EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA VARA FEDERAL

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA
VARA FEDERAL DA
CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DE JOINVILLE/SC.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio dos
Procuradores da República que esta subscrevem, no uso de suas
atribuições constitucionais e legais, com fulcro nos art. 127 e 129,
incisos II e III, da Constituição Federal de 1988, bem como nos
dispositivos pertinentes da Lei nº 7.347/85 e da Lei nº 8.078/90, bem
como da Lei Complementar n° 75/93, e com base no Procedimento
Administrativo n° 1.33.005.000441/2002-35, em anexo, e nas razões
de fato e de direito que passa a expor vem, perante Vossa Excelência,
propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA
Em face de
UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público
interno, com sede na Rua Dona Francisca, 260, 7°
andar, cj. 708, no Município de Joinville, Estado de
Santa Catarina, podendo ser citada na pessoa de seu
Advogado.
1
ESTADO DE SANTA CATARINA, pessoa jurídica de
direito público interno, com sede no Palácio do
Governo, na Rua José da Costa Moelmann, 193,
Centro, no Município de Florianópolis, Estado de
Santa Catarina, podendo ser citado na pessoa do
Procurador-Geral do Estado de Santa Catarina, Dr.
Walter Zigelli; e
MUNICÍPIO DE JOINVILLE, pessoa jurídica de direito
público
interno,
com
sede
em
sua
Prefeitura
Municipal, na Rua Hermann August Lepper, 10, em
Joinville/SC, representada por seu Procurador-Geral,
o Dr. José Alaor Bernardes.
OBJETO DA PRESENTE DEMANDA
Pretende-se com a presente Ação Civil Pública a
prestação da tutela jurisdicional para
garantir a vinte e cinco
pacientes o amplo acesso aos meios terapêuticos infra-referidos –
CIRURGIA DE VITRECTOMIA - e seu integral e efetivo tratamento,
em
regime
de
gratuidade,
tudo
em
consonância
com
a
Constituição Federal, a Lei nº 8.080/90 e a NORMA OPERACIONAL
DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE – NOAS/SUS 01/2002.
DOS FATOS
Em 22 de abril de 2002, foi protocolizada nesta
Procuradoria da República em Joinville correspondência enviada pelo
Vereador Manoel Francisco Bento, na qual noticiou, em síntese, o
seguinte:
2
“Com a exposição das obrigações do Sistema Único de
Saúde – SUS, venho aqui relatar e denunciar o total descaso com que a
Saúde Pública trata pacientes em nosso Município. A lista abaixo é de
pacientes que deveriam ter tido atendimento integral e imediato pela
gravidade da enfermidade diagnosticada pelos médicos, e que caberia
ao SUS realizar as cirurgias de Vitrectomia.
Nome do Paciente
Nº do Processo
Identidade
Sr. Gilberto Moreira
386/01
2/R 1.861.791
Sr. Belnil Correa Fagundes 672/01
Sr. Adolar Inctun
646/01
Sr. Eloi Wilbert
668/01
Sr. Jefferson Leandro Dias 536/01
Sr. Marcelino M. Da Riosa 140/00
Sr. Edegar Evaristo
491/01
Sr. Lourival José Nazário
406/01
1.333.951
Sr. Martinho A. Santana
17/01
Já Faleceu
Sr. Pedro Roberto Robim
199/01
Sr. Ernesto Giacomini
192/01
Sra. Paula Mafra
153/00
Sra. Rosa Maria Wagner
611/00
4011541994
Sr. Antônio B. Rodrigues
300/00
3.365.624
Sr. Joan J. Jacobis
261/00
Sra. Noeli Flores Novaski
631/00
2/R 716.543
Sra. Maria A. M. Figueredo 20/02
2/R3.134.028
Sr. Fábio Gomes Pereira
27/02
90112609-60
Sr. Augusto Inácio Bueno
147/02
Sr. Rafael Zago Fredenco
140/02
Sr. Antônio Pedro da Silva 157/02
Como
podemos
perceber
4.601.493
110.838
pela própria numeração dos
3
processos, existem diagnósticos que foram realizados no ano de 2000 e
até o presente momento ainda não foram atendidos com a realização
da cirurgia. Em vários casos já ocorreu a cegueira completa da parte
afetada, tornando o processo de recuperação irreversível.
Isto
impossibilita os mesmos a encontrar trabalho no mercado, já tão
competitivo
e
seletivo.
As
condições
de
sobrevivência
ficam
amplamente prejudicadas. Outro grave fato que tenho a comentar é
que da relação acima exposta existe até caso de o paciente que veio a
falecer.
Vale ressaltar que a cirurgia de Vitrectomia sempre foi garantida pela
Série Histórica do Sistema Único de Saúde, tornando-se bastante
evidente desta maneira a responsabilidade do Estado em realizar estas
cirurgias.
Como podemos perceber, o Estado, através do SUS, comportou-se
totalmente omisso em relação às suas obrigações para com estes
pacientes, desrespeitando o direito que cada cidadão possui no espaço
social em que vive.
Portanto, venho a este órgão solicitar que seja promovida, através do
SUS o mais rápido possível, para que estes pacientes não percam
aquilo que lhes é de direito.”
Na ocasião, foi apresentada pelo Vereador a listagem dos
pacientes, com cópias de seus prontuários, de requisições de exames,
enfim, farta documentação corroborando suas assertivas.
Verifica-se, por exemplo, que o documento cuja cópia
encontra-se acostada às fls. 16 demonstra que o paciente GILBERTO
MOREIRA, a quem foi indicado o tratamento por VITRECTOMIA, foi
encaminhado ao Serviço de Saúde de Florianópolis, tendo-lhe sido
negado o atendimento.
4
Já os documentos de fls. 20/28 demonstram que o
paciente ERNESTO GIACOMINI teve diagnosticado, em 06/02/2001,
SANGRAMENTO VÍTREO, sendo-lhe, também, indicado o tratamento
por VITRECTOMIA. Igualmente, conforme fls. 29/33, a paciente ROSA
MARIA WAGNER NAGILDO, portadora de RETINOPATIA DIABÉTICA, teve
indicação para VITRECTOMIA.
Os documentos de fls. 44/45 dão conta de que a cirurgia
de VITRECTOMIA deixou de ser realizada no paciente ANTONIO
BARBOSA RODRIGUES por “AUSÊNCIA DE APARELHO NESTE MUNICÍPIO
DE JOINVILLE”. Em conseqüência, consta de fls. 53 o encaminhamento,
através de PEDIDO DE TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO, do Sr.
ANTONIO
BARBOSA
RODRIGUES
para
Florianópolis,
tendo-lhe
igualmente sido negado o tratamento na capital do Estado.
No mesmo sentido, todos os demais pacientes antes
elencados tiveram indicação de vitrectomia, alguns, há cerca de dois
anos, não tendo havido, neste período a realização de uma única
cirurgia.
Às fls. 81/82, consta ofício do Vereador Manoel Francisco
Bento, datado de 25/01/2002 e encaminhado à Secretária Municipal de
Saúde, Sra. Tânia Eberhardt, informando que o paciente FÁBIO GOMES
PEREIRA, após ter tido indicação da cirurgia de VITRECTOMIA, verificou
que o preço desta era de R$ 2.870,00 (dois mil oitocentos e setenta
reais), tendo-lhe sido denegado o tratamento pelo SUS.
Ante as informações até então coligidas, em 23/05/2002
foi instaurado, no âmbito desta
Procuradoria da
República, o
Procedimento Administrativo n° 1.33.005.000441/2002-35, com vistas
a melhor esclarecer a situação e a colher novos elementos de prova
para, se necessário, embasar a interposição das ações administrativas e
judiciais cabíveis.
5
Na mesma data foram expedidos os ofícios 276 e 277PRM/JLLE-PDC, endereçados respectivamente à Secretária Municipal de
Saúde
e
ao
Secretário
Estadual
de
Saúde,
requisitando-lhes
informações acerca do procedimento que vem sendo adotado na
prestação do serviço de saúde pública, especificamente quanto ao
atendimento
aos
pacientes
portadores
de
doenças
visuais,
diagnosticadas por médico habilitado, para as quais tenha sido
indicada intervenção cirúrgica, seja em caso de glaucoma, catarata,
retina, ou qualquer outra doença visual e, ainda, particularmente, para
as
quais
tenha
sido
indicada
a
cirurgia
de
“VITRECTOMIA”,
pormenorizando os motivos de eventual demora ou mesmo ausência
de atendimento, bem como se existe previsão para a efetivação do
atendimento e qual o tempo necessário para tanto (cronograma de
atendimento) (fls. 100/101).
Em 29/05/2002, através do Ofício 394/2002-GAB, a
Secretária Adjunta da Saúde, dentre outras informações, noticiou que:
“(...) Existe carência de profissionais médicos na área de oftalmologia
para a cobertura da população e, devido a este fato, foram abertas 03
vagas em concurso público, recentemente realizado, porém, não
houve inscritos para o preenchimento das mesmas; (...)
6 – a Secretaria Estadual de Saúde através de pronunciamento feito
pelo seu Secretário Adjunto – Sr. Norival Silva, e vinculado na
Empresa (sic – acredito ser “veiculado na imprensa”) em 15.12.01,
firmou
um
compromisso
de
contratação
de
profissionais
e
implantação de cirurgias de Vitrectomia em Joinville;
7 – em 23.01.02, o Sr. Norival Silva esteve em Joinville para
assinatura do contrato da Secretaria de Estado da Saúde com a
Clínica de Olhos Sadalla Amin Ghanem, para realização de 25
cirurgias de Vitrectomia pelo SUS, fato este divulgado pela Imprensa.
