EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA VARA FEDERAL DA CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DE JOINVILLE/SC. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio dos Procuradores da República que esta subscrevem, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com fulcro nos art. 127 e 129, incisos II e III, da Constituição Federal de 1988, bem como nos dispositivos pertinentes da Lei nº 7.347/85 e da Lei nº 8.078/90, bem como da Lei Complementar n° 75/93, e com base no Procedimento Administrativo n° 1.33.005.000441/2002-35, em anexo, e nas razões de fato e de direito que passa a expor vem, perante Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA Em face de UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Rua Dona Francisca, 260, 7° andar, cj. 708, no Município de Joinville, Estado de Santa Catarina, podendo ser citada na pessoa de seu Advogado. 1 ESTADO DE SANTA CATARINA, pessoa jurídica de direito público interno, com sede no Palácio do Governo, na Rua José da Costa Moelmann, 193, Centro, no Município de Florianópolis, Estado de Santa Catarina, podendo ser citado na pessoa do Procurador-Geral do Estado de Santa Catarina, Dr. Walter Zigelli; e MUNICÍPIO DE JOINVILLE, pessoa jurídica de direito público interno, com sede em sua Prefeitura Municipal, na Rua Hermann August Lepper, 10, em Joinville/SC, representada por seu Procurador-Geral, o Dr. José Alaor Bernardes. OBJETO DA PRESENTE DEMANDA Pretende-se com a presente Ação Civil Pública a prestação da tutela jurisdicional para garantir a vinte e cinco pacientes o amplo acesso aos meios terapêuticos infra-referidos – CIRURGIA DE VITRECTOMIA - e seu integral e efetivo tratamento, em regime de gratuidade, tudo em consonância com a Constituição Federal, a Lei nº 8.080/90 e a NORMA OPERACIONAL DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE – NOAS/SUS 01/2002. DOS FATOS Em 22 de abril de 2002, foi protocolizada nesta Procuradoria da República em Joinville correspondência enviada pelo Vereador Manoel Francisco Bento, na qual noticiou, em síntese, o seguinte: 2 “Com a exposição das obrigações do Sistema Único de Saúde – SUS, venho aqui relatar e denunciar o total descaso com que a Saúde Pública trata pacientes em nosso Município. A lista abaixo é de pacientes que deveriam ter tido atendimento integral e imediato pela gravidade da enfermidade diagnosticada pelos médicos, e que caberia ao SUS realizar as cirurgias de Vitrectomia. Nome do Paciente Nº do Processo Identidade Sr. Gilberto Moreira 386/01 2/R 1.861.791 Sr. Belnil Correa Fagundes 672/01 Sr. Adolar Inctun 646/01 Sr. Eloi Wilbert 668/01 Sr. Jefferson Leandro Dias 536/01 Sr. Marcelino M. Da Riosa 140/00 Sr. Edegar Evaristo 491/01 Sr. Lourival José Nazário 406/01 1.333.951 Sr. Martinho A. Santana 17/01 Já Faleceu Sr. Pedro Roberto Robim 199/01 Sr. Ernesto Giacomini 192/01 Sra. Paula Mafra 153/00 Sra. Rosa Maria Wagner 611/00 4011541994 Sr. Antônio B. Rodrigues 300/00 3.365.624 Sr. Joan J. Jacobis 261/00 Sra. Noeli Flores Novaski 631/00 2/R 716.543 Sra. Maria A. M. Figueredo 20/02 2/R3.134.028 Sr. Fábio Gomes Pereira 27/02 90112609-60 Sr. Augusto Inácio Bueno 147/02 Sr. Rafael Zago Fredenco 140/02 Sr. Antônio Pedro da Silva 157/02 Como podemos perceber 4.601.493 110.838 pela própria numeração dos 3 processos, existem diagnósticos que foram realizados no ano de 2000 e até o presente momento ainda não foram atendidos com a realização da cirurgia. Em vários casos já ocorreu a cegueira completa da parte afetada, tornando o processo de recuperação irreversível. Isto impossibilita os mesmos a encontrar trabalho no mercado, já tão competitivo e seletivo. As condições de sobrevivência ficam amplamente prejudicadas. Outro grave fato que tenho a comentar é que da relação acima exposta existe até caso de o paciente que veio a falecer. Vale ressaltar que a cirurgia de Vitrectomia sempre foi garantida pela Série Histórica do Sistema Único de Saúde, tornando-se bastante evidente desta maneira a responsabilidade do Estado em realizar estas cirurgias. Como podemos perceber, o Estado, através do SUS, comportou-se totalmente omisso em relação às suas obrigações para com estes pacientes, desrespeitando o direito que cada cidadão possui no espaço social em que vive. Portanto, venho a este órgão solicitar que seja promovida, através do SUS o mais rápido possível, para que estes pacientes não percam aquilo que lhes é de direito.” Na ocasião, foi apresentada pelo Vereador a listagem dos pacientes, com cópias de seus prontuários, de requisições de exames, enfim, farta documentação corroborando suas assertivas. Verifica-se, por exemplo, que o documento cuja cópia encontra-se acostada às fls. 16 demonstra que o paciente GILBERTO MOREIRA, a quem foi indicado o tratamento por VITRECTOMIA, foi encaminhado ao Serviço de Saúde de Florianópolis, tendo-lhe sido negado o atendimento. 