1. BASES GENÉTICAS DO MELHORAMENTO Introdução Os primeiros documentos relativos ao melhoramento genético de bovinos referemse aos trabalhos de Robert Bakewell, entre 1760 e 1795, na Inglaterra. Em seguida vieram os trabalhos dos irmãos Colling, que aplicaram os princípios de Bakewell na formação da Raça Shorthorn, cujo livro de registro genealógico foi estabelecido em 1822. Durante o resto do século XIX, várias novas raças e respectivos livros genealógicos foram formadas. Esse período de formação de raças durou pelo menos 150 anos. As características ideais de cada raça eram definidas e os criadores norteavam a reprodução de seus rebanhos visando imprimir tais características em seus animais. Os padrões de cada raça eram definidos basicamente em termos de coloração da pelagem ou tipo fenotípico, sem muita ênfase em características produtivas. Isto era feito porque se acreditava que os padrões ideais de cor e conformação adotados pelos criadores se correlacionavam geneticamente com padrões superiores para caracteres produtivos. As bases científicas do melhoramento animal O melhoramento genético animal baseado em princípios científicos começou a se tornar realidade através de dois importantes fatos ocorridos por volta da virada do século XX. O primeiro foi a formação da associação para teste de vacas leiteiras, na Dinamarca, em 1895. Associações semelhantes se difundiram rapidamente pela Europa e Estados Unidos da América, onde a primeira associação começou a funcionar em 1906, em Michigan. O segundo e mais importante acontecimento foi a redescoberta dos trabalhos de Mendel em 1900. As pesquisas de Mendel se tornaram a base científica da moderna genética. Entretanto, o crescimento e a expansão desse conhecimento básico não ocorreu imediatamente. Várias décadas foram desperdiçadas pelos melhoristas tentando explicar a hereditariedade de todos os caracteres em termos das leis de Mendel. Foi somente em meados dos anos 30 que a evolução metodológica permitiu aos criadores aplicar o melhoramento genético em características como produção de leite e ganho de peso. Nessa época ocorreu a compatibilização entre genética e biometria, dando origem à aplicação de métodos científicos de melhoramento animal. Os homens que deram as maiores contribuições para o desenvolvimento da genética bem como para sua aplicação no melhoramento animal foram: William Bateson (1861-1926), geneticista inglês que cunhou a palavra genética; Francis Galton (18221911), estatístico inglês considerado o fundador da biometria; Ronald A. Fisher (18901962), biometrista inglês, e, Sewall Wright (1889- ), geneticista americano, que juntos lançaram as bases da genética de populações; e, Jay L. Lush (1896-1982), que através de seu próprio trabalho, e de seguidores como Gordon G. Dickerson e Charles R. Henderson, traduziu a teoria para a prática e incentivou o uso de princípios científicos no melhoramento. A evolução do melhoramento animal, desde os anos 30, tem sido fortemente influenciada por acontecimentos como o advento da inseminação artificial, o desenvolvimento da computação eletrônica e o surgimento das chamadas técnicas 1 modernas de reprodução e de biologia molecular como a transferência de embriões e a manipulação do DNA. A célula e o material genético Todos os organismos vivos são constituídos de células. Entre os vários constituintes celulares está o "material genético". A maior parte desse material está nos cromossomas, localizados no núcleo celular. Os bovinos possuem 30 pares de cromossomas. É nesses cromossomas, mais especificamente no acido desoxiribonucleico, do qual os mesmos são constituídos, que se encontra a codificação genética do animal. Basicamente existem dois tipos de células no organismo: células sexuais e células somáticas. A células sexuais (óvulo e espermatozóide) são aquelas cujo comportamento especial durante a divisão celular fazem a reprodução sexual possível. Células somáticas são aquelas que constituem o resto do corpo. Todas as células somáticas se dividem e se reproduzem através do processo chamado mitose, enquanto as células sexuais se reproduzem através do processo denominado meiose. A diferença entre os dois processos é que na mitose cada célula paterna origina duas células filhas que são essencialmente cópias idênticas da célula de origem, ao passo que na meiose cada célula paterna sofre um processo que resulta na divisão