O jornalismo econômico ontem e hoje: resgate histórico de

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II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho
Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004
GT História do Jornalismo
Coordenação: Prof. Dra. Marialva Barbosa (UFF)
Dia 17 de abril – 11 às 13 horas
MESA V – Jornalismo, discurso e história
Coordenação: Vanessa Maia
O JORNALISMO ECONÔMICO ONTEM E HOJE: RESGATE HISTÓRICO DE
SUA EXPANSÃO NO BRASIL
Hérica Lene
Mestre em Comunicação pela UFF
Professora do curso de Comunicação Social da Faesa (ES).
Resumo
Este trabalho faz parte de uma pesquisa que registra a história recente da Gazeta Mercantil
– jornal econômico fundado há 84 anos e que entrou em uma grave crise financeira neste
início de século. O estudo aborda os fatos que a levaram a enfrentar esse processo. E este
artigo tem como proposta refletir como vem se desenvolvendo o subcampo do jornalismo
econômico brasileiro e que problemas essa cobertura específica apresenta no Brasil. A
reflexão sobre esse subcampo foi desenvolvida com base em estudos sobre história da
imprensa; em obras que tratam do jornalismo econômico brasileiro e de sua história; e em
avaliações feitas por jornalistas que atuaram por muitos anos na área, como Aloysio Biondi,
Sidnei Basile e Luís Nassif.
Palavras-chaves: Jornalismo econômico, história da imprensa, comunicação
1. A ideologia no jornalismo de economia
Esta reflexão sobre jornalismo econômico toma como ponto de partida o conceito
de campo de Pierre Bourdieu (1987;1997). O sociólogo considera o universo do jornalismo
um campo, que está sob pressão do campo econômico por intermédio do índice de
audiência ou, no caso dos jornais, da venda dos exemplares por meio de assinaturas e em
bancas. E esse campo, muito fortemente sujeito às pressões comerciais, exerce, ele próprio,
uma pressão sobre todos os outros campos, enquanto estrutura.
O campo jornalístico impõe sobre os diferentes campos de produção cultural um
conjunto de efeitos que estão ligados, em sua forma e em sua eficácia, à sua estrutura
própria, isto é, à distribuição dos diferentes jornais e jornalistas segundo sua autonomia
com relação às forças externas, às do mercado dos leitores e às do mercado dos
anunciantes. Partindo da teoria de Bourdieu, consideramos que o jornalismo econômico
pode ser classificado como um subcampo do campo do jornalismo. E que características
podem ser destacadas para diferenciar esse subcampo do jornalismo em geral?
Podemos dizer que no jornalismo genérico o objeto da informação é quase sempre o
que foge às regras, uma anomalia, algo excepcional, e não a norma. As notícias nos
informam sobre eventos singulares, descontinuidades, e não modelos e processos.
Já no jornalismo econômico, pelo fato de a economia ser muito mais um processo
do que uma sucessão de fatos singulares, processos e sistemas são igualmente objetos de
interesses, sendo singularizados pela linguagem jornalística, que os noticia como se fossem
episódios. Mas na cobertura dessa área, episódios e processos precisam ser interpretados à
luz de processos, leis ou relações econômicas, às vezes conflitantes. Essas relações são
quase sempre ignoradas pelo senso comum, já que são formuladas em outro nível de saber:
o saber das teorias econômicas (Kucinski, 2000).
E como esse subcampo do jornalismo tem se desenvolvido no Brasil nas últimas
décadas? E que ideologia perpassaria as práticas dessa área? De onde surgem seus padrões
ideológicos? No jornalismo, normalmente, surgem dos modelos ideológicos dominantes em
cada momento, que são os padrões das elites dominantes. Na ideologia do jornalismo
econômico, especificamente, influem muito as teorias econômicas dominantes em cada
período. De acordo com Kucinski, os padrões ideológicos do jornalismo, oriundos dessas
teorias, são moldados em boa parte pelos seis grandes jornais do mundo ocidental e pelas
duas ou três revistas de circulação mundial: New York Times, Washington Post, Le Monde,
The Guardian, Financial Times e The Wall Street Journal. Entre as revistas estão Times e
The Economist.
O traço ideológico mais geral e permanente desses padrões tem sido o da defesa da
livre empresa na esfera econômica e da democracia liberal na esfera da política. Apesar de
proclamarem independência editorial e objetividade, é natural que ocorra com freqüência o
colapso da objetividade nesses grandes veículos, especialmente durante as guerras e no
tratamento das questões internacionais em geral, entre as quais economia.
Kucinski (2000) aponta como principais traços permanentes da ideologia do
jornalismo econômico a escolha do capital e seu processo de acumulação – e não do
homem – como objeto central de preocupação, o otimismo noticioso e o descaso com
questões estruturais. Essa escolha decorre da ideologia de livre mercado em suas várias
manifestações, desde o marginalismo até o neoliberalismo.
A opção pela escolha da boa notícia, ao contrário do catastrofismo que caracteriza o
jornalismo genérico, se justifica pela natureza do processo econômico, mas tem conotações
ideológicas. A imprensa econômica abre seus melhores espaços a notícias consideradas
positivas sobre o desempenho da economia e reluta em aceitar as adversidades econômicas.
Os ciclos expansivos sempre ganham uma sobrevida e as crises são em geral subestimadas.
Destacar as crises seria admitir as disfunções do sistema. A propensão ao otimismo
exagerado reflete também um ethos do empresariado em geral, apostando nas
oportunidades e preferindo esquecer depressa as adversidades. O jornalismo econômico,
segundo Kucinski (2000), seria displicente no trato de problemas estruturais e crônicos,
como a fome, o desemprego, a falta de habitação e transporte, as desigualdades mundiais, a
desordem monetária internacional.
