1- - Núcleo estudos de gênero

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PROJETO DE INTERCÂMBIO ENTRE O NÚCLEO DE ESTUDOS DE GÊNERO
DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ E CENTRO DE ESTUDIOS SOBRE
CULTURA E IDENTIDAD – CECI - DA UNIVERSIDADE DE HOLGUIN
CAPES/MES-CUBA
Setembro de 2008
TÍTULO: Epistemologias em gênero, cultura e educação nas realidades cubanobrasileiras.
Coordenadoras no Brasil:
Profa. Dra. Ana Paula Vosne Martins – Núcleo de Estudos de Gênero da UFPR
Profa. Dra. Marlene Tamanini - Núcleo de Estudos de Gênero da UFPR
Coordenadora em Cuba:
Profa. Dra. Maria de los A. Arias Guevara - Universidad de Holguín
Duração prevista: 2 anos ( Agosto de 2009 a agosto de 2011)
Apresentação
De uma maneira geral, consideradas as problemáticas de pesquisa que
fundamentam nossos objetivos e o campo metodológico epistemológico que
as
engendra faz-se necessário apresentar como se chega a essa construção de saberes
que já é consolidada em grande medida na academia, e é parte constitutiva de nossa
trajetória acadêmica como pesquisadoras.
O campo dos estudos de gênero na academia se forja no contexto de perspectivas
interdisciplinares e na sua origem surge para se contrapor com novos olhares à produção
dos saberes em relação a categoria sexo que era compreendida como uma categoria fixa
nos corpos e cujo determinismo biológico demarcava homens e mulheres fisicamente,
mas também definia seu status, sua função, seu papel e sua relação social a partir de
conteúdos diferentes e desiguais.
Pode-se dizer que inicialmente a antropologia terá um papel destacado no
processo de construção do entendimento cultural histórico sobre o sexo e o conceito
de gênero. Uma primeira entrada ocorre com a problemática da desigualdade da
opressão e da subordinação, associada ao patriarcado e focada na problematização da
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determinação biológica das condições do que é ser homem e ser mulher, e, em
alguma medida, associada à idéia de que há etapas evolutivas da situação da mulher
na sociedade. Seus pressupostos legitimadores advêm do marxismo, e o projeto político
é sua condição emancipatória.
Sua segunda porta de entrada, anterior às discussões sobre gênero, foram os
estudos desenvolvidos pela chamada escola culturalista, que tem como principal teórico
Franz Boas.
Nela encontra-se Margareth Mead, antropóloga americana, que, já na
década de 30, resolveu estudar papéis sexuais embasados nas etnografias realizadas na
Nova Guiné, como Bateson comparando três culturas: os Arapesh, os Mundugomor e
os Tchambuli.
Assim, ao estudá-los, ela demonstrou que a diferenciação entre eles
estaria em suas formas específicas de condicionamento social, o que determinaria a
diferenciação ou não entre os papéis sexuais. A autora questionou as diferenças entre
os sexos como inerentes à natureza humana, deslocando a atenção da diferença
entre os sexos biológicos para as determinações culturais que se impõem ao
comportamento humano. Desse modo, contribuiu para a discussão sobre a
desnaturalização dos comportamentos sexuais, não apenas entre os povos primitivos
por ela estudados, mas também entre os seus concidadãos norte-americanos, que
marcavam fortemente a diferença entre homem e mulher e levavam a masculinidade
e a feminilidade para muito além de sua aparência biológica. Gayle Rubin
antropóloga, ofereceu uma das primeiras explicações contemporâneas sobre as relações
de gênero. Segundo Rubin (1998), as concepções culturais do masculino e do feminino
como duas categorias complementares, mas que se excluem mutuamente, nas quais
todos os seres humanos são classificados, formam, dentro de cada cultura, um sistema
de gênero, um sistema simbólico ou um sistema de significações que relaciona o sexo a
seu conteúdo cultural, de acordo com valores e hierarquias sociais. Qualquer sistema
sexo-gênero está sempre intimamente ligado a fatores políticos e econômicos de cada
sociedade. Portanto, sistematicamente ligado a desigualdade social. O sistema sexogênero, categoria lançada por ela em 19751, se definia “como um conjunto de acordos
sobre os quais a sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade
humana, e nos quais essas necessidades sexuais são satisfeitas” (RUBIN,1975, p. 17).
The Traffic in Women: Notes on the ‘Political Economy of Sex”, en: Reiter, Rayna RL (ed.), Toward au
Anthropology of Women, New York: Monthly Review press, 1975. (Traducción de Jessica Mclauchlan y
Miko Lauer).