do número de cromossomas à metade do número original. Esse processo é essencial para que da união do espermatozoide com o óvulo, o número de cromossomas característico da espécie seja reconstituído. Ações gênicas Ação gênica aditiva Exemplo desse tipo de ação gênica ocorre na determinação da plumagem da raça de marrecos conhecida pelo nome de Andaluz Azul. A coloração das penas das aves dessa raça pode ser facilmente classificada em três categorias. Existem aves com plumagem totalmente branca, aves com plumagem totalmente preta e aves cuja plumagem é uma mistura de penas brancas e pretas. É esta última categoria que é conhecida como o verdadeiro marreco Andaluz Azul. A base genética dessa característica é simples. As aves brancas e as aves pretas são homozigotas e aquelas conhecidas como Andaluz Azul são heterozigotas. O resultado do acasalamento entre aves de plumagem misturada (Andaluz Azul) resulta numa progênie com 25% de aves brancas, 50% de aves Andaluz Azul e 25% de aves pretas. O exemplo ilustra o fato de que o gene para plumagem branca e o gene para plumagem preta agem aditivamente quando se combinam para formar o heterozigoto. Outro exemplo de ação gênica aditiva ocorre da determinação da pelagem da raça de bovinos Shorthorn. Animais vermelhos e animais branco creme são homozigotos enquanto os animais rosilhos (mistura de pelos brancos e pelos vermelhos) são heterozigotos. Ação gênica dominante-recessiva Um exemplo de um par de genes ou de alelos que exibem ação do tipo dominante-recessiva pode ser encontrado na raça Hereford. A coloração de pelagem branca da face dos animais dessa raça é controlada por um único gene dominante. Quando touros Hereford são cruzados com vacas de outras raças, por exemplo com 2 vacas leiteiras para produzir animais de corte, os bezerros cruzados têm todos a face branca que identifica o Hereford. Esse fato encontra aplicação prática permitindo distinguir novilhas que só servem para corte daquelas que podem ser usadas como animais de reposição do rebanho leiteiro. Um gene similar existe também na raça Simental, que hoje está muito difundida no Brasil. Sobredominância O termo sobredominância se refere à ação gênica verificada num loco onde a expressão fenotípica do heterozigoto supera aquelas de ambos os homozigotos. Um bom exemplo desse tipo de ação gênica é encontrado na raça de aves White Wyandotte. Esta raça apresenta dois tipos de crista, rosa e simples, que são determinados por um só par de genes. O gene para crista rosa, R, é dominante sobre o gene para crista simples, r. O fenótipo estabelecido para a raça era crista rosa e por muitos anos não se sabia porque a crista simples persistia na população apesar dos esforços para diminuir sua freqüência através da seleção para crista rosa. Mais tarde foi verificado que a fertilidade do macho homozigoto RR é menor em relação que àquelas dos outros dois genótipos, principalmente do heterozigoto Rr. Dessa forma, o efeito desse loco no fenótipo da raça pode ser sumariado como se segue: TABELA 1.1 – EXEMPLO DA AÇÃO GÊNICA DE SOBREDOMINÃNCIA Sexo Genótipo e Fenótipo RR Rr Rr (Rosa) (Rosa) (Simples) Macho Baixa fertilidade Fertilidade normal Fertilidade normal Fêmea Fertilidade normal Fertilidade normal Fertilidade normal Ao selecionar machos com o fenótipo crista rosa, os avicultores não podiam fazer a distinção entre o homozigoto e o heterozigoto. Entretanto, por causa da desvantagem seletiva, o homozigoto deixava menos descendentes que o heterozigoto e assim o gene recessivo permanecia na população. Epistasia O termo epistasia se refere à situação em que há interação entre genes em dois ou mais locos, de maneira que o fenótipo para uma determinada característica é controlado por mais de um loco, em conjunto agindo de forma não-aditiva. Um exemplo bem conhecido de ação gênica epistática é o controle genético do tipo de crista em galinhas. Além de cristas simples e rosa, existem também cristas tipo ervilha e tipo castanha. A crista ervilha é determinada por um gene dominante em relação ao gene para crista simples, mas num loco separado daquele para crista rosa. O tipo de crista castanha se manifesta em qualquer indivíduo que tenha em seu genótipo pelo menos um gene para crista rosa e um gene para crista ervilha. Assim os genótipos e seus correspondentes fenótipos são: 3 TABELA 1.2 – EXEMPLO DE AÇÃO GÊNICA EPISTATICA Loco para crista