curso de catequese

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EUCARISTIA
A “Ceia do Senhor”, ou a Eucaristia, como a denominamos comumente, é “fonte e ápice
de toda a vida cristã” (LG 11), é o “sacramento do amor, sinal da unidade, vínculo da caridade,
banquete pascal em que Cristo é recebido como alimento, o espírito é cumulado de graça e nos é
dado o penhor da glória futura” (PO 5). “Não se edifica nenhuma comunidade cristã, se ela não
tiver por raiz e centro a celebração da santíssima Eucaristia” (PO 6). Afirmar que a Eucaristia é o
centro da comunidade cristã significa que é aí que encontram sua referência última as atividades
e passos dos cristãos como indivíduos e como membros da sociedade.
Como os demais sacramentos, também a Eucaristia é um símbolo que manifesta e
promove a fé ou a experiência da comunidade cristã. Só nela o simbolismo expressa e oferece a
graça ou encontro de salvação. A experiência ou fé que anima a celebração eucarística inclui três
artigos fundamentais:
a) Que o Ressuscitado se torna presente e atuante na Igreja (Mt 28,20);
b) Que, na vida e morte de Jesus, os homens tem acesso a Deus. É o novo e verdadeiro
sacrifício, ou seja, a oblação da própria vida com a tarefa, o suor e a esperança de cada dia
(Rm 12,1). É essa “a oblação sagrada” (liturgia) o do novo povo (2Cor 9,12). Ajudar o
necessitado é “suave perfume que Deus aceita com agrado” (Fl 4,8). Jesus é testemunha da
novidade sacrificial porque “entregou-se a si mesmo” (1Tm 2,5). “Tu não quiseste sacrifício
e oferta. Em vez disso, me deste um corpo. Holocaustos e sacrifícios não são do teu agrado.
Por isso eu disse: Eis-me aqui ó Deus para fazer a tua vontade” (He 10,5-10). “Portanto,
ofereçamos continuamente, por meio de Jesus, um sacrifício de louvor a Deus, isto é, fruto
de lábios que confessam seu nome. Não se esqueçam de ser generosos, e saibam repartir
com os outros, por que tais são os sacrifícios que agradam a Deus” (He 13, 15-16);
c) que assim nasce e cresce a comunidade cristã, “corpo espiritual do Ressuscitado” e “novo
povo” em que Deus recebe um culto agradável.
“Cristo está sempre presente em sua Igreja, sobretudo nas ações litúrgicas. Presente está
no sacrifício da missa, tanto na pessoa do ministro, pois aquele que agora se oferece pelo
ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na cruz, quanto sobretudo sob as
espécies eucarísticas” (SC 7).
Como se chama este sacramento?
Eucaristia: Porque é ação de graças a Deus. As palavras “eucharistein” (Lc 22,19; 1Cor
11,24) e “eulogein” (Mt 26,26; Mc 14, 22) lembram as bênçãos judaicas que proclamam –
sobretudo durante a refeição – as obras de Deus: a criação, a redenção e a santificação.
As duas palavras: “eulogein” (do grego), que significa louvar, enaltecer – exprimindo
mais o aspecto da pessoa, o bem-dizer, o atribuir o bem a quem o fez, e “eucharistein” (do
latim), significa agradecer, dar graças, acentua mais os dons, a charis recebida. Os bens são bens
gratuitos, são bênçãos.
A Eucaristia é, portanto, uma oração-atitude dirigida a Deus que nasce de um fato
maravilhoso. Diante deste fato, atribuído à grandeza e ao poder de Deus, o homem se admira e
prorrompe em aclamações, narrando, o fato de que foi testemunha. Esta admiração do fato
maravilhoso expressa três atitudes fundamentais do homem: a) Louvor, o enaltecimento de
Deus. O homem bendiz o Senhor, atribui-lhe o milagre, o fato maravilhoso; b) a Profissão de fé.
Reconhecendo que Deus operou a maravilha, o homem sente-se pequeno, aceita a Deus como
Senhor; c) Agradecimento. Diante da maravilha da semente que brota, que cresce, que chega a
flor e fruto, o homem exclama: milagre! O homem sente-se devedor e exclama: Obrigado!
Ceia do Senhor, pois trata-se da ceia que o Senhor fez com seus discípulos na véspera de
sua paixão, e antecipação da ceia das bodas do Cordeiro na Jerusalém celeste.
Fração do Pão, porque este rito, próprio da refeição judaica, foi utilizado por Jesus
quando abençoava e distribuía o pão como presidente da mesa, sobretudo por ocasião da Ultima
Ceia, em Emaús...
Assembléia eucarística (synaxis), porque a eucaristia é celebrada na assembléia dos fiéis,
expressão visível da Igreja.
Memorial da Paixão e da Ressurreição do Senhor.
Santo Sacrifício, porque atualiza o único sacrifício de Cristo Salvador, e inclui a
oferenda da Igreja; ou também sacrifício da Missa, “sacrifício de Louvor” (Hb 13,15).
Que tipo de ceia (Eucaristia) pré-anuncia e celebra a terra sem males?
Esta “Ceia do Senhor”, é, indispensavelmente, composta de “três mesas” que
interdependem uma da outra, que se completam e que formam uma unidade.