4 Já os documentos de fls. 20/28 demonstram que o paciente ERNESTO GIACOMINI teve diagnosticado, em 06/02/2001, SANGRAMENTO VÍTREO, sendo-lhe, também, indicado o tratamento por VITRECTOMIA. Igualmente, conforme fls. 29/33, a paciente ROSA MARIA WAGNER NAGILDO, portadora de RETINOPATIA DIABÉTICA, teve indicação para VITRECTOMIA. Os documentos de fls. 44/45 dão conta de que a cirurgia de VITRECTOMIA deixou de ser realizada no paciente ANTONIO BARBOSA RODRIGUES por “AUSÊNCIA DE APARELHO NESTE MUNICÍPIO DE JOINVILLE”. Em conseqüência, consta de fls. 53 o encaminhamento, através de PEDIDO DE TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO, do Sr. ANTONIO BARBOSA RODRIGUES para Florianópolis, tendo-lhe igualmente sido negado o tratamento na capital do Estado. No mesmo sentido, todos os demais pacientes antes elencados tiveram indicação de vitrectomia, alguns, há cerca de dois anos, não tendo havido, neste período a realização de uma única cirurgia. Às fls. 81/82, consta ofício do Vereador Manoel Francisco Bento, datado de 25/01/2002 e encaminhado à Secretária Municipal de Saúde, Sra. Tânia Eberhardt, informando que o paciente FÁBIO GOMES PEREIRA, após ter tido indicação da cirurgia de VITRECTOMIA, verificou que o preço desta era de R$ 2.870,00 (dois mil oitocentos e setenta reais), tendo-lhe sido denegado o tratamento pelo SUS. Ante as informações até então coligidas, em 23/05/2002 foi instaurado, no âmbito desta Procuradoria da República, o Procedimento Administrativo n° 1.33.005.000441/2002-35, com vistas a melhor esclarecer a situação e a colher novos elementos de prova para, se necessário, embasar a interposição das ações administrativas e judiciais cabíveis. 5 Na mesma data foram expedidos os ofícios 276 e 277PRM/JLLE-PDC, endereçados respectivamente à Secretária Municipal de Saúde e ao Secretário Estadual de Saúde, requisitando-lhes informações acerca do procedimento que vem sendo adotado na prestação do serviço de saúde pública, especificamente quanto ao atendimento aos pacientes portadores de doenças visuais, diagnosticadas por médico habilitado, para as quais tenha sido indicada intervenção cirúrgica, seja em caso de glaucoma, catarata, retina, ou qualquer outra doença visual e, ainda, particularmente, para as quais tenha sido indicada a cirurgia de “VITRECTOMIA”, pormenorizando os motivos de eventual demora ou mesmo ausência de atendimento, bem como se existe previsão para a efetivação do atendimento e qual o tempo necessário para tanto (cronograma de atendimento) (fls. 100/101). Em 29/05/2002, através do Ofício 394/2002-GAB, a Secretária Adjunta da Saúde, dentre outras informações, noticiou que: “(...) Existe carência de profissionais médicos na área de oftalmologia para a cobertura da população e, devido a este fato, foram abertas 03 vagas em concurso público, recentemente realizado, porém, não houve inscritos para o preenchimento das mesmas; (...) 6 – a Secretaria Estadual de Saúde através de pronunciamento feito pelo seu Secretário Adjunto – Sr. Norival Silva, e vinculado na Empresa (sic – acredito ser “veiculado na imprensa”) em 15.12.01, firmou um compromisso de contratação de profissionais e implantação de cirurgias de Vitrectomia em Joinville; 7 – em 23.01.02, o Sr. Norival Silva esteve em Joinville para assinatura do contrato da Secretaria de Estado da Saúde com a Clínica de Olhos Sadalla Amin Ghanem, para realização de 25 cirurgias de Vitrectomia pelo SUS, fato este divulgado pela Imprensa. 6 8 – a Secretaria Municipal de Saúde se comprometeu a repassar o agendamento dos pacientes em lista de espera para procedimentos de Vitrectomia ao Diretor Administrativo do Hospital Regional Hans Dieter Schmidt, o que foi realizado em 27.02.02, conforme cópia do documento em anexo; 9 – em virtude da demanda de queixas de pacientes quanto à demora no atendimento, foi realizada no dia 22.05.02, reunião com a presença da Chefia do Serviço de Controle e Avaliação da Secretaria Municipal de Saúde e o Diretor Administrativo do Hospital Regional Hans Dieter Schmidt, Josué Duffeck, que nos informou que o atraso se deu devido a problemas contratuais entre a Secretaria de Estado da Saúde e a Clínica Sadalla Amin Ghanem de Joinville, mas que o retorno ao agendamento deverá ser solucionado com a maior brevidade possível.” A Secretária Municipal de Saúde juntou notícia veiculada no jornal A Notícia, em 15/12/2001, verbis: “(...) O secretário estadual adjunto da Saúde, Norival Silva, anunciou, no início da tarde de ontem, a contratação de profissionais e a implantação da cirurgia de vitrectomia (olhos) em Joinville. O município, hoje, não realiza o atendimento gratuitamente. O último levantamento revelou que mais de 20 pessoas estão dependendo do tratamento na região. ‘Eu estou aguardando a liberação de recursos’, comentou Norival. A contratação dos funcionários deve ser feita no início do próximo ano – data prevista para o início do atendimento.” (fls. 104). O mesmo jornal, em 23/01/2002, informou que: “Joinville – O secretário estadual da saúde em exercício, Norival 