rosa PP Loco para crista Pp ervilha Pp RR Rr Rr RR PP Rr PP rr PP Castanha Castanha Ervilha RR Pp Rr Pp rr Pp Castanha Castanha Ervilha RR pp Rrpp rr pp Rosa Rosa Simples Caracteres qualitativos Caracteres que apresentam herança simples geralmente são conhecidos como "caracteres mendelianos". Geralmente, um só loco ou poucos locos têm grandes efeitos sobre tais caracteres. Freqüentemente existem locos adicionais que exercem efeitos menores através de genes chamados modificadores. Esses caracteres são mais corretamente denominados "caracteres qualitativos" porque os fenótipos (aquilo que o animal é ou faz, seus atributos físicos ou seu desempenho) tendem a ocorrer em categorias discretas ao invés de poderem ser mensurados numa escala contínua. O meio geralmente desempenha um papel irrelevante na manifestação fenotípica dos caracteres qualitativos. Para muitos desses caracteres em bovinos, são conhecidos o número de locos envolvidos, o número de alelos em cada loco e as ações gênicas (aditividade, dominância ou epistasia) entre esses alelos. Entretanto, mesmo para esses caracteres mais simples, ainda não se conhece completamente em que cromossoma estão localizados os locos que os contém. Esta lacuna de conhecimento está sendo preenchida rapidamente à medida que avançam os trabalhos de mapeamento genético e sequenciação de DNA. Exemplos de caracteres qualitativos em bovinos são a coloração da pelagem, o caráter mocho ou aspado, as anomalias hereditárias e os antígenos sangüíneos. Caracteres quantitativos Os caracteres quantitativos distinguem-se dos caracteres qualitativos através de duas importantes diferenças: (1) eles são influenciados por muitos pares de genes, ou seja, por genes situados em muitos locos; (2) a expressão fenotípica é fortemente afetada pelo meio. Estes dois efeitos se combinam de modo a fazer com que os fenótipos dos caracteres quantitativos apresentem uma distribuição contínua. Por exemplo, o peso corporal de uma vaca não se classifica em categorias distintas como podem ser classificados os caracteres qualitativos citados anteriormente. Ao contrário, o peso varia segundo valores muito pequenos, fazendo com que a distribuição fenotípica seja verdadeiramente contínua. A natureza básica dos caracteres quantitativos, isto é, os efeitos combinados de muitos pares de genes e de mudanças ambientais, fazem com que seja muito mais difícil determinar corretamente o genótipo do que no caso dos caracteres qualitativos. Muitas vezes os fenótipos dos animais nada dizem sobre os correspondentes 4 genótipos. Por exemplo, mudanças ambientais, especialmente de um rebanho para outro, podem causar enormes diferenças nos fenótipos para produção de leite ou para ganho de peso. Consequentemente, o melhoramento genético de caracteres quantitativos representa um grande desafio. Enfrentar esse desafio é muito importante porque a maioria dos caracteres de interesse econômico nas espécies de animais domésticos como produção e composição do leite, conformação, eficiência alimentar e resistência a doenças apresentam herança quantitativa. Melhoramento de caracteres quantitativos O fenótipo de um animal para um determinado caráter quantitativo é o resultado das ações e interações do genótipo e do ambiente. O melhoramento animal tem por objetivo final a produção do genótipo que vai operar com máxima eficiência no ambiente ao qual será submetido, de modo a produzir o máximo de lucro ao criador. Na prática, o trabalho para se alcançar este objetivo representa um processo em duas fases. Na primeira, procura-se estimar o valor (ou o mérito) genético de cada animal para identificar os genótipos superiores. Na segunda fase, procura-se fazer o melhor uso possível dos animais de genótipos superiores identificados na primeira fase, para fins de reprodução do rebanho de modo a fazer com que a taxa de progresso genético seja maximizada. O valor genético O valor genético (na verdade valor gênico ou genético aditivo) de um animal pode ser definido como duas vezes o valor médio dos gametas por ele produzidos. O valor médio dos gametas é o mérito genético médio que o animal transmite às suas progênies. Este valor é denominado de capacidade de transmissão. Portanto, a capacidade de transmissão é igual à metade do mérito genético. É importante entender que o valor genético não é uma quantidade absoluta. Ele é relativo à população onde o animal é usado