O QUE ESSE BAIANO TEM? TRAJETÓRIA INTELECTUAL E INSERÇÃO DE AFRÂNIO PEIXOTO NOS DEBATES ACERCA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORAS PRIMÁRIAS. Tamires Farias de Paiva/ PROPED-UERJ [email protected] Introdução Trazer luzes à vida e ações de sujeitos que alcançaram legitimidade na história de nossa educação nem sempre é tarefa simples. Por vezes, o olhar pouco estranho e sobremaneira afeito a determinadas construções de memórias1 destes sujeitos parece não permitir o avanço em problematizações essenciais ao “fazer” história. Permitir-se a indagação e a compreensão de certos “emblemas” talvez se aponte como um exercício necessário e caro à aproximação dos comos e porquês de modo menos ingênuo e mais inquisitivo. Este estudo não objetiva tornar secundárias as marcas que dão, sim, legitimidade ao que este médico diz, faz e registra. Sobretudo, é considerando o levantamento biográfico um exercício necessário que aqui se realiza um esforço de interpelação desta legitimidade, buscando evidenciar por ela os elementos que a sustenta. Desde a vinda para o Rio de Janeiro e sua instalação na então capital da república, Afrânio Peixoto foi “cercado” por homens ilustres e este é um dos elementos interessantes que permite pensar a dinâmica seletiva na qual se sustentaram determinadas memórias acerca deste intelectual. Ao lado disto, considerando a inserção de Afrânio Peixoto no campo educacional, aponta-se como outra chave deste estudo os discursos que o mesmo compartilha acerca da formação de professoras primárias. O processo de “feminização” do magistério já se presenciava há ao menos desde a entrada do século XX pelo incentivo de iniciativas distintas. Além do decreto que vigorou em 1901 na Escola Normal do Distrito Federal, que permitia somente a matrícula de moças no curso normal, pode ser percebido o incentivo por parte de professores, como assim o fez Afrânio Peixoto. Em alguns dos livros que publicou (como “Ensinar a Ensinar” e “A Este estudo não pretende realizar abordagens conceituais acerca do termo “memória” (sobre o assunto ver LE GOFF, 1984), cabendo, portanto, explicitar que o mesmo deve ser lido aqui como a “vontade” de se reservar a alguém ou a algo um lugar na história, sua permanência. 1 1 Educação da Mulher”), por exemplo, a defesa pelo magistério primário exercido por mulheres é uma marca destes textos. Para isto, Afrânio Peixoto toma como justificativas o atributo da “vocação”, a própria condição biológica feminina2 e os pressupostos de distinção salarial entre os sexos3. Examinar estes discursos compartilhados por Afrânio Peixoto e direcionados ao sexo feminino é um exercício que permite tornar pensáveis as representações de dada sociedade acerca dos seus próprios sujeitos e de sua educação. O que esse baiano tem? Dentro dos limites deste estudo, realizou-se um esforço de apontar em que a trajetória de Afrânio Peixoto contribui para o “tecer” da história da educação brasileira. Da província à Corte: a constituição do “homem público” 4 Médico, higienista, educador, político, romancista, historiador, literato, viajante, o estimado “polígrafo” Júlio Afrânio Peixoto (1876-1947) nasceu em Lençóis, no estado da Bahia. Inserindo-se nos mais distintos círculos sociais, a eminente trajetória do médico baiano pareceu se dever, em parte, pela amizade com ilustres intelectuais do período, como seu conterrâneo Anísio Teixeira e Nina Rodrigues. Em 1897, ainda em terras nordestinas, Afrânio Peixoto concluiu seu curso de medicina como aluno laureado na Faculdade de Medicina da Bahia, defendendo tese intitulada “Epilepsia e Crime”. Anos mais tarde, a trajetória intelectual do médico baiano ganharia novos rumos. Em 1901, por influência do médico Juliano Moreira, Afrânio Peixoto transferiuse para a, então, capital da República: Não foi sem propriedade que Rossewelt pôde chamar à maternidade o serviço patriótico obrigatório das mulheres, como os homens teem o seu serviço militar obrigatório, para defender a Pátria, que elas criaram. [...] Na escola servem de ensino os bonecos, o que é um brinco, com que aprendem [as meninas] para a vida.” (PEIXOTO, 1923, p.64-65) 3 Não pode ser visto no exame dos textos produzidos por Afrânio Peixoto a afirmação de que caberia à mulher, em um mesmo tipo de atividade, ganhar menos do que os homens ou, em sentido inverso, defendendo que os homens deveriam ganhar mais que as mulheres. No entanto, o que parece claro nos textos é a ideia de que existiam, sim, atividades para o sexo feminino e masculino com compensações financeiras que se distinguiam. Havia profissões que afirmavam a “docilidade” feminina e outras que reforçavam a “virilidade” masculina. 4 A presente reflexão foi desenvolvida no estudo monográfico da autora, intitulado “Por uma educação sob medida: um estudo das representações da mulher na produção de Afrânio Peixoto (1931-1944)”, resultante de dois anos no projeto de pesquisa de iniciação científica e, para efeitos deste artigo, sofreu algumas alterações decorrentes do aprofundamento de questões que estão se desenvolvendo em nível de mestrado. 