7 Silva, esteve ontem em Joinville para as negociações de implantação do serviço de cirurgia cardíaca no Hospital Regional Hans Dieter Schmidt. (...) Outro ponto da estada do secretário na cidade foi a assinatura de um contrato com o Hospital de Olhos Sadalla Amin Ghanem, onde 25 pessoas farão cirurgias de vitrectomia, pelo SUS. Esta doença atinge os olhos e pode causar cegueira. ‘Cada cirurgia custa R$ 2.620,00. O ESTADO ESTÁ PAGANDO A CONTA’, COMPLETOU NORIVAL SILVA. (...)” (fls. 105). (grifo acrescido) Em 27/02/2002, a Secretária Municipal de Saúde apresentou, ainda, cópia da RELAÇÃO DE PACIENTES PARA CIRURGIA DE VITRECTOMIA (fls. 106/108), encaminhada ao Diretor Administrativo do Hospital Regional Hans Dieter Schmidt, com 26 pacientes elencados. Sem muita pressa em responder ao ofício do Ministério Público Federal (encaminhado em 23/05/2002), E CONFUNDINDO VITRECTOMIA COM VASECTOMIA (o que nos deixou deveras preocupados), a Secretaria de Estado da Saúde respondeu em 04/06/2002, através do ofício 173/02 (fls. 114/116), informando que: “As cirurgias de ‘vasectomia’ poderão ser de complexidade (anterior ou posterior) ambulatorial ou hospitalares, conforme a codificação SUS SIA/SIH (anexas 1,2), sendo que dentre as cirurgias de complexidade ambulatorial somente é realizada a VITRECTOMIA ANTERIOR; (...) Conforme pode ser verificado o Município de Joinville realizou 13 procedimentos no ano de 2000, o que comprova ter condições técnicas e profissionais habilitados para a realização do procedimento, tendo diminuído a produção e encaminhamento ao 8 Estado. (anexo 4) A cirurgia de vitrectomia anterior hospitalar, procedimento 36004057 – SUS/SIH, por sua vez, fora realizado em Joinville no ano de 2000 e 2001; (anexo 5) A vitrectomia posterior – 36003050 – fora realizada somente no ano de 2000, quando passaram, estranhamente, a cobrar do Estado e realização do procedimento. Os relatórios de serviços são encaminhados ao Ministério da Saúde pelo município, logo, o mesmo existe (anexo 6) No anexo 7 observa-se, inclusive, que quando o relatório é tirado por residência do paciente, dos 13 pacientes que Joinville (anexo 6) realizou no ano de 2000, somente 7 eram da cidade respectiva, assim, os outros eram dos municípios da Regional da qual o mesmo é sede; Observa-se então, que no ano 2000 Joinville cumpria os princípios e acordos do SUS, sendo referência aos municípios de abrangência no procedimento de Vitrectomia Posterior. O mesmo ocorrendo com Vitrectomia Anterior (anexo 8), este sendo realizado em 2001 também. (...) O município de Joinville está em Gestão Plena do Sistema Municipal, logo, pode usar seu recurso para a compra de qualquer serviço que se fizer necessário. Sendo a maior cidade do estado, dispõe de todos os recursos de alta tecnologia em sua rede de saúde, podendo ou não comprar serviços privados de acordo com sua necessidade. Tem uma renda per capita suficiente para atender sua população. O Estado responde por municípios que não dispõem tecnicamente de recursos físicos ou humanos para os serviços de alta complexidade, atendendo os pacientes de oftalmologia desde que o município não esteja em Gestão Plena, logo, seguem programação e teto financeiro 9 fixo determinado pela Diretoria de Planejamento SES/SC, devendose priorizar estes pacientes cumprindo-se o princípio de equidade do SUS. (...) No que tange ao agendamento, entendemos que tal informação para maior praticidade e precisão, deva ser requisitada à Regional desse município, ou mesmo, junto ao Hospital Regional.” Pedimos a especial atenção de Vossa Excelência para o cotejo que ora se faz entre as notícias veiculadas em 15/12/2001 e 23/01/2002 (Jornal A Notícia, fls. 104/105) e o ofício 173/02 da Secretaria de Estado da Saúde, de 04/06/2002, acostado às fls. 114/116. Segundo as notícias levadas ao público (e eleitores) às fls. 104/105, o então Secretário Estadual Adjunto da Saúde e, AGORA CANDIDATO A DEPUTADO, Norival Silva, anunciava, com pompa e circunstância, “A CONTRATAÇÃO DE PROFISSIONAIS E A IMPLANTAÇÃO DA CIRURGIA DE VITRECTOMIA (OLHOS) EM JOINVILLE”. Na época, o Secretário e agora candidato a deputado Norival Silva alardeou que “eu estou aguardando a liberação de recursos”. Disse ainda que a contratação dos funcionários deveria ser feita para o início do ano de 2002, data prevista para o início do atendimento. Em 23/01/2002, o mesmíssimo ex-Secretário, e atual candidato a Deputado, compareceu ao Município de Joinville promovendo diversas promessas no âmbito da saúde, dentre as quais consta que AQUI SE ENCONTRAVA PARA TAMBÉM ASSINAR CONTRATO COM O HOSPITAL DE OLHOS SADALLA AMIN GHANEM, ONDE 25 PESSOAS DEVERIAM VIR A REALIZAR AS CIRURGIAS DE VITRECTOMIA A SEREM CUSTEADAS PELO SUS. Naquele 23/01/2002, data já longínqua para quem carece de tratamento por vitrectomia, o agora candidato a Deputado e então Secretário bazofiou que “CADA CIRURGIA CUSTA R$ 2.620,00. O ESTADO ESTÁ PAGANDO A CONTA”. 