Habitualmente, na celebração eucarística, enfocamos, e com justiça solenizamos “duas
mesas”: a “Mesa da Palavra”, e a “Mesa da Eucaristia”. Elas são tão estreitamente unidas entre
elas, ao ponto de formar um único ato de culto (SC 56). O Concílio Vaticano II, afirma que “a
Igreja sempre venerou as divinas Escrituras da mesma forma como o próprio Corpo do Senhor,
já que, principalmente na Sagrada Liturgia, sem cessar toma da mesa tanto da Palavra de Deus
quanto do Corpo de Cristo, o pão da vida e o distribui aos fiéis” (DV 21).
Mas uma terceira mesa se faz necessária, para que a eucaristia seja completa: a “Mesa do
Pobre”. Não se trata de uma novidade ou de uma invenção. Deste o princípio do cristianismo, a
realidade da terceira mesa está presente não só como uma conseqüência da mesa da Palavra e da
Eucaristia, mas como parte integrante. Mesmo que haja uma ligação estreita entre as “três
mesas”, a do Pobre não é da mesma ordem que as da Palavra e da Eucaristia. A “Mesa da
Palavra” e a “Mesa da Eucaristia”, são da ordem do ritual e do simbólico, enquanto que a
“Mesa do Pobre” é da ordem da realidade. Cristo se torna presente no meio de nós na sua
Palavra, na Eucaristia e no Pobre.
A “Mesa da Palavra”: A Palavra, seguidamente nos é apresentada como alimento.
Dirigindo-se ao profeta Ezequiel, Deus lhe pede para comer o rolo..., de encher e saciar seu
estômago com o rolo escrito... esta palavra que por vezes é dura de engolir, porque cheia de
oráculos, gemidos e gritos de dor. Mas ruminando-a e deixando-se habitar por ela, esta palavra
se torna doce como o mel (cf. Ez 2-3). Assimilar a palavra de sabedoria é como participar a um
banquete que restaura as forças (cf. Pr 9,1-6). Jesus mesmo declara: “Meu alimento é fazer a
vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4,34). A metáfora “comer” significa
sua identificação com o Pai, fonte da vida. E Jesus veio “para que todos tenham vida e que a
tenham em abundância” (Jo 10,10).
Depois de oito séculos de centralismo eucarístico, durante os quais a Igreja colocou todo
o acento e insistência sobre a presença real e a devoção ao Santo Sacramento, (Muitos padres
nem Bíblia nem tinham Bíblia) com o Vaticano II, a Igreja tenta, devolver à Palavra também seu
lugar central (CEBs). Temos muitas igrejas com um belo e magestoso altar, mas sem uma mesa
da Palavra.
A “Mesa da Eucaristia”: Ela ocupa, incontestavelmente, o lugar central. Como herança
judaica, a mesa onde acontece a Ceia do Senhor é o lugar do encontro, da Palavra, da bênção, da
fração do pão e da refeição fraterna, do sacrifício, lugar, por excelência da comunidade. Todos
estes aspectos estão presentes, de uma ou de outra maneira nos relatos da última Ceia,
acontecimento fundador da eucaristia cristã: “Jesus se pôs à mesa com os apóstolos” (Lc 22,
14); “Enquanto estavam à mesa comendo...” (Mc 14,18); “Jesus se pôs à mesa com os doze
discípulos...” (Mt 26, 20)...
Até o século IX, constatamos um certo equilíbrio entre a dimensão sacrificial e a da
refeição fraterna na celebração da eucaristia. Com a doutrina do ultra-realismo e a
predominância da dimensão sacrificial, uma mudança considerável se opera. Em razão de uma
moral rigorista, de um respeito escrupuloso, da necessidade do resgate dos penitentes, da
multiplicação e privatização das missas, aquele que preside a eucaristia é visto cada vez menos
como “pastor”, e cada vez mais como “sacerdote”, sacrificador. Os fiéis de participantes ativos à
Mesa do Senhor tornam-se assistentes (longínquos) do “sacrifício da missa”. Em vez de se
achegar à mesa, de “tomar” e de “comer” o corpo do Senhor, se contentam em ver e adorar. O
Corpo Eclesial vai perdendo, assim, sua ligação com o Corpo Eucarístico. O altar perde a sua
importância como “mesa da Eucaristia”, para tornar-se quase que exclusivamente o “lugar do
sacrifício”.
A “Mesa do Pobre”: Mesmo que só apareça timidamente na linguagem litúrgica oficial,
a “mesa do Pobre”, não pode ser separada da mesa da Palavra e da Eucaristia. As três formam
uma unidade orgânica. Aquele que participa da Palavra e da Eucaristia é, conseqüentemente,
enviado ao pobre.
A questão do pobre concerne a todos os homens e mulheres de hoje. Ela toca
particularmente os cristãos. Faltaria algo de essencial ao cristianismo se perdêssemos de vista os
pobres e a justiça que lhes é devida. Sem eles, como compreender o Deus do Êxodo e o Filho do
Carpinteiro? Paulo VI afirma que “a Igreja é ligada por vocação nativa à humanidade indigente e
sofrida... Os pobres são o Sacramento de Cristo”.
A parábola do pobre Lázaro é sempre atual. Em diversas ocasiões João Paulo II,
apresentou o perfil do Lazaro de hoje. Para ver claramente a diferença entre a pobreza de ontem
e a de hoje, faremos uma comparação entre o Lázaro de ontem e o de hoje:
O Lázaro de ontem:
O Lázaro de hoje:
. Um indivíduo, pessoas, casos...
. Classes, massas (entidade coletiva)
. Abandonado pelo egoísmo do rico:
. Explorado pela sede de lucro das classes
deixamo-lo pobre.
. Ele pede caridade: devemos dar-lhe o pão
Dominantes: é empobrecido.