6
8 – a Secretaria Municipal de Saúde se comprometeu a repassar o
agendamento dos pacientes em lista de espera para procedimentos
de Vitrectomia ao Diretor Administrativo do Hospital Regional Hans
Dieter Schmidt, o que foi realizado em 27.02.02, conforme cópia do
documento em anexo;
9 – em virtude da demanda de queixas de pacientes quanto à demora
no atendimento, foi realizada no dia 22.05.02, reunião com a
presença da Chefia do Serviço de Controle e Avaliação da Secretaria
Municipal de Saúde e o Diretor Administrativo do Hospital Regional
Hans Dieter Schmidt, Josué Duffeck, que nos informou que o atraso
se deu devido a problemas contratuais entre a Secretaria de Estado
da Saúde e a Clínica Sadalla Amin Ghanem de Joinville, mas que o
retorno ao agendamento deverá ser solucionado com a maior
brevidade possível.”
A Secretária Municipal de Saúde juntou notícia veiculada
no jornal A Notícia, em 15/12/2001, verbis:
“(...) O secretário estadual adjunto da Saúde, Norival Silva, anunciou,
no início da tarde de ontem, a contratação de profissionais e a
implantação da cirurgia de vitrectomia (olhos) em Joinville. O
município, hoje, não realiza o atendimento gratuitamente. O último
levantamento revelou que mais de 20 pessoas estão dependendo do
tratamento na região. ‘Eu estou aguardando a liberação de recursos’,
comentou Norival. A contratação dos funcionários deve ser feita no
início do próximo ano – data prevista para o início do atendimento.”
(fls. 104).
O mesmo jornal, em 23/01/2002, informou que:
“Joinville – O secretário estadual da saúde em exercício, Norival
7
Silva, esteve ontem em Joinville para as negociações de implantação
do serviço de cirurgia cardíaca no Hospital Regional Hans Dieter
Schmidt. (...)
Outro ponto da estada do secretário na cidade foi a assinatura de um
contrato com o Hospital de Olhos Sadalla Amin Ghanem, onde 25
pessoas farão cirurgias de vitrectomia, pelo SUS. Esta doença atinge
os olhos e pode causar cegueira. ‘Cada cirurgia custa R$ 2.620,00.
O ESTADO ESTÁ PAGANDO A CONTA’, COMPLETOU NORIVAL
SILVA. (...)” (fls. 105). (grifo acrescido)
Em
27/02/2002,
a
Secretária
Municipal
de
Saúde
apresentou, ainda, cópia da RELAÇÃO DE PACIENTES PARA CIRURGIA
DE
VITRECTOMIA
(fls.
106/108),
encaminhada
ao
Diretor
Administrativo do Hospital Regional Hans Dieter Schmidt, com 26
pacientes elencados.
Sem muita pressa em responder ao ofício do Ministério
Público Federal (encaminhado em 23/05/2002), E CONFUNDINDO
VITRECTOMIA
COM
VASECTOMIA
(o
que
nos
deixou
deveras
preocupados), a Secretaria de Estado da Saúde respondeu em
04/06/2002, através do ofício 173/02 (fls. 114/116), informando que:
“As cirurgias de ‘vasectomia’ poderão ser de complexidade (anterior
ou posterior) ambulatorial ou hospitalares, conforme a codificação
SUS SIA/SIH (anexas 1,2), sendo que dentre as cirurgias de
complexidade ambulatorial somente é realizada a VITRECTOMIA
ANTERIOR; (...)
Conforme pode ser verificado o Município de Joinville realizou 13
procedimentos no ano de 2000, o que comprova ter condições
técnicas
e
profissionais
habilitados
para
a
realização
do
procedimento, tendo diminuído a produção e encaminhamento ao
8
Estado. (anexo 4)
A cirurgia de vitrectomia anterior hospitalar, procedimento 36004057
– SUS/SIH, por sua vez, fora realizado em Joinville no ano de 2000 e
2001; (anexo 5)
A vitrectomia posterior – 36003050 – fora realizada somente no ano
de 2000, quando passaram, estranhamente, a cobrar do Estado e
realização
do
procedimento.
Os
relatórios
de
serviços
são
encaminhados ao Ministério da Saúde pelo município, logo, o mesmo
existe (anexo 6)
No anexo 7 observa-se, inclusive, que quando o relatório é tirado por
residência do paciente, dos 13 pacientes que Joinville (anexo 6)
realizou no ano de 2000, somente 7 eram da cidade respectiva,
assim, os outros eram dos municípios da Regional da qual o mesmo
é sede; Observa-se então, que no ano 2000 Joinville cumpria os
princípios e acordos do SUS, sendo referência aos municípios de
abrangência no procedimento de Vitrectomia Posterior. O mesmo
ocorrendo com Vitrectomia Anterior (anexo 8), este sendo realizado
em 2001 também. (...)
O município de Joinville está em Gestão Plena do Sistema Municipal,
logo, pode usar seu recurso para a compra de qualquer serviço que
se fizer necessário.
Sendo a maior cidade do estado, dispõe de
todos os recursos de alta tecnologia em sua rede de saúde, podendo
ou não comprar serviços privados de acordo com sua necessidade.
Tem uma renda per capita suficiente para atender sua população.
O Estado responde por municípios que não dispõem tecnicamente de
recursos físicos ou humanos para os serviços de alta complexidade,
atendendo os pacientes de oftalmologia desde que o município não
esteja em Gestão Plena, logo, seguem programação e teto financeiro
9
fixo determinado pela Diretoria de Planejamento SES/SC, devendose priorizar estes pacientes cumprindo-se o princípio de equidade do
SUS. (...)
No que tange ao agendamento, entendemos que tal informação para
maior praticidade e precisão, deva ser requisitada à Regional desse
município, ou mesmo, junto ao Hospital Regional.”
Pedimos a especial atenção de Vossa Excelência para o
cotejo que ora se faz entre as notícias veiculadas em 15/12/2001 e
23/01/2002 (Jornal A Notícia, fls. 104/105) e o ofício 173/02 da
Secretaria de Estado da Saúde, de 04/06/2002, acostado às fls.
114/116. Segundo as notícias levadas ao público (e eleitores) às fls.
104/105, o então Secretário Estadual Adjunto da Saúde e, AGORA
CANDIDATO A DEPUTADO, Norival Silva, anunciava, com pompa e
circunstância, “A CONTRATAÇÃO DE PROFISSIONAIS E A IMPLANTAÇÃO
DA CIRURGIA DE VITRECTOMIA (OLHOS) EM JOINVILLE”. Na época, o
Secretário e agora candidato a deputado Norival Silva alardeou que “eu
estou aguardando a liberação de recursos”. Disse ainda que a
contratação dos funcionários deveria ser feita para o início do ano de
2002, data prevista para o início do atendimento. Em 23/01/2002, o
mesmíssimo ex-Secretário, e atual candidato a Deputado, compareceu
ao Município de Joinville promovendo diversas promessas no âmbito da
saúde, dentre as quais consta que AQUI SE ENCONTRAVA PARA
TAMBÉM ASSINAR CONTRATO COM O HOSPITAL DE OLHOS SADALLA
AMIN GHANEM, ONDE 25 PESSOAS DEVERIAM VIR A REALIZAR AS
CIRURGIAS DE VITRECTOMIA A SEREM CUSTEADAS PELO SUS. Naquele
23/01/2002, data já longínqua para quem carece de tratamento por
vitrectomia, o agora candidato a Deputado e então Secretário bazofiou
que “CADA CIRURGIA CUSTA R$ 2.620,00. O ESTADO ESTÁ PAGANDO
A CONTA”.
10
No entanto, em 04/06/2002, surge a estarrecedora
reviravolta no posicionamento da Secretaria de Estado da Saúde,
demonstrada pelo teor do ofício 173/02 (04/06/2002), hospedado às
fls. 114/116, no qual, em resposta ao ofício desta Procuradoria da
República em Joinville, aquela Secretaria, após confundir VITRECTOMIA
com VASECTOMIA (imagina-se o risco de ser internado para operar um
olho e, ao acordar, descobrir que foi esterilizado) e, olvidando por
completo todas as promessas do então Secretário Norival Silva, tem a
desfaçatez de empurrar a responsabilidade pela realização das
VITRECTOMIAS para o Município de Joinville.
Como pode, em
dezembro de 2001 e, reiteradamente, em janeiro de 2002, comparecer
a público um Secretário Adjunto de Saúde, prometendo aos quatro
ventos a realização das VITRECTOMIAS represadas, a serem custeadas
pelo Estado e, seis meses depois, sem qualquer retratação pública, na
mídia, onde fora divulgada a falaciosa promessa, retroceder a mesma
Secretaria Estadual e negar, peremptoriamente a
prestação do
atendimento em epígrafe ?
Constata-se então, Excelência, com clareza de doer nos
olhos (dor, certamente, bem menor que aquela experimentada pelos
pacientes que aguardam a cirurgia de vitrectomia) que, longe de ter se
tornado panacéia para o problema da saúde pública no Brasil, o SUS
converteu-se em instrumento de esquiva para as entidades federativas
envolvidas, que promovem o interminável “jogo de empurra-empurra”,
que ao final permite que todos se negligenciem impunemente,
deixando o usuário do sistema à deriva em uma canoa furada. Quando
não, um excelente trampolim eleitoral.