Nas últimas décadas do século XX, com o colapso da economia soviética,
planificada e estatal, deu-se a vitória ideológica da tese neoliberal, que sacrifica o princípio
da solidariedade social sob o argumento de uma suposta eficiência econômica. Sendo
assim, conforme afirma Kucinski, o jornalismo econômico teve um papel importante na
campanha neoliberal dos anos 1990 pelo desmonte do Estado social-democrata.A difusão
generalizada do jornalismo especializado em assuntos de economia na grande imprensa no
Brasil está intimamente ligada à reorganização do capitalismo em escala mundial e ao seu
desdobramento na economia brasileira a partir da década de 1950.
A prática da cobertura dessa área se fortalece no Brasil principalmente a partir do
final da década de 1960, se identificando com o modelo de desenvolvimento econômico do
país. Na década de 1950, ela mostrava-se incipiente, conforme mostram pelo menos três
autores que desenvolveram estudos sobre o tema: Quintão (1987), Carvalho (2001) e
Ramandan (1994). A marca dos assuntos econômicos nas páginas dos grandes jornais de
informação geral nessa época eram as pequenas notas ou artigos isolados que tratavam de
questões específicas relacionadas com os interesses do comércio e dos cafeicultores,
contendo informações sobre produção, exportação, movimento de portos ou taxas cambiais.
Essas notícias eram originadas nas agências estrangeiras de informação, nas câmaras do
comércio ou no Ministério da Fazenda. O noticiário era acompanhado por um reduzido
grupo de interessados e os temas econômicos tratados pelos jornais sem qualquer distinção
das demais notícias. Havia nesse momento uma nítida preferência pelo noticiário da área
política.
As áreas do comércio e da indústria sofriam discriminações por parte da grande
imprensa. Os editores dos jornais de cobertura geral entendiam que as matérias
provenientes dos setores comercial e industrial tinham caráter promocional e que por isso
deveriam ser tratadas como “matérias pagas”. Até os anos 1950, a cobertura específica da
indústria e do comércio ficava sob a responsabilidade dos jornais do comércio, alguns
editados pelas associações patronais nos estados.
Publicações muito prestigiosas entre as categorias patronais da indústria e do
comércio tinham como característica principal a sua fonte de receita: editais de cartório,
protestos, atas de assembléias, balanços ou comunicados de empresas ao público (Quintão,
1987).1 Entre esses jornais estão: Jornal do Commercio, Diário Comercial e Monitor
Mercantil, do Rio de Janeiro; Diário do Comércio e Indústria, de São Paulo; Diário do
Comércio, de Belo Horizonte; Jornal do Comércio, de Porto Alegre; Jornal do Commercio,
de Recife; Diário Mercantil, de Juiz de Fora; Jornal do Comércio, de Manaus.
Em termos de tiragem, os jornais do comércio não chegam a estar entre os primeiros
diários, embora o Jornal do Commercio do Rio e o de Recife já tenham, no passado,
registrado períodos de grandes edições. Em relação à área de circulação, se restringiam às
regiões ou cidades onde eram editados. Eram conservadores do ponto de vista editorial e
tecnológico e essa característica não era compatível com as transformações políticas e
econômicas que começaram a se processar na década de 1950. Nesse período, a economia
Os veículos de comunicação voltados para a indústria, o comércio e os negócios de maneira geral surgem em
todo o país desde meados do século XIX. Pioneiro neste sentido é o Jornal do Commercio, fundado em 1827, no Rio
de Janeiro, e que se mantém até hoje em circulação, apesar de sua baixa difusão e crises freqüentes. Sobre este
tema cf. SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. e
BARBOSA, Marialva. Os Donos do Rio – Imprensa, Poder e Público. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2000.
1
brasileira cresceu a uma taxa média de 7% ao ano, com uma contribuição elevada do setor
agrário-industrial.
Os jornais do comércio acabaram entrando em um período de decadência. No final
da década de 1970, há os que tentavam se recuperar, mas algumas empresas estavam
excessivamente debilitadas e tecnologicamente defasadas. Começaram, então, a perder
leitores e clientes comerciais (Quintão, 1987).
2. Regime militar estimula crescimento
Os grandes jornais começaram a criar seções e cadernos de economia a partir da
década de 1950. O Estado de S. Paulo lançou, em 1949, seu Suplemento Comercial e
Industrial, um caderno semanal, que cobria com parcialidade os assuntos da área
econômica no mundo, em matérias analíticas enviadas pelas agências estrangeiras – France
Press, Reuters, Ansa – ou escritas por colunistas. Quintão (ibid.) afirma que o Suplemento
foi o primeiro informativo de negócios do país com circulação regular e “um veiculador
doutrinário, liberal, anticomunista, com postura política bem delineada na área de
economia”. Ele circulou até 1964.
Por volta de 1950, a Folha de S. Paulo também colocou repórteres para cobrir
exclusivamente os assuntos econômicos em matérias analíticas. Em junho de 1951, surgiu,
no Rio, o jornal Última Hora, de Samuel Wainer. O diário tinha um grupo de colunistas
que escreviam artigos de análise econômica, que tratavam de questões nacionais e também
com um forte conteúdo doutrinário.
O jornalismo econômico até a metade da década de 1950 é representado
principalmente pelo colunismo – jornalismo mais analítico que noticioso – e ocupa um
reduzido espaço nas páginas dos jornais (Quintão, 1987). Nota-se que não é um jornalismo
marcado pela difusão regular de notícias econômicas ou por uma pretensa imparcialidade
analítica. Existia mesmo uma intenção de influenciar e até orientar a política econômica do
país. Havia também uma ligação entre quem escrevia e a área abordada, pois quem escrevia
mantinha um emprego também no setor econômico público ou privado. O jornalista
ocupava um duplo lugar, o que por vezes se refletia no conteúdo do que redigia e
evidenciava uma relação pouco ética na cobertura.