10 No entanto, em 04/06/2002, surge a estarrecedora reviravolta no posicionamento da Secretaria de Estado da Saúde, demonstrada pelo teor do ofício 173/02 (04/06/2002), hospedado às fls. 114/116, no qual, em resposta ao ofício desta Procuradoria da República em Joinville, aquela Secretaria, após confundir VITRECTOMIA com VASECTOMIA (imagina-se o risco de ser internado para operar um olho e, ao acordar, descobrir que foi esterilizado) e, olvidando por completo todas as promessas do então Secretário Norival Silva, tem a desfaçatez de empurrar a responsabilidade pela realização das VITRECTOMIAS para o Município de Joinville. Como pode, em dezembro de 2001 e, reiteradamente, em janeiro de 2002, comparecer a público um Secretário Adjunto de Saúde, prometendo aos quatro ventos a realização das VITRECTOMIAS represadas, a serem custeadas pelo Estado e, seis meses depois, sem qualquer retratação pública, na mídia, onde fora divulgada a falaciosa promessa, retroceder a mesma Secretaria Estadual e negar, peremptoriamente a prestação do atendimento em epígrafe ? Constata-se então, Excelência, com clareza de doer nos olhos (dor, certamente, bem menor que aquela experimentada pelos pacientes que aguardam a cirurgia de vitrectomia) que, longe de ter se tornado panacéia para o problema da saúde pública no Brasil, o SUS converteu-se em instrumento de esquiva para as entidades federativas envolvidas, que promovem o interminável “jogo de empurra-empurra”, que ao final permite que todos se negligenciem impunemente, deixando o usuário do sistema à deriva em uma canoa furada. Quando não, um excelente trampolim eleitoral. E, em Joinville, mais fácil ainda é a prática deste nefasto jogo de empurrar, haja vista que, não obstante o Município de Joinville se encontre sob o sistema de GESTÃO PLENA no âmbito do SUS, subsiste a esdrúxula situação de coexistir com esta GESTÃO PLENA a permanência de dois nosocômios sob a administração do Estado de 11 Santa Catarina (o Hospital Regional Hans Dieter Schmidt e a Maternidade Darcy Vargas). Diante de tal excrescência, com mais freqüência e facilidade vêm as autoridades estaduais e municipais apontando o dedo umas para as outras, numa interminável subtração de suas respectivas responsabilidades, com prejuízo único e exclusivo para “o lado mais frágil da corda”, que, consabido, é o humilde cidadão sem recursos financeiros para desfrutar da confortável situação dos que podem arcar com um plano de saúde privado. Assim é, Excelência, que, em face deste falacioso Sistema Único de Saúde, vinte e cinco pacientes com gravíssimas enfermidades visuais parecem ter sido condenados à cegueira (este é o consectário único da não realização da vitrectomia em tempo hábil), restando, quem sabe, num futuro próximo, a este Ministério Público Federal, a incumbência de ajuizar outra Ação Civil Pública para requerer-lhes a indenização devida e, é lógico, as bengalas brancas e os óculos escuros. Deveras, o total descaso e até mesmo má-fé demonstrados pela Secretaria de Estado de Saúde no caso vertente está a comprovar a perversidade do SUS e o total abandono dos que dele dependem. Retornando à resposta da Secretaria de Estado da Saúde, registra-se que esta juntou documentos às fls. 117/127, dando conta de que, de acordo com as planilhas de fls.120/124, o Município de Joinville teria realizado: - 13 cirurgias de VITRECTOMIA ANTERIOR no ano de 2000; - 13 cirurgias de VITRECTOMIA POSTERIOR no ano de 2000; - 02 cirurgias de VITRECTOMIA ANTERIOR no ano de 2001; - nenhuma cirurgia de VITRECTOMIA POSTERIOR no ano de 2001; - nenhuma cirurgia de VITRECTOMIA ANTERIOR no ano de 2002; 12 - nenhuma cirurgia de VITRECTOMIA POSTERIOR no ano de 2002. Em 15/07/2002, o Vereador Manoel Francisco Bento compareceu a esta Procuradoria da República, acompanhado de seu assessor Renaldo, ressaltando que o paciente FÁBIO GOMES FERREIRA estava prestes a perder sua visão direita em virtude da não-realização da cirurgia de vitrectomia. FÁBIO GOMES FERREIRA prestou declarações nesta Procuradoria da República, informando que: “(...) aproximadamente em julho de 2000, durante um jogo de futebol de areia, o declarante levou uma “bolada” em seu olho direito; QUE o declarante não teve tempo para fechar o olho, tendo a bola, suja de areia, realizado um “furo” na parte interna de seu olho direito; QUE após a lesão, sua visão direita nunca mais foi a mesma, pois o declarante enxergava apenas vultos; QUE na época o declarante morava em Itamaraju, na Bahia; QUE o declarante consultou um médico, que lhe disse que lá não haveria recursos para a realização da cirurgia oftalmológica que ele necessitava; QUE em fevereiro de 2001 o declarante veio morar em Joinville, com seu irmão; QUE logo em seguida o declarante começou a trabalhar como auxiliar de manutenção em Joinville; QUE em junho de 2001 o declarante pagou consulta particular no Instituto de Olhos Sadalla Amin Ghanem, com o Dr. Adilson Tecchio; QUE o Dr. Adilson solicitou a realização de alguns