E, em Joinville, mais fácil ainda é a prática deste nefasto
jogo de empurrar, haja vista que, não obstante o Município de Joinville
se encontre sob o sistema de GESTÃO PLENA no âmbito do SUS,
subsiste a esdrúxula situação de coexistir com esta GESTÃO PLENA a
permanência de dois nosocômios sob a administração do Estado de
11
Santa Catarina (o Hospital Regional Hans Dieter Schmidt e a
Maternidade Darcy Vargas).
Diante de tal excrescência, com mais
freqüência e facilidade vêm as autoridades estaduais e municipais
apontando o dedo umas para as outras, numa interminável subtração
de suas respectivas responsabilidades, com prejuízo único e exclusivo
para “o lado mais frágil da corda”, que, consabido, é o humilde cidadão
sem recursos financeiros para desfrutar da confortável situação dos
que podem arcar com um plano de saúde privado.
Assim é, Excelência, que, em face deste falacioso Sistema
Único de Saúde, vinte e cinco pacientes com gravíssimas enfermidades
visuais parecem ter sido condenados à cegueira (este é o consectário
único da não realização da vitrectomia em tempo hábil), restando,
quem sabe, num futuro próximo, a este Ministério Público Federal, a
incumbência de ajuizar outra Ação Civil Pública para requerer-lhes a
indenização devida e, é lógico, as bengalas brancas e os óculos
escuros. Deveras, o total descaso e até mesmo má-fé demonstrados
pela Secretaria de Estado de Saúde no caso vertente está a comprovar a
perversidade do SUS e o total abandono dos que dele dependem.
Retornando à resposta da Secretaria de Estado da Saúde,
registra-se que esta juntou documentos às fls. 117/127, dando conta
de que, de acordo com as planilhas de fls.120/124, o Município de
Joinville teria realizado:
-
13 cirurgias de VITRECTOMIA ANTERIOR no ano de 2000;
-
13 cirurgias de VITRECTOMIA POSTERIOR no ano de 2000;
-
02 cirurgias de VITRECTOMIA ANTERIOR no ano de 2001;
-
nenhuma cirurgia de VITRECTOMIA POSTERIOR no ano de 2001;
-
nenhuma cirurgia de VITRECTOMIA ANTERIOR no ano de 2002;
12
-
nenhuma cirurgia de VITRECTOMIA POSTERIOR no ano de 2002.
Em 15/07/2002, o Vereador Manoel Francisco Bento
compareceu a esta Procuradoria da República, acompanhado de seu
assessor Renaldo, ressaltando que o paciente FÁBIO GOMES FERREIRA
estava prestes a perder sua visão direita em virtude da não-realização
da cirurgia de vitrectomia.
FÁBIO
GOMES
FERREIRA
prestou
declarações
nesta
Procuradoria da República, informando que:
“(...) aproximadamente em julho de 2000, durante um jogo de futebol de
areia, o declarante levou uma “bolada” em seu olho direito; QUE o
declarante não teve tempo para fechar o olho, tendo a bola, suja de
areia, realizado um “furo” na parte interna de seu olho direito; QUE
após a lesão, sua visão direita nunca mais foi a mesma, pois o
declarante enxergava apenas vultos; QUE na época o declarante
morava em Itamaraju, na Bahia; QUE o declarante consultou um
médico, que lhe disse que lá não haveria recursos para a realização da
cirurgia oftalmológica que ele necessitava; QUE em fevereiro de 2001 o
declarante veio morar em Joinville, com seu irmão; QUE logo em
seguida o declarante começou a trabalhar como auxiliar de manutenção
em Joinville; QUE em junho de 2001 o declarante pagou consulta
particular no Instituto de Olhos Sadalla Amin Ghanem, com o Dr.
Adilson Tecchio; QUE o Dr. Adilson solicitou a realização de alguns
exames;
QUE o declarante teve que pagar todos os exames
realizados; QUE apresenta neste momento o laudo do exame
denominado
“Videoangiografia
digital
com
fluoresceína
sódica”,
realizado em 04/06/2001, bem como o exame realizado em 05/06/2001;
QUE posteriormente foi encaminhado ao Dr. Mário Junqueira Nóbrega;
QUE o Dr. Mário informou ao declarante que no seu caso seria
13
necessária a realização da cirurgia denominada vitrectomia, pois não
adiantaria tomar medicação ou qualquer outro procedimento alternativo;
QUE o Dr. Mário informou ainda que, quando começassem as dores no
olho lesionado, o declarante teria o prazo de quatro a seis meses para a
realização da cirurgia, pois após este prazo o declarante perderia
completamente a visão do olho lesionado; QUE o declarante foi
informado pela Úrsula (responsável pelo agendamento de cirurgias no
Instituto de Olhos Sadalla Amin Ghanem) que a cirurgia custaria R$
3.000,00 (três mil reais); QUE a Úrsula informou que o Instituto de
Olhos Sadalla Amin Ghanem não tinha convênio com o SUS, e que por
isso não poderia realizar a cirurgia pelo SUS; QUE em janeiro deste ano
o declarante começou a sentir dores no olho direito; QUE o declarante
tentou buscar recursos junto à sua família para a pagar a cirurgia, mas
não conseguiu; QUE em meados de janeiro o declarante procurou o
Vereador Manoel Francisco Bento e relatou seu caso; QUE o Vereador
Manoel Bento disse ao declarante que faria o possível para conseguirlhe a cirurgia; QUE aproximadamente em abril deste ano o declarante
foi chamado pela Secretaria Municipal de Saúde para ir a Florianópolis;
QUE o declarante recebeu da Secretaria Municipal de Saúde o “Laudo
Médico de Tratamento Fora do Domicílio (LM)”, para que fosse
apresentado em Florianópolis; QUE no Hospital Regional São José, de
Florianópolis, o declarante teve que passar por uma “entrevista” e
realizar alguns exames; QUE o médico que lá o atendeu disse que o
caso era de cirurgia, mas que o Estado de Santa Catarina não tinha os
aparelhos necessários e não tinha como realizar a cirurgia, e disse para
o declarante “aguardar o retorno”; QUE até hoje o declarante não
recebeu qualquer “retorno” da Secretaria Estadual de Saúde; QUE após
fevereiro deste ano, com o passar dos meses, o declarante passou a
14
sentir mais dores na vista direita e notou progressiva perda de visão;
QUE o declarante, até a presente data, não tem sequer previsão da
realização da cirurgia de vitrectomia; QUE o declarante, encaminhado
pelo Vereador Manoel Bento, procurou o Ministério Público Federal,
para relatar seu caso e solicitar as providências cabíveis.”
Na mesma ocasião, RENALDO FRIEDEMANN, assessor do
Vereador Manoel Bento, declarou:
“QUE, em 25/01/2002, o Vereador Manoel Bento solicitou ao declarante
que formulasse um ofício à Secretária Municipal de Saúde, informando
que o FABIO GOMES FERREIRA necessitava de cirurgia de
vitrectomia, e que ele não tinha condições financeiras de arcar com os
R$ 2.870,00 (dois mil oitocentos e setenta reais) cobrados pela cirurgia;
QUE em 25/01/2002 referido ofício foi expedido pelo Vereador Bento
sob o n° 002/2002 (cópia em anexo); QUE o Gabinete do Vereador
Bento nunca recebeu qualquer resposta escrita ao referido ofício; QUE
o gabinete do Vereador Bento recebeu somente a informação de que “o
ofício foi colocado para apreciação do Sr. Celson”; QUE em meados de
março deste ano o declarante e o Vereador Bento começaram a exigir a
realização da cirurgia de vitrectomia; QUE no final do mês de março de
2002 foi realizada uma reunião com a Secretária Municipal de Saúde,
Sra. Tânia Eberhardt, que não teve qualquer resultado concreto; QUE
em abril de 2002, foi realizada nova reunião com a Secretária de Saúde;
QUE após a reunião o declarante e o Vereador Bento receberam uma
listagem de 23 pacientes, da região de Joinville, que estavam
aguardando a realização da vitrectomia; QUE em 22/04/2002 o
declarante começou, então, a entrar em contato com cada um dos
pacientes listados em espera para a realização da cirurgia de
vitrectomia, com o objetivo de verificar a situação específica de cada
15
paciente; QUE o declarante entrou em contato com a Sra. Izélia, do
Hospital Regional Hans Dieter Schmidt, de Joinville, que é a pessoa que
faz a intermediação de procedimentos entre Joinville e Florianópolis;
QUE o declarante descobriu que havia um contrato que seria assinado
entre o Hospital Regional, a Clínica de Olhos Sadalla Amin Ghanem e o
Município de Joinville; QUE o declarante, então, foi procurar o Instituto
de Olhos Sadalla Amin Ghanem; QUE lá foi atendido pela Sra. Úrsula,
que informou da inviabilidade financeira de firmar contrato; QUE até a
presente data não houve qualquer acordo firmado com o Instituto de
Olhos para a realização da cirurgia de Vitrectomia”.
Ante todo o exposto, restou demonstrado que o Sistema
Único de Saúde – SUS, em suas diversas esferas de atuação  Federal,
Estadual e Municipal , tem violado (e negado) o direito constitucional
e legal à saúde, não apenas das pessoas listadas pela Secretaria da
Saúde que esperam a cirurgia de vitrectomia, mas de todos aqueles
que se encontrem, ou que venham a se encontrar em semelhantes
condições.