. Ele pede justiça: devemos lhe fazer um lugar
aqui, enquanto que espera a recompensa
na mesa com os outros desde já, sem negar
no seio de Abraão.
O céu (projeto alternativo)
Desde o princípio, a Eucaristia se realizava, em torno de uma mesa, numa
refeição.
A eucaristia cristã é uma herança das refeições sagradas do judaísmo.
Antes da vinda à terra de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Eucaristia foi prefigurada de
diversos modos no Antigo Testamento. Foram figuras deste Sacramento:
-
o maná com que deus alimentou os Israelitas durante 40 anos, no deserto (cf. Ex 16,4-35) e a
que Jesus se refere explicitamente no discurso eucarístico de Cafarnaum (cf. Jo 6,31ss);
-
o sacrifício de Melquisedec , grande sacerdote, que ofereceu pão e vinho – matéria da
eucaristia – para dar graças pela vitória de Abraão (cf. Gn 14,18), gesto que virá a ser recordado
na Epístola aos Hebreus para falar de Jesus Cristo como de “sacerdote eterno (...) segundo a
ordem de Melquisedec” (cf. Hb 7,11).
-
Os pães da apresentação, continuamente expostos no Templo de Deus com os quais só
quem fosse puro podia se alimentar (cf. Ex 25,30).
O povo se reunia para fazer memória dos grandes feitos do Senhor, oferecendo-lhe
sacrifícios de ação de graças. Mas bem cedo o povo foi percebendo que Deus se agradava do
sacrifício (culto) que era acompanhado de ações em favor dos mais desfavorecidos da sociedade.
Vejamos um exemplo: Dt 26,1-15. O povo de Israel, já de posse da Terra Prometida, se reunia
anualmente para celebrar as colheitas. Tomava os primeiros (melhores) frutos da terra para, pelas
mãos do sacerdote, oferecer ao Senhor, como reconhecimento de que estes frutos são dom
gratuito de Deus. Faziam memória da ação de Deus que teve compaixão do povo, os libertou da
escravidão, os conduziu pelo deserto e lhes deu a terra. No final da celebração partilhavam os
produtos e o dízimo, com os pobres: órfãos, viúvas, o levita e o estrangeiro. O compromisso
ético-social era parte integrante do culto prestado a Deus. O grande acontecimento que o povo de
Israel celebrava anualmente era a Páscoa. A travessia do Mar Vermelho, passando assim, da
escravidão para a liberdade, da miséria para a conquista da terra, da vida.
Quando o povo perdeu de vista dimensão do compromisso ético-social em suas
celebrações, ou seja: a “Mesa do Pobre”, Deus reage pela voz dos profetas. Vejamos alguns
exemplos: Is 1,10-17; 58,6-12; Jr 7,1-11; Am 5,21-27; Mq 6,6-8; Eclo 34, 18-22.
A coroação da vida de Jesus foi sua total fidelidade ao Pai, e o dom total de si mesmo
pela humanidade. Ele se ofertou como “alimento de vida eterna”. Foi o sacrifício de ação de
graças na sua expressão máxima.
Jesus instituiu a Eucaristia durante a celebração da Páscoa, com seus discípulos.
Encontramos na Bíblia quatro relatos: 1 Cor 11,23-25; Lc 22,15-20; Mc 14,22-24; Mt 26,26-28,
que são na sua essência concordes entre si. João omite a narrativa da instituição da eucaristia,
e não o faz por acaso. No lugar do relato da instituição da eucaristia, ele nos apresenta a
narrativa do “lava-pés” (Jo 13,1-17). Desta forma, ele coloca em evidência a relação entre
eucaristia a o serviço aos irmãos. Substituindo o relato da ação litúrgica da eucaristia, pela ação
afetiva do serviço, João substitui o sacramento pela realidade que ele significa, a saber, o serviço
da caridade fraterna. O gesto de lavar os pés, é uma espécie de explicação ou de um comentário
simbólico do sentido profundo da eucaristia. O que é ainda mais significativo, é que João conclui
seu relato do lava-pés com esta ordem dada por Jesus: “Eu lhes dei o exemplo: vocês devem
fazer a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,15), que faz eco ao mandamento eucarístico: “Fazei isto
em memória de mim”. Igualmente instrutivo é o fato que João termina este capítulo particular de
seu Evangelho, recordando o grande mandamento no contexto desta ação dramática e simbólica
que é o lava-pés: “Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Se vocês
tiverem um amor uns para com os outros, todos reconhecerão que vocês são meus discípulos”
(Jo 13, 34-35).
O relato do lava-pés coloca em relação o culto e o serviço. Desta forma, tem uma
identificação de Jesus com a tradição profética do judaísmo que condena o culto que não é
acompanhado da justiça, da partilha, da caridade. Ele sublinha também o aspecto psicológico e
vital: não se pode fazer memória daquilo que Jesus fez se não se participa dos sentimentos e
disposições que ele tinha naqueles momentos de intimidade com seus discípulos.
A eucaristia deve criar a base e a motivação para a caridade. Se ela não nos conduz ao
serviço em favor dos irmãos, à ajuda aos pobres e àqueles que sofrem, ela não alcança seu
objetivo.
A multiplicação dos pães (Mt 14,13-21; 15,29-39; Mc 6,32-44; 8,1-9; Lc 9,10-17; Jo 6,1-13).
Existe uma relação clara e direta entre a Ultima Ceia e a cena da Multiplicação dos pães.