2 2 A amizade ao meu prezado mestre Nina Rodrigues privava-me de pensar na substituição dêle [sic]: era moço e teria eu de esperar longos anos pela sua aposentadoria. Com a morte não devia e não podia contar. Embora tudo me prendesse à Bahia, já professor de duas escolas e médico da Saúde Pública, empreendi transportar-me ao Rio de Janeiro, para concorrer à vaga do professor Souza Lima, na Faculdade de Medicina. (PEIXOTO apud RIBEIRO, 1950, p. 35) A chegada e permanência de Afrânio Peixoto no Rio de Janeiro se deram articuladas a uma importante rede de sociabilidade. As relações que manteve com intelectuais influentes do período auxiliaram nas futuras indicações a cargos públicos e facultou credibilidade para a inserção em associações científicas e literárias, tanto no Brasil como na Europa. Um exemplo disto foi o convite que recebeu de Mário de Alencar para a sucessão de Euclides da Cunha na cadeira n° 7 da Academia Brasileira de Letras (ABL). Segundo Leonídio Ribeiro (1950), o romance A Esfinge projetou a carreira do escritor e romancista baiano na Academia Brasileira de Letras, tendo sua primeira edição esgotada em uma semana. Roberlayne Roballo descreve este momento da trajetória de Afrânio Peixoto: Na década de 1910, percebo claramente a manifestação desta tendência de intensa e diversificada ação social, de tal maneira que a especialidade do médico, a erudição do literato, o magistério do educador e a vocação política do intelectual encontraram-se na trajetória e na produção literária de Peixoto. (idem, 2007, p. 19) Em sua trajetória intelectual, fez circular um avolumado conjunto de livros, principalmente desenvolvendo temas como higiene e medicina legal, além das sucessivas composições de romances a fim de ostentar sua condição de membro e presidente da Academia Brasileira de Letras. Segundo Gondra e Ascolani (2009), a expressividade da produção de Afrânio Peixoto pode ser percebida pelo fato de o próprio autor ter redigido os manuais das disciplinas nos cursos superiores nos quais lecionava. Alguns exemplos destes manuais são os livros “Elementos de Higiene” e “Noções de História da Educação”, endereçados à formação de médicos e professores primários, respectivamente. 3 Dois outros momentos marcam a eminente inserção do médico Afrânio Peixoto na educação: a assunção do cargo de Diretor da Escola Normal, em 1915, e de Diretor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal, em 19165. Foi neste último cargo que Afrânio Peixoto reformulou, na Escola Normal e nas demais escolas municipais, o serviço de inspeção médico-escolar6. Além do médico e professor, outra marca da trajetória pública de Afrânio Peixoto se evidenciou no Congresso Nacional, em 19247, quando alcançou o cargo de deputado Federal pelo estado da Bahia. Neste cargo, exerceu duas candidaturas consecutivas, sendo a última, no entanto, interrompida pela Revolução de 1930. Enquanto deputado federal, seu projeto político girava em torno de questões sobre insanidade mental, malária, alcoolismo, analfabetismo e trabalho. A insatisfação de Afrânio Peixoto com a política legislativa brasileira, no entanto, era evidente: Nestes cem anos, para qualquer das aspirações nacionais, é este o constante e irredutível trâmite; reclama-se a lei; às vezes ela é apresentada a uma das Câmaras; raramente se discute: é infinito o número desses mortos de nascença, no ‘seio das comissões’; se por acaso é votada numa, morre na outra Câmara, se a instância é grande vai uma autorização, em outro projeto; ou na lei orçamentária, para o executivo legislar; este, ou legisla além da autorização muitas vezes, ou deixa caducar esse substabelecimento de funções. (PEIXOTO apud RIBEIRO, 1950, p. 305 e 306) A vida parlamentar deste médico deu origem a um interessante documento sobre a atuação no Congresso Nacional: o livro “Marta e Maria”, publicado em 1931. Este livro reuniu os principais trabalhos produzidos por Afrânio, na Câmara Federal, defendendo projetos que visavam aos problemas sociais do país. Com um título parecendo enunciar mais um de seus romances, as páginas de “Marta e Maria”, contrariamente à ficção, reúnem projetos e ações públicas que tratam dos tão reais problemas da educação, saúde e trabalho no século XIX e início do XX. Este momento da trajetória pública de Afrânio Peixoto parece encaminhá-lo a uma relação mais Neste mesmo ano também assume, em caráter efetivo, a cátedra de Higiene na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. 6 Estas e outras ações foram relatadas no texto de Maria dos Reis Campos, apresentado em sessão promovida pela ABE. Tratou-se de uma homenagem à Afrânio Peixoto, por ocasião de sua jubilação na cátedra da Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil. A íntegra do texto pode ser encontrada na Revista Educação, da ABE, n. 13 a 16, janeiro a dezembro de 1942, p. 30-34. 7 Neste mesmo ano é nomeado Doutor Honoris-causa pela Universidade de Lisboa. 