exames; QUE o declarante teve que pagar todos os exames realizados; QUE apresenta neste momento o laudo do exame denominado “Videoangiografia digital com fluoresceína sódica”, realizado em 04/06/2001, bem como o exame realizado em 05/06/2001; QUE posteriormente foi encaminhado ao Dr. Mário Junqueira Nóbrega; QUE o Dr. Mário informou ao declarante que no seu caso seria 13 necessária a realização da cirurgia denominada vitrectomia, pois não adiantaria tomar medicação ou qualquer outro procedimento alternativo; QUE o Dr. Mário informou ainda que, quando começassem as dores no olho lesionado, o declarante teria o prazo de quatro a seis meses para a realização da cirurgia, pois após este prazo o declarante perderia completamente a visão do olho lesionado; QUE o declarante foi informado pela Úrsula (responsável pelo agendamento de cirurgias no Instituto de Olhos Sadalla Amin Ghanem) que a cirurgia custaria R$ 3.000,00 (três mil reais); QUE a Úrsula informou que o Instituto de Olhos Sadalla Amin Ghanem não tinha convênio com o SUS, e que por isso não poderia realizar a cirurgia pelo SUS; QUE em janeiro deste ano o declarante começou a sentir dores no olho direito; QUE o declarante tentou buscar recursos junto à sua família para a pagar a cirurgia, mas não conseguiu; QUE em meados de janeiro o declarante procurou o Vereador Manoel Francisco Bento e relatou seu caso; QUE o Vereador Manoel Bento disse ao declarante que faria o possível para conseguirlhe a cirurgia; QUE aproximadamente em abril deste ano o declarante foi chamado pela Secretaria Municipal de Saúde para ir a Florianópolis; QUE o declarante recebeu da Secretaria Municipal de Saúde o “Laudo Médico de Tratamento Fora do Domicílio (LM)”, para que fosse apresentado em Florianópolis; QUE no Hospital Regional São José, de Florianópolis, o declarante teve que passar por uma “entrevista” e realizar alguns exames; QUE o médico que lá o atendeu disse que o caso era de cirurgia, mas que o Estado de Santa Catarina não tinha os aparelhos necessários e não tinha como realizar a cirurgia, e disse para o declarante “aguardar o retorno”; QUE até hoje o declarante não recebeu qualquer “retorno” da Secretaria Estadual de Saúde; QUE após fevereiro deste ano, com o passar dos meses, o declarante passou a 14 sentir mais dores na vista direita e notou progressiva perda de visão; QUE o declarante, até a presente data, não tem sequer previsão da realização da cirurgia de vitrectomia; QUE o declarante, encaminhado pelo Vereador Manoel Bento, procurou o Ministério Público Federal, para relatar seu caso e solicitar as providências cabíveis.” Na mesma ocasião, RENALDO FRIEDEMANN, assessor do Vereador Manoel Bento, declarou: “QUE, em 25/01/2002, o Vereador Manoel Bento solicitou ao declarante que formulasse um ofício à Secretária Municipal de Saúde, informando que o FABIO GOMES FERREIRA necessitava de cirurgia de vitrectomia, e que ele não tinha condições financeiras de arcar com os R$ 2.870,00 (dois mil oitocentos e setenta reais) cobrados pela cirurgia; QUE em 25/01/2002 referido ofício foi expedido pelo Vereador Bento sob o n° 002/2002 (cópia em anexo); QUE o Gabinete do Vereador Bento nunca recebeu qualquer resposta escrita ao referido ofício; QUE o gabinete do Vereador Bento recebeu somente a informação de que “o ofício foi colocado para apreciação do Sr. Celson”; QUE em meados de março deste ano o declarante e o Vereador Bento começaram a exigir a realização da cirurgia de vitrectomia; QUE no final do mês de março de 2002 foi realizada uma reunião com a Secretária Municipal de Saúde, Sra. Tânia Eberhardt, que não teve qualquer resultado concreto; QUE em abril de 2002, foi realizada nova reunião com a Secretária de Saúde; QUE após a reunião o declarante e o Vereador Bento receberam uma listagem de 23 pacientes, da região de Joinville, que estavam aguardando a realização da vitrectomia; QUE em 22/04/2002 o declarante começou, então, a entrar em contato com cada um dos pacientes listados em espera para a realização da cirurgia de vitrectomia, com o objetivo de verificar a situação específica de cada 15 paciente; QUE o declarante entrou em contato com a Sra. Izélia, do Hospital Regional Hans Dieter Schmidt, de Joinville, que é a pessoa que faz a intermediação de procedimentos entre Joinville e Florianópolis; QUE o declarante descobriu que havia um contrato que seria assinado entre o Hospital Regional, a Clínica de Olhos Sadalla Amin Ghanem e o Município de Joinville; QUE o declarante, então, foi procurar o Instituto de Olhos Sadalla Amin Ghanem; QUE lá foi atendido pela Sra. Úrsula, que informou da inviabilidade financeira de firmar contrato; QUE até a presente data não houve qualquer acordo firmado com o Instituto de Olhos para a realização da cirurgia de Vitrectomia”. Ante todo o exposto, restou demonstrado que o Sistema Único de Saúde – SUS, em suas diversas esferas de atuação Federal, Estadual e Municipal , tem violado (e negado) o direito constitucional