Os anos 1950, decisivos para o processo de industrialização do país, refletiram esse
clima diretamente sobre os jornais. A economia agrário-exportadora estava em crise. Em
1954 e 1955 o preço do café – que representava na época quase 40% do total das
exportações – caiu em 29%. No mercado internacional, o preço médio do conjunto de
exportações teve uma queda de 21% ao mesmo tempo em que o preço das importações
diminuiu apenas 9% (Singer,1978).
É entre o final dos anos 1940 e início dos anos 1950 que começaram a ser feitos
grandes investimentos públicos em obras de infra-estrutura e na indústria de base, como de
bens intermediários e de capital, usinas siderúrgicas, fábricas de produtos químicos, de
papel, de vidro e refinarias de petróleo. Também nessa época, o governo norte-americano,
terminada a ajuda à Europa (com o Plano Marshall), passou a realizar grandes
investimentos em países periféricos. Em relação ao Brasil, no entanto, os Estados Unidos
reduzem o ritmo de suas aplicações em represália à política nacionalista de Getúlio Vargas.
Com isso, entre 1951 e 1954, período do governo Vargas, os investimentos estrangeiros no
Brasil não passam de US$ 10 milhões.
Vargas dá continuidade à industrialização do país ao inaugurar o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE) e estatizar a geração de energia elétrica, decidido a
lutar pelo que chama de interesses nacionais. Ao morrer, em agosto de 1954, deixa uma
economia estável e com uma infra-estrutura capaz de permitir uma decolagem
industrializante. Esse deslanche vai se dar a partir do Plano de Metas de Juscelino
Kubitschek, que abre o país inteiramente para o capital estrangeiro.
A dinâmica criada na economia com o fortalecimento dos segmentos industriais e
urbanos vai refletir também na imprensa, que introduz em suas empresas algumas
inovações tecnológicas, com o propósito de se adaptar à nova realidade. É nesse período
que começam a aparecer nas páginas dos jornais seções de economia com notícias – e não
apenas artigos – sobre os acontecimentos econômicos (Quintão, 1987).
O clima de liberdade que vivia o país no contexto constitucional e democrático –
entre a queda do Estado Novo em 1945 e o golpe militar de 1964 – estimulou o exercício da
independência e da expansão dos meios informativos (Ribeiro, 2000, p. 40). Durante a
ditadura Vargas a imprensa tinha sido completamente controlada pelo Estado via ação
censória e reguladora do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). A extinção do
DIP significou não apenas o desaparecimento da censura, mas também o fim do controle
dos órgãos da imprensa, o que facilitou (pelo menos em um primeiro momento) o
surgimento de novos títulos.
O período de 1945-1950 foi marcado pelo desenvolvimento da imprensa de
esquerda. Com a Constituição de 1946 e o desaparecimento dos órgãos censórios do Estado
Novo, voltou a viger o decreto nº. 24.776 de 1934, que garantia a livre manifestação de
pensamento. Em 1952, foi sancionada a lei nº. 1.082 (de Segurança Nacional) e, no ano
seguinte, a 12 de novembro, a lei de imprensa nº. 2.083. Ao longo da vigência dessas leis,
entretanto, os órgãos de informação conheceram poucos momentos de repressão.
Na década de 1950, as grandes mudanças macro-sociais (como industrialização,
crescimento econômico e demográfico e aumento do nível de instrução da população) se
combinaram a fatores conjunturais (como política de crédito e legislação fiscal) para
impulsionar a transformação da empresa jornalística (Ribeiro, 2000).
A economia brasileira nos anos 1950, sobretudo no período Kubitschek, sofreu
profundas transformações. Nessa época, operou-se uma ruptura com a orientação das
políticas econômicas anteriores. O Estado começou a adotar novas estratégias de
financiamento para a indústria e elegeu o setor de bens de consumo duráveis como ponta da
acumulação capitalista. O governo Kubitschek se aproximou do capital estrangeiro na
expectativa de por meio dele conseguir modernizar o incipiente parque industrial brasileiro.
Prometeu, ao mesmo tempo, dar um salto na história do desenvolvimento do país e libertar
o Brasil da mera condição de exportador de produtos primários e importador de bens
industrializados.
Como conseqüência da nova política, o valor da produção industrial aumentou 80%,
entre 1957 e 1961, com altas porcentagens nos setores de eletricidade e comunicações
(380%) e no de transporte (600%). Nesse mesmo período, o PIB cresceu anualmente 7%,
correspondendo a uma taxa per capita de quase 4%. Se considerarmos toda a década de
1950, o crescimento do PIB brasileiro foi aproximadamente três vezes maior do que o resto
da América Latina (Skidmore, 1982).
A política cambial dos anos 1950, que garantia custo privilegiado ao dólar para a
importação de papel e de outros materiais de impressão, segundo Ribeiro (2000), foi
extremamente favorável à modernização das empresas jornalísticas.
O clima de otimismo tomou conta do noticiário. Os assuntos da economia que eram
notícia estavam relacionados com o ufanismo desenvolvimentista, com a retórica
nacionalista de defesa ou não do capital estrangeiro, com as questões relativas à exploração
do petróleo, às riquezas minerais, à defesa dos produtos primários de exportação,
especialmente o café, com os índices de “carestia”. Nessa época, o fato econômico só tinha
destaque na imprensa de cobertura geral transformado em fato político. As fontes eram, em
geral, os políticos e os partidos.
O modelo de industrialização brasileiro aberto para o exterior estimulava o
desenvolvimento de um elemento fundamental para a sobrevivência dos jornais nos anos
seguintes: a instalação no Brasil de representações das grandes agências de publicidade
norte-americanas e européias. Essas empresas vieram junto com o capital industrial
estrangeiro e com a missão de criar um dinamismo na sociedade brasileira para abrir
mercado para os bens de consumo (Quintão, 1987, p. 60).