5 4 estreita com os debates educacionais da época e evidenciá-lo intelectual das causas da educação no Brasil. Na defesa pela educação pública nacional, participavam dos interesses deste político baiano a centralização do ensino fundamental e a democratização do ensino secundário, especialmente. Tornar estes dois níveis de ensino acessíveis a toda população brasileira em idade escolar foi um desafio que Afrânio Peixoto propôs ao Congresso Nacional e levou a debate em seu livro “Ensinar a Ensinar”, publicado no ano de 1923. A participação de Afrânio Peixoto nas manifestações e iniciativas voltadas para a renovação do campo educacional, principalmente a partir da década de 1920, também é uma marca de sua trajetória pública. A condição de signatário do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova lançado em março de 1932 e a participação ativa na Associação Brasileira de Educação delinearam a representatividade que alcançou o educador baiano no campo educacional brasileiro. Os pontos de encontro entre os princípios defendidos por Afrânio Peixoto e aqueles propalados pelo movimento da Escola Nova resultaram na recepção do Manifesto pelo médico baiano. Somado à notável amizade com Anísio Teixeira, o ajuste de interesses entre ambas as partes tornou a assinatura de Afrânio Peixoto um requisito indispensável para a publicação do Manifesto na imprensa. Um trecho da carta de Fernando de Azevedo a Anísio Teixeira8, em 14 de março de 1932, atesta o empenho deste grupo de manifestantes educadores em proveito da repercussão deste documento e, especialmente, da acepção do mesmo por parte de intelectuais ilustres: Escrevo-lhe às pressas, com a cabeça pesada de somno.[...]Insisto sobre as assignaturas do Afrânio e do Carneiro Leão. Informe-me com urgencia sobre se elles nos deram a sua solidariedade, para eu mandar incluir, com tempo, os seus nomes entre os que assignaram o nosso manifesto.[...]É preciso que o nosso manifesto tenha a maior repercussão possível. Isto se conseguirá se, ao menos, os principaes jornais do Rio ( Jornal do Com., O Jornal, Jornal do Brasil e Diário de Noticias) e os de S. Paulo, o derem, na integra, no mesmo dia. Não é pouco. Mas não é cousa difficil de obter. Se conseguirmos, além disso, que, no mesmo dia 19 (sábado) outros jornais o publiquem no Rio Grande, Paraná, Minas, Bahia e Pernambuco, teremos dado o primeiro grande passo para a sua repercussão. A íntegra desta carta está disponível em <http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/>. Acessado em: 25/01/2010 8 5 No contexto em que a renovação educacional pedia passagem, emergiu um projeto editorial ousado, organizado por Fernando de Azevedo e editado pela Companhia Editora Nacional, ambicionando assumir a “dianteira” no projeto de aperfeiçoamento cultural e profissional do professor. Animado pelas discussões sobre a cultura pedagógica, este projeto editorial, composto por cinco séries (Literatura Infantil, Livros Didáticos, Atualidades Pedagógicas, Iniciação Científica e Brasiliana), intitulouse Biblioteca Pedagógica Brasileira e esteve a serviço do “enriquecimento” da literatura pedagógica do país. No conjunto de livros publicados, compôs a série Atualidades Pedagógicas o livro Noções de História da Educação, de Afrânio Peixoto, com sua primeira edição em 1933. O livro, que passou por três edições (1933, 1936 e 1942), possui um caráter introdutório sobre a história da educação, como o próprio autor atesta no prefácio da primeira edição: Tudo está conforme, se são apenas “noções”. O tratado virá, de outrem, na sua oportunidade. Esta contribuição representa apenas a modesta flor, que prevê o fruto opimo. Assim seja. O ano de 1935 presenciou a criação da Universidade do Distrito Federal (UDF) e, pela ação de Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto foi nomeado primeiro reitor da mesma. Nesta função realizou viagem à Europa para recrutar aqueles que formariam o corpo docente da estimada instituição. O modelo educacional era europeu e o intento fora trazê-lo e aplicá-lo no Brasil, como símbolo da chegada de novos tempos para a educação nacional. A renovação também pretendeu chegar ao ensino universitário e, neste sentido, contou com a presença e participação daqueles interessados por esta causa. Professor de Higiene na Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro e autor de livros sobre o tema, a causa da higienização brasileira também foi compartilhada nos discursos de Afrânio Peixoto. Sua inserção no movimento higienista no Brasil é uma marca que enrijece a posição do médico e influencia suas representações educacionais enquanto gestor da educação pública e professor. A higiene, para Afrânio Peixoto, tratava-se de um assunto educativo que, portanto, merecia atenção no espaço escolar. As experiências do médico, de modo perceptível, fundiam-se na fala do educador investido na mudança dos hábitos da sociedade brasileira, tendo como escopo a escola primária. 