1
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Essa epistemologia de base binária revelou-se em contexto, particularmente útil
para a denúncia dos processos de exclusão das mulheres do mundo acadêmico, da
participação na política, na arte, na cultura e do não reconhecimento de sua presença e
igualdade de direitos no mundo do trabalho. As lutas libertárias no final dos anos 60,
marcaram a forte participação das mulheres, tanto na mídia, como em filmes e livros.
Desencadearam-se mudanças radicais, no comportamento público e no âmbito privado,
sendo considerada a maior revolução a que ocorreu no plano da subjetividade,
(GROSSI, 1998). A análise do patriarcado torna-se importante instrumento
metodológico e de produção de saberes, constitui-se nesse engendramento o lugar da
mulher no pensamento clássico das ciências humanas e sociais, promove-se espaços de
pesquisas sobre os fundamentos sociopolíticos do movimento das mulheres; observa-se
os limites das diferentes correntes de pensamento em ciências sociais, no que tange ao
estudo de mulheres e das relações de gênero, introduz-se desse modo, rica oportunidade
para as análises feministas. Correntes teóricas advindas do liberalismo do marxismo são
influentes em várias das proposições desse processo que é vinculado as idéias sobre a
autonomia feminina, a problematização do público e do privado e a garantia dos direitos
individuais. Na sociologia do trabalho inúmeros estudos questionaram a relação de
serviço doméstico sem reciprocidade como uma herança do patriarcado. Militantes
demandaram que as mulheres tivessem garantido por lei a autonomia decisória sobre
seus corpos, (AGUIAR, 1997; CASTRO, LAVINAS, 1992, SAFFIOTI, 1992).
O surgimento dos estudos de gênero para um grande grupo de teóricas nesse
contexto, representou construir um novo paradigma analítico, e ao reivindicar o
simbólico, o cultural, o social e o econômico rompiam com as teorias de causas
únicas, o que trazia por sua vez, também fortes tensões na relação entre desigualdade
e igualdade, semelhante e diferente. O termo patriarcado sofreu um bombardeio até que
ele próprio fosse compreendido em sua formulação distinta a de gênero, já que na
contemporaneidade não é possível que as diversas facetas, modalidades, contradições e
transformações das relações de gênero possam ser subsumidas ao conceito de
“patriarcado”, qualquer que seja o entendimento que dele se tenha, visto que ele remete,
em geral a um sentido fixo, a uma estrutura fixa que imediatamente aponta para o
exercício e a presença da dominação masculina. E o termo gênero remete a uma não
fixidez e não universalidade das relações entre homens e mulheres, faz analisar a idéia
de que as relações sócio-simbólicas são construídas e modificáveis. (MACHADO,
1998). Rompe-se desse modo com o aprisionamento das expressões nas narrativas da
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naturalização e da biologização das relações entre homens e mulheres, o que dificultaria
sobremaneira o desenvolvimento das análises que pretendem chegar à radical ruptura
com a naturalização da situação das diferenças sexuais. (MACHADO,1998). Situação
epistemológica cuja base dicotômica foi criticada por pensadoras como Orter, (1979) e
Strathern (1988), e configura
outras problemáticas par aos eixos temáticos que
propomos neste projeto.
No campo da história, Scott (1992) é a autora mais citada entre nós. Segundo
ela, falar em gênero na história é considerar uma narrativa complexa, que leve
em conta, ao mesmo tempo, a posição variável das mulheres no movimento
feminista e na disciplina de história. Para essa autora, à medida que os estudos de
mulheres
assumem
a
categoria da diferença como
problema a
ser analisado,
despolarizam-se as identidades únicas, enfocando as identidades múltiplas das
diferenças e dos valores culturais em processos de transformação ao longo do tempo.
A temporalidade passa a ser compreendida como despolarizada, focalizando conjunturas
provisórias e relativas a seu próprio tempo, substituindo a linearidade evolutiva de
um processo histórico nacional e universal. Mas, neste caso, o universal implica uma
comparação com o específico ou particular, numa temporalidade historicamente datada
e compreendida na desconstrução das categorias naturais, como entidades separadas,
mais do que como termos em relação. Seu foco reivindica a importância das mulheres
na história e vai contra as definições da disciplina e seus agentes, já estabelecidos
como “verdadeiros”. Traz à luz a incompletude e a parcialidade da forma, como o
domínio com que os historiadores têm escrito história, possibilitando à sondagem da
crítica a verdadeira natureza da história como uma epistemologia centralizada no
sujeito. Mas, ainda assim, trata-se do foco da construção cultural sobre os sujeitos. É
no interior dessas reflexões que, neste campo, constitui-se a categoria de gênero.