O pão não pode ser visto e entendido só como uma realidade espiritual e simbólica. O pão é
primeiramente “fruto da terra”, dom de Deus que é preciso pedir, mas ele é também “fruto do
trabalho do homem”; é preciso produzi-lo, e, sobretudo, partilha-lo. “Vocês é que tem de lhes
dar de comer”. É bem a expressão da necessidade de matar a fome corporal. Partilhando
fraternalmente o pão, terá suficiente para matar a fome de todos, e não haverá mais indigentes. A
partilha do pão entre os pobres não fica na simples materialidade, mas vem a ser um sinal de
adesão àquele que se tornou “pão pela vida do mundo”. O pão dado gratuitamente para ser
partilhado com os famintos torna-se pão abençoado (conforme a canção do Pe. Zezinho).
A janta com os discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35). Teologicamente falando, é a primeira
eucaristia celebrada depois da ressurreição, na qual se fazem presentes explicitamente as “Três
Mesas”.
Para obter a “competência” de verdadeiro discípulo, como a dos discípulos de Emaús,, a
caminhada a ser feita é marcada por três indicadores temporais que correspondem, de certa
forma, com o método: ver, julgar, (celebrar), agir.
a) Uma primeira parada na caminhada (v. 17: “Eles pararam com o rosto triste”). É o
momento do “ver”. Eles conversam sobre o que aconteceu com Jesus em Jerusalém, sem
compreender o que se passou. É preciso conhecer a realidade, mas é necessário uma luz
para compreendê-la. É o momento do “julgar”. Para abrir suas inteligências, Jesus, a Luz,
recorda os acontecimentos fundantes das Escrituras (Mesa da Palavra): “Então
começando por Moisés e continuando por todos os Profetas, Jesus explicava para os
seus discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito dele” (v. 27). Por
esta hermenêutica, ele lhes mostra que a morte e a ressurreição de Jesus é a chave de
compreensão de todo o desígnio do Deus.
b) O descanso em Emaús (v. 19: “Então Jesus entrou para ficar com eles”). É a janta que
virá a ser uma “Eucaristia”. “Sentou-se à mesa com os dois, tomou o pão e abençoou,
depois partiu e deu a eles”. Repetindo o mesmo gesto e pronunciando as mesmas
palavras da última ceia, “os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus”
(Mesa da Eucaristia). O momento em que o reconheceram , ele desapareceu diante
deles. Ele se torna ausente na sua forma humana, mas presente sacramentalmente. Se o
gesto da “fração do pão” representou para os discípulos de Emaús, a passagem da “não-fé
à fé”, dos olhos fechados aos olhos abertos, do desconhecimento ao reconhecimento, o
gesto da fração do pão de cada dia (não eucarístico), deve ser o meio do reconhecimento
do verdadeiro discípulo de Cristo. A caridade para com o próximo não é somente a prova
do amor por Deus, mas a identificação do discípulo de Cristo.
c) O retorno à Jerusalém (v. 33: “Na mesma hora, eles se levantaram e voltaram para
Jerusalém...”) (Mesa do Pobre). É o momento do “agir”. Á luz das Escrituras eles
adquiriram uma consciência mais clara da realidade. Na fração do pão, eles
reconheceram o Ressuscitado e fizeram, eles mesmos, a experiência de ressuscitados para
uma nova vida. Uma força os impulsionou a se colocar em ação, a retomar o caminho de
Jerusalém e anunciar a Boa Nova.
A Eucaristia é constantemente colocada em relação, primeiramente, com a Última Ceia,
com a janta de Emaús, e com a multiplicação dos pães. A Última Ceia, que é seu acontecimento
fundador, não é um ato isolado, mas engloba toda a vida de Jesus, particularmente a cruz e a
ressurreição. O pão rompido e partilhado é a vida dada, é o grão de trigo que morre para
alimentar e dar a vida a uma multidão. No acontecimento da multiplicação dos pães, o povo que
seguia Jesus era como “ovelhas sem pastor”, mas Jesus e os discípulos se ocuparam dele, dando-
lhes não somente o pão corporal, mas também o pão da Palavra, o pão da dignidade, o pão da
esperança. Se o povo da América Latina é abandonado, excluído das preocupações e decisões
políticas e econômicas, a Igreja, no seguimento fiel a Jesus Cristo, deve se ocupar dele,
partilhando o pão corporal e espiritual, o pão da Palavra, da dignidade, da coragem, da
esperança.
As Comunidades Apostólicas (At 2,42-47; 4,32-37).
Nestes relatos encontramos os elementos essenciais que compõe a celebração eucarística.
Em outras palavras, encontramos nos textos de forma bem explícita a descrição das “três mesas”.
“Eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos Apóstolos” (Mesa da Palavra); “na
comunhão fraterna, no partir do pão e nas orações... nas casas partiam o pão...” (Mesa da
Eucaristia); eles “eram unidos e colocavam em comum todas as coisas... A multidão dos fíéis
era um só coração e uma só alma... Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que
possuíam terras e casas as vendiam, traziam o dinheiro e o colocavam aos pés dos apóstolos,
depois, ele era distribuído a cada um conforme sua necessidade” (Mesa do Pobre). A utopia da
“terra sem males”, expressa pela constatação de que “entre eles ninguém passava necessidade”,
vem de encontro a exigência de Deus no AT, “que não haja pobres no meio de vocês” (Dt 15,4).
Discernir o Corpo do Senhor (1 Cor 11,17-34).