6 Em um comunicado da Associação Brasileira de Educação, localizado no acervo desta mesma instituição, sem data identificada, ficam perceptíveis estas duas posições que constroem a relação educação e saúde no interior do discurso de higienização: Portanto, hoje que a ABE me pede um “voto” de natal para os brasileiros, torno ao assunto...Primeiro, saúde...Como pode um doente atender ao mestre, vir à escola, instruir-se, se está doente?! E como saber quem está doente?Aqui está o meu voto...Será pedir à ABE que peça ao Povo Brasileiro um hábito, a fazer-se...Todos os anos - pode ser no fim do curso, ou antes dele começar- ter ou criar a obrigação de mandar os filhos ao médico, para um exame... (...) Ninguém deve esperar o desastre, senão conjurar o desastre...Assim a criança...Está boa? Os dentes? Os gânglios? Respira bem? Come bastante? Os nervos, em ordem? É preciso ver se vê bem. (...) Educação exige saúde...Se não, é fazer mal a uma criatura humana, não tratá-la a tempo; é educativamente... “carregar água em peneira”. Pela análise dos discursos veiculados nos Congressos Brasileiros de Higiene9 e, também, pela compreensão do próprio modo como a Associação Brasileira de Educação, no Rio de Janeiro, mantinha o direcionamento de suas ações10, o que pode ser observado para os anos 1920, especialmente, é um esforço em construir a representação da escola como espaço de efetivação do projeto de higienização do país. Acreditava-se na escola primária enquanto potencial meio de inculcação de hábitos, dado o pressuposto da plasticidade infantil, sua característica de “ser moldável”. Para o médico e higienista Afrânio Peixoto, a saúde era a compensação da vida e, portanto, alcançá-la somente seria possível pelo ensino da higiene desde as escolas primárias. No interior destas preocupações, a defesa do ensino da puericultura nestas escolas, por exemplo, encontrou esteio e divulgação em algum dos livros publicados por Afrânio Peixoto, como Ensinar a Ensinar (1923). No entanto, vale assinalar que este pareceu ser um discurso voltado para o sexo feminino, já que neste livro o mesmo autor enfatiza a necessidade deste ensino nas “escolas e colégios de meninas” (idem, pg. 65). A educação higiênica se apresentara como um benefício àquelas futuras mães e professoras primárias, que teriam de lidar com corpos dóceis e modeláveis. Até o presente momento da pesquisa foram localizados no acervo da Biblioteca da Casa de Osvaldo Cruz (RJ), os anais do I, II, III e V Congresso Brasileiro de Higiene, realizados, respectivamente, em 1923,1924, 1926 e 1929. 10 Pelo exame dos boletins publicados pela ABE e a própria organização desta instituição em seções temáticas, dentre as quais uma nomeada “Educação física e higiene”, nota-se a presença de um debate acerca da relação educação e saúde, especialmente em sua concretização no espaço escolar. 9 7 “Em bem da saúde”, em 1914, Afrânio Peixoto publicou, em co-autoria com o médico Graça Couto11, um manual escolar nomeado Noções de Higiene: livro de leitura para as escolas. Segundo Heloísa Rocha (2000), como livro de fins didáticas, a preocupação dos autores era de construir, discursivamente, o lugar da higiene como conhecimento escolar. Neste livro, por meio de intervenções dentro e fora do espaço escolar, desde a designação de locais mais apropriados para a construção das escolas até a medição de espaços mínimos que um aluno deveria ocupar em uma sala de aula, os autores veicularam os preceitos higiênicos intentando ordenar o espaço escolar. Este livro foi produzido com a intencionalidade de atender uma demanda de profissionais em formação, dentre os quais as professoras primárias. Demonstração disto é a adoção do mesmo no programa de ensino normal, na Escola Normal do Distrito Federal, no ano de 1915. O livro era destinado ao ensino da disciplina “Higiene e Primeiros cuidados médicos” que figurava dentre aquelas que deveriam completar a formação das futuras professoras. A disciplina era lecionada no 4° ano do curso normal e seu programa dividido em 20 lições. A produção bibliográfica de Afrânio Peixoto se estendeu por cerca de 50 anos de sua trajetória intelectual. Grande parte dos livros que publicou, principalmente sobre higiene e educação, possui estreita relação com a organização das disciplinas que lecionou no exercício do magistério. Estes registros funcionaram como referência teórica nos cursos e neles foram eleitas e organizadas noções essenciais para a formação profissional de médicos legistas, advogados e professores primários. Para além deste ordenamento de leitura e dos fins didáticos de grande parte dos livros, Afrânio Peixoto realizou um investimento na literatura romântica atingindo a um público majoritariamente feminino. Sobre o investimento na literatura romântica é possível identificar que se torna expressivo a partir da década de 1910, momento em que passa a condição de acadêmico na Academia Brasileira de Letras e, passados alguns anos, de presidente desta instituição. Desta forma, a expressividade identificada neste tipo de produção, a partir desta década, pareceu estar associada às posições que ocupou. Em números, os livros produzidos por Afrânio Peixoto no campo médico e na literatura tiveram maior expressividade. Na educação, alguns dos livros publicados foram resultados de compilações de conferências realizadas pelo autor, sendo utilizados Graça Couto foi diretor dos Serviços de Profilaxia e Desinfecção e diretor geral interino da Saúde Pública do Rio de Janeiro. 