A historiadora Michelle Perrot comentou num texto publicado nos Cadernos
Pagu (1995), que ao longo das décadas de 1960-1990 constituiu-se na historiografia
uma verdadeira “acumulação primitiva” no que diz respeito aos estudos sobre as
mulheres. Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos este período foi marcado por
uma forte determinação em atender a demanda colocada na década de 1920 por Virginia
Woolf em reescrever a História no sentido de descobrir evidências sobre a vida das
mulheres no passado.
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Esta busca por uma reescrita da História foi feita de maneiras muito diferentes.
Num primeiro ato, procurou-se inverter a narrativa histórica construída pela ação e a
palavra masculina em favor de uma história feita pelas mulheres. Daí a busca pelas
evidências de um matriarcado e de culturas antigas nas quais o feminino fosse
valorizado na religião e na arte.
Em seguida, num segundo ato, as historiadoras sociais começaram a procurar
pelas ações e expressões das mulheres de camadas médias e populares. Contudo, a
ênfase da história social das mulheres foi sobre os grupos sociais marginalizados, como
prostitutas, escravas, operárias e trabalhadoras domésticas. Esta historiografia tinha
como referencial teórico o marxismo e as historiadoras conseguiram mostrar como a
classe tinha diferenças internas que levaram a experiências igualmente diversificadas.
Escrever a história das mulheres pela perspectiva da “história vista de baixo”
implicou em escrever uma história de resistências, de alternativas fracassadas e de
politização do cotidiano. No diálogo às vezes difícil com o marxismo, o feminismo
recolocou o significado da presença feminina ao pensar a cultura e as relações sociais,
mostrando como a experiência de classe não era vivida igualmente por todos.
Na terceira cena vemos a introdução da categoria gênero nos estudos históricos
com amplas e polêmicas repercussões. Uma dessas e talvez a mais importante, foi o
questionamento da noção de identidade. Ao longo da década de 1970 constitui-se um
campo de estudos e de práticas feministas articulado em torno da noção de identidade
feminina. Nesse sentido, as marxistas contribuíram bastante com a conceituação de
reprodução e as análises a respeito da sobreposição do capitalismo ao patriarcado. As
antropólogas, críticas literárias e psicanalistas também participaram ativamente desse
campo procurando elementos que explicassem a especificidade do feminino.
No contexto das críticas filosóficas e políticas à lógica unitária e exclusivista da
identidade produzida entre as décadas de 1970 e 1990 o gênero parecia ser uma saída
para as análises dicotômicas da identidade sexual. No campo dos estudos históricos o
gênero não significa um tema de pesquisa, como o foram a mulher e a identidade
feminina. O gênero é uma forma de problematizar, de compreender determinadas
relações de poder. Se o gênero está na origem dos processos de significação e de
legitimação do poder (BOURDIEU, 1995) isso significa que ele não atua independente
de outras categorizações sociais. Se um dos objetivos da pesquisa histórica é
compreender as configurações múltiplas do poder, então o gênero pode ser uma das
formas de explicar a organização das diferenças e das desigualdades.
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Ou seja, no interior do conjunto objetivo de referências, que estruturam a
percepção e a organização concreta e simbólica da vida social, as relações de gênero
ocupam um papel primordial para que se possa analisar o modo como determinados
valores culturais de dominação se estabelecem nos espaços sociais.
Desse modo, as reflexões de gênero tiveram importante papel na quebra de
barreiras disciplinares, contribuindo para o diálogo interdisciplinar entre diferentes
disciplinas, especialmente no campo da história, da antropologia, da sociologia, da
psicologia, da lingüística e da educação. Além dos avanços decorrentes dos debates
realizados nestes diversos campos do saber, as discussões de gênero também
contribuíram para o aprofundamento das reflexões em torno de conceitos como o de
memória individual e coletiva, que juntamente com o sentimento de identidade,
constitui uma das chaves para entender não só a construção das masculinidades e
feminilidades mas, sobretudo, as desigualdades de gênero.