Este texto, escrito pelo ano 51, ou seja, menos de 20 anos depois da morte e ressurreição
de Cristo, demonstra que em algumas comunidades cristãs, particularmente nas de Corinto, nem
tudo estava correndo bem. São Paulo constatou uma escandalosa contradição na maneira como
eles celebravam a Ceia do Senhor. A seu ver não era mais a ceia do Senhor (v. 20), porque a
comunhão fraterna fora quebrada (v. 18-19). Paradoxalmente, segundo Paulo, essas facções e
divisões entre os cristãos de Corinto tem uma significação providencial positiva. Elas tem um
papel importante a desempenhar na realização efetiva da salvação. Elas precisam se produzir na
Igreja como meio de provar os que são autenticamente cristãos.
Mas consciente do perigo de uma tal situação e desejoso de devolver o sentido original à
Ceia do Senhor e à comunidade cristã, Paulo faz duras críticas aos responsáveis pelas divisões. A
Ceia do Senhor não é mais o lugar da caridade, pois perderam-se os limites: “Cada um se
apressa em comer a sua própria ceia. E enquanto um passa fome o outro fica embriagado”
(v.21). Uma tal ceia não é mais o lugar da Koinonia (comunhão). O rico esfomeado come a sua
comida e a partilha com o pobre é recusada. A ceia é o lugar onde ele se serve e não mais o lugar
onde ele recebe o que o Senhor distribui.
A preocupação e a reação de Paulo tem fundamento, pois um grupo não pode subsistir se
não tiver a preocupação pela sua unidade e coesão. A ceia tem um papel essencial. O sentido do
comer e beber juntos, longe ser só uma simples refeição, é grande momento integrador da Igreja
Cristã. Dividir as mesas é dividir a Igreja. A identidade do grupo se forja na partilha da mesma
comida. As divisões denunciadas no interior das celebrações em Corinto, que Paulo interpreta
como “desprezo à Igreja de Deus” (v. 22), são um reflexo da discriminação e da estratificação
social que caracterizava aquela metrópole comercial. Assim, o principal motivo de indignação de
Paulo é a relação social de desigualdade que aparece escandalosamente na celebração da ceia do
Senhor. O escândalo não é tanto por causa da embriaguez de alguns, mas sobretudo pelo fato de
“envergonharem os que nada tem” (v. 22). Trata-se claramente de um problema de ética social:
os que humilham os pobres tem suas “casas” onde podem se fartar. Com esta observação, Paulo
mostra que a contraposição não está entre o comer e o beber não cúltico, ordinário e o comer e
beber sacramental, entre a refeição ordinária e a ceia do Senhor, mas entre a refeição egoísta,
individualista e o comer a ceia do Senhor, entre a própria satisfação e a fome e sede dos
membros mais pobres da comunidade.
A eucaristia é sempre um desafio à verdade existencial da Igreja. Ela não é uma coisa
abstrata, mas uma maneira de pensar que é ao mesmo tempo uma maneira de agir. A eucaristia é
um dom transformador. Não responder na vida a este dom, é fazer da eucaristia uma mentira,
uma coisa insignificante.
Para celebrar bem a eucaristia é indispensável viver a solidariedade, o amor fraterno, o
engajamento social e político, a ação transformadora do mundo, que são parte integrante e
indispensável da recepção da eucaristia. Não se pode receber o Cristo, ignorando o sofrimento,
as penas e as justas aspirações dos pobres. Aquele que disse: “isto é o meu corpo”, é o mesmo
que disse: “eu tive fome... sede, eu era estrangeiro, nu e doente...” A eucaristia é comunhão no
pão da mesa do senhor que exige partilha do pão cotidiano com os famintos deste mundo.
Alguns testemunhos dos primeiros séculos da Igreja.
São Justino, por volta do ano 150, escrevendo ao imperador Antonino, apresenta a
estrutura da celebração eucarística com os seguintes elementos: leituras das memórias dos
apóstolos; homilia do presidente da celebração seguida de uma oração dos fiéis, concluída com o
beijo da paz; oferta e grande oração eucarística; comunhão dos presentes (enviada também aos
ausentes); coleta de esmola para os pobres. Depois de descrever a reunião do domingo, menciona
a partilha e exige a comunhão fraterna: “Os que são ricos e desejam doar alguma coisa, fazem
seus donativos, cada um de acordo com o que determinou. O que vem a ser coletado é entregue
ao presidente, que assim, pode dar assistência aos órfãos e às viúvas, aos doentes e a todos que
se acham na privação de bens, aos prisioneiros, aos migrantes, em uma palavra, socorre a todos
os que passam necessidades” (Justino, Apologia I, 67).
Santo Ireneu (por volta do ano 200) destaca que o mais importante é a prática da justiça
e não o culto ritual. Deus não se agrada dos sacrifícios e outras observâncias figurativas daqueles
que negligenciam a justiça e se desviam do amor de Deus. Em oposição aos sacrifícios vazios,
ele recorre á textos bíblicos como: 1Sm 15,22; Sl 39,7; 50,18-19; 49,9-15. Ele chega a dizer que
o sacrifício se torna estéril, quando oferecido por pessoas divididas entre si, pois não é o
sacrifício que santifica o homem, mas o homem que santifica o sacrifício. Em síntese, em
sintonia com o pensamento de Justino, Irineu confirma basicamente que onde não há liberdade,
unidade, ajuda mútua e justiça, não há eucaristia.
