humana, é a detenção temporária ao lado da condenação à perpetuidade. O que se pensar de um país que não tivesse senão a pena de morte para os crimes e os mais simples delitos? Sem o purgatório, não há para as almas senão duas alternativas extremas: a felicidade absoluta ou o suplício eterno. Nessa hipótese, em que se tornam as almas culpadas somente por faltas leves? Ou elas participam da felicidade dos eleitos sem serem perfeitas, ou sofrem o castigo dos maiores criminosos sem terem feito muito mal, o que não seria nem justo nem racional. (...) O purgatório não é, pois, uma idéia vaga e incerta; é uma realidade material que vemos, tocamos e experimentamos; está nos mundos de expiação, e a Terra é um desses mundos; os homens nela expiam seu passado e seu presente em proveito de seu futuro. Mas, contrariamente à idéia que deles se faz, depende de cada um abreviar ou prolongar a sua estada, segundo o grau de adiantamento e de depuração, que tenha alcançado pelo seu trabalho sobre si mesmo, deles se sai, não porque se terminou seu tempo ou por méritos de outrem, mas pelo fato de seu próprio mérito, segundo estas palavras de Cristo: ‘A cada um segundo as suas obras’, palavras que resumem toda a justiça de Deus. (KARDEC, O Céu e o Inferno, 1993, pp. 54-56). Devemos ressaltar a idéia de Orígenes, escritor e teólogo cristão do século III, que ensinava que a finalidade desse castigo era purgatorial e proporcional à culpa dos indivíduos. Com o tempo, o efeito purificador chegaria a todos (cfe. Enciclopédia Encarta). Achamos que a mudança de sentido se deve, principalmente, à influência cultural dos povos que dominaram os hebreus. Veja o que lemos no livro A História da Bíblia: “Durante a longa residência na Pérsia, os judeus travaram conhecimento com um novo sistema religioso. Os persas seguiam um grande mestre de nome Zaratustra, ou Zoroastro”. “Zaratustra considerava a vida como uma eterna luta entre o Bem e o Mal. O deus do Bem, Ormuzd, estava sempre em guerra com o deus do Mal e da ignorância – Ariman. Ora, isto era uma idéia nova para maior parte dos judeus”. “Até então haviam eles reconhecido a um senhor único, ao qual deram o nome de Jeová. Quando as coisas corriam mal, quando eles eram derrotados nas batalhas ou assolados por moléstias, invariavelmente atribuíam o desastre à falta de devoção do povo. A idéia de que o pecado proviesse da interferência dum espírito do mal, nunca lhes ocorrera. A própria serpente no Paraíso parecia-lhes menos culpada que Adão e Eva, os quais conscientemente haviam desobedecido à vontade divina”. “Sob a influência das doutrinas de Zaratustra, os judeus começaram a crer na existência dum espírito que procurava desfazer a obra de Jeová. E a esse adversário deram o nome de Satã”. “Passaram a odiá-lo e temê-lo, e no ano 331 convenceram-se de que Satã andava pela terra”. (VAN LOON, 1981, p. 122). Podemos completar com as informações da Enciclopédia Encarta a respeito do Zoroastrismo: “Religião fundada na antiga Pérsia por Zoroastro. Os zoroástricos, chamados parsis, são numerosos na Índia. A pregação de sua doutrina se conserva nos Gathas métricos (salmos), que formam parte da escritura sagrada do Avesta”. “Os dogmas dos Gathas consistem em um culto monoteísta de Ahura Mazda (o “Senhor da sabedoria”) e em um dualismo ético que contrapõe a Verdade (Asha) e a Mentira (Druj). Tudo o que é bom se apóia nas emanações de Ahura Mazda: Spenta Maineu (o Espírito benfeitor); todo o mal é causado por seu irmão gêmeo, Angra Maineu (o Espírito diabólico). Após a morte, a alma de cada pessoa será julgada na “Ponte da discriminação”, quem seguiu a Verdade chegará ao paraíso; os partidários da Mentira cairão no inferno”. Isso tem muito a ver com o nosso tema, pois acabamos de destronar o “pai da mentira”, que tanto horror causa aos adeptos das religiões dogmáticas, pois dizem que ele irá arrastá-los para o fogo do inferno. Concluindo nosso estudo vamos refletir: “Se vocês, que são maus, sabem dar coisas boas a seus filhos, quanto mais o Pai de vocês que está no céu dará coisas boas aos que lhe pedirem” (Mt 7,11) e com absoluta certeza o inferno eterno é coisa má. E além do mais, se “o Pai que está no céu não quer que nenhum desses pequeninos se perca” (Mt 18,14), isso indica que irá acontecer, pois tudo o que Deus quer, de fato acontece, com absoluta certeza. Acaba aqui o que muitas vezes é utilizado como instrumento de pressão para exigir o dízimo de pobres coitados, que com medo de irem para o inferno eterno pagam a qualquer preço seu lugarzinho no céu. Jesus ao dizer: “daí não sairá, enquanto não pagar até o último centavo” (Mt 5,26) e “O patrão indignou-se, e mandou entregar esse empregado aos torturadores, até que pagasse toda a sua dívida” (Mt 18,34) deixa claro que até pagar a dívida ou o último centavo seria o tempo em que o devedor ficaria preso ou entregue aos torturadores, não mais que isso, abolindo, portanto, a idéia do inferno eterno. As religiões dogmáticas, ao invés de desenvolverem em seus adeptos a idéia de um Deus de amor, para que cada um passe a verdadeiramente amá-Lo, e assim deixem de praticar o mal espontaneamente. Contudo, confundem-nos com ameaças do inferno, num sentido incompatível com a bondade de Deus para conosco, deixando seus fiéis em dúvidas sobre o que mesmo seguir. Usam de uma psicologia negativa, querendo que Deus seja TEMIDO. Isso é puro TERRORISMO RELIGIOSO. Os milagres existem? Vamos fazer uma leitura dinâmica na Bíblia para ver se nela encontramos algo em que possamos nos apoiar para responder a essa pergunta. O primeiro milagre que nos surge na Bíblia, é Deus criando, do nada, a Terra e o Universo num período fantástico de seis dias. Ora, hoje a ciência vem provar que esses dias são, na realidade, períodos de bilhões e bilhões de anos, e não, como até há pouco tempo ainda se pensava, serem dias de apenas 24 horas. A criação do homem não deixa também de ser um fenômeno milagroso, já que Deus faz com que um monte de barro se transforme num ser humano. Entretanto, não vemos grandes diferenças entre nós e os animais, porquanto, os elementos que compõem nosso corpo físico são os mesmos que formam o corpo deles, inclusive, os nossos órgãos, com as suas respectivas funções, são muito semelhantes nesses dois seres. Tanta analogia assim, por questão de lógica, só pode existir se eles tiverem a mesma origem, ou seja, se surgissem duma mesma maneira. Não entendemos porque ainda se diz que o homem foi criado diferente. Bom; a verdade é que a narrativa bíblica deve ser tomada no sentido simbólico, qual seja, a de que o corpo humano se formou dos elementos que já existiam na natureza, da mesma forma que o corpo dos animais. Arrependido de ter criado o homem - como se fosse possível - Deus re