Especificamente sobre a educação, os estudos de gênero iniciaram uma
aproximação com as teorizações educacionais no início da década de oitenta quando foi
publicado o livro de Carol Gilligan - In a different voice (1982). O trabalho de Gilligan
teve um grande impacto nas teorizações sobre ensino e aprendizagem, especialmente
nos Estados Unidos, pois a autora realiza uma investigação com crianças demonstrou
uma diferença entre meninas e meninos na aquisição da moralidade por meio da
cognição formal. Para Gilligan a voz feminina foi distorcida pelas teorias psicológicas
androcêntricas, abafando outra forma de construção da moral, que para ela é uma ética
feminina do cuidado. Embora o trabalho de Gilligan tenha uma especificidade no saber
psicologia do desenvolvimento, a autora abriu um campo importante de investigação
sobre a educação de meninos e meninas nas escolas do mundo todo, iniciando
efetivamente os estudos de gênero na educação.
A partir do final dos anos oitenta, haverá uma serie de estudos críticos
demonstrando o caráter androcêntrico e patriarcal das teorias educacionais. Os estudos
sobre a desigualdade de gênero no processo educacional, a partir de então serão
provenientes tanto das teorias de gênero, especificamente, como também das
teorizações culturalista e pós-coloniais dos anos noventa (WALKERDINE, 1998). Tais
estudos irão preocupar-se com as abordagens curriculares, isto é, sobre a organização
dos temas a serem introduzidos nas disciplinas escolares tradicionalmente ensinadas e
ainda na introdução de novas disciplinas ou temas abordados de maneira inter e
transdisciplinar. Nesse momento irão surgir as teorizações curriculares para a igualdade
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de gênero e também sobre a sexualidade, como o currículo queer de Deborah Britzmann
(LOURO, 1999). Ainda nessa perspectiva curricular, a história das mulheres será uma
reivindicação importante no âmbito do ensino de história.
Outro conjunto de abordagens dirá respeito à condição feminina da função
docente, isto é partindo da história da educação, busca-se construir uma história da
docência que problematize a massiva participação das mulheres nessa tarefa. Estes
estudos têm produzido importantes teorizações sobre diversas formas de abordagem
historiográfica, além de uma ampla redefinição do campo da história da educação,
especialmente a partir do reconhecimento do gênero como categoria de análise
(SCOTT, 1994).
Para gênero e cultura nas sociedades latinoamericanas, como já foi assinalado
muitas vezes, pela teoria feminista contemporânea, nas diversas áreas disciplinares das
ciências sociais e humanas (sociologia, antropologia, história, filosofia, psicologia, etc.)
As abordagens clássicas desenvolveram-se a partir de uma visão do mundo que excluía
experiências e vozes femininas. Essa é, de fato, a famosa tese de Simone de Beauvoir
que, no livro pioneiro: O Segundo Sexo (1949), (seguindo nas pistas de uma
antecessora, Virginia Woolf, 1929), examina o viés masculinista na construção da
cultura ocidental moderna e desta maneira instiga as novas gerações de escritoras,
pesquisadoras e estudiosas que irão debruçar sobre a inserção feminina na sociedade e
na cultura moderna. Com isso, novos olhares vêm sendo elaborados sistematicamente,
mostrando as ricas, diversas e não pouco conflituosas formas de ser das mulheres –
diversas entre si e nos seus modos de participação na vida social e cultural (FELSKI,
1995). Participação, que segundo concepções atuais do próprio conceito de cultura2,
incluem tanto as formas de produzir significados na vida social e cotidiana no seu
amplo sentido, quanto nas práticas específicas de elaboração de discursos artísticos,
filosóficos, científicos e literários (e – hoje em dia, meios midiáticos).
Os processos culturais adquirem então uma nova dimensão – a dimensão de
gênero – que significa não só o estudo e visibilização de experiências e vozes femininas,
senão de toda uma perspectiva relacional na qual a construção de formas de sentir e
pensar 3 incluem sempre formas de construção (e desconstrução) – do masculino e do
feminino, de hierarquias simbólicas em torno destas construções e lutas simbólicas para
mudá-las.
Inclui também os profundos processos de construir classificações e
2 As discussões iniciadas nos Estudos Culturais a partir de Raymond Williams (1981) fornecem excelentes pistas para avançar neste debate conceitual complexo.
3 Outra vez, nos remetemos a Raymond Williams (op.cit.) e sua forma de resumir o que é a dimensão especificamente cultural da vida social.