O crescimento do mercado interno e da indústria permitiu o desenvolvimento da
publicidade, que permitiu aos órgãos de comunicação, de forma geral, aumentarem seus
faturamentos. A expansão do sistema de comunicação (telefone, rádio, telex), aliada aos
novos sistemas de composição de impressão, fez com que os jornais adquirissem maior
velocidade na captação das informações e na produção gráfica dos impressos.
O contexto propiciou o surgimento de novos espaços para a cobertura de economia.
Na segunda metade da década de 1950, a Folha de S. Paulo criou um Caderno de
Economia e Finanças. Em o Estado de S. Paulo foi criada uma nova seção para abrigar
notícias econômicas. Posteriormente, os jornais Diário Carioca, Diário de Notícias, Última
Hora, Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro, adotaram colunistas de economia. A
reforma editorial e gráfica feita no Jornal do Brasil, na década de 1950, abriu também
novos espaços editoriais dentro do diário. Um deles foi a destinação de duas páginas para
fatos gerais e econômicos (Quintão, ibid.).
Mas, de maneira geral, a cobertura dessa época ainda se caracterizava por editar
lado a lado as notícias econômicas com outras de temas gerais, pela insuficiência de
notícias econômicas para fechar as páginas onde eram publicadas. Os assuntos abrangiam
setores da indústria, portos, siderurgia, energia, preços, agricultura. Não havia ainda a
cobertura regular da Bolsa de Valores e do mercado de capitais. Nota-se também a falta de
especialização entre os repórteres para cobrirem essas áreas. Foi somente a partir do início
dos anos 1960 que a cobertura sistemática dos assuntos de economia começou a se delinear.
Também pelo fato de o Governo Federal funcionar no Rio de Janeiro, o noticiário político
nesse estado era mais abrangente. Os jornais de São Paulo, embora localizados no centro
das decisões econômicas, preferiam disputar com os congêneres do Rio o espaço editorial
dedicado à política (Quintão, 1987).
A política modernizante de Kubitschek será substituída no governo de Jânio
Quadros pelo controle de preços, a diminuição dos déficits públicos e pela redução dos
privilégios fiscais ou tributários. A indústria editorial será uma das primeiras de suas
vítimas ao enfrentar a suspensão dos subsídios para o papel-jornal. No início da década de
1960, o país dispõe de uma imprensa envolvida na discussão política, mas industrialmente
antiquada e economicamente prestes a se tornar inviável.
O governo de João Goulart (1961-1964), ao procurar controlar a entrada de capital
estrangeiro no país, estanca o processo crescente no período anterior de manipulação das
verbas publicitárias exercido pelas agências estrangeiras estabelecidas no eixo Rio-São
Paulo. Essa década é marcada pelo Golpe Militar de 1964, que traz com ele o Estado de
exceção, regulado pelos atos institucionais, editados no âmbito do Executivo, sob o
comando dos militares. Os partidos políticos são extintos, políticos, jornalistas e cidadãos
são cassados ou perseguidos. Foram editadas novas leis de segurança nacional, de
imprensa, além de leis e decretos fortalecendo o papel da censura.
O Golpe, que significou uma ruptura política com o populismo e o aprofundamento
das tendências econômicas preexistentes, forneceu a moldura para algumas transformações
expressivas na sociedade e nos rumos do capitalismo brasileiro. O período viria a se
caracterizar pela crescente participação do Estado na economia e pela ampliação das
atribuições do Executivo em detrimento dos demais poderes e canais de representação
política. Aprofundou-se a interdependência entre o político e o econômico (Mendonça &
Fontes, 1994, p. 5-6).
Com ausência da atividade política, o jornalismo político foi se silenciando. Caiu
também a prerrogativa legal que assegurava somente a brasileiros o direito de propriedade
dos meios de comunicação. Nessa fase, foram criados mecanismos de incentivos à entrada
da moeda estrangeira no país para facilitar a remessa de lucros. Foram oferecidos para
exploração recursos naturais em abundância e inexplorados, mão-de-obra barata e um
mercado
consumidor
potencialmente
amplo.
O
discurso
oficial
concentrava-se
agressivamente em tecer elogios aos feitos do Governo na área econômica. Essa postura
deveria engajar as assessorias e os programas oficiais. Os jornalistas que trabalhavam no
serviço público e as assessorias de imprensa passaram a ser chefiadas por militares ou por
civis identificados com os princípios básicos do Golpe e que contribuíram para ele. Esse
discurso oficial era dirigido principalmente à classe média, cuja renda crescia, na época, e
aos segmentos sociais com poder de barganha política. Fundamentava-se na informação de
economia e apoiava-se nos diversos indicadores de crescimento, na palavra e cálculos
econométricos dos tecnocratas, em uma censura violenta aos meios de comunicação.
Apregoava-se a paz social, a recuperação econômica e o “milagre do crescimento”
(Quintão, 1987).
O crescimento econômico em seus diversos segmentos passou a ser tema
preponderante de eventos e discussões políticas. Os jornais de cobertura geral e de grandes
tiragens começaram a marcar presença no setor, acompanhando e difundido os negócios, o
movimento das bolsas de valores, o novo mercado de capitais, e acompanhando as decisões
do Conselho Monetário Nacional (CMN). Algumas reportagens abrem espaços para
empresas.
