EXMO. SR. PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL RS PARADESPORTO, associação sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ sob o número , com sede nesta Capital, na Rua dos Andradas 261/901, Centro, CEP 90020-001, vem a presença de V. Excelência, por seu procurador constituído, diante da decisão interlocutória proferida pelo Exmo. Sr. Dr. Juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, nos autos do processo 001/1.11.0014648-3, que move contra Fundação Estadual do Esporte e lazer do Estado do Rio Grande do Sul (FUNDERGS), oferecer AGRAVO DE INSTRUMENTO, na forma e prazo dos artigos 522 e seguintes do CPC, pelas razões de fato e de direito em anexo. Informa, outrossim, que segue em anexo cópia integral do feito, incluindo a petição inicial (02/10), procuração do advogado signatário (11), documentos do autor (12/44), decisão interlocutória atacada (45, frente e verso), certidão de intimação da decisão (47), contestação (49/52) e procuração do advogado do réu (53). Destaca que a referida certidão de intimação da decisão atacada foi disponibilizada em 03 de fevereiro e publicada no dia 04 de fevereiro do corrente, comprovando a tempestividade da presente irresignação. 1 EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL EMINENTES DESEMBARGADORES I – EXPOSIÇÃO DOS FATOS No ano de 2005, foi inaugurado um ginásio de esportes na Rua Gonçalves Dias n. 628, bairro Menino Deus, nesta Capital. Tal ginásio localiza-se dentro das dependências do Complexo do CETE (Centro Estadual de Treinamento), de propriedade do Estado do Rio Grande do Sul e administrado pela FUNDERGS (requerida). Tal ginásio é composto de um pavilhão com dois andares. No primeiro, a nível plano, localizam-se bar, vestiários, sala de materiais, banheiros públicos e a cancha poliesportiva. No segundo andar (mesanino), localizam-se tatames para a prática de artes marciais e academia de musculação. Ocorre que o acesso ao referido mesanino (segundo andar) se faz apenas e tão somente por lance de degraus (escadarias). Com isso, a acessibilidade do ginásio está restrita a pessoas jovens e ditas “andantes”. Idosos e pessoas com deficiência física, em especial “cadeirantes”, não possuem acesso às atividades desenvolvidas no segundo andar do ginásio. Em decorrência disso, o RS PARADESPORTO há longa data gestiona e efetua diligências junto à FUNDERGS para que haja a construção de uma rampa externa no ginásio que possibilite o acesso universal às dependências do ginásio. Para ser mais preciso, em 21 de novembro de 2008, a Associação encaminhou ao então Presidente da FUNDERGS, Sr. Solimar Charopen, o Oficio n.12 (fl. 25), no qual apresentava o projeto CETE PARAOLÍMPICO e solicitava expressamente que “o espaço seja acessível e tenha atividades de desporto adaptado para todos”. Como nenhuma resposta foi ofertada ao dito Ofício, o requerente 2 encaminhou e-mail à requerida, no dia 26 de fevereiro de 2009 (fl. 26), dando conta que “não houve qualquer contato desta Fundação no sentido de atender aos reclamos no sentido de que o Complexo do CETE fosse disponibilizado para as práticas desportivas de nossas associações”. Como, novamente, não houve manifestação da FUNDERGS, o requerente encaminhou ofícios ao Gabinete da Governadora e à Casa Civil (fls. 28 e 29). Sobreveio, então, o Ofício CG 417-09/4341, de 08 de abril de 2009, do Gabinete da Governadora, dirigido ao RS PARADESPORTO, consignando que (fl. 30): “Ao cumprimentá-lo, de ordem da Governadora do Estado, Senhora Yeda Crussius, em resposta ao seu OFÍCIO CONJUNTO RS/CGDCR n. 6ª, a Secretaria de Turismo, Esporte e Lazer informa que a FUNDERGS já tem conhecimento do solicitado por Vossa Senhoria e informa que, dentro das reformas que estarão sendo executadas no CETE, os paradesportistas serão contemplados com espaço adequado para suas práticas desportivas, bem como a acessibilidade necessária”. Em que pese o compromisso assumido pelo Governo do Estado, nada foi feito. Em maio de 2009 voltamos a procurar a FUNDERGS, informando que “se encontram pendentes as seguintes questões: (...) 