como reprodutor. Conceitos básicos em genética quantitativa Familiaridade com os conceitos que serão apresentados a seguir facilitará a compreensão das discussões subsequentes. Estes conceitos são ferramentas usadas no trabalho de melhoramento genético. No início eles poderão parecer abstratos e difíceis de serem entendidos completamente, mas à medida que a discussão for se desenvolvendo, o significado e o valor destes conceitos deverão tornar-se mais claros. A curva normal Os procedimentos de estimação estatística usados em genética quantitativa geralmente envolvem o uso de grandes números de registros chamados banco de dados. Obviamente, são requeridas técnicas para sumariar esses grandes números de dados num pequeno número de valores denominados estatísticas. Muitos dos procedimentos de estimação baseiam-se no fenômeno que é característico de dados biológicos conhecido pelo nome de distribuição normal ou simplesmente curva normal. O formato da curva normal é mostrado na Figura 1. Esta curva é uma distribuição de freqüências onde a altura da curva em qualquer ponto da linha da base representa a freqüência (f) ou proporção 5 relativa de indivíduos na população cujo fenótipo tem aquele valor particular (x). A variabilidade da maioria dos caracteres biológicos, como eles ocorrem em seu estado natural, segue a distribuição normal com bastante aproximação. Portanto, conhecendo-se este fato acerca da distribuição desses caracteres, tem-se um ótimo ponto de partida para os trabalhos de estimação. Os mais importantes parâmetros da distribuição normal são o ponto central, ou seja, a média de todos os valores de x, denotado pela letra grega (lê-se mi) e a forma como os dados se distribuem a partir da média, chamado variância, denotado pela letra grega sigma elevada ao quadrado (2), indicando que matematicamente este parâmetro é uma média dos quadrados dos desvios de cada valor de x em relação à media. A medida da variância mais comumente usada em conjunto com a média para descrever uma dada distribuição é o desvio padrão, denotado por . Figura 1.1- Curva de distribuição de probabilidades normal A média A média nada mais é do que a soma dos valores de todos os indivíduos ou observações dividida pelo número destes. Conhecendo-se a média de um conjunto de observações tem-se apenas parte do quadro. A maneira como as observações se distribuem em torno da média também precisa ser conhecida para se ter uma idéia completa da figura. A variância Por definição, a variância é a média dos quadrados dos desvios de cada valor a partir da média da população. Entretanto, quando se trabalha com dados que representam amostras retiradas de uma população, a variância é computada dividindo-se a soma dos quadrados dos desvios de cada observação a partir da média da amostra pelo número de observações menos 1 (um). Tal procedimento permite que se obtenha uma estimativa nãoviezada da variância. Diz-se que a estimativa de um dado parâmetro é não-viezada 6 quando seu valor esperado é algebricamente igual ao valor do parâmetro. O importante a ser apreendido é o conceito de variabilidade dos dados biológicos. A variância é o parâmetro mais comumente utilizado como medida da variabilidade de dados que seguem a curva normal. Em fórmulas matemáticas a variância é representada pela letra grega sigma () com um 2 sobrescrito. Letras subscritas são usadas para identificar o tipo de variância. Assim 2P significa a variância fenotípica, onde o P significa fenótipo. Em trabalhos de genética quantitativa é possível dividir a variância fenotípica em porções devidas à herança e ao ambiente. Tal procedimento se constitui num poderoso instrumento analítico bem como na espinha dorsal do conhecimento sobre a hereditariedade de caracteres quantitativos em animais domésticos. O desvio padrão O desvio padrão é a mais conhecida das funções da variância usada junto com a média para se descrever um conjunto de observações. Matematicamente, o desvio padrão é a raiz quadrada positiva da variância. Em termos da curva normal, a área entre um desvio padrão acima e um desvio padrão abaixo da média contém aproximadamente 68% das observações; a área entre dois desvios padrão acima e dois desvios padrão abaixo da média contém aproximadamente 95% das observações; e, a área entre três desvios padrão acima e três desvios padrão abaixo da média contém aproximadamente 99% das observações. Estas