São João Crisóstomo (final do séc. IV) é um dos padres que mais trata da dimensão
social da eucaristia. Numa sociedade marcada pela desigualdade social, esbanjamento,
imoralidade e incoerência religiosa, ele defende o direito dos pobres e recorda aos ricos seu
dever de solidariedade e de justiça para com os pobres. Ele condena a falta de consciência social,
o luxo e as injustiças que os ricos cometem. Para ele, a atenção aos necessitados pertence à
essência do ser cristão: se ele não fizer o bem a alguém, é como fermento que não fermenta ou
perfume sem odor. Para ele a riqueza só e um bem quando, bem usada no socorro aos pobres.
Ele liga de forma impressionante o encontro do Cristo na eucaristia e seu encontro nos
pobres. Não é possível honrar seu Corpo na igreja, aquele que deixamos lá fora morrer de frio.
Com efeito, é o mesmo Cristo que disse: “Isto é o meu corpo”, disse também: “Todas as vezes
que fizestes isto ao menor de meus irmãos foi a mim que o fizestes”.
Ele denuncia com força os cristãos que não querem ver faltando na Igreja ornamentos de
ouro e prata, enquanto deixam o Cristo lá fora coberto de feridas. “Tu queres honrar o corpo de
Cristo? Não o desprezes quando ele está nu. Não o honre aqui na Igreja, com tecidos de seda
enquanto que o deixas lá fora sofrendo de frio e de falta de roupas... Que vantagem há se a mesa
do Cristo está cheia de vasos de ouro, quando ele mesmo morre de fome? Comece por matar a
fome, e com aquilo que sobra, tu podes ornamentar o altar. Tu fazes cálice de ouro, mas não lhe
dás um copo de água fresca? De que adianta revestir a mesa de Cristo com véus de ouro, se tu
não lhe dás a coberta que lhe é necessária? Que proveito tens? Diga-me então: se tu vês o
Cristo e lhe faltar o alimento indispensável e tu o abandonas para cobrir o altar com um
revestimento precioso, será que ele se agradará? Será que ele não vai antes se indignar?Ou
ainda, tu vês o Cristo coberto de feridas, gelado de frio, e tu negligencias de lhe dar um manto,
mas tu lhe ergues colunas de ouro na Igreja dizendo com isto que os estás honrando, não vai ele
te dizer que estás zombando dele, e que na verdade o estás injuriando, com a pior das
injúrias...?
Crisóstomo faz uma espécie de paralelismo entre o altar e os pobres, entre a eucaristia e a
fome do mundo. O altar de carne habitado por Cristo importa mais que o altar de pedra: “quem
dá esmola exerce uma função sacerdotal... Tu queres ver meu altar? Este altar é constituído
pelos membros do corpo de Cristo, e o corpo do Senhor se torna um altar para ti. Venere-o ele é
mais augusto que o altar de pedra onde tu celebras o Santo Sacrifício. Este é venerável em
razão da vítima que tu ofereces, mas o outro o é em razão da vítima mesma. Este altar é
venerável porque, sendo de pedra, ele é consagrado pelo corpo do Cristo que ele recebe, mas o
outro porque ele é o Corpo de Cristo. E tu honras o altar que recebe o Corpo de Cristo. O outro
altar (vivo) te é possível contempla-lo nas ruas e nas praças, e a qualquer hora, tu podes
celebrar a liturgia”. A compaixão pelos pobres, que é a mãe da caridade, virtude característica
do cristianismo, está acima de todos os outros sinais da fé. É na caridade que se reconhece os
discípulos de Cristo.
Santo Agostinho: Ele é dos Padres do Ocidente, provavelmente, aquele que exprime de
forma mais explícita e profunda a ligação entre Eucaristia e Igreja. A Eucaristia é alimento
para os pecadores. Ela tem um efeito purificador, mas ela é sobretudo construtora da Igreja:
“Este pão que vedes sobre o altar, é o Corpo de Cristo. O conteúdo do cálice... é o sangue de
Cristo... Se vocês os receberam com boas disposições, vós sois o que vocês receberam”. A
partir da afirmação de São Paulo: “E como há um único pão, nós, embora muitos, somos um só
corpo, pois participamos todos do mesmo pão” (1Cor 10,17), ele apresenta a unidade do Corpo
de Cristo, do Corpo eclesial e do Corpo sacramental, como sinal e fruto da participação à mesa
do Senhor. Assim os que participam da Eucaristia, se encontram eles mesmos sobre a Mesa do
Senhor: “É a que sois que vós respondeis: Amém... Sejam, pois, um membro do Corpo de
Cristo para que o vosso amém seja verdadeiro. Sejam o que vós vedes, recebam o que sois”.
Todos se encontram sobre a mesa e no cálice. Todos comungam a todos. Todos
comungam o Corpo inteiro: cabeça e membros. Mas se não guardamos a unidade e o vínculo da
paz, “podemos comungar o sacramento sem receber a realidade do sacramento (a graça).
Aquele que não está no corpo de Cristo não come o corpo de Cristo. Ele comunga
ritualmente, mas não espiritualmente. Para viver do Espírito de Cristo, é necessário estar
no Corpo de Cristo. O Corpo de Cristo e a vida do Espírito são radicalmente inseparáveis.
Segundo Agostinho, a Eucaristia só tem sentido acompanhada da caridade: “Dêem o pão
da terra e solicitem o pão do céu... Como te darão este pão se tu não o dás ao indigente? O
Senhor não precisa de nossos bens, mas afim de que possamos fazer algo por ele, ele se digna
ter fome na pessoa do pobre”. A caridade para com o outro é sempre caridade para comigo
mesmo, porque pela Eucaristia, o outro está em mim e eu no outro e juntos em Cristo. Nós
estamos nele no céu pela esperança, e ele está em nós na terra pela caridade”.