e legal à saúde, não apenas das pessoas listadas pela Secretaria da Saúde que esperam a cirurgia de vitrectomia, mas de todos aqueles que se encontrem, ou que venham a se encontrar em semelhantes condições. O direito à realização de procedimento cirúrgico de VITRECTOMIA é direito difuso (na medida em que não se pode determinar o número de pessoas que dela venham a necessitar em curto espaço de tempo), transindividual, de natureza indivisível, do qual são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato. Ora, nítido está que o objetivo primordial da presente demanda, para a qual está devidamente legitimado no pólo ativo o Ministério Público Federal, é a proteção de um dos direitos individuais e coletivos mais relevantes e que restou violado com a recusa do SUS em promover as ações necessárias à realização de cirurgias de vitrectomia: o direito à saúde, o direito a ter preservado o mais 16 importante dos sentidos, a visão. Aliás, configura-se com tal negativa, a subsunção ao tipo penal do artigo 135 do Código Penal – OMISSÃO DE SOCORRO – na modalidade qualificada do parágrafo único, caso demonstrada a lesão corporal de natureza grave (perda de uma das vistas), quando não no tipo da lesão corporal grave, ou gravíssima, conforme venha o paciente a perder uma das vistas, ou a visão, por completo. Não menos maculada restou a garantia constitucional da Saúde, como direito de todos e dever do Estado, que se não possuísse acepção de valor/interesse social, não mereceria tratamento individualizado pela Carta Magna de 1988, no Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo II (Da Seguridade Social), Seção II. DO DIREITO Os fundamentos básicos do direito à saúde no Brasil estão elencados os arts. 196 a 200 da Constituição Federal. Especificamente, o art. 196 dispõe que: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". O direito à saúde, tal como assegurado na Constituição de 1988, configura direito fundamental de segunda geração. Nesta geração estão os direitos sociais, culturais e econômicos, que se caracterizam por exigirem prestações positivas do Estado. Não se trata mais, como nos direitos de primeira geração, de apenas impedir a intervenção do Estado em desfavor das liberdades individuais. 17 Neste sentido, Alexandre de Moraes, trazendo excerto de Acórdão do STF, preleciona que: “Modernamente, a doutrina apresenta-nos a classificação de direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, baseando-se na ordem histórica cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos. Como destaca Celso de Mello. ‘enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade’ (STF – Pleno – MS n° 22164/SP – rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17-11-1995, p. 39.206)” (grifo acrescido)1. Destarte, os direitos de segunda geração conferem ao indivíduo o direito de exigir do Estado prestações sociais (positivas) nos campos da saúde, alimentação, educação, habitação, trabalho, etc. Cumpre 1 ressaltar, outrossim, que baliza nosso MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 1998. p. 44-45. 18 ordenamento jurídico o PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, insculpido no art. 1°, inciso III, da Constituição Federal e que se apresenta como fundamento da República Federativa do Brasil. Daniel Sarmento, em sua erudita obra intitulada “A Ponderação de Interesses na Constituição”, assevera que: “Na verdade, o princípio da dignidade da pessoa humana exprime, em termos jurídicos, a máxima kantiana, segundo a qual o Homem deve sempre ser tratado como um fim em si mesmo e nunca como um meio. O ser humano precede o Direito e o Estado, que apenas se justificam em razão dele. Nesse sentido, a pessoa humana deve ser concebida e tratada como valor-fonte do ordenamento jurídico, como assevera Miguel Reale, sendo a defesa e promoção da sua dignidade, em todas as suas dimensões, a tarefa primordial do Estado Democrático de Direito. Como afirma José Castan Tobena, el postulado primário del Derecho es el valor próprio del hombre como valor superior e absoluto, o lo que es igual, el imperativo de respecto a la persona humana. Nesta linha, o princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade civil e do mercado. A despeito do caráter compromissório da Constituição, pode ser dito que o princípio em questão é o que confere unidade de sentido e valor ao sistema constitucional, que repousa na idéia de respeito irrestrito ao ser humano razão última do Direito e do Estado” 19 (grifo acrescido) 2. Visando a concretizar o mandamento constitucional, o legislador estabeleceu preceitos que tutelam e garantem o direito à saúde. Neste sentido, a Lei 8.212/91, dispõe que: “Art. 1º A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social. .......................... Art. 2º A Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Parágrafo único. As atividades de saúde são de relevância pública e sua organização obedecerá aos seguintes princípios e diretrizes: a) acesso universal e igualitário; b) provimento das ações e serviços através de rede regionalizada e hierarquizada, integrados em sistema único; c) descentralização, com direção única em cada esfera de governo; ..........................” (grifo acrescido). Assim, corroborando o mandamento constitucional, a Lei 2 SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 59. 