3) providenciar acessibilidade à academia de musculação localizada no 2º piso do Ginásio e com acesso restrito por lances de escada” (fl. 31). Depois de quase um semestre de silêncio total da requerida, o requerente solicitou reunião com o Sr. Presidente da requerida. No dia 26 de novembro de 2009, a Diretoria do RS PARADESPORTO compareceu em reunião nas dependências das FUNDERGS e, nesta oportunidade, encaminhou ofício ao Sr. Solimar Charopen, com pauta de diretrizes de POLITICAS PUBLICAS PERMANENTES PARA O DESPORTO PARAOLIMPICO, aprovadas na 2ª REUNIÃO DO FORUM PARAOLIMPICO. Dentre as diretrizes básicas, a primeira é a acessibilidade plena dos espaços públicos destinados às práticas desportivas (fls. 32/33). 3 Novamente, a FUNDERGS se manteve silente e imóvel diante da reivindicação. O compromisso assumido pela Sr. Governadora do Estado não fora cumprido. Mais um semestre transcorreu. O RS PARADESPORTO solicitou, então, nova reunião com a FUNDERGS. No dia 17.março.2010, conforme ata em anexo, ficou acertado que: “Ficou acertado que a entidade entrará com uma solicitação de apoio financeiro para o transporte à Etapa Regional do Circuito Caixa do Comitê Paraolímpico, para que esta fundação possa dar suporte através de um convênio. Também ficou acertado que o presidente desta fundação tentará via Secretaria de Planejamento, uma maneira de poder custear as cadeiras solicitadas e também entrará em contato com a Secretaria de Obras, para que a mesma construa a rampa de acessibilidade” (fl. 34). Diante de novo silêncio da FUNDERGS, o requerente, 30 dias após a reunião, encaminhou ofício à requerida solicitando informações a respeito dos procedimentos acordados (fl. 35). A requerida, como de costume, sequer resposta deu a dito ofício. Em meio a tais diligências, reuniões e ofícios, o RS PARADESPORTO intentou, em 30 de janeiro de 2009, Representação perante a Promotoria de Direitos Humanos desta Capital, para tratar de vários temas relacionados ao desporto paraolímpico, entre eles, por óbvio, a do acesso às praças públicas destinadas às práticas desportivas (fl. 36). A Representação gerou Inquérito Civil, que foi tombado sob o número 145/2009, e teve diversas audiências entre o RS PARADESPORTO e as autoridades que gestionam o desporto no âmbito Estadual e Municipal. No dia 5 de novembro de 2010 foi realizada a mais recente audiência, da qual, em relação ao assunto tratado, destacamos: “... que diante do não comparecimento, até o momento, do diretor da FUNDERGS, foi colocado pela assessoria da SOP, bem como pelas arquitetas ora presentes, a necessidade de ser indicada a abertura de um novo processo, com uma nova solicitação, ou seja, com objeto 4 diferente prevendo a acessibilidade do Ginásio de Esportes, pois a reforma do CETE, segundo consta do projeto, não abrange este ginásio, mas outros espaços do CETE. Fica registrado que, segundo o representante da Associação de Paradesporto, a reivindicação é da construção de uma rampa, ao invés da colocação de elevador, pois este necessita de manutenção periódica e, assim, poderá configurar eventualmente impendimento do acesso à sala de musculação que se situa no primeiro piso do referido Ginásio. Ressalta o Sr. Altemir que para além de viabilizar o acesso aos paradesportistas, a rampa vai facilitar o acesso aos idosos e todas as pessoas com mobilidade reduzida. Tendo chegado o Sr. Robinson, DIRETOR, e a assessora da FUNDERGS, foi explicitado sobre as dificuldades da falta de previsão de acessibilidade no Ginásio de Esportes no atual projeto de reforma do CETE. Assim, diante do fato de que já saiu o Edital que repassa à OSCIP a responsabilidade de promover a prática de esporte, a inclusão social e o lazer no CETE (fls. 196 e SS.) foi sugerido que no momento da assinatura do referido contrato sejam sugeridas alterações que contemplem o acesso dos paradesportistas às práticas desportivas (parte física) e o incremento dos invesstimentos no paradesporto...” (fls. 42/44) Desta forma, parece-nos mais do que evidente que não há qualquer interesse de parte dos administradores públicos responsáveis pelo Complexo do CETE em torná-lo acessível e proporcionar à universalidade da população o desempenho das atividades desportivas lá praticadas. Pelo