Bartolomeu de Las Casas. Sua conversão.
No último domingo do advento de 1511, na Ilha de São Domingos, Frei Antonio de
Montesinos, em nome de todo grupo dos missionários dominicanos, proclamou este sermão.
Entre a assembléia encontrava-se Bartolomeu de Las Casas, primeiro padre ordenado neste novo
continente. Eis o teor do sermão:
Esta voz lhes está bradando: vocês estão todos em pecado mortal, nele vivem e morrem,
pela crueldade e tirania que praticam contra este povo inocente.
Digam: com que direito e com que justiça vocês mantêm estes índios em tão cruel e
horrível servidão? Com que autoridade vocês tem feito guerras tão detestáveis contra esta
gente, que estava tranqüila e pacífica em suas terras, onde a multidões incontáveis delas, com
mortes e danos nunca ouvidos, vocês exterminaram?
Como vocês os mantém na opressão e na fadiga, sem dar-lhes de comer e curar-lhes as
enfermidades que contraem em razão dos excessivos trabalhos que vocês lhes impõe?Eles
chegam a morrer, ou, para melhor dizer, vocês os matam para arrancar e adquirir ouro cada
dia.
Que cuidado vocês tem de que alguém lhes ensine a doutrina e de que conheçam a seu
Deus e Criador, sejam batizados, ouçam a missa, guardem as festas e os domingos?
Estes não são homens? Não tem almas racionais? Não estão vocês obrigados a amá-los
como a vocês mesmos? Isto vocês não entendem? Não sentem? Como estão mergulhados em
sono tão letárgico? Estejam certos: no pecado em que estão, vocês não poderão salvar-se mais
do que os mouros ou turcos que recusam a fé em Jesus Cristo.
Ao preparar a celebração de Pentecostes de 1514, em Cuba, Bartolomeu de Las Casas, se
defrontou com o texto Eclo 34,18-22, que tocou profundamente a sua consciência de padre
encomendero, sedento de riquezas e ouro, a ponto de não se sentir mais em condições de celebrar
a Eucaristia, sem antes libertar todos os índios escravos e repartir suas posses com eles.
“Oferecer sacrifício de bens injustamente adquiridos é fazer zombaria, e as ofertas dos
infiéis não são agradáveis. O Altíssimo não gosta das ofertas dos injustos e não é pela
abundância de vítimas que ele perdoa os pecados. Como quem imola o filho na presença do pai,
é assim aquele que oferece sacrifícios com os bens dos pobres. O pão dos indigentes é a vida dos
pobres, e quem tira a vida dos pobres é assassino. Mata o próximo que lhe tira seus meios de
vida, e derrama sangue quem priva o operário de seu salário” (Eclo 34,18-22).
Alguns testemunhos da atualidade:
Paulo VI, foi o primeiro papa que visitou o continente americano. Foi por ocasião de
segunda conferência do Episcopado latino americano em Medellín (Colômbia), em agosto de
1968. Em Bogotá, por ocasião do Congresso eucarístico que precedeu a Conferência, Paulo VI
pronunciou dois discursos sobre a Eucaristia: um para os camponeses e outro, durante a missa
pela jornada do desenvolvimento.
Falando aos camponeses, ele expressa a alegria de honrar Jesus no mistério eucarístico
no meio deles. Ele lhes diz: Vocês são um sinal... uma imagem... um mistério da presença do
Cristo. O sacramento da eucaristia nos oferece sua presença escondida, viva e real; mas vós
também sois um sacramento, quer dizer, uma imagem sagrada do Senhor entre nós. Vós sois
como um reflexo representativo, mas não escondido de seu rosto humano e divino”. Os pobres
são sacramento de Cristo, sacramento não idêntico a realidade da eucaristia, mas em perfeita
correspondência analógica e mística, com ela. Fazendo referência à Mt 25, ele diz, que Cristo
mesmo afirma que ele está presente em todo ser humano que sofre, todo faminto, todo doente,
todo aquele que precisa de compaixão e ajuda.
De uma forma bem explicita, o papa aproxima o mistério eucarístico á realidade de
indigência humana. Fazendo eco ao pensamento de João Crisóstomo, Paulo VI declara: “Nós nos
inclinamos diante de vocês e queremos reconhecer em vocês o Cristo sofredor, mas vivo... Nós
viemos para honrar o Cristo em vós... e para vos dizer que este amor que Jesus ressuscitado
pede por três vezes a Pedro (cf. Jo 21,15s), é em vós mesmo que o professamos...” Ele une as
duas vias do encontro com Jesus Cristo: a que se realiza na partilha do pão eucarístico e a que se
realiza na partilha com os pobres. O encontro com Cristo na eucaristia é inseparável do encontro
com os pobres. Estas duas perspectivas se reforçam mutuamente, mas não são do mesmo nível.
A eucaristia é da ordem do sacramento, do simbólico. O pobre é da ordem da realidade. A
celebração é da ordem da expressão da fé, enquanto que a solidariedade é da ordem da prática.
Prática esta que condiciona a autenticidade da celebração da eucaristia.