percentagens resultam da formulação matemática da distribuição normal. Decomposição da variância fenotípica O objetivo de todos os métodos de estimação do valor genético é fazer com que alguma função do fenótipo seja um indicador, tão exato quanto possível, do genótipo. A melhor maneira de se alcançar este objetivo é estudando-se a variância dos fenótipos com a finalidade de determinar a importância relativa dos vários fatores que causam tal variabilidade. A variância fenotípica pode ser representada pela seguinte relação matemática: 2P = 2G + 2E + covGE Esta equação diz que a variância fenotípica (2P) é composta de três partes a saber: a variância devida ao genótipo (2G) mais a variância devida ao ambiente (2E) mais a covariância entre o genótipo e o ambiente (covGE). A variância fenotípica é a que pode ser observada ou medida. A variância genética é a parte que precisa ser estimada com a maior exatidão possível. Portanto, o objetivo é remover da variância fenotípica tanto quanto for possível da variância ambiental e da co-variância entre o genótipo e o ambiente. Matematicamente esta operação pode ser representada pela relação: 2P - (2E + covGE) = 2G Tomando como exemplo a produção de leite por lactação de uma vaca, 2G = 0,25, ou seja, 25% da variância fenotípica, em média. Consequentemente, 75% da variância fenotípica é devida a (2E+ covGE). 7 A maior parte da variância não-genética pode ser atribuída à variância ambiental pois muitos estudos têm revelado que a co-variância entre o genótipo e o ambiente (covGE) é pequena e pode até ser desconsiderada na maioria dos trabalhos de melhoramento. (2E), A variância genética pode ser decomposta em três partes a saber: variância genética aditiva, variância devida aos desvios da dominância e variância devida aos desvios epistáticos. Este decomposição segue a decomposição do valor genotípico do indivíduo em três componentes, sendo um devido aos efeitos genéticos aditivos, um devido aos efeitos da dominância e outro devido à epistasia. Por sua vez, a variância ambiental pode ser dividida em duas categorias: uma devida a efeitos ambientais permanentes; e, outra devida a efeitos ambientais temporários. Exemplos típicos de efeitos ambientais permanentes são as diferenças entre rebanhos como diferentes regimes alimentares, estabulação, instalações e equipamentos de ordenha, manejo de novilhas e de vacas secas e controle de doenças como a mastite. Efeitos ambientais temporários são aqueles que duram relativamente pouco tempo como as quedas de produção de leite causadas por surtos de doenças. Herdabilidade No sentido amplo do termo, herdabilidade é a fração da variância fenotípica que é causada por diferenças entre os genótipos dos indivíduos. Em termos da equação utilizada para representar a variância fenotípica, a herdabilidade pode ser representada pela relação: G 2G H 2 2 P G 2 E COVGE 2 2 Quanto maior for a influência genética sobre o fenótipo de um dado caráter, maior será a herdabilidade do mesmo. De um modo geral, quanto mais alta for a herdabilidade de um caráter, maior será o progresso genético que pode ser obtido pela seleção. Como definida acima, a herdabilidade (H2) engloba toda a variância de origem genética, cujos componentes são a variância aditiva, a variância devida aos desvios causados pela dominância e a variância devida aos desvios epistáticos. Por esta razão, H2 é denominada herdabilidade no sentido amplo. O conceito mais importante de herdabilidade refere-se à fração entre a variância genética aditiva, denotada por 2A e a variância fenotípica, 2P. Esta relação, denotada por h2, é definida como herdabilidade no sentido estrito e se constitui num dos mais importantes parâmetros genéticos porque é utilizada para estimar valores genéticos de animais candidatos à seleção e para calcular o progresso genético pela seleção. Métodos para estimar a herdabilidade Antes de mais nada é preciso chamar a atenção para o fato de que a herdabilidade no sentido estrito, definida como h2, é uma razão entre duas variâncias e se refere a uma característica particular de uma população específica num dado tempo. Assim, não deve ser surpresa se diferentes estimativas forem obtidas para uma mesma 8 característica em diferentes populações ou para a mesma população em diferentes períodos de tempo. A variância aditiva que aparece no numerador pode ser reduzida pela seleção ou a