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“identidades sexuais” que, como Foucault tanto insistiu, marcam a história da cultura e
a vida social moderna, e todas as fascinantes histórias de transgressão da ordem
normativa de gênero e sexualidade que podemos resgatar, a partir do momento que nos
sensibilizamos para esta dimensão da vida e dos conflitos sociais. Exige também um
trabalho que entrecruze classe, raça e gênero, e que acrescente as discussões que a teoria
pós-colonial e os estudos de gênero nos permitem,
sobre como os “outros” da
modernidade inserem-se nas construções generificadas das relações sociais modernas.
(HALL, 2003; SPIVAK, 1990)
Nosso objetivo, nesse sentido, é produzir conhecimento e fomentar o debate e a
troca sobre gênero e cultura, e particularmente, apreender os processos culturais atuais
e diversificados de construção e representação das relações de gênero na América
Latina. Temáticas de pesquisa que envolvem especificamente a produção das mulheres
na produção cultural strito senso – os discursos elaborados através da mídia, da arte e
da literatura - são particularmente importantes, seguindo uma tradição estabelecida na
pesquisa de décadas recentes, desde que Woolf e Beauvoir inicialmente, apontaram
que as mulheres não se representavam senão que eram representadas pela fala e escrita
dos homens; mais ainda, porque hoje reconhecemos profundas mas ainda insuficientes
mudanças no acesso das mulheres à palavra (e ao pincel, aos instrumentos musicais, à
câmera cinematográfica, etc.) E também, concebemos um campo de pesquisa que
abrange todos os diversos processos através dos quais os sentidos e significados sobre
gênero estão sendo produzidos e transformados nas sociedades latinoamericanas atuais,
destacando alguns tipos de práticas e processos da vida cotidiana que remetem a
questões de identidades e subjetividades, noções do que é “ser mulher” e “ser homem”,
masculino e feminino, transgênero, hetero ou homossexual. Abre-se um espaço para
discussões sobre a diversidade das experiências latinoamericanas e sobre feminismo e
relações de gênero num mundo “pós-colonial”. Neste sentido, trata-se de um fértil
campo para estudos comparativos, que problematizem o papel historicamente
desempenhando pelos movimentos sociais e culturais de gênero e sexualidade do
“primeiro mundo” e privilegiem o estudo de outras regiões do mundo “fora do centro”
(SPIVAK, 1990; COSTA, 2000).
Assumir que as realidades culturais e materiais constroem-se na história e nos
contextos e nas relações, é nessa perspectiva afirmar também que a materialidade dos
corpos constrói-se por ordens discursivas, por meio de edições, recortes, assimilações,
modificações genéticas, partilhas moleculares, desejadas e engendradas para atender a
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modelos culturais, a representações sobre a vida e sobre o sexo que performatam a
constituição de uma dada cultura em suas relações sociais e institucionais, reflexos
que acabam por engendrar fatos científicos fundamentais aos estudos de gênero e
ciência, com sua problematização sobre os corpos e a natureza quando se trata das
diferentes questões ambientais envolvidas com o campo dos estudos de gênero.
Nesse
sentido
objetivamos
também
produzir
e
desenvolver
pesquisas
socioantropológicas na área da reprodução humana em geral, e em laboratório, a partir
das novas tecnologias reprodutivas conceptivas, considerando sua relação com o
campo da tecnologia, gênero e ciência.
O eixo temático se vincula as questões da reprodução humana, corpo, natureza
e sexualidade, como categorias mais amplas e no seu recorte específico analisa
dinâmicas na área das novas tecnologias conceptivas de laboratório, que possam
envolver trocas informativas e culturais para a produção de conhecimento entre
Brasil e Cuba.
Temas como a reprodução humana em laboratório,
a família e seus novos
arranjos reprodutivos, na dinâmica das relações com a natureza
e a cultura, nos
interessam na medida que boa parte deles, vem no contexto da suposta cura para
a infertilidade e
possibilidades
estão produzindo uma série de inserções e de relações com as
tecnológicas, cujo fim se propõe a ser a cura da infertilidade e a
produção de filhos para manutenção do modelo de família heterossexual, embora
isso não exclua outras práticas.
E, concomitante, ao processo dessa dinâmica da
reprodução heterossexual e da normatividade familiar, desenvolve-se tecnologias
cujos processos estão na interface entre os estudos referidos as sociotécnicas, e ao
desenvolvimento tecnológico nele envolvidas, incluso as tecnologias
genéticas e
moleculares, e as intervenções sobre os embriões.
Nesse caminho da desconstrução e do engendramento de novas formas de
produzir saber e colocando os processos sob o olhar dos estudos de gênero a
própria materialidade do sexo, está longe de ser um simples fato biológico, é um efeito
dissimulado do poder e de normas heterossexistas.