contrário, está mais do que evidente, pela sequência de atos narrados, que os senhores diretores da FUNDERGS simplesmente viram as costas tanto aos reclamos do RS PARADESPORTO como para seu dever de propiciar acessibilidade universal às práticas e às praças desportivas sob sua administração. Conforme narrado, foram diversas tentativas do requerente de resolver a questão no âmbito administrativo. Já se vão dois longos anos desde o primeiro Ofício protocolado junto à FUNDERGS em 21.novembro.2008. Mais, já se vão mais de 5 anos desde a inauguração do ginásio, sem que o mesmo tenha acessibilidade universal plena, em total contrariedade à legislação que 5 rege o tema, como a seguir se demonstrará. II – DA DECISÃO AGRAVADA Protocolada demanda judicial, que foi distribuída à 3ª Vara da Fazenda Pública desta Capita, o Sr. Juiz de Primeiro Grau, apreciando nosso pleito de antecipação de tutela, concluiu que: “Trata-se de demanda veiculada sob o rito ordinário proposta pela RS PARADESPORTO, em face de FUNDAÇÃO ESTADUAL DO ESPORTE E LAZER DO RIO GRANDE DO SUL, com pedido liminar no sentido de que haja determinação judicial para que a parte requerida dê início imediato às obras de construção de rampa de acesso ao segundo piso do Ginásio Poliesportivo, a fim de que seja viabilizado o acesso aos portadores de deficiência. Alega que o pleito tem previsão constitucional, que há longos anos o administrador público esquiva-se da construção, e que referidos portadores de deficiência tem urgência em aprimorar suas condições físicas. De ser indeferida a liminar. Não há que se discordar da previsão constitucional do tema, na medida em que o art. 127 da CF prevê a garantia de acessibilidade aos portadores de deficiência a edifícios de uso público e veículos de transporte coletivo. No entanto, a eleição das prioridades no que diz com o cumprimento e efetivação dos direitos chamados prestacionais previstos constitucionalmente, depende do administrador público. E este reconheceu o direito pleiteado pela parte autora, comprometendo-se com a construção de uma rampa de acesso ao segundo piso do Ginásio de Esportes. O fato de não tê-lo feito ainda, não permite a conclusão de que esteja o poder judiciário autorizado a apontar que essa é a prioridade da administração no momento. Há que se observar a autonomia da função executiva estatal naquilo que diz com os atos políticos, em relação aos demais poderes, sobretudo em relação à função jurisdicional. Aquela não prescinde da disponibilidade orçamentária, e da premissa de prioridade da realização de uma obra, em detrimento de tantas outras necessárias a assegurar, saúde, educação, segurança, etc., à população. Em tal sentido, não me parece possível identificar a presença dos requisitos do art. 273 do CPC, com o que, inviável o deferimento da liminar. 6 Indefiro, pois, a liminar pleiteada. Cite-se. Dil.” A leitura da decisão revela, claramente, que o Sr. Juiz reconheceu o direito alegado pelo RS PARADESPORTO. E, mais, que a FUNDERGS reconheceu tal direito e se comprometeu a construção de uma rampa de acesso ao segundo piso do Ginasio. Porém, concluiu o Sr. Juiz que o Judiciário não pode se imiscuir na atividade executiva, dependendo a realização da obra de disponibilidade orçamentária e “da premissa de prioridade da realização de uma obra, em detrimento de tantas outras necessárias a assegurar”outras demandas da sociedade. Antes de atacar a referida decisão, entretanto, cumpre uma breve analise da contestação apresentada pela FUNDERGS. III – DA CONTESTAÇÃO DA FUNDERGS Importante notar que a contestação, conforme fls. 49/52. FUNDERGS já apresentou sua O interessante de tal peça de defesa é a tentativa desvincular a atual administração da FUNDERGS da anterior, como se obrigações desta natureza fossem de cunho partidário ou político, como se o Governo do Estado não obedecesse ao princípio da continuidade da administração pública. O pior, entretanto, é o tom sarcástico utilizado, ao afirmar que “promessa é um estado futuro e incerto, que, segundo a importância dada ao pleito, levando-se em consideração a sua natureza, complexidade e necessidade premente, poderá ser atendida, ou não”. Há, de certa forma, o reconhecimento de que o pleito do autor é justo (feito pelo Governo passado e pelo atual), mas a afirmação de que “não consta nos assentamentos e registros dessa Fundação de nenhum parecer técnico sobre este tópico, ou seja, eventual construção de acesso para pessoas com deficiência física” (fl. 50). 