A marca do aparecimento definitivo do jornalismo econômico nos moldes como é
praticado ainda hoje caberá a um encarte do Correio da Manhã, chamado Diretor
Econômico (tinha 16 páginas diárias). Esse encarte, por meio de reportagens sobre as
empresas e o acompanhamento sistemático, pela primeira vez, dos negócios, demonstrando
que qualquer cidadão poderia aplicar em Bolsa, direcionou a atenção dos pequenos e
grandes investidores para a Bolsa de Valores. Sua linha editorial era crítica, esclarecedora
do mercado, denunciadora das práticas contábeis maliciosas das empresas ou do Governo.
Muitas matérias esclareceram ao público fatos sobre a política econômica que o Governo
queria esconder e isso desagradou o então ministro Delfim Neto, que fez pressão para que o
caderno fosse extinto. Ao sair do mercado despertou os jornais para o espaço editorial que
acabara de deixar. Rapidamente os grandes diários começaram a abrir e a multiplicar
páginas de cobertura da área econômica.
Quintão (1987) afirma que o Diretor teria feito o primeiro jornalismo de negócios
no Brasil. Já o noticiário e a análise econômica na grande imprensa na década de 1970
estavam preocupados apenas com o discurso da sociedade política, no exercício do poder,
endereçado à sociedade civil. Ele não iria tratar de questões polêmicas, mas abordar numa
direção positiva grandes operações financeiras internas ou externas, insistir na abertura de
capitais por empresas tradicionais, em novas linhas de produção industrial, ou questões
ligadas à agropecuária, e avançar em discussões meramente acadêmicas de categorias
simbólicas da ciência econômica (Quintão, 1987).
Outros temas abordados por anos seguidos foram as correntes do pensamento
econômico e contemporâneo e a inflação brasileira. Esses assuntos refletiam as mudanças
introduzidas na economia do país e foram discutidos em editoriais, pelos articulistas, por
comentaristas econômicos, que começam a surgir, e no próprio noticiário, por meio de
entrevistas com economistas e empresários. Nos anos 1970, os jornais passaram a dar
destaque ao noticiário econômico não só porque as notícias sobre política sofriam forte
censura, mas também porque a economia tornou-se um dos temas centrais do regime
militar.
Abreu (2001) afirma que na trajetória de mudanças ocorridas durante o regime
militar os economistas passaram a ter o papel e o espaço que antes eram dados à política e
aos políticos. Os militares, em nome da eficiência econômica e da competência técnica,
deram aos economistas os cargos de direção nos órgãos públicos, onde eles exerceram o
poder de definir as políticas públicas e as orientações básicas para o desenvolvimento
brasileiro.
No período do regime militar, a legitimidade do governo diante dos governados foi
dada pela racionalidade da administração econômica, no governo Castelo Branco (gestão
dos ministros Roberto Campos e Octavio Bulhões) e pela eficácia da economia, isto é, pelo
desenvolvimento durante os governos Costa e Silva e Médici (gestão econômica do
ministro Delfim Neto). Para os militares, as editorias de economia representavam um
espaço de menor risco porque as informações eram basicamente sobre o setor público, e os
dados e índices eram oficiais, fornecidos pelo BNDE, pelo CMN, pela Associação
Comercial, pelas Federações das Indústrias, e pelo Ministério da Fazenda.
Todo o noticiário econômico era originário do Rio de Janeiro porque ali ficavam o
Ministério da Fazenda, o do Planejamento e os principais órgãos estatais. Mas a censura
atingia todos os setores dos jornais. Em nome da estratégia de integração, parte da ideologia
de segurança nacional, os militares estavam interessados na modernização dos meios de
comunicação. Se, por um lado, censuravam a imprensa e interferiam no conteúdo da
informação, por outro passaram a canalizar para a mídia grande massa de recursos através
da publicidade oficial.
Nesse quadro, o jornalismo econômico passou a ser visto como um conveniente
instrumento de divulgação da política econômica do regime militar (Abreu, 2003). Era
importante que a imprensa divulgasse conquistas e avanços, já que a economia se tornara a
moeda de legitimação de um regime sem legitimidade política. Não foi por acaso que, nos
anos 1970, os jornais de maior prestígio e circulação no país criaram ou consolidaram suas
editorias de economia.
O modelo de desenvolvimento econômico adotado no Brasil a partir do final dos
anos 1960 também abriu espaço para o aparecimento de um grande número de boletins
(news letters) e revistas especializadas em economia (Quintão, 1987).
O jornalismo econômico que a imprensa brasileira vai descobrir nos anos 1960,
portanto, é caracterizado pela difusão sistemática de fatos e temas relacionados com os
problemas macroeconômicos ou da economia de mercado, cujas fontes são economistas,
banqueiros, projetos, balanços e relatórios originários de segmentos privados ou de
instituições estatais. Nos anos 1970, foi a vez da ascensão do jornalismo de negócios (Luís
Nassif, 2003).
Foi nessa época que o jornalismo segmentado na cobertura vai se consolidar com o
crescimento da Gazeta Mercantil. Enquanto o encarte Diretor Econômico marcou sua
presença atuando no estímulo ao desenvolvimento do mercado de ações, a Gazeta começou
a crescer ainda no bojo do “milagre econômico brasileiro”, adotando uma linha editorial de
estímulo ao desenvolvimento de uma economia capitalista de livre mercado. Sua história
está diretamente relacionada com a divulgação das informações financeiras no país.2
2
Ela nasceu como um pequeno diário econômico e financeiro, em tamanho ofício, criado
em 1920 para atender ao perfil do mercado paulista. O proprietário era o italiano José
Francesconi, ex-funcionário de banco que trabalhou fazendo levantamento de cadastros e
de informações comerciais. Em função dessa experiência, decidiu criar a Agência
Da década de 1920 até a de 1950, a então Gazeta Mercantil Industrial e Financeira
foi distribuída diariamente como boletim mimeografado. A primeira edição ampliada de
uma Gazeta já com cobertura da área econômica, além de industrial e financeira, circulou
no dia 17 de abril de 1950. A partir dessa época, passou a ser impressa em máquinas planas
no tamanho 27 X 36 cm e diagramada em seis colunas. A circulação era ainda modesta, não
mais que 6 mil exemplares (Lachini, 2000). Publicava balanços, editais, atas, convocações
de assembléias e não se diferenciava das demais páginas de economia que existiam em
praticamente todos os jornais do Rio e de São Paulo.