Padre Arrupe no seu discurso feito no “Simpósio sobre a fome”, que precedeu o
Congresso Eucarístico Internacional na Filadélfia (agosto de 1976), o superior geral dos jesuítas
da época, sublinhou a responsabilidade dos cristãos para com os famintos deste mundo. A
eucaristia é o pão da vida. “Como poderemos pretender anunciar e partilhar com os outros o
mesmo Senhor que disse: Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”, se
não nos comprometemos e não nos engajamos no combate contra a fome? Dando sua vida pela
vida do mundo na eucaristia, Jesus se torna a voz dos sem-voz. Ele fala em nome dos fracos, dos
oprimidos, dos pobres, dos famintos. Ficar insensível e surdo a esta voz, é expressar uma fé sem
vida. É tornar a eucaristia incompleta.
“Se em qualquer parte do mundo a fome, a celebração da eucaristia é incompleta em
todas as partes do mundo... Na eucaristia recebemos o Cristo, mas ele não vem a nós só, mas
ele vem a nós com os pobres, os oprimidos, os que morrem em conseqüência da fome. Por ele,
os homens vem a nós em busca de ajuda, de justiça, de amor... nós poderemos receber
dignamente o pão da vida, se ao mesmo tempo partilhamos o pão quotidiano aos que dele
precisam...”
A celebração da eucaristia não pode jamais ser uma fuga do mundo, um meio de esquecer
a dureza e as aflições da vida, mas seu cume e fonte, donde saímos alimentados, fortalecidos na
fé, com o desejo de nos tornar o celebramos.
Dom Helder Câmara.
Reconhecer Cristo nos pobres não é tão fácil. Reconhecer o pobre presente no Cristo
eucarístico é ainda mais difícil. O fato contado por Dom Helder, por ocasião de Simpósio
Internacional do Congresso Eucarístico de Lourdes (1981), ilustra bem esta dificuldade:
“Um grupo de fiéis, em estado de choque e de desespero, me procurou certo dia,
contando-me que um ladrão havia arrombado e invadido a Igreja, chegando ao sacrilégio
extremo de quebrar o tabernáculo, de retirar o cibório. Chorando os fiéis contaram que haviam
encontrado hóstias consagradas até no meio da lama, me pediram para convocar o povo e fazer
uma procissão eucarística e uma missa de reparação. Aceitei o pedido. Na hora da missa
elogiando o fervor eucarístico dos fiéis, eu disse: Meus irmãos, como nós somos cegos! A
descoberta de hóstias consagradas na lama perturbou profundamente vossos corações. Mas o
Cristo jogado na lama, não é nenhuma novidade, é um fenômeno de todos os dias”. Quem não é
capaz de reconhecer o Cristo no irmão, particularmente no irmão pobre, dificilmente vai
reconhece-lo verdadeiramente na eucaristia.
Para concluir, é muito oportuno o pronunciamento de João Paulo II na sua audiência
geral do dia 10 de janeiro de 2001, na Praça São Pedro. Ele lembra aos cristãos que o objetivo
social do grande jubileu que acaba de encerrar, deve ter continuidade, não com ritos vazios, mas
com um engajamento pela justiça. Ele evoca as duras exigências do Antigo Testamento para
afirmar que Deus recusa “um culto isolado da vida, uma liturgia separada da justiça, uma oração
desligada do engajamento quotidiano, uma fé sem obras”. Citando o profeta Amós, ele diz que
“Deus não aceita os ritos, as festas, os jejuns, as músicas, as suplicações, quando fora do
santuário vendem o justo por dinheiro, o pobre por um par de sandálias, pisoteiam os fracos no
chão e desviam os pobres do caminho” (cf. Am 2,6-7). O julgamento de Deus será baseado no
amor, na prática da justiça, na acolhida aos pobres. “O serviço da caridade, que liga de maneira
coerente a fé e a liturgia, o engajamento pela justiça, a luta contra todas as opressões, a proteção
da dignidade pa pessoa humana, não são para o cristão expressões de uma filantropia motivada
apenas pela pertença à família humana. Trata-se, ao contrário, de uma escolha e de atos que
nascem de uma alma profundamente religiosa; são os verdadeiros sacrifícios que agradam a
Deus”.
Para concluir, poderíamos falar dos milhares de mártires, que em razão do seu
engajamento pela justiça, derramaram seu sangue nos chão da América Latina, mas é suficiente
considerar aquele que uniu em sua vida e em sua morte a memória cultual e existencial de Jesus:
dom Oscar Romero. Este homem viveu para servir seu povo, não temendo afrontar os poderosos
denunciando suas injustiças. Desta forma ele atualizou verdadeiramente o lava-pés.
Ora, aconteceu que precisamente durante a celebração da eucaristia, Dom Romero foi
morto por pessoas que não toleraram sua maneira de servir. Voluntariamente ou não, ele
exprimiu a perfeita união dos dois tipos de memória: a memória cultual ao longo da qual ele
proclamava sem cessar a exigência do Evangelho, e a memória existencial pela qual ele não
temia a morte, desfecho de seu serviço fraterno.
Por ocasião do primeiro aniversário do martírio e Dom Romero, João Paulo II disse “que
ele coroou pelo sangue seu ministério, particularmente preocupado com os mais pobres e
excluídos. Foi um supremo testemunho, que fica como símbolo do sofrimento de um povo, mas
também motivo de esperança de um futuro melhor”, porque não dizer: “de uma terra sem males”.
Indicações bibliográficas:
-
CNBB, Eucaristia vida que se celebra – Para viver melhor a Eucaristia na via, Paulinas, São Paulo, 2000.
-
14º Congresso Eucarístico Nacional, Eucaristia: fonte de missão e vida solidária, Paulus, São Paulo, 2001.
-
ALDAZÁBAL, José, A Eucaristia, Ed. Vozes. Petrópolis, 2002.
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Bairro Santo Antônio
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