Butler (2003), vê a materialidade do sexo como o produto de um processo pelo
qual essas normas materializam o sexo. Esta materialização é a performatividade das
normas que se completa pela sua reiteração, que não é uma repetição, mas que mantem
intacta em grande medida a normatividade hetero. Nesse caso, tanto gênero como sexo
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são fictícios, ambos são construídos por meio de práticas, discursivas e não discursivas.
Deste modo, o corpo não tem por essência um sexo pronto ou previsível, ele só é
inteligível por meio do gênero. O corpo, assim, adquire um gênero mediante uma
performance; ser feminina é representar a feminilidade. Trata-se de uma performidade
que faz a materialidade como efeito de um poder. O sexo é materializado, por
intermédio de um complexo de práticas e de citações, às vezes normativas e regulatórias
e às vezes coercitivas e constrangedoras
A reflexão nesse caso, ultrapassa a epistemologia que assume o biológico como
base sobre a qual os significados culturais são constituídos e de outro lado, mantem
uma tensão enorme no processo. “Assim, ao mesmo tempo em que a influência do
biológico está sendo minada, está também sendo invocada” (NICHOLSON, 2000, p.
11).
Esse processo que é tanto uma construção sociocultural quanto um aparato
semiótico, um sistema de representação que atribui significados aos indivíduos dentro
da sociedade é também um aparato que constrói a materialidade dos corpos, pelo
discurso sobre eles tal como aponta Foucault, mas agora também pelas tecnologias
capazes de produzir corpos e sexo em laboratório. E nesse sentido, se a construção
de gênero é tanto produto quanto processo de sua representação e se gênero, ocorre
hoje por intermédio de várias tecnologias do gênero e de discursos institucionais com
poder de controlar o campo do significado social e assim produzir, implantar e
promover representações de gênero. O sexo também é uma produção discursiva
(BUTLER, 2003) e construída em sua materialidade fixa por
razões sociais,
culturais, tecnológicas e mercadológicas (KRAUS, 2000 ).
A consolidação dos estudos de gênero não se deu somente dentro das
instituições de ensino e pesquisa e nas organizações sociais, mas também pela sua
inserção nos debates e nos enfrentamentos de problemas presentes nas realidades sociais
cubanas e brasileiras. Desta forma, os estudos de gênero contribuem efetivamente nos
processos de formulação de políticas públicas e institucionais, especialmente naquelas
relativas à saúde, à educação e à equidade de gênero.
A motivação de uma proposta de projeto de intercâmbio entre as duas
universidades surge não só como o desdobramento do convênio firmado entre a
Universidade Federal do Paraná e a Universidade de Holguín, bem como a existência do
Programa CAPES/MES-Cuba. O intercâmbio tem como finalidade o desenvolvimento
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de pesquisas e a formação acadêmica envolvendo os programas de pós-graduação de
ambas as universidades.
Objetivos
Objetivo geral: fomentar a produção de conhecimento e pesquisa nas epistemologias
de gênero visando a interlocução acadêmica, a troca de experiências, a socialização de
resultados e, por fim, as análises das dinâmicas culturais no Brasil e em Cuba.
Objetivos específicos:
1- Intercâmbio de experiências acadêmicas e de pesquisa entre os diferentes
programas de pós-graduação envolvidos no convênio referentes aos estudos de
gênero.
2 - Fomentar as atividades de pesquisa e formação de pós-graduação nos seguintes
eixos temáticos:
- gênero, ciência, tecnologia e meio ambiente;
- gênero, economia e desenvolvimento local;
- gênero e diversidade cultural;
- gênero, história e educação.
3- Fortalecer a pertinência acadêmica e social dos estudos de gênero em ambas as
universidades envolvidas, visando o diálogo, o debate, a visibilidade e a capacidade
que têm estas perspectivas de desvendar as dinâmicas sociais e culturais capazes de
provocar processos de transformação.
4- Criar e fomentar uma rede bi-nacional de pesquisa e formação acadêmica em
torno dos estudos de gênero que resultem em estímulos para a formulação de
políticas públicas e institucionais na diferentes áreas elencadas no projeto.
Programas de Pós-Graduação associados:
1- Programa de Pós-Graduação em História – UFPR
2- Programa de Pós-Graduação em Sociologia – UFPR
3- Programa de Pós-Graduação em Educação – UFPR
4- Programa de Formación Doctoral en Ciencias Sociales – Universidad de Holguín
5- Programa de Formación Doctoral en Ciencias Pedagógicas – Universidad de
Holguín
Metodologia
Será formada uma equipe interdisciplinar de professoras(es) doutoras(es) e
mestres das universidades envolvidas para planejamento, execução e continuidade
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das atividades liderada por duas coordenadoras da UFPR e uma coordenadora da
Universidade de Holguín, com apoio da direção das relações internacionais das duas
universidades.