11 8 como referência de alguns programas de disciplinas. A produção de livros sob o tema da educação é iniciada, na década de 1920, e é marcada pelo início de sua atuação na Associação Brasileira de Educação (ABE). Embora não tenham alcançado grande expressividade em número de títulos publicados, vale ressaltar que os livros inseridos no tema educação tiveram cuidadosos tratamentos pelo autor, sendo revisados e atualizados a cada edição. O livro Noções de História da educação, por exemplo, tinha na segunda edição, em 1936, 285 páginas e a última, de 1942, já havia alcançado 350 páginas. Além disto, da primeira para a segunda edição, são incorporados referências a acontecimentos de 1934, 1935 e 1936 (Cf. GONDRA & ASCOLANI, 2009). Outro caso é o livro A educação da Mulher que, em sua segunda edição, em 1947, é revisto pelo autor e tem seu título mudado para Eunice ou A Educação da mulher. Afrânio Peixoto, neste movimento de produção e circulação de livros, também manteve relações com o mercado editorial estrangeiro. Um significativo número de livros foram impressos em Buenos Aires (Imprensa de La Nación e Editorial InterAmericana), Leipzig (F. A. Brockhaus), Paris (Aillaud & Bertrand e Librairie Plon), Coimbra ( Imprensa da Universidade), Lisboa ( Aillaud & Bertrand) e Porto (Lello & Irmão). As viagens realizadas ao exterior contribuíram para que estas relações fossem estabelecidas e mantidas. Havia um enérgico interesse de propagação dos livros que escreveu e, por isto, Afrânio Peixoto acionou mecanismos para controlar, mais de perto, a circulação. No conjunto de documentos examinados12, são frequentes as correspondências “apressando” as editoras para o término dos trabalhos de impressão, principalmente quando se tratavam dos livros destinados aos usos escolares. Afrânio Peixoto acompanhava, cuidadosamente, todo o processo de edição de seus livros e pareceu ser exigente quanto aos resultados das impressões. As tiragens dos livros produzidos por Afrânio Peixoto alcançavam números expressivos chegando, por exemplo, a um total de 23.600 exemplares as nove edições do livro Medicina Legal. Se, por um lado, os números de exemplares não podem, sozinhos, indicar em mesma quantidade a recepção destes livros pelos leitores, por outro o número de edições pode enunciar a aceitação do público a que se destinou. Vale ressaltar também que o fato de alguns destes livros serem utilizados nos programas das disciplinas em que Afrânio era professor contribuiu para o alargamento da divulgação. Grande parte dos documentos aqui referenciados constitui o acervo da Casa Afrânio Peixoto, localizada em Lençóis (BA). 12 9 As menores tiragens realizadas variavam entre 500 e 1.000 exemplares e, em sua maioria, tratava-se de obras literárias, embora este tenha sido o gênero no qual o médico investiu grande esforço de produção. Dentre os elementos que contribuem para a legitimidade dos livros, como os posfácios e as reedições alcançadas, um segundo tipo de produção que aqui deve ser destacado são os prefácios. Embora não compartilhem da mesma autoridade dos discursos dos livros, são fontes pelas quais se podem pensar o dimensionamento da teia de relações constituída pelo prefaciador e o grau de legitimidade alcançado pela sua escrita. Portanto, dentro destas considerações, vale destacar que Afrânio Peixoto prefaciou cerca de 30 livros, em temas variados13, chegando a atingir neste conjunto a publicação de três prefácios por ano. Atentar para este tipo de produção é um movimento interessante para se pensar o trabalho do prefaciador para além de um denotado anotador de textos. Além do reconhecimento que o prefaciador atribui à escrita de outro autor, quando aceita esta posição na produção textual, ele confere à sua própria escrita uma posição na disputa pelo mundo das letras. Desta forma, para além de um gesto de complacência com relação ao outro, o prefácio se constitui em um capital simbólico dotado de identidade e reconhecimento. O médico e a formação de professoras primárias nos anos republicanos Como, além das crianças, os iletrados adultos lucrariam, se houvesse amplas escolas e bons mestres para eles! Pois bem, o sonho a realizar é este. Escolher um bom professor, melhor, uma bela, jovem, interessante e interessada professora, dotada do dom de ensinar. (PEIXOTO, 1930, p. 481. Grifos nossos) Este excerto foi retirado do livro “Marta e Maria”, da autoria de Afrânio Peixoto, e se encontra inserido na discussão que o autor realiza acerca da educação de adultos analfabetos. Como pode ser observado, o autor reserva à mulher o exercício do magistério e atribui a isto o estimado “dom de ensinar”. Esta representação construída comparece em outros textos de Afrânio Peixoto e, portanto, neste estudo merece o Alguns destes livros são: Miss Kate (Araripe Junior), Livro das mães: consultas práticas de hygiene infantil (Fernandes Figueira e Luis Morquio), História econômica do Brasil: 1500-1820 (Roberto C. Simonsen), Fronteiras da Medicina (Hélion Povoa), Da lepra, o essencial (Raul Rocha), Lições de Hygiene (J. A. Magalhães), Biologia e lingüística (Afrânio do Amaral) e Uma página de escola realista: drama crônico em quatro palavras (Castro Alves). 