variância fenotípica que aparece no denominador pode ser alterada por mudanças ambientais ou, ainda, ambas podem ser alteradas por outras razões. Além disso, os erros envolvidas na estimação dessas duas variâncias, principalmente a variância aditiva, podem ser grandes. Os métodos convencionais para estimar a herdabilidade (no sentido restrito) baseiam-se na utilização de medidas da semelhança entre parentes. Regressão do fenótipo do filho sobre o fenótipo do pai A herdabilidade pode ser estimada multiplicando-se por 2 o valor do coeficiente de regressão do valor fenotípico do filho sobre o valor fenotípico do pai. Este método se presta para estimar a herdabilidade quando um macho, por exemplo um touro, é acasalado com várias fêmeas (vacas) e cada fêmea tem uma progênie. O método pode também ser usado quando cada macho é acasalado com apenas uma fêmea para estimar as regressões pai-filho, pai filha, mãe-filho e mãe-filha. O modelo estatístico que serve de base ao método da regressão pode ser escrito assim: Zi = bXi + ei onde: Zi é a média ou o valor do fenótipo do filho do i-ésimo pai; b é o coeficiente de regressão de Z sobre X; Xi é o valor do fenótipo do i-ésimo pai; e, ei é o erro aleatório associado com os Z´s. Em correspondência a este modelo estatístico, existe o seguinte modelo genético: Cov(ZX) = 1/22A + 1/42AA + 1/162AAA onde: Cov(ZX) é a covariância entre o valor do fenótipo do filho e o valor do fenótipo do pai, termo que aparece no numerador da fórmula de cálculo do coeficiente de regressão b; 2A é a variância genética aditiva; 2AA é a variância epistática do tipo aditiva x aditiva; e, 2AAA é a variância epistática do tipo aditiva x aditiva x aditiva. Tomando-se Var(X), que é a variância dos fenótipos dos pais, ou seja, a variância da variável independente, como estimativa de 2P , a variância fenotípica, temse: b = Cov(ZX)/Var(X) = ( ½ 2A + ¼ 2AA + 1/16 2AAA) / (2P) Portanto, dividindo-se a covariância entre os fenótipos dos filhos com os fenótipos dos pais pela variância dos fenótipos dos pais obtém-se uma estimativa da metade da herdabilidade mais um pequeno erro representado pelas variâncias 9 epistáticas. Como, Cov(ZX)/Var(X) é a regressão do valor do fenótipo do filho sobre o fenótipo do pai, tem-se que a herdabilidade (h2), é estimada multiplicando-se por dois a estimativa de b. O procedimento computacional é o seguinte: Covariância de meio-irmãos paternos O método que estima a herdabilidade a partir da covariância entre meio-irmãos paternos considera que um certo número de touros é escolhido aleatoriamente da população e cada touro é acasalado com um certo número de vacas, não aparentadas, também escolhidas aleatoriamente, produzindo um certo número de bezerros por touro. O valor fenotípico de cada bezerro pode ser representado estatisticamente pelo modelo: Yik = + i + ik onde: Yik é o valor do fenótipo do filho; é a média da população (todos os fenótipos de todos os filhos de todos os touros); i é o efeito do i-ésimo touro; ik é o erro aleatório associado a cada Yik. Em correspondência com este modelo estatístico, o modelo genético preconiza que a variância entre touros (2T) é devida ao fato de que os grupos de filhos diferem entre si. Esses grupos são constituídos de meio-irmãos paternos e portanto, o componente de variância entre touros é equivalente à covariância entre meio-irmãos paternos. A fórmula geral da covariância entre parentes é: cov = 2A + 2D + 22AA +22AD + 22DD + 32AAA + ... etc. Os coeficientes e para a covariância entre maio-irmãos paternos são 1/4 e 0 (zero), respectivamente. Substituindo esses valores na fórmula geral da covariância temse: cov(MEIO-IRMÃOS PATERNOS) = 1/4(2A) + 1/16(2AA) + 1/64(2AAA) Vê-se portanto que a variância entre touros estima 1/4 da variância genética aditiva, mais 1/16 da variância epistática do tipo aditiva x aditiva e mais algumas pequenas frações de variâncias epistáticas de elevadas ordens. A variância entre filhos do mesmo touro (2W) é equivalente a (2P - 2T) onde (2P) significa a variância fenotípica ou variância total. Esse componente estima 3/4 da variância genética aditiva mais toda a variância ambiental. A estimação da herdabilidade pelo método da covariância entre meio-irmãos paternos é portanto um problema que se resume em: 1. Obter uma estimativa da variância entre touros; 10 2. Multiplicar essa estimativa por 4 para ter uma estimativa da variância