Este projeto se ancora nas pesquisas em andamento no Núcleo de Estudos de
Gênero (UFPR) nas diferentes áreas temáticas reconhecidas pela comunidade
universitária. Resulta também da experiência dos estudos de gênero em Cuba e do
intercâmbio pelo Programa de Pós-Doutorado na UFPR/CAPES de uma
pesquisadora da Universidade de Holguín.
Serão realizados seminários, cursos e reuniões de trabalho contando com a
participação das(os) docentes e discentes. As(os) pesquisadoras(es) envolvidas(os)
também desenvolverão pesquisas empíricas promovidas conjuntamente, cujos
resultados serão socializados em eventos científicos e publicações em ambos os
países.
Cada atividade terá um relatório visando constituir a memória do projeto. Os
resultados obtidos contemplarão uma sistematização teórico-metodológica da
experiência da pesquisa desenvolvida em cada eixo temático correspondente.
Metas e ações
No Metas
Ações
1. Formação de equipe interdisciplinar 1. Apresentação
do
projeto
de
de docentes oriundas(os) das duas
intercâmbio, vinculado ao convênio
universidades envolvidas.
pré-existente, aos órgãos superiores das
duas universidades envolvidas.
2. Encaminhamento do projeto ao
programa CAPES/MES-Cuba.
3. Participação de pesquisadoras(es) e
brasileiras(os) e cubanas(os) no VII
Congresso
Ibero-Americano
de
Ciência, Tecnologia e Gênero, a ser
realizado em Havana em 20084 e no
VIII Congresso a realizar-se em
Curitiba, em abril de 2010.
2.
4
Intercâmbio
de
experiências
acadêmicas e de pesquisa entre os
1. Intercâmbio de pesquisadores nos
diferentes
programas
de
pós-
Estiveram no VII Congresso Iberoamericano de Ciência, Tecnologia e Gênero, em Havana em 2008,
as professoras Dra. Marlene Tamanini do Núcleo de Estudos de Gênero da UFPR, do Programa de PósGradução em Sociologia e a professora Dra Maria Rita César da Pós-Gradução em Educação, ambas
da UFPR. Na ocasião trocarem informações sobre a possibilidade de pesquisas e de intercâmbio entre
pesquisadores.
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diferentes
graduação.
programas
de
pós-
3.
Contribuição efetiva nos programas
de mestrado e doutorado das
universidades participantes através
do intercâmbio de conhecimentos
científicos acumulados nos dois
países sobre os estudos de gênero.
4.
Criação de uma rede bi-nacional de
pesquisa e formação.
5.
Sistematização,
socialização
e
divulgação dos resultados das
pesquisas.
graduação envolvidos no convênio.
2. Participação de pesquisadoras(es) e
alunas(os)
brasileiras(os)
e
cubanas(os) no VII Congresso IberoAmericano de Ciência, Tecnologia e
Gênero, a ser realizado em Havana
em 2008 e no VIII Congresso a
realizar-se em Curitiba, em 2010.
3. Estudo
e
sistematização
de
experiências de pesquisa.
4. Reunião de trabalho entre as/os
pesquisadoras/es de ambas as
universidades nos marcos do VII
Congresso
Ibero-Americano
de
Ciência, Tecnologia e Gênero, em
Havana
1. Participação docente e discente nas
atividades
promovidas
pelos
programas de pós-graduação.
2. Assessoria
à
alunas(os)
dos
programas
de
pós-graduação
envolvidos no projeto.
3. Negociação
de
status
de
professora(or)/pesquisadora(o)
visitante nos programas de pósgraduação
das
universidades
participantes.
1- Implementar uma lista de discussão via
eletrônica.
2- Fomentar discussões interativas através
de vídeo conferência e fóruns de debates.
3- Inserir os resultados das pesquisas nas
páginas web dos programas envolvidos e
nas demais redes existentes.
1. Realização
de
seminários
binacionais.
2. Publicação de relatórios, artigos,
coletâneas e dossiês em periódicos
científicos.
3. Construção
da
memória
e
sistematização da experiência do
projeto.
Infra-estrutura disponível e contrapartida oferecida pela equipe proponente.