7 Ou seja, não obstante os inúmeros contatos, a FUNDERGS afirma que não existe qualquer projeto de eventual construção de acesso para pessoas com deficiência física. Além disso, absolutamente equivocada a afirmativa de que inexiste orçamento, como se percebe na análise dos orçamentos estaduais abaixo. IV – DA NECESSIDADE DE REFORMA DA DECISÃO O RS PARADESPORTO entende que a decisão não pode prosperar e merece reforma, motivo pelo qual vem ao Tribunal ofertar seu recurso, com base no artigo 522 do CPC. Desde logo, aliás, fundamental frisar a importância de trazer tal tema ao debate deste Tribunal. Afinal de contas, em pesquisa à jurisprudência não só desse Tribunal, mas de outros Tribunais pátrios, assim como ao Superior Tribunal de Justiça, como se verá no curso do arrazoado, há pouco debate sobre o tema acessibilidade. E, evidentemente, a quase inexistência de debate jurídico não se deve às boas condições de acessibilidade verificadas em nosso país. Pelo contrário, um breve passeio pelas ruas e logradouros de nosso país revela que as dificuldades de locomoção e acessibilidade são gritantes. Está mais do que na hora, portanto, de entidades congêneres ao RS PARADESPORTO atuarem na defesa das pessoas com deficiência (PCDs), provocando os administradores a agir; e, quando este se omitir, o Judiciário a cumprir o seu papel. Data vênia, ao contrário do que concluiu o Sr. Juiz de Primeiro Grau, o Judiciário está autorizado a dizer ao Executivo que o direito constitucional de acessibilidade assegurado pelo art. 227 da Carta Constitucional deve ser imediatamente implementado. Estamos aqui diante de clara violação não só a norma expressa do Texto Constitucional (e da legislação que a regulamenta), mas, acima de tudo, aos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana. Sabe-se do peso e da importância da questão orçamentária, mas uma rampa de acesso possui um valor insignificante dentro do investimento de 8 um Ginásio de Esportes. previsão orçamentária. Além disso, como se verá abaixo, há, sim, A bem da verdade, a situação dos autos é tão gritante que, caso tivesse sido efetuado o devido acompanhamento da obra, a mesma sequer poderia ter sido construída, pois já estava em vigor a lei de acessibilidade. Um prédio público não pode ser construído sem que a acessibilidade ao mesmo seja universal (essa é a única leitura admissível do art. 227 da Carta Constitucional e do art. 5º da Lei 10.048/2000 – aqui não há espaço para transigir ou admitir interpretações diversas). A propósito, esse Tribunal de Justiça julgou em 30 de setembro de 2009 causa referente à ação ajuizada por pais de estudante deficiente físico (cadeirante) que não teve reconhecidos os direitos a mínima acessibilidade em escola pública. Na ocasião se discutiu exatamente a ausência de uma rampa que possibilitasse ao estudante PCD acessibilidade plena à Escola. O resultado de tal julgamento, ordenando a construção da rampa – obrigação de fazer – está sintetizado na ementa (abaixo transcrita): EMENTA: APELAÇÃO CÍVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ESCOLA PÚBLICA. PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. ACESSIBILIDADE. PROCESSO CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRÊNCIA. Tratando-se de reparação por danos extrapatrimoniais, admite-se que a parte formule pedido genérico, não sendo a quantificação do dano pressuposto de admissibilidade. Precedentes. DANO MORAL. LOCOMOÇÃO DE ALUNO CADEIRANTE. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. Hipótese dos autos em que a Escola a fim de resguardar a segurança dos alunos alterou o local de acesso ao estabelecimento de ensino, pois no portão secundário os estudantes ficavam expostos a agressões. Entretanto, o portão principal não oferecia condições de acessibilidade ao aluno portador de deficiência física, pois não possuía estrutura adequada à locomoção de um cadeirante. Não há dúvidas de que a atitude da Escola violou os direitos fundamentais do aluno deficiente físico, 9 que teve desprezado o seu direito à igualdade, à liberdade, à dignidade e à convivência comunitária, bem como acarretou angustia e sofrimento aos seus pais, que despenderem esforços com o objetivo de promoverem a integração do portador de necessidades especiais com os demais estudantes. Conduta discriminatória caracterizada. Dano moral configurado. DANOS MATERIAIS. AUSÊNCIA DE IRRESIGNAÇÃO RECURSAL. Não há que se modificar a sentença em relação a condenação ao ressarcimento dos danos materiais e, tampouco, quanto a sua forma de apuração, mormente porque a matéria não foi objeto da apelação. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CADEIRA DE RODAS. CONSTRUÇÃO DE RAMPA DE ACESSO. Incumbe ao Poder Público assegurar às pessoas portadores de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive os direitos à acessibilidade e a educação. Portanto, não se mostra desproporcional a determinação imposta ao Estado de garantir a acessibilidade digna ao portador de necessidades especiais, conforme proclamado no art. 227, parágrafos 1º, inciso II e 2º da Constituição Federal, e no art. Art. 5º, da Lei n° 10.048/2000. REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70029544897, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 30/09/2009) Nota-se, portanto, que, ao contrário do que concluiu o Sr. Magistrado de origem, é possível sim (e necessário) ao Poder Judiciário determinar ao administrador que garanta acessibilidade plena dos prédios públicos, mediante obrigação de fazer (exatamente na forma pleiteada na inicial). Não há falar em examinar prioridades, como fez o Sr. Juiz, porque os princípios da igualdade e dignidade não podem aguardar atenção do adminitrador da coisa público; eles são imperiosos (e, aliás, devem guiar e pautar a própria atividade administrativa – arts. 1º, III, e 37 da Carta Maior). Ainda mais no caso da FUNDERGS que, em seu estatuto de criação (por ser Fundação de direito público foi criada pela Lei Estadual n. 11.691 de 20 de novembro 2001), teve prevista entre suas atribuições, verbis: 10 Art. 3º - São atribuições da FUNDERGS, sem prejuízo de outras decorrentes de suas finalidades: I - apoiar as pessoas com maior grau de necessidades sociais, culturais e/ou biológicas à prática do Esporte de Rendimento; II - incentivar práticas corporais de esporte e lazer em periferias urbanas e zonas rurais com prioridades para instalações escolares, abertas à utilização pública; III - apoiar projetos nas áreas do esporte e do lazer, para atendimento das necessidades de pessoas portadoras de deficiência e habilidades especiais; IV - desenvolver pesquisa, documentação e informação na área do esporte e lazer; V - constituir, guardar, manter e desenvolver o Acervo do Esporte e Lazer do Estado do Rio Grande do Sul. Muito importante recordar que o administrador, no caso, inclusive reconheceu e se comprometeu a realizar a obra solicitada pelo RS PARADESPORTO para conferir acessibilidade ao prédio público. Reconheceu, portanto, a prioridade. Mas, como dissemos, transcorridos mais de dois anos, não a executou. E até quando teremos de esperar para que esta obra seja executada? Até quando os cadeirantes ficarão impedidos de utilizar as dependências do Ginásio de forma adequada ? Até quando cadeirantes não poderão usufruir da academia localizada no 2º piso do Ginásio que toda comunidade da grande Porto Alegre utiliza ? É evidente a necessidade de reformar a decisão recorrida, porque o Poder Judiciário tem, com certeza, o dever de tutelar os direitos fundamentais violados, com provimento urgente, sob pena também de flagrante maltrato ao princípio da eficácia da tutela jurisdicional (art. 5º, LXXVIII, da Carta Constitucional). E aqui cabe enfrentar o fundamento central do despacho agravado no sentido de que há necessidade de disponibilidade orçamentária para a realização da obra. Descuidou o Sr. Magistrado de observar que há sim disponibilidade orçamentária para a realização de 11 obras no Ginásio do CETE. Tanto é assim