20 Orgânica da Seguridade Social reafirma o compromisso do Estado e da própria sociedade no sentido de “assegurar o direito relativo à saúde”. A um variado número de enfermidades oculares, o único tratamento, a partir de determinado estágio, é a intervenção cirúrgica pelo procedimento de VITRECTOMIA. SEM TAL CIRURGIA, ESSES 25 PACIENTES ESTARÃO CONDENADOS À CEGUEIRA DEFINITIVA, tornandose incapacitados para as atividades da vida diária e para o trabalho, saindo precocemente do mercado de trabalho e ingressando prematuramente no rol de beneficiários da previdência pública, o que nos leva a concluir que seria menos oneroso para o Estado ( lato sensu) tratá-los agora, ao invés de pagar-lhes pensão para o resto da vida. A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, estabelece, em seu art. 2o, que A SAÚDE É UM DIREITO FUNDAMENTAL DO SER HUMANO, DEVENDO O ESTADO PROVER AS CONDIÇÕES INDISPENSÁVEIS AO SEU PLENO EXERCÍCIO, através da execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. Dispõe ainda que a atuação do Estado no que tange à Saúde será prestada através do Sistema Único de Saúde – SUS: “Art. 4°. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das funções mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde – SUS.” (grifo acrescido). O artigo 7° da citada lei estabelece que as ações e serviços públicos que integram o Sistema Único de Saúde serão desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da CF, obedecendo, ainda, aos seguintes princípios: 21 “Art. 7°...................... I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - Integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV – igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; ..................... XI – conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população; .....................”. (grifo acrescido). Verifica-se, destarte, que a própria norma disciplinadora do Sistema Único de Saúde elenca como princípio a integralidade de assistência, definindo-a como um conjunto articulado e contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. Determina, também, a conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população. Contudo, Excelência, os fatos narrados revelam que, ao contrário do que dispõe a legislação constitucional e infraconstitucional, o Sistema Único de Saúde, por intermédio de seus órgãos com atribuição em nível federal, estadual e municipal, tem dificultado sobremaneira – e, no caso vertente, NEGADO - o acesso da população aos serviços, assim chamados, DE ALTA COMPLEXIDADE, 22 como é o caso da CIRURGIA DE VITRECTOMIA. Destarte, uma vez que o art. 196 da Constituição Federal estabelece como dever do Estado a prestação de assistência à saúde e garante o acesso universal e igualitário do cidadão aos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação, não deve este direito fundamental sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas, no sentido de reduzi-lo ou de se lhe dificultar o acesso. Deve, ao contrário, o ESTADO, em sentido lato, como refere o artigo 196 da Magna Carta, prestar diretamente os serviços de saúde à população, ou custear-lhes a entrega, com a contratação destes serviços na rede privada. Corroborando a exposição realizada, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de promover e garantir o direito fundamental à saúde, senão vejamos: “CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO (RILUZOL/RILUTEK) POR ENTE PÚBLICO À PESSOA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE: ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA - ELA. PROTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA (ART. 5º, CAPUT, CF/88) E DIREITO À SAÚDE (ARTS. 6º E 196, CF/88). ILEGALIDADE DA AUTORIDADE COATORA NA EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE FORMALIDADE BUROCRÁTICA. 1 – (...) 2 - É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde, que é fundamental e está consagrado na Constituição da República nos artigos 6º e 196. 3 - Diante da negativa/omissão do Estado em prestar 23 atendimento à população carente, que não possui meios para a compra de medicamentos necessários à sua sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado (STF, AG nº 238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 11/05/99; STJ, REsp nº 249.026/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 26/06/2000). 4 - Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a regra dos arts. 6º e 196, da CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que "a saúde é direito de todos e dever do Estado" (art. 196). 