O direito à realização de procedimento cirúrgico de
VITRECTOMIA é direito difuso (na medida em que não se pode
determinar o número de pessoas que dela venham a necessitar em
curto espaço de tempo), transindividual, de natureza indivisível, do
qual são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância
de fato.
Ora, nítido está que o objetivo primordial da presente
demanda, para a qual está devidamente legitimado no pólo ativo o
Ministério Público Federal, é a proteção de um dos direitos individuais
e coletivos mais relevantes e que restou violado com a recusa do SUS
em promover as ações necessárias à realização de cirurgias de
vitrectomia: o direito à saúde, o direito a ter preservado o mais
16
importante dos sentidos, a visão. Aliás, configura-se com tal negativa,
a subsunção ao tipo penal do artigo 135 do Código Penal – OMISSÃO
DE SOCORRO – na modalidade qualificada do parágrafo único, caso
demonstrada a lesão corporal de natureza grave (perda de uma das
vistas), quando não no tipo da lesão corporal grave, ou gravíssima,
conforme venha o paciente a perder uma das vistas, ou a visão, por
completo.
Não menos maculada restou a garantia constitucional da
Saúde, como direito de todos e dever do Estado, que se não possuísse
acepção
de
valor/interesse
social,
não
mereceria
tratamento
individualizado pela Carta Magna de 1988, no Título VIII (Da Ordem
Social), Capítulo II (Da Seguridade Social), Seção II.
DO DIREITO
Os fundamentos básicos do direito à saúde no Brasil
estão elencados os arts. 196 a 200 da Constituição Federal.
Especificamente, o art. 196 dispõe que:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação".
O direito à saúde, tal como assegurado na Constituição
de 1988, configura direito fundamental de segunda geração. Nesta
geração estão os direitos sociais, culturais e econômicos, que se
caracterizam por exigirem prestações positivas do Estado. Não se trata
mais, como nos direitos de primeira geração, de apenas impedir a
intervenção do Estado em desfavor das liberdades individuais.
17
Neste sentido, Alexandre de Moraes, trazendo excerto de
Acórdão do STF, preleciona que:
“Modernamente, a doutrina apresenta-nos a classificação
de direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira
gerações, baseando-se na ordem histórica cronológica
em
que
passaram
a
ser
constitucionalmente
reconhecidos.
Como destaca Celso de Mello.
‘enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e
políticos) – que compreendem as liberdades clássicas,
negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e
os direitos de segunda geração (direitos econômicos,
sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades
positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da
igualdade, os direitos de terceira geração, que
materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos
genericamente a todas as formações sociais, consagram o
princípio da solidariedade e constituem um momento
importante no processo de desenvolvimento, expansão e
reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados,
enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota
de uma essencial inexauribilidade’ (STF – Pleno – MS n°
22164/SP – rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça,
Seção I, 17-11-1995, p. 39.206)” (grifo acrescido)1.
Destarte, os direitos de segunda geração conferem ao
indivíduo o direito de exigir do Estado prestações sociais (positivas)
nos campos da saúde, alimentação, educação, habitação, trabalho, etc.
Cumpre
1
ressaltar,
outrossim,
que
baliza
nosso
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 1998. p. 44-45.
18
ordenamento jurídico o PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA,
insculpido no art. 1°, inciso III, da Constituição Federal e que se
apresenta como fundamento da República Federativa do Brasil.
Daniel Sarmento, em sua erudita obra intitulada “A
Ponderação de Interesses na Constituição”, assevera que:
“Na verdade, o princípio da dignidade da pessoa humana
exprime, em termos jurídicos, a máxima kantiana,
segundo a qual o Homem deve sempre ser tratado como
um fim em si mesmo e nunca como um meio. O ser
humano precede o Direito e o Estado, que apenas se
justificam em razão dele.
Nesse sentido, a pessoa
humana deve ser concebida e tratada como valor-fonte
do ordenamento jurídico, como assevera Miguel Reale,
sendo a defesa e promoção da sua dignidade, em todas
as suas dimensões, a tarefa primordial do Estado
Democrático de Direito.
Como afirma José Castan
Tobena, el postulado primário del Derecho es el valor
próprio del hombre como valor superior e absoluto, o lo
que es igual, el imperativo de respecto a la persona
humana.
Nesta linha, o princípio da dignidade da pessoa humana
representa
o
epicentro
axiológico
da
ordem
constitucional, irradiando efeitos sobre todo o
ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos
estatais, mas também toda a miríade de relações privadas
que se desenvolvem no seio da sociedade civil e do
mercado. A despeito do caráter compromissório da
Constituição, pode ser dito que o princípio em questão é
o que confere unidade de sentido e valor ao sistema
constitucional, que repousa na idéia de respeito irrestrito
ao ser humano  razão última do Direito e do Estado”
19
(grifo acrescido) 2.
Visando a concretizar o mandamento constitucional, o
legislador estabeleceu preceitos que tutelam e garantem o direito à
saúde.
Neste sentido, a Lei 8.212/91, dispõe que:
“Art. 1º A Seguridade Social compreende um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e
da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à
saúde, à previdência e à assistência social.
..........................
Art. 2º A Saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.
Parágrafo único. As atividades de saúde são de relevância
pública e sua organização obedecerá aos seguintes
princípios e diretrizes:
a) acesso universal e igualitário;
b) provimento das ações e serviços através de rede
regionalizada e hierarquizada, integrados em sistema
único;
c) descentralização, com direção única em cada esfera de
governo;
..........................” (grifo acrescido).
Assim, corroborando o mandamento constitucional, a Lei
2
SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 59.
20
Orgânica da Seguridade Social reafirma o compromisso do Estado e da
própria sociedade no sentido de “assegurar o direito relativo à saúde”.
A um variado número de enfermidades oculares, o único
tratamento, a partir de determinado estágio, é a intervenção cirúrgica
pelo procedimento de VITRECTOMIA.
SEM TAL CIRURGIA, ESSES 25
PACIENTES ESTARÃO CONDENADOS À CEGUEIRA DEFINITIVA, tornandose incapacitados para as atividades da vida diária e para o trabalho,
saindo
precocemente
do
mercado
de
trabalho
e
ingressando
prematuramente no rol de beneficiários da previdência pública, o que
nos leva a concluir que seria menos oneroso para o Estado ( lato sensu)
tratá-los agora, ao invés de pagar-lhes pensão para o resto da vida.
A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, estabelece,
em seu art. 2o, que A SAÚDE É UM DIREITO FUNDAMENTAL DO SER
HUMANO,
DEVENDO
O
ESTADO
PROVER
AS
CONDIÇÕES
INDISPENSÁVEIS AO SEU PLENO EXERCÍCIO, através da execução de
políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de
doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que
assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a
sua promoção, proteção e recuperação.
Dispõe ainda que a atuação do Estado no que tange à
Saúde será prestada através do Sistema Único de Saúde – SUS:
“Art. 4°. O conjunto de ações e serviços de saúde,
prestados por órgãos e instituições públicas federais,
estaduais e municipais, da administração direta e indireta
e das funções mantidas pelo Poder Público, constitui o
Sistema Único de Saúde – SUS.” (grifo acrescido).
O artigo 7° da citada lei estabelece que as ações e
serviços públicos que integram o Sistema Único de Saúde serão
desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da
CF, obedecendo, ainda, aos seguintes princípios:
21
“Art. 7°......................
I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em
todos os níveis de assistência;
II - Integralidade de assistência, entendida como um
conjunto articulado e contínuo de serviços preventivos e
curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso
em todos os níveis de complexidade do sistema;
III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de
sua integridade física e moral;
IV – igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos
ou privilégios de qualquer espécie;
.....................
XI – conjugação de recursos financeiros, tecnológicos,
materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de
assistência à saúde da população;
.....................”. (grifo acrescido).
Verifica-se, destarte, que a própria norma disciplinadora
do Sistema Único de Saúde elenca como princípio a integralidade de
assistência, definindo-a como um conjunto articulado e contínuo de
serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para
cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. Determina,
também, a conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais
e humanos da União, dos Estados, e dos Municípios, na prestação de
serviços de assistência à saúde da população.
Contudo, Excelência, os fatos narrados revelam que, ao
contrário
do
que
dispõe
a
legislação
constitucional
e
infraconstitucional, o Sistema Único de Saúde, por intermédio de seus
órgãos com atribuição em nível federal, estadual e municipal, tem
dificultado sobremaneira – e, no caso vertente, NEGADO - o acesso da
população aos serviços, assim chamados, DE ALTA COMPLEXIDADE,
22
como é o caso da CIRURGIA DE VITRECTOMIA.
Destarte, uma vez que o art. 196 da Constituição Federal
estabelece como dever do Estado a prestação de assistência à saúde e
garante o acesso universal e igualitário do cidadão aos serviços e ações
para sua promoção, proteção e recuperação, não deve este direito
fundamental
sofrer
embaraços
impostos
por
autoridades
administrativas, no sentido de reduzi-lo ou de se lhe dificultar o
acesso. Deve, ao contrário, o ESTADO, em sentido lato, como refere o
artigo 196 da Magna Carta, prestar diretamente os serviços de saúde à
população, ou custear-lhes a entrega, com a contratação destes
serviços na rede privada.