aditiva inflada por alguma variância epistática); e, 3. Obter uma estimativa da variância fenotípica, geralmente tomada como sendo a soma da variância entre touros mais a variância residual. A obtenção dessas variâncias é alcançada pelo uso da análise de variância. Para o modelo estatístico proposto acima, a forma da análise de variância é a seguinte: TABELA 1.3 - ANÁLISE DE VARIÂNCIA PARA ESTIMAR A HERDABILIDADE PELA COVARIÂNCIA ENTRE MEIO-IRMÃOS PATERNOS Fonte de Variação Graus de Liberdade Soma de Quadrados Quadrados Médios Fator de correção n. Y2../n. - Quadrados Médios Esperados - Entre touros S-1 ( Y2i./ni) - (F.C.) SQT/(S-1) = QMT (2W) + k(2T) Entre filhos dentro n. - S (Y2ik) - ( Y2i./ni) SQE/(n. - S) = QME (2W) (F.C.) de touro (resíduo) onde: S é o número de touros; ni é o número de filhos por touro; k = ni (quando o número de filhos por touro é igual) n. é o número total de filhos. As estimativas dos componentes de variância são dadas por: (2T) = (QMT - QME)/k e (2W) = QME 4 x (2T) = 4 x cov(MEIO-IRMÃOS PATERNOS) = (2A) + (2AA) + (2AAA) (2W) + (2T) = (2P) = Variância fenotípica h2 4 2 T 2 T 2W Correlação genética e correlação ambiental Quando dois ou mais caracteres são considerados simultaneamente nos indivíduos de uma população, seus valores fenotípicos podem estar correlacionados, de maneira positiva ou de maneira negativa. As causas dessas correlações fenotípicas 11 podem ser genéticas ou ambientais. A principal causa genética da correlação fenotípica entre duas características é a ação pleiotrópica dos genes. Pleiotropia é simplesmente a propriedade segundo a qual um determinado gene afeta duas ou mais características, de modo que, se ele estiver segregando, ela causa variação nessas características. Por exemplo, genes que controlam a velocidade de ganho de peso aumentam também a estatura e o peso do indivíduo. Assim, eles tendem a causar uma correlação entre as características peso e estatura. Genes que controlam deposição de gordura, contudo, influenciam o peso sem afetar a estatura e portanto não causam correlação entre essas duas características. Existem casos em que alguns genes afetam duas características na mesma direção, enquanto outros aumentam o valor de uma e diminuem o de outra. Os primeiros tendem a causar uma correlação positiva enquanto os últimos tendem a causar correlação negativa. O ambiente é outra causa de correlação fenotípica na medida em que duas características podem ser influenciadas pelas mesmas diferenças de condições ambientais. Uma vez mais, existem fatores ambientais que causam correlações positivas, outros negativas, entre duas características. A associação entre duas características que pode ser observada diretamente é a correlação entre os valores fenotípicos, chamada correlação fenotípica. Esta pode ser avaliada tomando-se mensurações de um determinado número de indivíduos na população. Supondo-se, entretanto, que fosse possível conhecer não somente os valores fenotípicos dos indivíduos avaliados, mas também seus valores genotípicos e seus correspondentes desvios ambientais, para as duas características, poder-se-ia também computar as correlações entre os valores genotípicos bem como entre os desvios ambientais das duas características e assim separar as causas da correlação fenotípica. Além disso, se os valores genotípicos pudessem ser desdobrados em seus componentes aditivo e não-aditivo (desvios causados pela dominância e pela epistasia), poder-se-ia também computar uma correlação entre os valores genéticos aditivos das duas características. Em princípio, existem também correlações entre os desvios causados pela dominância e entre os desvios causados pelos vários tipos de ações epistáticas. Na prática, os problemas são trabalhados em termos de apenas duas correlações. Estas são a correlação genética, entendida como sendo a correlação entre valores genéticos aditivos, e a correlação ambiental, que não engloba somente a correlação causada por desvios ambientais, mas também as correlações devidas a desvios causados por ações genéticas não-aditivas. Assim, as correlações genética (rA) e ambiental (rE) correspondem à decomposição da covariância fenotípica entre duas características em um componente genético-aditivo versus o resto. A primeira tarefa consiste em demonstrar como a correlação genética e a ambiental se combinam para dar origem à observável correlação