que a FUNDERGS executou plano de reformas geral no Complexo do CETE (no qual se localiza o Ginásio alvo de debate). Tal reforma contemplou reestruturação total do parque esportivo, construção de novas canchas e espaços e, inclusive, reforma no próprio Ginásio. Porém, os administradores, pasmem, não incluíram a construção da rampa de acesso ao 2º piso do Ginásio na reforma (fls. 42/44). “... que diante do não comparecimento, até o momento, do diretor da FUNDERGS, foi colocado pela assessoria da SOP, bem como pelas arquitetas ora presentes, a necessidade de ser indicada a abertura de um novo processo, com uma nova solicitação, ou seja, com objeto diferente prevendo a acessibilidade do Ginásio de Esportes, pois a reforma do CETE, segundo consta do projeto, não abrange este ginásio, mas outros espaços do CETE. É dizer: a reforma do Complexo do CETE, com recursos do Estado do Rio Grande do Sul e da Caixa Economica Federal, em valores divulgados de R$ 3,0 milhões, não contemplou a construção da rampa de acesso ao 2º piso do Ginásio. Neste sentido, a seguinte notícia divulgada no site do Correio do Povo, em 16 de junho de 20101: O Centro Estadual de Treinamento Esportivo (Cete), no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, começará em breve a ganhar uma nova cara. O local é uma referência para prática de atividades esportivas. A governadora Yeda Crusius assinou ontem a ordem de início autorizando as obras de reforma do Cete. As reformas do espaço de 4.085,35 m² terão o valor de R$ 3.048.700,00. Da mesma forma, a Zero Hora do dia 1º de abril de 20102: 1 http://www.correiodopovo.com.br/Impresso/?Ano=115&Numero=259&Caderno=0&Noticia=154459 2 http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/index.jspx?uf=1&local=1&action=getBairrosMateria&newsID=a2 857792.xml&treeName=Bairro&section=bairros&origem=bairros 12 O abandono do Cete Enquanto os usuários convivem com problemas de manutenção do centro esportivo, Fundergs afirma que reforma já está em fase de licitação Espaço que recebe cerca de 2 mil pessoas por dia, o Centro Estadual de Treinamento Esportivo (Cete), no Menino Deus, está à espera de manutenção. O local é utilizado por moradores da região e de outras partes da cidade para caminhadas e prática de esportes, mas a situação de abandono e os problemas na estrutura causam reclamações dos frequentadores. A queixa em relação à pista atlética é compartilhada pela comunidade. Além disso, a má conservação e a falta de equipamentos para alongamento e musculação também recebe críticas. Tanto que a aposentada Noemi dos Santos, frequentadora do local há mais de 20 anos, sugere uma campanha entre os usuários para arrecadar verba e reformar a estrutura de um prédio que ruiu parcialmente há alguns meses. Conforme a Fundação de Esporte e Lazer do Rio Grande do Sul (Fundergs), responsável pela área, todas as questões de infraestrutura apontadas pelo caderno (veja a listagem de problemas abaixo) estão contempladas no projeto de reforma do Cete, orçado em cerca de R$ 3,2 milhões, dos quais R$ 2,6 milhões já estão garantidos. Serão reformados os três ginásios, a pista atlética, além de iluminação, paisagismo e redes elétrica e hidráulica. O projeto ainda prevê a implantação de duas novas quadras – uma de vôlei e outra de tênis –, reforma da pracinha e cercamento do local. Ainda de acordo com a Fundergs, a análise das propostas pelas empresas concorrentes à reforma já estaria em andamento. Confira, nesta página, o que pensam os frequentadores da região e um teste realizado pelo ZH Menino Deus no local. E, lembre-se, por importante, toda a planificação da reforma foi executada exatamente nesse interregno de dois anos em que o RS PARADESPORTO está diligenciando junto aos administradores. Ou seja, é notável a desconsideração da FUNDERGS em relação ao pleito, restando somente a via extrema do Poder Judiciário para a salvaguarda do direito fundamental violado. De todo relevante frisar, ainda, que a construção de tal rampa não demandará mais do que R$ 30 mil (trinta mil reais). É dizer: os administradores da FUNDERGS falam em recursos de 3,0 milhões para fazer reforma do complexo do CETE e não