Corroborando a exposição realizada, o Superior Tribunal
de Justiça já se manifestou no sentido de promover e garantir o direito
fundamental à saúde, senão vejamos:
“CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE
SEGURANÇA OBJETIVANDO O FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO (RILUZOL/RILUTEK) POR ENTE PÚBLICO À
PESSOA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE: ESCLEROSE
LATERAL AMIOTRÓFICA - ELA.
PROTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA
(ART. 5º, CAPUT, CF/88) E DIREITO À SAÚDE (ARTS. 6º E
196, CF/88).
ILEGALIDADE DA AUTORIDADE COATORA NA EXIGÊNCIA
DE CUMPRIMENTO DE FORMALIDADE BUROCRÁTICA.
1 – (...)
2 - É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos,
indistintamente, o direito à saúde, que é fundamental e
está consagrado na Constituição da República nos artigos
6º e 196.
3 - Diante da negativa/omissão do Estado em prestar
23
atendimento à população carente, que não possui meios
para a compra de medicamentos necessários à sua
sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no
sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados
podem alcançar o benefício almejado (STF, AG nº
238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 11/05/99; STJ,
REsp nº 249.026/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ
26/06/2000).
4 - Despicienda de quaisquer comentários a discussão a
respeito de ser ou não a regra dos arts. 6º e 196, da
CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata.
Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao
princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição
Brasileira, de que "a saúde é direito de todos e dever do
Estado" (art. 196).
5 - Tendo em vista as particularidades do caso concreto,
faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais
humana, teleológica, em que princípios de ordem éticojurídica conduzam ao único desfecho justo: decidir pela
preservação da vida.
6 - Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da
lei, e sim, considerá-la com temperamentos, tendo-se em
vista a intenção do legislador, mormente perante
preceitos maiores insculpidos na Carta Magna
garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade
humana, devendo-se ressaltar o atendimento das
necessidades básicas dos cidadãos.
7 - Recurso ordinário provido para o fim de compelir o
ente público (Estado do Paraná) a fornecer o
medicamento Riluzol (Rilutek) indicado para o tratamento
da enfermidade da recorrente”. (STJ. ROMS 11183/PR 1999/0083884-0.
DJ
04/09/2000,
p.
121).
(grifo
24
acrescido)
Nos autos do Recurso Especial 212.346-RJ, o Egrégio
Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, prover o recurso
com o fundamento de que “o Sistema Único de Saúde pressupõe a
integralidade da assistência, de forma individual ou coletiva, para
atender cada caso em todos os níveis de complexidade, razão pela
qual, comprovada a necessidade de medicamento para a garantia da
vida da paciente, deverá ser ele fornecido”.
Eis os fundamentos do
voto do relator, que se amoldam perfeitamente à questão apreciada
nos presentes autos:
“As normas que promovem a garantia de direitos
fundamentais não podem ser consideradas como
programáticas, porque ‘possuem um conteúdo que pode
ser definido na própria tradição da civilização ocidentalcristã’ e ‘a sua regulamentação legislativa, quando
houver, nada acrescentará de essencial: apenas pode ser
útil (ou, porventura, necessária) pela certeza e segurança
que criar quanto às condições de exercício dos direitos
ou quanto à delimitação frente a outros direitos’(cf. José
Luiz Bolzan, ‘Constituição ou Barbárie: perspectivas
constitucionais’, in ‘A Constituição Concretizada –
construindo pontes com o público e o privado’, Ingo
Wolfgang Sarlet (org), Livraria do Advogado Editora, Porto
Alegre, 2000, p. 34)”.
Dessarte, defronte de um direito fundamental, cai por
terra qualquer outra justificativa de natureza técnica ou
burocrática do Poder Público, uma vez que, segundo os
ensinamentos de Ives Gandra da Silva Martins, ‘o ser
humano é a única razão do Estado. O Estado está
conformado para servi-lo, como instrumento por ele
criado com tal finalidade. Nenhuma construção artificial,
25
todavia, pode prevalecer sobre os seus inalienáveis
direitos e liberdades, posto que o Estado é um meio de
realização do ser humano e não um fim em si mesmo’ (in
‘Caderno de Direito Natural – Lei Positiva e Lei Natural’, n.
1, 1a. Edição, Centro de Estudos Jurídicos do Pará, 1985,
p. 27). (...)
Nesse sentido, também já se posicionou o Supremo
Tribunal Federal, verbis:
‘Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se
qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado
pela própria Constituição da República (art. 5, caput), ou
fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental,
um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo
– uma vez configurado esse dilema que razões de ordem
ético-jurídica impõe ao julgador uma só e possível opção:
o respeito indeclinável à vida’ (PETMC 1246/SC, rel. Min.
Celso de Mello, em 31.1.1997)”.
Não há dúvida, pois, quanto ao dever do Estado de
fornecer o tratamento médico-cirúrgico necessário à preservação e/ou
recuperação da capacidade de visão dos usuários do Sistema Único de
Saúde.
DA NORMA OPERACIONAL DA ASSISTÊNCIA
À SAÚDE/SUS – NOAS-SUS 01/2002
A
NOAS-SUS
01/2002
foi
editada
pela
PORTARIA
GM/373, de 27/02/2002, e resulta de negociação firmada pelos
gestores de saúde dos três níveis federativos tendo sido previamente
aprovada pela COMISSÃO INTERGESTORES TRIPARTITE – CIT e pelo
CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE – CNS, contando ainda com as
contribuições do CONSELHO DE SECRETÁRIOS ESTADUAIS DE SAÚDE –
26
CONASS e pelo CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS MUNICIPAIS DE
SAÚDE – CONASEMS.
A nota introdutória (verdadeira exposição de motivos) da
NOAS-SUS 01/2002 reconhece que, desde a publicação da NOAS-SUS
01/2001
(26/01/2001)
“FORAM
IDENTIFICADOS
ENTRAVES
NA
OPERACIONALIZAÇÃO DE DETERMINADOS ITENS, DECORRENTES DAS
DIFICULDADES PARA ESTABELECER O COMANDO ÚNICO SOBRE OS
PRESTADORES DE SERVIÇOS AOS SUS E ASSEGURAR A TOTALIDADE DA
GESTÃO MUNICIPAL NAS SEDES DOS MÓDULOS ASSISTENCIAIS, BEM
COMO DA FRAGILIDADE PARA EXPLICITAÇÃO DOS MECANISMOS
NECESSÁRIOS
À
EFETIVAÇÃO
DA
GESTÃO
ESTADUAL
PARA
AS
REFERÊNCIAS INTERMUNICIPAIS”.
Reconhece a nota introdutória que “NESTE SENTIDO, A
COMISSÃO INTERGESTORES TRIPARTITE – CIT, EM REUNIÃO REALIZADA
EM 22/11/2001,
FIRMOU ACORDO
CONTEMPLANDO
PROPOSTAS
REFERENTES AO COMANDO ÚNICO SOBRE OS PRESTADORES DE
SERVIÇOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE E O FORTALECIMENTO DA
GESTÃO DOS ESTADOS SOBRE AS REFERÊNCIAS MUNICIPAIS.”
Em decorrência, a NOAS-SUS 01/2002 traça como
estratégia principal de hierarquização dos serviços de saúde, na busca
de
maior
equidade,
o
estabelecimento
de
um
PROCESSO
DE
REGIONALIZAÇÃO, mediante a elaboração de um Plano Diretor de
Regionalização – PDR.
O item 3 da norma preconiza que: “O PDR fundamenta-se
na conformação de sistemas funcionais e resolutivos de assistência à
saúde, por meio da organização dos territórios estaduais em
regiões/microregiões e módulos assistenciais; da conformação de
redes hierarquizadas de serviços; do estabelecimento de mecanismos e
fluxos
de
referências
e
contra-referência
intermunicipais,
OBJETIVANDO GARANTIR A INTEGRALIDADE DA ASSISTÊNCIA E O
ACESSO DA POPULAÇÃO AOS SERVIÇOS E AÇÕES DE SAÚDE DE
27
ACORDO COM SUAS NECESSIDADES.” (grifo acrescido)
Preconiza, ainda, a novel norma, o acesso dos cidadãos
aos serviços de saúde, o mais próximo possível de sua residência, bem
como “o acesso de todos os cidadãos aos serviços necessários à
resolução de seus problemas de saúde, em qualquer nível de atenção,
diretamente ou mediante o estabelecimento de compromissos entre
gestores para o atendimento de referências intermunicipais”.
Após fornecer os conceitos-chaves a serem utilizados na
implantação dos PDR’s, no item 5, a NOAS estabelece, no item 6.1.1,
alínea b, que “o PDR deve contemplar a perspectiva de redistribuição
geográfica de recursos tecnológicos e humanos, explicitando o
desenho futuro e desejado da regionalização estadual, prevendo os
investimentos
necessários
para
a
conformação
destas
novas
regiões/microregiões e módulos assistenciais, observando assim a
diretriz de possibilitar o acesso do cidadão a todas as ações e serviços
necessários para a resolução de seus problemas de saúde, o mais
próximo possível de sua residência.