Apenas na década de 1960 começou a incorporar o padrão jornalístico que hoje
apresenta, o que, na verdade, vem a se consolidar nos anos 1970, quando o diário ingressa
na chamada nova fase. E porque o jornal começa a passar por um processo de
modernização que envolveu contratação de jornalistas, aquisição de equipamentos, reforma
do projeto gráfico justamente nessa época?
Como vimos, foi durante o regime militar (1964-1985) quando o país viveu um
período de grande desenvolvimento econômico, com fortes investimentos no setor
industrial, e quando os temas políticos se tornaram alvo da censura, que os proprietários dos
meios de comunicação decidiram substituir a política pela economia, como tema
fundamental de suas coberturas. A transformação da Gazeta nos anos 1970 esteve em
grande parte ligada a essa conjuntura e produziu um modelo de jornalismo que abriria
espaço para o surgimento de outros veículos especializados em economia, em finanças e em
negócios.
Comercial e Financeira para vender notícias sobre movimentação de mercadorias em São
Paulo, então com 580 mil habitantes, 1.207 fábricas e seis mil “negócios”, sendo
responsável por 31,5% da produção industrial brasileira. Em 1929, os irmãos Levy haviam
criado o Boletim Comercial Levy para ampliar a gama de serviços que a corretora da
família oferecia. Depois, em 1931, fundaram a Revista Financeira Levy. A intenção era
explorar com mais profundidade o mercado de informações de câmbio, de títulos e do
movimento bancário e ações. Foi então que, em 1934, por 60 contos de réis o pequeno
diário se juntou ao boletim e à revista dos Levy. A fusão dos três veículos resultou na
Gazeta Mercantil Industrial e Financeira (Lachini, 2000). Nascia, assim, o embrião da
atual Gazeta Mercantil, que viria a se firmar como a mais importante publicação do país no
setor de economia e de negócios, apesar de ter surgido quase cem anos depois da primeira
publicação da área econômica, o Jornal do Commercio.
O processo de modernização iniciado na década de 1970 tinha a proposta de reformular o
diário econômico e buscar expansão regional, nacional e internacional . A meta era
produzir um jornal que estivesse à altura do “milagre econômico brasileiro”.
Nessa época (1969-1974), o governo militar estava gerindo um boom econômico no país e
tudo indicava existir no mercado editorial brasileiro espaço para um jornal efetivamente de
negócios, a exemplo do que já ocorria nos países industrializados. Experiências
semelhantes mostravam que, em Nova Iorque, o The Wall Street Journal havia se
transformado em um grande jornal; em Londres, o Financial Times, também nessa linha, se
tornou em pouco tempo um dos mais importantes jornais da Europa; na Alemanha, o
Handelsblatt avançava com êxito nessa área. No Japão, a cadeia Nihon Keizai Shimbun
caminhava também na mesma direção, com publicações especializadas. E a Austrália tinha
o Australian Financial Review (Quintão, 1987).
No final de 1974, o primeiro ciclo do projeto de modernização da Gazeta estava
praticamente esboçado. Era o desenvolvimento da “lógica editorial” do periódico. O
presidente da empresa, Luiz Fernando Levy, queria fazer um jornal independente, influente
e, em conseqüência, rentável e de circulação nacional. Müller3 relata que na época em que
assumiu a Gazeta ela tinha uma tiragem muito pequena, de uns 10 mil exemplares, mas foi
crescendo e ficando importante, pelos jornalistas e pela concepção do projeto. Ao final de
1975, a circulação paga do jornal havia sido ampliada para os estados do Rio de Janeiro, do
Rio Grande do Sul, do Santa Catarina, do Paraná, de Minas Gerais e do Distrito Federal.
Era 434% superior à de 1972, estimando-se que chegou perto de 18 mil exemplares diários
(Lachini, 2000).
A redação continuou a receber os maiores investimentos da empresa. Aumentou o
seu quadro de jornalistas de 20, em 1972, para 49 em 1973, 64 em 1974 e em 1975 já eram
96. A área comercial registrava um faturamento cinco vezes maior do que o de 1972 e a
conquista de 900 novos clientes, de acordo com dados do balanço da empresa publicado em
1976. Em 1975, 18 mil exemplares diários circulavam no Rio Grande do Sul, em Santa
Catarina, no Paraná, em Minas Gerais e no Distrito Federal.
Após o processo de modernização, em 1975, a estrutura do jornal havia sido
dividida em 12 editorias. Em 1976, as duas questões centrais para a empresa eram como
3
Depoimento a Alzira Alves Abreu (2003).
deveria fazer para diversificar suas informações, procurando fugir do estigma de que era
uma marca especializada em publicidade legal de empresas, como alcançar leitores de todo
o Brasil e como melhorar a distribuição (Carvalho, 2001).
Em 1977, a Gazeta introduziu um sistema chamado “Laserit”, que permitia a
transmissão simultânea, por meio de microondas, de uma página do jornal em 90 segundos.
O investimento na área de modernização da impressão do veículo inicial foi de US$ 1
milhão (Lachini, 2000).
A circulação do jornal em 1977 não chegava a 20 mil cópias diárias. Dois anos mais
tarde, era distribuído em praticamente todo o Nordeste brasileiro e aos estados do CentroOeste, além do Sudeste e de todo o Sul do Brasil, aumentando paulatinamente sua tiragem.
