Verbo chamar: um arroz-de-festa Nas antigas e tradicionais festas portuguesas, os anfitriões sempre ofereciam aos convidados um prato de arroz doce, chamado arroz de festa, ou seja, em festa boa o arroz doce não podia faltar. Do doce ao convidado, o sentido se deslocou. Hoje ser um arroz-de-festa designa (com claro sentido pejorativo) a pessoa que é vista em todo evento social, que não perde nenhum casamento, aniversário, festa, inauguração, ou seja, está em todas. O verbo chamar é, devido à sua freqüência nos concursos públicos, um típico arroz-de-festa, pois, sem nenhuma cerimônia, mais cedo ou mais tarde, ei-lo bem diante de nossas incertezas. Ele não tem um sentido único; ao contrário, é muito rico de sentidos e de construções, mas merece mais atenção um uso em especial, tendo em vista que tal uso permite quatro possibilidades de combinação, todas completamente corretas. No sentido de “dar nome, apelidar, tachar, qualificar”, o verbo chamar normalmente trará um objeto (que é a pessoa ou a coisa nomeada, apelidada) e um predicativo do objeto (que é o atributo dado para a pessoa ou a coisa). Até aí tudo bem, pois são muitos os verbos que trazem essa possibilidade de montagem. O problema inicia-se quando verificamos o que a tradição gramatical reservou a esse verbo. Ele pode ser usado com preposição ou não, tanto no objeto como no predicativo do objeto. Dessa forma, temos duas situações facultativas: - o objeto indiferentemente pode ser direto ou indireto com a preposição a; - o predicativo também pode vir sem preposição ou com a preposição de. Vamos observar um exemplo: . objeto direto e predicativo (sem preposição): Eles chamam o problema (objeto direto) efeito estufa (predicativo). Eles o chamam efeito estufa. . objeto direto e predicativo (com preposição): Eles chamam o problema (objeto direto) de efeito estufa (predicativo). Eles o chamam de efeito estufa. . objeto indireto e predicativo (sem preposição): Eles chamam ao problema (objeto indireto) efeito estufa (predicativo). Eles lhe chamam efeito estufa. . objeto indireto e predicativo (com preposição): Eles chamam ao problema (objeto indireto) de efeito estufa (predicativo). Eles lhe chamam de efeito estufa. Diante dessa abundância de formas e possibilidades, isso se transforma em matéria-prima de alta qualidade para ser usada em provas. Não se pode esquecer de que o sentido é a referência primeira para organizar o estudo desse verbo, visto que as quatro possibilidades só ocorrem quando chamar traz o sentido de nomear, apelidar. Confira uma seleção de questões de concursos (trechos adaptados). 1. (ESAF) Avalie se o trecho está correto. Ao político depreciado, chama-se maquiavélico. 2. (ESAF) Avalie se o trecho está correto. A marcha da civilização é caracterizada, exatamente, por semelhantes situações, a que genericamente podemos chamar de modernizações. 3. (CESPE) “Acredito que existe algo que podemos chamar de progresso histórico”. Não é adequado, por provocar erro gramatical, inserir a preposição “a” antes de “que podemos chamar”. 4. (ESAF) “Uma vez formados, seriam automaticamente chamados de ‘doutor’ e teriam um salário de classe média para o resto da vida” A regência do verbo chamar empregada no texto é considerada coloquial. A gramática ortodoxa recomenda, como mais formal, o emprego desse verbo como transitivo direto. 5. (ESAF) A oração “...que Maxwell chama sobrenatural...” pode também ser expressa “...que Maxwell chama de sobrenatural...”. 6. (FAPEU) Verifique se regência verbal corresponde ao português padrão. O verbo chamar admite várias redações, pelas possibilidades de inversão do predicativo, como em: chamo certos crimes de hediondo; chamo a certos crimes hediondo, chamo a certos crimes de hediondo e chamo certos crimes hediondos. 7. (MP-SC) Avalie a alternativa. A oração “Chamei Fernando de deslumbrado” também pode ser expressa assim: “Chamei a Fernando de deslumbrado” e “Chamei a Fernando deslumbrado”. 8. (ESAF) Avalie a correção do trecho destacado. É esta situação, ou melhor, são as várias cambiantes de situação existentes no diálogo, na conversação, no trato familiar, que determinam o uso dessas expressões concisas, alheias, talvez, à parte informativa, mas capazes de conseguir intuitos que palavras formais não conseguiram. Chamemos-lhes expressões de situação. (Manuel Said Ali; com adaptações) Gabarito 1- correto 2- correto 3-errado 4-errado 5-correto 6- correto 7- correto 8- correto