Ao dispor sobre A POLÍTICA DE ATENÇÃO DE ALTA
COMPLEXIDADE/CUSTO NO SUS, a NOAS estabelece, no item 23, o
elenco de atribuições do Ministério da Saúde:
“1.5
DA
POLÍTICA
DE
ATENÇÃO
COMPLEXIDADE/CUSTO NO SUS
DE
ALTA
23. A responsabilidade do Ministério da Saúde sobre a
política de alta complexidade/custo se traduz nas
seguintes atribuições:
a – definição de normas nacionais;
b – controle do cadastro nacional de prestadores de
serviços;
c – vistoria de serviços, quando lhe couber, de acordo
com as normas de cadastramento estabelecidas pelo
próprio Ministério da Saúde;
28
d – definição de incorporação dos procedimentos a serem
ofertados à população pelo SUS;
e – definição de incorporação dos procedimentos a serem
ofertados à população pelo SUS;
f – estabelecimento de estratégias que possibilitem o
acesso mais equânime diminuindo as diferenças regionais
na alocação dos serviços;
g – definição de mecanismos de garantia de acesso para
as referências interestaduais, através da Central Nacional
de Regulamentação para Procedimentos de Alta
Complexidade;
h – formulação de mecanismos voltados à melhoria da
qualidade dos serviços prestados;
i – financiamento das ações.” (grifo acrescido)
E, no item 23.1, exsurge de forma inequívoca a
responsabilidade solidária da União e dos Estados-membros, por
intermédio, respectivamente, do Ministério da Saúde e das
Secretarias Estaduais de Saúde, para a garantia de acesso da
população aos procedimentos de alta complexidade, verbis:
“23.1. A GARANTIA DE ACESSO AOS PROCEDIMENTOS DE
ALTA COMPLEXIDADE É DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
MINISTÉRIO DA SAÚDE E AS SECRETARIAS DE SAÚDE
DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL.” (GRIFO ACRESCIDO)
ENTRE O
Ao Município incumbe, por sua vez, de acordo com o item
25.1, a regulação dos serviços de alta complexidade quando se
encontrar na condição de Gestão Plena do Sistema Municipal.
29
Em norma dirigente (conceito de J. J. Canotilho), de
conteúdo programático, os itens 26 e 27 da NOAS prescrevem que:
“26. As ações de alta complexidade e as ações
estratégicas serão financiadas de acordo com Portaria
do Ministério da Saúde.
27. O Ministério da Saúde definirá os valores de
recursos destinados ao custeio da assistência de alta
complexidade para cada estado.”
O
item
44.2
da
NOAS
admite
expressamente
a
contratação de serviços na rede privada sempre que não estiverem
disponíveis na rede pública, ou mesmo quando, ainda que existentes
na rede publica, sejam insuficientes para o atendimento da população:
“44.2. O interesse público e a identificação de
necessidades assistenciais devem pautar o processo de
compra de serviços na rede privada, que deve seguir a
legislação, as normas administrativas específicas e os
fluxos de aprovação definidos na Comissão Intergestores
Bipartite, quando a disponibilidade da rede pública for
insuficiente para o atendimento da população”.
Verifica-se, do teor desta novel Norma Operacional de
Assistência à Saúde, que, no atendimento dos serviços de saúde, a
União, através do Ministério da Saúde, abandonou a antiga posição de
mero órgão de supervisão e distribuição de recursos, passando à
condição de responsável solidária, nos serviços de média e alta
complexidade.
30
DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
A competência da Justiça Federal vem disciplinada no
artigo 109 da Constituição Federal de 1988. Ei-lo:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade ou empresa
pública federal forem interessadas na condição de
autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de
falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça
Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
......................
“§ 2°. As causas intentadas contra a União poderão ser
aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o
autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que
deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa,
ou, ainda, no Distrito Federal”.
Os recursos públicos destinados ao tratamento médicocirúrgico são provenientes do Sistema Único de Saúde, de cujo
financiamento participam a União Federal, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, consoante dispõe a Constituição Federal:
“Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram
uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um
sistema único, organizado de acordo com as seguintes
diretrizes:
I-
descentralização, com direção única em cada esfera
de governo;
II-
atendimento integral, com prioridade para as
atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais;
III-
participação da comunidade.
31
Parágrafo único. O sistema único de saúde será
financiado, nos termos do art. 195, com recursos do
orçamento da seguridade social, da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras
fontes”.
A Lei 8.080/90 estabeleceu, também, que:
“Art. 9o - A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é
única, de acordo com o inciso I do artigo 198 da
Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de
governo pelos seguintes órgãos:
I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;
II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela
respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e
III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria
de Saúde ou órgão equivalente.
Sobre o dever constitucionalmente imposto a cada um
dos entes federativos de garantir e promover a saúde, já se
manifestou, inclusive, o Egrégio Supremo Tribunal Federal, nos
seguintes termos:
“(...) O preceito do artigo 196 da Carta da República, de
eficácia imediata, revela que ‘a saúde é direito de todos e
dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação’. A referência, contida no preceito, a ‘Estado’
mostra-se abrangente, a alcançar a União Federal, os
Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os
Municípios. Tanto é assim que, relativamente ao Sistema
Único de Saúde, diz-se do financiamento, nos termos do
32
artigo n° 195, com recursos do orçamento, da seguridade
social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, além de outras fontes. Já o caput do artigo
informa, como diretriz, a descentralização das ações e
serviços públicos de saúde que devem integrar rede
regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada
esfera de governo. Não bastasse o parâmetro
constitucional de eficácia imediata, considerada a
natureza, em si, da atividade, afigura-se-me como fato
incontroverso, porquanto registrada, no acórdão
recorrido, a existência de lei no sentido da
obrigatoriedade de fornecer-se os medicamentos
excepcionais, como são os concernentes à Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), às pessoas
carentes.
O município de Porto alegre surge com
responsabilidade prevista em diplomas específicos, ou
seja, os convênios celebrados no sentido da implantação
do Sistema Único de Saúde, devendo receber, para tanto,
verbas do Estado. Por outro lado, como bem assinalado
no acórdão, a falta de regulamentação municipal para o
custeio da distribuição não impede fique assentada a
responsabilidade do Município. Decreto visando-a não
poderá reduzir, em si, o direito assegurado em lei.
Reclamam –se do Estado (gênero) as atividades que lhe
são precípuas, nos campos da educação, da saúde e da
segurança pública, cobertos, em si, em termos de receita,
pelos próprios impostos pagos pelos cidadãos. É hora de
atentar-se para o objetivo maior do próprio Estado, ou
seja, proporcionar vida gregária segura e com o mínio de
conforto suficiente para atender ao valor maior atinente à
preservação da dignidade do homem.(...)” (Voto do Min.
Marco Aurélio, proferido no RE 271.286-8-RS) (grifo
33
acrescido).
Contudo, em que pese seja o SUS informado pelo
princípio da descentralização, cabendo a cada entidade federativa
determinada parcela de atribuição na prestação dos serviços de saúde,
não se pode olvidar que a plenitude do direito indisponível à saúde
reclama a atenção das três esferas governamentais, quando verificada
a falha ou mesmo a omissão (é o que ocorre no caso vertente) na
prestação de serviços.
Pois, justamente na prestação de serviços de saúde de
maior complexidade verifica-se falha ou omissão no atendimento.
Atentos a esta realidade, demonstrada pela experiência de mais de
uma década da unificação do sistema de saúde, os gestores do
sistema, no já transcrito item 23.1 da NOAS 01/2002, cuidaram de
preservar a assistência de alta complexidade, conferindo tal atribuição
aos âmbitos estadual e federal.
Ante o exposto, verifica-se incumbir ao Sistema Único de
Saúde, e em especial ao Ministério da Saúde e as Secretarias de Estado
da Saúde a realização de procedimentos médico-cirúrgicos de ALTA
COMPLEXIDADE,
VITRECTOMIA.
dentre
os
quais
se
encontra
a
CIRURGIA
DE
E, na ausência deste tratamento na macro-região,
estarão as três esferas de governo obrigadas a custear o tratamento
através da contratação dos serviços na rede privada.
Demonstra-se, não só o interesse, mas até mesmo a
“responsabilidade solidária” da União em garantir “o acesso aos
procedimentos de alta complexidade”, como meio de garantir o direito
fundamental à saúde e à integridade física dos usuários do Sistema
Único de Saúde, restando pacífica a competência da Justiça Federal
para processar e julgar a presente demanda, e a correlata legitimidade
do Ministério Público Federal para figurar em seu pólo ativo.
34
DA RESPONSABILIDADE DAS TRÊS ESFERAS DE GOVERNO PELA
REALIZAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DE ALTA COMPLEXIDADE
Embora a Norma Operacional da Assistência à Saúde –
NOAS-SUS – 01/2002 preceitue ser responsabilidade solidária entre o
Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos estados a garantia de
acesso
aos
procedimentos
de
alta
complexidade,
ela
também
determina que “a regulação dos serviços de alta complexidade será de
responsabilidade do gestor municipal, quando o município encontrarse na condição de gestão plena do sistema municipal, e de
responsabilidade do gestor estadual, nas demais situações”.
Assim, em razão de, como dito alhures, encontrar-se o
Município de Joinville na contraditória situação de Gestão Plena do
Sistema Municipal de Saúde, ao mesmo tempo em que existem neste
município dois nosocômios sob gestão estadual, a Secretaria Municipal
de Saúde responde, também, solidariamente pela (não) realização de
cirurgias de VITRECTOMIA.
Até mesmo porque a União, em cumprimento do seu
dever de participar do financiamento do SUS, repassa ao Estado de
Santa Catarina e ao Município de Joinville recursos financeiros para a
finalidade apontada.