A Gazeta Mercantil foi o 3º jornal de economia em todo o mundo e o primeiro no
Hemisfério Sul a adotar um sistema de impressão simultâneo. Alinhava-se, portanto, ao
americano The Wall Street Journal e ao japonês Nihon Keizai Shimbun. Antecipou-se ao
próprio Financial Times. Com uma circulação média de 118,5 mil exemplares em 2002, é
hoje o único jornal do Brasil impresso simultaneamente em cinco cidades diferentes.
Em 1977, o ex-boletim comercial Levy se tornou não apenas um diário de
economia, espaço ocupado, bem ou mal, pelos velhos jornais do Comércio e da Indústria e
pelas editoriais de economia dos grandes periódicos do Rio de Janeiro e de São Paulo, mas
um jornal de negócios, semelhante ao grupo de jornais estrangeiros que seguiam essa linha
e do trabalho desenvolvido pelo Diretor Econômico.
A transformação ocorrida na Gazeta Mercantil acaba despertando os grandes jornais
do país e os de economia da retórica modernizante e dependente quase que exclusivamente
do Estado, fruto do crescente avanço da estatização da economia e da atuação das agências
de publicidade. Nos anos seguintes, o diário continuou crescendo. No início da década de
1970, o jornal tinha menos de 4 mil assinantes (Lachini, 2000). Nas décadas seguintes, é
registrado um salto em sua circulação.
Os dados passaram a ser registrados com segurança a partir de 1985, quando a
Gazeta ingressou no Instituto Verificador de Circulação (IVC), com 63.218 assinantes,
venda avulsa de 3.796 exemplares e circulação total de 85.192. Ao final do mesmo ano o
jornal tinha 67.712 assinantes, circulação paga de 71.624 e uma tiragem total de 97.186
exemplares. O recorde foi batido em 1987, quando atingiu, em 31 de dezembro, a marca de
84.101 assinantes, 3.220 de venda avulsa e uma tiragem de 107.151 exemplares. Como
conseqüência, a receita operacional líquida, estacionada na faixa de US$ 15 milhões entre
1979 e 1980, saltou para US$ 20 milhões no triênio 1981-1983.
Nos anos 1980, a empresa introduziu equipamentos de transmissão com raios laser e
fibras ópticas, capazes de transmitir páginas, fotos e textos integralmente em segundos, o
que permitiu a criação das edições do Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília e, em
seguida, Porto Alegre e Recife. Dessa forma, tornou-se o único jornal da área econômica
com cobertura e circulação nacional.
O fato mais marcante da década de 1990 para o jornal foi a abertura de capital da
Gazeta Mercantil S.A., em 30 de outubro de 1993. Fazem parte do grupo, desde 1º de julho
de 1994, alguns Fundos de Pensão, que detêm 16,91% do capital total, em ações
preferenciais, sem direito a voto (Lachini, 2000).
Mas a Gazeta Mercantil acabaria se revelando um produto maior do que a empresa
que a gerara, o que lhe acabou rendendo problemas ao longo dos anos. O conceito original
que levou o jornal a se tornar nacional foi a idéia de que um produto como esse não pode
aspirar a ser a primeira leitura em cada cidade onde estiver. O primeiro veículo que é lido
em geral é o periódico local porque as notícias que interessam à média dos leitores em
primeiro lugar são as locais, como polícia, geral e política. Mas, como afirma Roberto
Müller, o jornal podia aspirar a ser o melhor segundo em todas as cidades onde fosse
distribuído. “O leitor da Gazeta não quer emoção. Se quiser emoção, ele vai comprar a
Folha, O Estado, a Veja, vai assistir ao Jornal Nacional. Se quiser muita emoção, vai ver
uma novela. A Gazeta é para ser o segundo jornal dele”, diz.
Sidnei Basile (2002), que trabalhou na Gazeta por 18 anos, afirma que o outro
conceito que o jornal incorporou, este sim político, era o de que se tornava necessário
cooptar os empresários para a causa da democracia. E foram um dos importantes segmentos
que, ao retirar o apoio incondicional ao regime militar, acabaram por inviabilizá-lo.
Na fase de transição para a democracia, a partir do governo Geisel (1974-1979), a
imprensa utilizou a crítica do modelo econômico como estratégia para criticar o próprio
regime militar. Abreu (2003, p. 218) diz que a imprensa buscou também o apoio das
lideranças empresariais, que naquele momento se mostravam insatisfeitas com os rumos da
política econômica.
3. Expansão do jornalismo econômico
Do período do regime militar aos recentes governos fortemente neoliberais, a
Gazeta Mercantil experimentou a ascensão como um jornal especializado e se consolidou
como uma referência na imprensa no Brasil e na América Latina na cobertura de economia
e de movimentação de negócios. Nos anos 1990, continuou crescendo até começar a
enfrentar, neste século, uma crise financeira que pôs em risco sua permanência na imprensa
brasileira.
Depois da redemocratização do Brasil, em 1985, com a eleição de Tancredo Neves à
presidência e, sobretudo, ao longo do traumático processo de tentar estabilizar a moeda, que
tomou os dez anos seguintes, a imprensa econômica vai se especializando cada vez mais.
Basile (2002) explica que isso era necessário para que o público entendesse a complexidade
das questões envolvidas nas tentativas de proceder à estabilização da moeda; entender
como e por que o Brasil tinha quebrado, nos idos de 1981; quais as novas condições da
retomada do crescimento e, sobretudo, por que o país era uma nação tão injustamente
dividida entre ricos e pobres.
A democratização foi também um movimento de ampliação do espaço da imprensa
econômica de maneira geral. Basile destaca que as redes de televisão, que pouco espaço
davam à economia, passaram a preocupar-se seriamente com o tema. Publicações
segmentadas como newsletters e revistas especializadas para cada setor de atividade
econômica começaram a surgir. O leitor consumia avidamente a informação econômica.