13 10 devido tratamento. Antes de aprofundar a reflexão enunciada, vale apontar algumas questões que contextualizam a situação da formação de professoras primárias no período em análise. Como continuidade de ações embrionadas no Império, as primeiras décadas republicanas presenciaram a expansão de iniciativas voltadas para a formação docente e a busca por inovações educacionais acionou um conjunto de dispositivos que visavam o alcance do estimado aperfeiçoamento cultural e profissional dos futuros mestres e mestras. Expressão de um destes dispositivos foi o crescimento de uma especializada produção de livros, direcionada ao atendimento desta demanda de professores em formação. Distintas frentes educacionais foram organizadas a fim de garantir espaço neste mercado editorial, como o exemplo da Biblioteca Pedagógica Brasileira, da Companhia Editora Nacional. Afrânio Peixoto, atuando como diretor da Escola Normal, em 1916, e professor de História da Educação, em 1932, no Instituto de Educação do Distrito Federal, recolheu destas posições um conjunto de experiências que comparecem na escrita de seus livros. Dada a emergência de determinadas representações acerca do magistério primário- especialmente sobre o lugar atribuído à mulher no exercício desta função-, este estudo busca, a partir deste segundo momento, uma articulação entre os discursos que permearam o imaginário social, na relação mulher/docência, e o modo como o médico Afrânio Peixoto se apropria dos mesmos, divulgando-os. A expansão do ensino normal se deu acompanhada por uma procura, cada vez mais significativa, de mulheres desejando uma profissionalização que lhes permitisse o rendimento para o próprio sustento (Cf. ALMEIDA, 2006, p. 77). Neste contexto, verifica-se uma inserção cada vez mais significativa de mulheres em diferentes postos de trabalho e o magistério primário se apresentou como uma destas possibilidades de atuação. A presença feminina nas Escolas Normais já era sensível ao longo do século XIX e se estendeu, progressivamente, aos primeiros anos republicanos (Cf. VICENTINI & LUGLI, 2009, p. 38). Como reforço desta tendência observada, vale assinalar que na Escola Normal do Distrito Federal, em 1901, apenas as matrículas de moças passaram a ser admitidas nos cursos. Inevitavelmente, esta ação contribuiu para o reforço das representações que destinavam este espaço à atuação feminina, prioritariamente. Os homens também frequentavam as escolas normais buscando a profissionalização, no entanto, uma vez ingressos neste ensino, aspiravam com 11 frequência aos cargos de chefia e direção. Na educação dos pequenos a presença feminina se tornava marcante e certas representações foram forjadas, neste espaço, reafirmando esta tendência. Os atributos de missão e vocação compareceram neste espaço de educação para pequenos alicerçando a continuidade de ideários “tradicionais”. Neste lugar social, reinventado para privilegiar a presença feminina, fortaleceram-se representações que, antes, estavam disseminadas em outros espaços sociais, como a casa, a imprensa e a literatura. Cabe destacar aqui que se compreendeu, nesta reflexão, “representações” não como “conteúdo do pensamento”, mas como aquelas mesmas ideias apresentadas por Clarice Nunes e Marta Carvalho (2005), à luz do referencial teórico de Roger Chartier: um conjunto de práticas em que se posicionam seus agentes e que constitui o “social” como social ordenado, hierarquizado e classificado a partir das posições dos agentes nela articulados. Um conjunto de mudanças passou a interferir nas atribuições e nos papéis sociais da mulher. No projeto de civilização da sociedade amplamente difundido no período em que se instaura a República no Brasil, a escola foi se configurando como aparato do Estado para o ordenamento social e a pretendida difusão da civilidade a toda população brasileira. Projetava-se na escola a crença da regeneração nacional e a visão sobre a mesma como espaço de formação que deveria domesticar, cuidar, amparar, amar e educar (Cf. ALMEIDA,2006, p. 61). A proliferação deste discurso, que vem dos finais do século XIX e se estende ao século XX, associado a outros em circulação, eleva progressivamente a importância feminina na educação escolar. Caberia à escola “formar” e “cuidar” da infância e a presença feminina, terna e paciente, estaria encarregada desta função. Estas representações se disseminaram no magistério primário e, progressivamente, a educação da infância ficaria quase que reservada à atuação de mulheres. Este processo de “feminização” do magistério encontrou-se no interior de um contexto de luta