fenotípica. Os símbolos que serão usados para estudar a correlação genética são: X e Y são os fenótipos das duas características sob consideração; rP é a correlação fenotípica entre X e Y; rA é a correlação genética entre X e Y (isto é, a correlação entre os valores genéticoaditivos de X e de Y); rE é a correlação ambiental entre X e Y, incluindo efeitos genéticos não-aditivos; cov é a covariância entre X e Y, com subscritos P, A e E, denotando covariância entre fenótipos, entre valores genético-aditivos e entre desvios ambientais; 12 2 e são, respectivamente, a variância e o desvio padrão, com subscritos PX, AX, EX, PY, AY e EY, denotando variâncias fenotípicas, genético-aditivas e ambientais para as características X e Y; h2 é a herdabilidade, com subscritos X e Y, dependendo da característica; e2 = 1 - h2. Estatisticamente, uma correlação entre duas variáveis é sempre a razão entre a covariância pelo produto dos dois desvios padrão. Por exemplo, a correlação fenotípica entre X e Y é: rP COVPX PY P P X Y assim, a covariância fenotípica pode ser escrita como: cov(PX,PY) = rP(PXPY) A covariância fenotípica é a soma das covariância genética e ambiental, isto é: covP = covA + covE Escrevendo-se as covariâncias genética e ambiental em termos das correlações e dos desvios padrão, tem-se: rP(PXPY) = rA(AXAY) + rE(EXEY) Lembrando que A = hP, e E = hP, e fazendo-se as pertinentes substituições tem-se: rP(PXPY) = rA(hXPXhYPY) + rE(eXPXeYPY) Dividindo ambos os lados da expressão por PXPY tem-se: rP = rA(hXhY) + rE(eXeY) Esta expressão mostra como as causas genéticas e ambientais se combinam para dar origem à correlação fenotípica observável entre duas características. Se essas características têm baixas herdabilidades, então a correlação fenotípica será determinada principalmente pela correlação ambiental. Se as características têm altas herdabilidades, então a correlação genética terá maior importância. A expressão deixa claro que nem a magnitude nem o sinal da correlação genética podem ser determinados somente a partir da correlação fenotípica. Estimação da correlação genética A estimação da correlação genética baseia-se na semelhança entre parentes, de maneira análoga à estimação da herdabilidade. Além de se computar os componentes de variância das duas características pela análise de variância, computa-se também a covariância entre as duas características por meio de uma análise de covariância, que 13 tem a mesma forma da análise de variância. Na análise de covariância, computa-se os produtos dos valores das características em cada indivíduo e somam-se os resultados. O resultado dessa soma de produtos é decomposto segundo as fontes de variação. Isto conduz ao cálculo dos componentes de covariância observados, cujas interpretações em termos de componentes causais é igual às interpretações dos componentes de variância. Assim, numa análise de grupos de meio-irmãos paternos, o componente de covariância entre pais (touros, por exemplo) estima ¼covA, isto é, um quarto da covariância genética (um quarto da covariância entre os valores genético-aditivos das duas características). Para estimar a correlação, os componentes de variância também são necessários. Lembrando que o componente de variância entre pais estima 1/4(2A) + 1/16(2AA) + 1/64(2AAA). Portanto, a correlação genética é obtida por: rA COV XY var X varY onde cov e var denotam covariância e variância respectivamente. A relação entre pai e filho também pode ser usada para estimar a correlação genética. Para estimar a herdabilidade de uma característica usando a semelhança entre pai e filho, computa-se a covariância entre pai e filho para a característica tomando-se o produto entre do valor do pai (ou da média dos pais) e o valor médio dos filhos. Para estimar a correlação genética entre duas características computa-se o que poderia ser chamada de “covariância cruzada”, obtida pela multiplicação entre o valor de X no pai (ou média dos pais) e de Y nos filhos. Esta covariância cruzada é a metade da covariância genética entre as duas características, isto é, ½cov A. As covariâncias entre pai e filho para cada uma das características separadamente também são necessárias, e a correlação genética é dada por: rA COV XY COV XX COVYY onde: cov XY é a covariância cruzada; covXX é a covariância pai-filho para a característica X; covYY é a covariância pai-filho para a característica Y. 14