O projeto se ajustará às normas do Programa CAPES/MÊS/CUBA.
O Núcleo de Estudos de Gênero (UFPR) e os programas de pós-graduação envolvidos
no projeto oferecerão a infra-estrutura disponível para a realização das ações propostas,
14
como suas bibliotecas, acervo de teses e dissertações, arquivos de bancos de dados, a
experiência formativa e a capacidade gerencial.
Da mesma forma, as universidades cubanas participantes oferecerão a infra-estrutura
disponível, ajustando-se ao que estabelece o acordo CAPES/MES/CUBA.
A participação cubana será representada pela Universidad de Holguín “Oscar Lucero
Moya” e contará com a colaboração do Departamento de Sociologia e da Cátedra da
Mulher da Universidad de La Habana, os quais desenvolvem pesquisas conjuntas na
área dos estudos de gênero.
A Universidad “Oscar Lucero Moya” de Holguín, representada principalmente
pelo Centro de Estudios sobre Cultura e Identidad, CECI, oferecerá sua experiência na
formação acadêmica de pós-graduação e da pesquisa na temática deste projeto, bem
como de suas vinculações com o Programa de Desenvolvimento Humano Local
(PDHL) e UNIVERSITAS/Holguín.
Cronograma de implementação do projeto.
No.
Atividades
01
Reunião de trabalho de representantes das equipes envolvidas
por ocasião do VII Congresso Ibero-Americano de Ciência,
Tecnologia e Gênero em Havana, Cuba.
Divulgação dos resultados da reunião de trabalho e dos textos
apresentados nas páginas web dos programas envolvidos e nas
demais redes existentes.
Atividades de pesquisa e formação acadêmica de dois
pesquisadores cubanos nos programas de pós-graduação da
UFPR.
02
03
Data
Agosto/
setembro/2009
Outubro/2009
Segundo
semestre de 2009
04
Atividades de pesquisa e formação acadêmica de dois Primeiro
pesquisadores brasileiros nos programas de pós-graduação da semestre de 2010
Universidad de Holguín.*
05
Atividades de pesquisa e formação acadêmica de dois Primeiro
pesquisadores cubanos nos programas de pós-graduação da semestre de 2010
UFPR. Organização do VIII Congresso Ibero-Americano
Ciência, Tecnologia e Gênero em Curitiba.
06
Participação dos pesquisadores cubanos no VIII Congresso Abril de 2010
Ibero-Americano Ciência, Tecnologia e Gênero em Curitiba.
*
Compreendem as atividades de formação acadêmica seminários, bancas, mini-cursos, palestras, oficinas
e participação nos cursos de pós-graduação envolvidos no projeto.
15
Plano de gastos
Nº
Item
Ano I
Reunião
de
trabalho
de
representantes
das
equipes
envolvidas por ocasião do VII
Congresso Ibero-Americano de
Ciência, Tecnologia e Gênero em
Havana, Cuba.
Ano II
Duas pesquisadoras da
Universidade Federal do
Paraná: duas passagens
aéreas e seis diárias.
Atividades de pesquisa e formação Duas passagens aéreas e Duas
acadêmica de dois pesquisadores duas bolsas integrais.
passagens
brasileiros nos programas de pósaéreas e duas
graduação da Universidad de
bolsas
Holguín.
integrais.
Atividades de pesquisa e formação Duas passagens aéreas e
acadêmica de dois pesquisadores duas bolsas integrais.
cubanos nos programas de pósgraduação da UFPR.
Duas
passagens
aéreas e duas
bolsas
integrais.
Participação dos
pesquisadores
cubanos no VIII Congresso IberoAmericano Ciência, Tecnologia e
Gênero em Curitiba. Fevereiro de
2010.
Duas
passagens
aéreas e seis
diárias.
Comunicação e publicação
informes dos seminários.
Apoio editorial
de Apoio editorial
TOTALES.
Equipe
Brasil:
1- Profa. Dra. Ana Paula Vosne Martins - UFPR
2- Profa. Dra. Marlene Tamanini – UFPR
3- Profa. Dra. Miriam Adelman – UFPR
4- Profa. Dra. Maria Rita de Assis César - UFPR
Cuba:
1. Profesora. Dra. Maria de los Ángeles Arias Guevara – CECI, Universidad de Holguín.
2. Profesora. Dra. Vilma Paez Pérez.
3. Profesora. Doctorante Tatiana González
4. Profesora. Doctorante Mercedes Fernández Iribar
5. Profesora Aida Torralbas Fernández
16
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