de mulheres que desejavam ocupar os diferentes espaços públicos e atuar em postos de trabalho como profissionais, tais quais os homens. Os esforços voltados para o alcance desta igualdade cultural e profissional, por parte de mulheres, possuem justificativas históricas. Dentre elas, podemos destacar a educação separada que nas escolas reforçou as diferenças curriculares entre os sexos, denotando a diferenciação entre o que deveria ser ensinado para meninos e para meninas. Uma outra justificativa que legitimou este campo de lutas é o voto feminino que, com propostas 12 que tramitavam desde 1890 no Congresso, só foi obtido o direito em 1932 (Cf. ALMEIDA, 2000, p. 9). Ainda assim, vale ressaltar que, até 1934, este direito esteve restrito às mulheres casadas, dependentes da autorização de seus maridos, viúvas e solteiras com renda própria. Portanto, para este contexto de lutas femininas podem ser identificadas justificativas históricas. A busca pela ocupação de distintos espaços sociais e a requisição dos direitos das mulheres eram resposta àquelas representações forjadas sob princípios de inferioridade, submissão e desconhecimento. Na década posterior, precisamente no ano de 1928, a mulher alcança o direito de disputar oficialmente nos jogos olímpicos21. Este conjunto de acontecimentos apresenta indícios importantes para compreender os motivos que impulsionaram Afrânio Peixoto a publicar, em 1936, um livro que tratasse sobre o assunto e que, sobretudo, fosse considerado polêmico pelo seu próprio autor. O livro A educação da mulher, publicado em 1936, esteve articulado a este contexto de lutas femininas. A co-educação, a educação profissional, o voto feminino (que ao tempo da publicação do livro já havia sido alcançado) comparecem na escrita realizando a “propaganda” da necessidade de educar e instruir a mulher. Na verdade, o livro se apresenta como um convite às mulheres e, por vezes, a voz do autor comparece no curso da escrita através de juízos como “aviso às mulheres para se educarem”, “Mas insistimos, há mulheres e mulheres, como há homens e homens, e só a educação os orientará um dia, devidamente, para a perfeição social” (p. 91). A Escola Normal e, posteriormente, o Instituto de Educação do Distrito Federal, por meio de reformas realizadas no ensino, esteve articulado a esta necessidade de oferecer a este sexo um ensino profissional. Desta feita, podem ser citadas as ações de Afrânio Peixoto, enquanto diretor geral da instrução pública do Distrito Federal, que extinguiu o ensino noturno na Escola Normal buscando a melhoria na oferta do ensino. Outra ação foi a colaboração na formulação do decreto n. 1059, de 14 de fevereiro de 1916, que regulamentou o curso da Escola Normal e criou a categoria dos docentes, professores encarregados das regências das turmas, após habilitação perante comissão de catedráticos14. Ainda neste quadro de iniciativas, cabe destacar aquelas realizadas por Anísio Teixeira, dando continuidade à reforma de Fernando de Azevedo, seu antecessor na diretoria geral de instrução pública no Distrito Federal. A criação da escola de Esta ação, no entanto, apesar de ter vigorado durante um tempo significativo, foi suspensa, por ordem superior, pelo grande número de contratações e efetivações de professores que estavam sendo realizadas em decorrência do referido decreto. 14 13 aplicação, por exemplo, esteve associada à ênfase nas práticas de ensino das futuras professoras e ao intento de qualificar esta formação pela experimentação. A atuação de Afrânio Peixoto na Escola Normal pareceu legitimada por um conjunto de elementos. No exame dos documentos reunidos acerca da trajetória deste médico15, não foram raras as cartas, artigos de jornais e fotografias que indicaram sua predileção por parte de um corpo de normalistas. A carta16, por exemplo, de 20 de setembro de 1936, assinada por 10 alunas do 4° ano normal do Colégio Nossa Senhora das Dores, sinaliza o reconhecimento do “educador e cientista” baiano pelas seguintes palavras: (...) E quem mais competente que V. Excia. educador e cientista abalisado para nos traçar as normas a seguir no caminho espinhoso e árduo do magistério?(...)Confiantes eis-nos a solicitar de V. Excia a honra insigne de te-lo por paraninfo no ato de nossa colação de grau, a realizar-se entre 8 e 12 de dezembro. Estamos certas de que acquiescerá ao nosso pedido, pois (desculpe-nos a pretensão) um “titio” não pode negar-se a satisfazer esse tão ardente desejo. Por isso considerando-nos suas sobrinhas e afilhadas antecipadamente vos dizemos: muito obrigadas. Correspondência passiva, de 20/09/1936, pertencente ao acervo da Casa Afrânio Peixoto (Lençóis, BA). Desta carta podemos também assinalar algumas das representações deste magistério ocupado pela presença majoritária de mulheres. O próprio reconhecimento, por parte das normalistas, que o magistério é um “caminho espinhoso e árduo” ajuda a reforçar o caráter eminente do sacerdócio e que encontra defesa na escrita de Afrânio A reunião de documentos sobre a vida de Afrânio Peixoto pode ser realizada pelos acervos da Academia Brasileira de Letras (RJ) e da Casa Afrânio Peixoto (Lençóis, BA), especialmente. 