Um dos eventos da história recente do país que teve importância para a ampliação
dessa cobertura foi o confisco da poupança empreendido pelo presidente Fernando Collor
de Mello em 1990. Explicar as conseqüências desse plano para os cidadãos foi uma
oportunidade para os veículos. Investiu-se muito na cobertura econômica e de negócios e,
sobretudo, na explicação dos vetores que afetam as finanças das pessoas. Os jornais diários
passaram a abrir seções de finanças pessoais para seus leitores e novos canais de
comunicação começaram a se estabelecer com o público.
Como vimos, a história do jornalismo econômico brasileiro foi fundamentada sob a
égide do regime militar e sua prática carrega traços dessa fase da história brasileira.
Kucinski (2000) aponta cinco principais traços que constituiriam a mentalidade desse
subcampo no Brasil: o consesualismo, o dogmatismo, a ingenuidade, o entreguismo e o
deslumbramento.
Outros jornalistas, que atuaram por anos na cobertura de economia, apontam outros
problemas como falhas mais graves nesse subcampo. O jornalista Aloysio Biondi4, que
atuou na área de economia de 1967 até a sua morte, em julho de 2000, ao falar sobre esse
subcampo em 1998, disse que um de seus problemas mais graves foi que ele “nunca esteve
tão vergonhosamente atrelado ao governo”. Para ele, a qualidade do jornalismo econômico
ficou comprometida porque as empresas jornalísticas fecharam com o governo Fernando
Henrique Cardoso, não só pela onda neoliberal, mas também por causa da privatização das
telecomunicações.
Para Luís Nassif, colunista da Folha de S. Paulo, já faz muito tempo que a
economia é apresentada como uma ciência mágica, capaz de transportar o país para o
progresso, sem esforço, e o jornalista econômico como o sujeito que usava o jargão
econômico para se valorizar ou escrevia fácil sem explicar. Nassif diz que, desde os anos
1970, o jornalismo econômico ajudou a montar a fantasia do saber mágico, pairando acima
da realidade do país e das pessoas. Nos anos 80, ajudou a “vender a morfina dos pacotes
econômicos milagrosos”. Nos anos 90 nos o problema foi se deixar seduzir pela miragem
da abertura financeira indiscriminada, pelos sofismas de que a criação de vulnerabilidade
externa atrairia capital volátil, que, por si, atrairia o capital de investimento.5
Ele avalia que, muitas vezes, os jornalistas de economia e as empresas deixaram de
lado aspectos fundamentais da construção do país, o respeito ao seu povo, a compreensão
da sua história, o entendimento da sua cultura, a análise dos seus personagens e agentes
econômicos, para substituí-los pela superficialidade das análises diárias de mercado.
O foco do jornalismo econômico teria de ser a defesa dos valores que, levando ao
desenvolvimento, ajudem o país a sair de sua condição de miséria. Os jornais e os
jornalistas, de maneira geral, e, principalmente, os especializados em economia, têm de
explicar criticamente, questionar as afirmações econômicas, conferir o que é consistente e
denunciar a burla e a farsa e não apenas reproduzir o que as fontes dizem.
Biondi trabalhou na Gazeta Mercantil no período de 1974-1976. Sua entrevista está disponível no site
http://carosamigos.terra.com.br(outras_edicoes/grandes_entrevistas.asp). Acesso no dia 12 de outubro de 2003.
5
Cf. O jornalismo econômico, artigo publicado na Folha de São Paulo em 17 de setembro de 2003.
4
No início deste século, a concorrência no segmento de cobertura especializada de
economia se acirrou. A Gazeta Mercantil começou a enfrentar a concorrência direta no
segmento onde predominou por mais de 80 anos. Até a chegada do concorrente Valor
Econômico ela era o mais prestigiado diário de circulação nacional voltado para economia e
negócios no Brasil. O Valor, que começou a circular em 2 de maio de 2000, é fruto de um
acordo anunciado, em outubro de 1999, entre a Folha da Manhã – que edita, entre outros
títulos, a Folha de S. Paulo –, e a Infoglobo Comunicações, que publica O Globo. Os dois
grupos investiram R$ 50 milhões no lançamento do Valor sob o argumento de que havia
espaço para um novo diário dirigido à área econômica. Na época, a revista Propaganda
noticiou que a decisão se fundamentou no fato de a Gazeta não apresentar boa situação
financeira (Carvalho, 2001).6
E em 2001, houve a publicização do processo de crise da Gazeta ao ser anunciado,
em novembro de 2001, o corte de 400 postos de trabalho, resultado do anúncio de um
processo de reestruturação em seus escritórios regionais (eram 21 e atualmente existem
apenas seis). Uma semana depois, uma nova rodada de demissões ocorreu na sede da
empresa, em São Paulo, e atingiu mais 143 funcionários que estavam em estado de greve há
um mês por atraso de salários e benefícios.
O jornal teve até mesmo sua marca, que parecia inabalável, negociada em um
acordo de licenciamento com o empresário Nelson Tanure. O contrato firmado em 2003
prevê a cessão da marca pelo espantoso prazo de 60 anos e o pagamento pela Companhia
Brasileira de Multimídia (CBM S.A.), que é de Tanure e edita o Jornal do Brasil, de 3% do
faturamento anual das marcas da Gazeta a título de royalties. A CBM S.A. calcula em R$
60 milhões os débitos da Gazeta com funcionários.
Com sua imagem abalada, a Gazeta enfrenta uma crise de autoridade, pois enfrenta,
além da crise financeira, uma grave crise de autoridade, que talvez possa comprometer sua
permanência e seu lugar dentro da imprensa brasileira.
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