Aliás, o Ministério da Saúde informa, em sua página
eletrônica  www.saúde.gov.br , as transferências efetuadas, no ano
de 2001, ao Estado de Santa Catarina e ao Município de Joinville:
ESTADO = 420000 - SANTA CATARINA
TOTAIS
35
Assist. Hospitalar
Compet.
e
Ambulatorial
Atenção Básica
TOTAL
(MAC)
01/2001
14.256.274,41
325.959,80
14.582.234,21
02/2001
14.259.357,04
325.959,80
14.585.316,84
03/2001
14.196.125,03
325.959,80
14.522.084,83
04/2001
14.319.419,37
477.307,10
14.796.726,47
05/2001
14.299.817,76
325.959,80
14.625.777,56
06/2001
14.456.765,73
324.624,01
14.781.389,74
07/2001
1.143.721,68
0,00
1.143.721,68
TOTAL
86.931.481,02
2.105.770,31
89.037.251,33
MUNICÍPIO = 420910 - JOINVILLE
TOTAIS
Assist. Hospitalar e
Atenção
Ambulatorial (MAC)
Básica
01/2001
2.522.989,34
483.530,62
3.006.519,96
02/2001
2.493.548,09
539.650,00
3.033.198,09
03/2001
2.523.359,78
539.650,11
3.063.009,89
Compet.
TOTAL
36
04/2001
2.496.948,34
539.650,11
3.036.598,45
05/2001
2.705.248,88
539.650,11
3.244.898,99
06/2001
2.454.147,00
92.576,63
2.546.723,63
TOTAL
15.196.241,43
2.734.707,58 17.930.949,01
Ante o exposto, incumbe ao Sistema Único de Saúde,
através de seus gestores em nível federal, estadual e municipal – quais
sejam, o Ministério da Saúde, a Secretaria de Estado da Saúde e a
Secretaria Municipal da Saúde – a realização das cirurgias de
VITRECTOMIA.
Respondendo solidariamente por tais compromissos o
Ministério da Saúde, resta evidente o interesse da União e a
conseqüente competência da Justiça Federal.
LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
A norma do art. 127, da Constituição Federal prescreve
que ao Ministério Público, instituição essencial à função jurisdicional,
compete a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis. Estabelecida esta diretriz,
dispõe em seguida:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
...................
II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos
serviços de relevância pública aos direitos assegurados
nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a
sua garantia.
III - promover o inquérito civil público e a ação civil
pública, para a proteção do patrimônio público e social,
37
do meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos.
...................”.
Pela análise do texto normativo transcrito, verifica-se que
o constituinte incumbiu especificamente ao Ministério Público a
relevante missão de defesa e proteção do patrimônio público, do meio
ambiente e qualquer outro interesse difuso, coletivo ou individual
indisponível, sempre de relevância social.
Neste sentido a lição de Alexandre de Moraes:
“Na Constituição Federal de 1988, o Ministério Público
recebeu essa vital incumbência, ao ter consagrado com
uma de suas funções o ‘zelo pelo efetivo respeito dos
Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos
direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as
medidas necessárias a sua garantia’ (art. 129, II). Assim,
dentre as várias funções atuais do Ministério Público,
encontra-se a proteção ao status (Jellinek) constitucional
do indivíduo, em suas diversas posições. (...)
Corroborando a idéia da importância da atuação do
Ministério Público na efetividade dos direitos humanos
fundamentais, Smanino afirma que ‘rompeu o
constituinte de 1988 com o imobilismo da tradicional
teoria da separação de poderes, atribuindo função de
atuação a determinado órgão do Estado que é o
Ministério Público, para assegurar a eficácia dos direitos
indisponíveis previstos pela própria Constituição
(Criminologia e juizado especial criminal. São Paulo:
Atlas, 1997. p. 71)”.3
Em harmonia com a Carta Magna, preceitua a Lei
3
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 1998. p. 53-54.
38
Complementar n.º 75/93, que dispõe sobre a organização, as
atribuições e o estatuto do Ministério Público da União:
Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da
União:
...................
V - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da
União e dos serviços de relevância pública quanto:
a) aos direitos assegurados na Constituição Federal
relativos às ações e aos serviços de saúde e à educação.
...................
Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:
...................
VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:
a) a proteção dos direitos constitucionais;
b) .................
c) a proteção dos interesses, individuais indisponíveis,
difusos e coletivos, relativos às comunidades
indígenas, à família, á criança, ao adolescente, ao
idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;
d) outros
interesses
individuais
indisponíveis,
homogêneos, sociais, difusos e coletivos”
Destarte, afigura-se legítima a atuação do Ministério
Público Federal para a defesa de direitos e interesses difusos, entre os
quais se insere o direito à saúde e à integridade física, exteriorizada, in
casu, na busca de provimento judicial que assegure às pessoas que
necessitem de cirurgias oftalmológicas, o tratamento médico-cirúrgico
necessário à manutenção e/ou correção de sua visão.
Outrossim,
o
Egrégio
Supremo
Tribunal
Federal
reconhece a legitimidade do Ministério Público para a defesa dos
39
interesses difusos em juízo:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER
AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES
DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS.
1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério
Público como instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).
2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade
postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da
ação penal pública e da ação civil pública para a proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas
também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art.
129, I e III).
3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número
indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas
circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a
grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis,
ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação
jurídica base.
3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos
interesses difusos e a determinidade a daqueles
interesses que envolvem os coletivos.
4.Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a
mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11
de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de
direitos coletivos.
4.1.
Quer
se
afirme
interesses
coletivos
ou
particularmente interesses homogêneos, stricto sensu,
40
ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo
coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a
grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto
digam respeito às pessoas isoladamente, não se
classificam como direitos individuais para o fim de ser
vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua
concepção finalística destina-se à proteção desses
grupos, categorias ou classe de pessoas. (...)
5.1.Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada
constitucionalmente como dever do Estado e obrigação
de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido
da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad
causam, quando o bem que se busca resguardar se insere
na órbita dos interesses coletivos, em segmento de
extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima
de tudo, recomenda-se o abrigo estatal.
Recurso extraordinário conhecido e provido para,
afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público,
com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade,
determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem,
para prosseguir no julgamento da ação”. (grifo acrescido)
DA LEGITIMIDADE PASSIVA DOS RÉUS
A legitimidade passiva dos réus  União, Estado de Santa
Catarina
e
Município
de
Joinville

decorre,
inicialmente,
da
Constituição Federal:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal igualitário às ações e serviços para
41
sua promoção, proteção e recuperação”
A Lei 8.080/90, por sua vez, disciplina a organização,
direção e gestão do Sistema Único de Saúde, nos seguintes moldes:
“Art. 9o - A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é
única, de acordo com o inciso I do artigo 198 da
Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de
governo pelos seguintes órgãos:
I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;
II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela
respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e
III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria
de Saúde ou órgão equivalente” (grifo acrescido).
Depreende-se, destarte, que o Sistema Único de Saúde
ramifica-se, sem, contudo, perder sua unicidade, de modo que de
qualquer de seus gestores podem/devem ser exigidas as “ações e
serviços” necessários à promoção, proteção e recuperação da saúde
pública.
Os réus, portanto, como integrantes e gestores do
Sistema Único de Saúde, figuram como partes passivas legítimas, uma
vez que a decisão postulada projetará efeitos diretos sobre suas
respectivas esferas jurídicas. Tal assertiva ganha maior relevo com a
edição da já citada NOAS/SUS – 01/2002.
DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
Dispõe o art. 273 do CPC que:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte,
antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela
42
pretendida no pedido inicial, desde que existindo prova
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação
e:
I – haja fundado receito de dano irreparável ou de difícil
reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o
manifesto propósito protelatório do réu”. (grifo
acrescido).
Justifica-se, in casu, o pedido de antecipação da tutela
em relação aos pacientes elencados na listagem da Secretaria Municipal
de Saúde (fls. 106/108) e, com mais urgência, em relação ao paciente
FÁBIO GOMES FERREIRA, cujo diagnóstico reclama a imediata realização
da cirurgia, uma vez que já vem sofrendo fortes dores no olho, o que
sinaliza para a iminente perda, em definitivo, da visão, pelo fato de
estarem caracterizados, ao teor do art. 273 do Código de Processo
Civil, todos os pressupostos autorizadores de sua concessão, conforme
preleciona o professor Alexandre Freitas Câmara:
“Assim sendo, conclui-se que o primeiro requisito para a
concessão da tutela antecipatória é a probabilidade de
existência do direito afirmado pelo demandante.
Esta probabilidade de existência nada mais é, registre-se,
do que o fumus boni iuris, o qual se afigura como
requisito de todas as modalidades de tutela sumária, e
não apenas da tutela cautelar. Assim sendo, deve verificar
o julgador se é provável a existência do direito afirmado
pelo autor, para que se torne possível a antecipação da
tutela jurisdicional.
Não basta, porém, este requisito. À probabilidade de
existência de direito do autor deverá aderir outro
requisito, sendo certo que a lei processual criou dois
outros (incisos I e II do art. 273). Estes dois requisitos,
43
porém, são alternativos, bastando a presença de um
deles, ao lado da probabilidade de existência do direito,
para que se torne possível a antecipação da tutela
jurisdicional.
Assim é que, na primeira hipótese, ter-se-á a concessão
da tutela antecipatória porque, além de ser provável a
existência do direito afirmado pelo autor, existe o risco
de que tal direito sofra um dano de difícil ou impossível
reparação (art. 273, I, CPC). Este requisito nada mais é
do que o periculum in mora, tradicionalmente
considerado pela doutrina como pressuposto da
concessão da tutela jurisdicional de urgência (não só na
modalidade que aqui se estuda, tutela antecipada, mas
também em sua outra espécie: a tutela cautelar)”. (Lições
de Direito Processual Civil. Lúmen Iuris: São Paulo, 2000.
pp. 390-1).”