atenderam à exigência de 13 acessibilidade universal do mesmo (mediante a construção da rampa), mesmo sendo irrisório, dentro do montante global, os recursos necessários para tanto. Assim, ao contrário do que concluiu o Sr. Magistrado, data vênia, salta aos olhos a necessidade de urgente intervenção do Poder Judiciário. Igualmente fundamental referir que não apenas no ano passado, mas também no ano de 2011, há expressa previsão orçamentária de verbas para as melhorias no CETE. Senão, vejamos a seguinte rubrica orçamentária, conforme a Lei Orçamentária Anual de 2011 (anexo do demonstrativo de despesa por fonte de recurso, em anexo): 3293 – IMPLEMENTAÇÃO DE OSCIPS – GOVERNO DE RESULTADOS – CETE TESOUROS LIVRES 90 APLICAÇÕES DIRETAS R$ 2.300.000,00 Gerenciamento, divulgação e execução de atividades esportivas, manutenção, reforma, ampliação e administração do CETE – Centro |Estadual de Treinamento Esportivo e Parque Náutico, com resultados previamente pactuados através de contratualização (termos de parceria) com instituições sem fins lucrativos – OSCIPS. Promover a prática do Esporte Amador, de rendimento e de alto rendimento, a inclusão social e o lazer no CETE. Mas o incrível é que a FUNDERGS já apresentou sua contestação, e já demonstrou que, novamente, a obra não será feita, referindo, quase em tom de deboche, que “promessa é um estado futuro e incerto, que, segundo a importância dada ao pleito, levando-se em consideração a sua natureza, complexidade e necessidade premente, poderá ser atendida, ou não” (fl. 49) E afirmou que “não consta nos assentamentos e registros dessa Fundação de nenhum parecer técnico sobre este tópico, ou seja, eventual construção de acesso para pessoas com deficiência física” (fl. 50). O Ginásio foi construído há 6 anos SEM ACESSO. O Estado cometeu uma irregularidade, vamos deixar que a mesma se perpetue? Há mais de 2 anos o RS PARADESPORTO diligencia, com paciência e tolerância, aguardando solução do problema. Foram diversas reuniões com 14 a diretoria da FUNDERGS e audiência perante a Promotoria de Direitos Humanos desta Capital. Após esgotadas todas as vias administrativas. E após assistir a realização de reforma estrutural no Complexo sem contemplar seu pleito de acessibilidade ao 2º piso do Ginásio, não restou outra alternativa ao RS PARADESPORTO senão essa extrema de ingressar com a presente demanda judicial. Cabe indagar, Senhores Desembargadores, o que mais será necessário aguardar, para que a comunidade de pessoas com deficiência tenha direito a acessar o 2º piso do Ginásio e a utilizar a academia de musculação ali localizada ? HÁ 6 ANOS QUE UMA PARTE DA COMUNIDADE ESTÁ PRIVADA DE UTILIZAR DE UM BEM PÚBLICO POR FALTA DE ACESSIBILIDADE. Mais do que evidente, só com tal constatação, a existência do “periculum in mora”. Perigo na demora que se reforça ainda mais no caráter de alto rendimento dos projetos mantidos pelo RS PARADESPORTO, entidade, diga-se, criada para desenvolver e manter projetos paraolímpicos. Nossos atletas paraolímpicos de alto rendimento, há anos, aguardam o acesso à academia de musculação para que possam ter uma preparação adequada para enfrentar as competições de que participam. O direito fundamental constitucionalmente assegurado é incontroverso (aliás, nem a decisão recorrida diverge em tal ponto). Houve admissão e promessa do administrador de que realizaria a obra (rampa). Houve previsão orçamentária de recursos para sua realização (tanto que foi realizada obra de reforma estrutural do complexo e no Ginásio). Mas não foi incluída em tal reforma a rampa de acesso ao Ginásio. Nesse contexto, com todo respeito ao pronunciamento recorrido, mais do que evidente a presença dos requisitos ensejadores da antecipação de tutela. FACE AO EXPOSTO, requer o RS PARADESPORTO: a) Seja dado provimento ao agravo de instrumento, conforme 15 fundamentos supra, com determinação de que a FUNDERGS inicie, imediatamente, o planejamento e a construção de uma rampa de acesso ao 2º piso do Ginásio do Complexo do CETE, tal como pleiteado na inicial. Nestes termos, pede deferimento. Porto Alegre, em 11 de fevereiro de 2011. pp. Caetano Cuervo Lo Pumo OAB/RS 51.723 16