16 Localizada no acervo da Casa Afrânio Peixoto (BA) 15 14 Peixoto. Estas representações tiveram implicações no espaço escolar e, principalmente, no cuidado da infância. O educador baiano considerava “deplorável” o ensino primário lecionado por professores homens. A esta consideração esteve associada não somente as observações com relação à compensação financeira, mas por aquelas representações que insistiam em delegar à mulher o exercício do ensino primário por excelência. O magistério primário surge como uma possibilidade das moças e mulheres ganharem com “dignidade” a “independência” financeira de seus pais e maridos: [...] as raparigas que se destinam ao magistério primário, que não quiserem ser apenas dependentes, filhas, irmãs e esposas, e, com uma personalidade conseguiram uma cadeira digna de mestra para de sua escola fazerem o seu lar, constituem uma seleção dentro no próprio sexo e daí esse corpo brilhante de magistério escolar em que as exceções só existem para confirmar a regra, e que honram o ensino primário brasileiro. Dou meu testemunho público ao do Distrito Federal, que tive a felicidade de conhecer no trabalho, de estimar ainda depois das relações oficiais, e de admirar sempre. (PEIXOTO, 1923, p. 72. Grifos nossos) É perceptível a representação romantizada que se forjou associando o sexo feminino ao magistério primário. O brilhantismo, a honra e todas as demais qualificações atribuídas ao “ser professora” delineiam um discurso voltado para o recrutamento de mulheres para o exercício patriótico do magistério. Para a autoridade deste discurso, Afrânio Peixoto faz comparecer sua aproximação com aquilo que torna objeto de sua reflexão, legitimando seu discurso e situando-o em seu lugar de produção. Considerações finais A aproximação com a trajetória do intelectual Afrânio Peixoto se constituiu aqui um importante exercício para a percepção do campo de ideias concebidas na dicotomia republicana: tradição e renovação. A identificação das redes de sociabilidade do médico e educador Afrânio Peixoto, os modos como alcança cargos públicos de importância e a própria marca das intervenções que investe no campo da educação brasileira nos dá indícios da existência de um esforço em produzir um lugar de memória. 15 Se, por um lado, este estudo permite interrogar a presença deste intelectual no campo educacional, de mesmo modo abre frentes reflexivas para pensar a história da educação dos primeiros anos republicanos, seus problemas e sujeitos. É instigante pensar a constituição da educação republicana, se assim podemos denotá-la, e, mais além, o modo como certos educadores deste período buscaram intervir nos cursos da educação nacional. Presenciou-se, neste período, um corpo de medidas legislativas, administrativas e organizacionais na educação e a criação de espaços propriamente instituídos para os debates educacionais, como foi o caso da Associação Brasileira de Educação, de iniciativa particular. Algumas ideias correntes sobre o magistério pretendiam estimular ações, forjar exemplos e uma espécie de estatuto moral modelador de virtudes e caráter da professora. Estas ideias eram reforçadas pelas estratégias editoriais através de poesias, poemas, músicas, instrumentos que conferiam à professora leitora atitudes e qualidades que deveriam ser tomadas como exemplo para ela. Embora não tenha sido resolvido energicamente, o problema da educação feminina estava posto na pauta dos debates sobre a educação nacional e um conjunto de medidas foi articulado objetivando sanar as dificuldades vividas na instrução. Para a profissionalização deste sexo, estas reformas e outras ações convergiam, em diferentes partes do país, para a “melhoria” da formação docente, já que o projeto de escolarização da população demandava, cada vez mais, o recrutamento de professoras. Por outro lado, a disseminação de certas representações reforçava a presença feminina no magistério primário. Afrânio Peixoto foi um dos intelectuais que se inseriu no campo de debates acerca da formação de professoras primárias. Defendendo o exercício do magistério primário exclusivo para mulheres, o médico baiano compartilhou um conjunto de representações acerca da formação docente, especialmente resguardando a este sexo o ensino da puericultura. A aproximação aos discursos compartilhados por Afrânio Peixoto para além de nos permitir a reflexão acerca de um sujeito e as representações que o mesmo ajuda a produzir acerca de dada sociedade, amplia nossas lentes para a percepção do que uma sociedade produz e os modos como realiza registros de si mesma. Referências bibliográficas: 16 ALMEIDA, Jane Soares de. Mulheres na educação: missão, vocação e destino? A feminização do magistério ao longo do século xx. In: SAVIANI, Dermeval et al. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2006, p. 59-107. ______________________. 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