O fumus boni iuris consubstancia-se na própria listagem
elaborada pela Secretaria Municipal da Saúde, que assim dispõe:
“Assunto:
RELAÇÃO
VITRECTOMIA
PACIENTES,
CIRURGIA
DE
Prezado Senhor,
Conforme solicitação realizada no dia da reunião do
Conselho Municipal de Saúde, estamos encaminhando
relação de pacientes e seus respectivos endereços para as
cirurgias de VITRECTOMIA.” (fls. 106/108)
A plausibilidade do direito invocado pode ser verificada,
também, pelos demais documentos acostados ao Procedimento
Administrativo que instrui, embasa e integra a presente Ação Civil
Pública,
dentre
os
quais
merecem
destaque
o
Termo
de
44
Comparecimento e Declarações de Fábio Gomes Ferreira e os laudos
médicos
por
ele
apresentados
(137/157),
bem
como
toda
a
documentação médica relativa aos demais pacientes.
O periculum in mora é notório e decorre da deletéria e
inexorável conseqüência da não-realização da cirurgia de vitrectomia
em tempo hábil: a irreversível cegueira da vista lesionada.
Assim, consistindo o pedido de antecipação de tutela em
um atuar positivo do Estado, está-se diante de uma verdadeira
obrigação de fazer, qual seja, a de prestar o tratamento médicocirúrgico necessário, suficiente e adequado à manutenção/correção da
visão
dos
usuários
do
SUS
que
necessitem
da
realização
da
VITRECTOMIA. Posto isto, é de aplicação, também, o art. 461 do CPC,
quanto ao cabimento de “providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento”.
Para tanto, o § 5o do art. 461 dispõe que
“Art. 461. ....................
§ 5o. Para a efetivação da tutela específica ou para a
obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz,
de ofício ou a requerimento, determinar as medidas
necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de
pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento
de atividade nociva, além da requisição de força policial”.
Lecionando a este respeito, Alexandre Freitas Câmara
expõe
que
a
enumeração
do
citado
parágrafo
é
meramente
exemplificativa, haja vista que a norma fala em medidas “tais como” as
elencadas.
“Surge-nos, todavia, a seguinte questão, que não foi 
ao que nos consta  abordada pelos autores que
analisaram a reforma do Código de Processo Civil: pode o
45
juiz, com o fim de assegurar a tutela específica da
obrigação de fazer ou não fazer, ou o resultado prático
equivalente, determinar a prisão do devedor que se
recusa a cumprir a prestação? Pensamos que sim. Tal
prisão é possível e deve ser determinada quando
imprescindível para assegurar a efetividade da prestação
jurisdicional. Note-se que a vedação constitucional é de
prisão por dívidas – salvo nas hipóteses notoriamente
conhecidas do depositário infiel e do devedor inescusável
de prestação alimentícia – e não de prisão por
descumprimento de ordem judicial. Tal restrição de
liberdade, todavia, por ser excepcional, deverá ser
determinada apenas em casos extremos” (CÂMARA,
Alexandre Freitas. Lineamentos do novo processo civil.
Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 75) (grifo acrescido).
Destarte, tendo em vista a gravidade e urgência do caso,
impõe-se a determinação das medidas necessárias  inclusive prisão,
em face do eventual descumprimento de ordem judicial  à efetivação
da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático
equivalente, qual seja, a realização da cirurgia de VITRECTOMIA nos
pacientes elencados na listagem da Secretaria Municipal da Saúde
acostada às fls. 106/108.
Todos
os
requisitos
legalmente
exigidos
para
o
deferimento da antecipação do provimento jurisdicional encontram-se
presentes. Em razão do exposto, o Ministério Público Federal requer a
Vossa Excelência que conceda a antecipação da tutela, determinando:
a) a citação da UNIÃO, na pessoa de seu representante
legal para, querendo, pronunciar-se, nos termos do
art. 2° da Lei 8.437/92, sobre a presente ação, sob
pena de revelia;
46
b) a citação do ESTADO DE SANTA CATARINA, na pessoa
de
seu
representante
legal
para,
querendo,
pronunciar-se, nos termos do art. 2° da Lei 8.437/92,
sobre a presente ação, sob pena de revelia;
c) a citação do MUNICÍPIO DE JOINVILLE, na pessoa de seu
representante legal para, querendo, pronunciar-se,
nos termos do art. 2° da Lei 8.437/92, sobre a
presente ação, sob pena de revelia;
d) após o transcurso do prazo previsto no art. 2° da Lei
8.437/92, seja determinado à UNIÃO, ao ESTADO DE
SANTA CATARINA e ao MUNICÍPIO DE JOINVILLE, por
intermédio de seus respectivos órgãos gestores da
saúde, de forma solidária, na pessoa dos titulares da
Secretaria Municipal de Saúde, da Secretaria Estadual
de Saúde e do Ministério da Saúde, a realização, no
prazo máximo de 10 dias, da cirurgia de VITRECTOMIA
no
paciente
FÁBIO
GOMES
FERREIRA
ou,
alternativamente, que paguem, antecipadamente, a
realização da referida cirurgia em clínica particular
qualificada, verificada a existência de pelo menos uma
clínica com tal habilitação em Joinville;
e) após o transcurso do prazo previsto no art. 2° da Lei
8.437/92, seja determinado à UNIÃO, ao ESTADO DE
SANTA CATARINA e ao MUNICÍPIO DE JOINVILLE, por
intermédio de seus respectivos órgãos gestores da
saúde e na pessoa de cada titular, de forma solidária,
através da Secretaria Municipal de Saúde, da Secretaria
Estadual de Saúde e do Ministério da Saúde, a
obrigação de prestar o adequado atendimento médicocirúrgico aos pacientes elencados na listagem da
47
Secretaria Municipal da Saúde (fls. 106/108) para a
cirurgia de VITRECTOMIA, seja através dos próprios
órgãos do SUS, seja através do custeio de tais cirurgias
em
clínicas
realização.
particulares
qualificadas
para
sua
Para tanto, requer-se a concessão do
prazo de 15 dias para que os titulares dos órgãos
gestores da União, Estado de Santa Catarina e
Município de Joinville iniciem a realização das cirurgias
de VITRECTOMIA nos pacientes retro elencados, à
razão de dois pacientes por semana, de acordo com a
urgência de cada caso;
f) a concessão do prazo de 60 dias para que o Ministério
da Saúde, a Secretaria de Estado da Saúde e a
Secretaria
Municipal
de
Saúde
comprovem
a
disponibilidade de material e médicos cirurgiões na
macroregião de Joinville, ou seja, de material e efetivo
necessário e suficiente para a realização de cirurgias
oftálmicas e, em especial a de VITRECTOMIA, ou que,
alternativamente, demonstrem ter celebrado convênio
com entidade particular qualificada que venha a
realizar tais cirurgias, a serem custeadas pelo SUS;
g) a cominação de multa diária, a cada uma das três
entidades federativas rés, em caso de descumprimento
da
decisão,
aproximado
no
valor
de
R$
3.000,00
de
cada
intervenção
(valor
cirúrgica
de
VITRECTOMIA);
48
DO PEDIDO PRINCIPAL
Ante todo o exposto, o Ministério Público Federal vem
requerer a Vossa Excelência:
I.
a condenação definitiva da UNIÃO, do ESTADO DE
SANTA CATARINA e do MUNICÍPIO DE JOINVILLE, por
intermédio de seus respectivos órgãos gestores da
saúde – quais sejam, Ministério da Saúde, Secretaria
de Estado da Saúde e Secretaria Municipal de Saúde
-, de forma solidária, à prestação do adequado
atendimento
médico-cirúrgico
aos
usuários
do
Sistema Único de Saúde na macro-região de Joinville
que necessitem da realização de cirurgia oftálmica,
em especial a de VITRECTOMIA.
II.
a condenação da UNIÃO, do ESTADO DE SANTA
CATARINA e do MUNICÍPIO DE JOINVILLE, de forma
solidária, a publicar a sentença definitiva a ser
proferida nos presentes autos nos jornais de maior
circulação em âmbito nacional, estadual e local, em
três dias alternados, sendo um deles domingo, sem,
contudo, fazer menção à nome ou identificação dos
pacientes elencados nos presentes autos.
III.
a dispensa do pagamento das custas, emolumentos
e outros encargos, em vista do disposto no art. 18
da Lei n° 7.347/85.
Embora já tenha apresentado o Ministério Público Federal
prova pré-constituída do alegado, protesta, outrossim, pela produção
de prova documental, testemunhal, pericial e, até mesmo, inspeção
judicial, que se fizerem necessárias ao pleno conhecimento dos fatos,
49
inclusive no transcurso do contraditório que se vier a formar com a
apresentação de contestação.
Dá-se
à
causa
o
valor
de
R$
75.000,00
(custo
aproximado da realização de 25 cirurgias de VITRECTOMIA, ao custo
unitário aproximado de R$ 3.000,00).
Joinville, 19 de julho de 2002.
SUZETE BRAGAGNOLO
PROCURADORA DA REPÚBLICA
CLAUDIO VALENTIM CRISTANI
PROCURADOR DA REPÚBLICA
DAVY LINCOLN ROCHA
PROCURADOR DA REPÚBLICA
50
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