5 - Tendo em vista as particularidades do caso concreto, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem éticojurídica conduzam ao único desfecho justo: decidir pela preservação da vida. 6 - Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim, considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos. 7 - Recurso ordinário provido para o fim de compelir o ente público (Estado do Paraná) a fornecer o medicamento Riluzol (Rilutek) indicado para o tratamento da enfermidade da recorrente”. (STJ. ROMS 11183/PR 1999/0083884-0. DJ 04/09/2000, p. 121). (grifo 24 acrescido) Nos autos do Recurso Especial 212.346-RJ, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, prover o recurso com o fundamento de que “o Sistema Único de Saúde pressupõe a integralidade da assistência, de forma individual ou coletiva, para atender cada caso em todos os níveis de complexidade, razão pela qual, comprovada a necessidade de medicamento para a garantia da vida da paciente, deverá ser ele fornecido”. Eis os fundamentos do voto do relator, que se amoldam perfeitamente à questão apreciada nos presentes autos: “As normas que promovem a garantia de direitos fundamentais não podem ser consideradas como programáticas, porque ‘possuem um conteúdo que pode ser definido na própria tradição da civilização ocidentalcristã’ e ‘a sua regulamentação legislativa, quando houver, nada acrescentará de essencial: apenas pode ser útil (ou, porventura, necessária) pela certeza e segurança que criar quanto às condições de exercício dos direitos ou quanto à delimitação frente a outros direitos’(cf. José Luiz Bolzan, ‘Constituição ou Barbárie: perspectivas constitucionais’, in ‘A Constituição Concretizada – construindo pontes com o público e o privado’, Ingo Wolfgang Sarlet (org), Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2000, p. 34)”. Dessarte, defronte de um direito fundamental, cai por terra qualquer outra justificativa de natureza técnica ou burocrática do Poder Público, uma vez que, segundo os ensinamentos de Ives Gandra da Silva Martins, ‘o ser humano é a única razão do Estado. O Estado está conformado para servi-lo, como instrumento por ele criado com tal finalidade. Nenhuma construção artificial, 25 todavia, pode prevalecer sobre os seus inalienáveis direitos e liberdades, posto que o Estado é um meio de realização do ser humano e não um fim em si mesmo’ (in ‘Caderno de Direito Natural – Lei Positiva e Lei Natural’, n. 1, 1a. Edição, Centro de Estudos Jurídicos do Pará, 1985, p. 27). (...) Nesse sentido, também já se posicionou o Supremo Tribunal Federal, verbis: ‘Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema que razões de ordem ético-jurídica impõe ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida’ (PETMC 1246/SC, rel. Min. Celso de Mello, em 31.1.1997)”. Não há dúvida, pois, quanto ao dever do Estado de fornecer o tratamento médico-cirúrgico necessário à preservação e/ou recuperação da capacidade de visão dos usuários do Sistema Único de Saúde. DA NORMA OPERACIONAL DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE/SUS – NOAS-SUS 01/2002 A NOAS-SUS 01/2002 foi editada pela PORTARIA GM/373, de 27/02/2002, e resulta de negociação firmada pelos gestores de saúde dos três níveis federativos tendo sido previamente aprovada pela COMISSÃO INTERGESTORES TRIPARTITE – CIT e pelo CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE – CNS, contando ainda com as contribuições do CONSELHO DE SECRETÁRIOS ESTADUAIS DE SAÚDE – 26 CONASS e pelo CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS MUNICIPAIS DE SAÚDE – CONASEMS. A nota introdutória (verdadeira exposição de motivos) da NOAS-SUS 01/2002 reconhece que, desde a publicação da NOAS-SUS 01/2001 (26/01/2001) “FORAM IDENTIFICADOS ENTRAVES NA OPERACIONALIZAÇÃO DE DETERMINADOS ITENS, DECORRENTES DAS DIFICULDADES PARA ESTABELECER O COMANDO ÚNICO SOBRE OS PRESTADORES DE SERVIÇOS AOS SUS E ASSEGURAR A TOTALIDADE DA GESTÃO MUNICIPAL NAS SEDES DOS MÓDULOS ASSISTENCIAIS, BEM COMO DA FRAGILIDADE PARA EXPLICITAÇÃO DOS MECANISMOS NECESSÁRIOS À EFETIVAÇÃO DA GESTÃO ESTADUAL PARA AS REFERÊNCIAS INTERMUNICIPAIS”. Reconhece a nota introdutória que “NESTE SENTIDO, A COMISSÃO INTERGESTORES TRIPARTITE – CIT, EM REUNIÃO REALIZADA EM 22/11/2001, FIRMOU ACORDO CONTEMPLANDO PROPOSTAS REFERENTES AO COMANDO ÚNICO SOBRE OS PRESTADORES DE SERVIÇOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE E O FORTALECIMENTO DA GESTÃO DOS ESTADOS SOBRE AS REFERÊNCIAS MUNICIPAIS.” Em decorrência, a NOAS-SUS 01/2002 traça como estratégia principal de hierarquização dos serviços de saúde, na busca de maior equidade, o estabelecimento de um PROCESSO DE REGIONALIZAÇÃO, mediante a elaboração de um Plano Diretor de Regionalização – PDR. O item 3 da norma preconiza que: “O PDR fundamenta-se na conformação de sistemas funcionais e resolutivos de assistência à saúde, por meio da organização dos territórios estaduais em regiões/microregiões e módulos assistenciais; da conformação de redes hierarquizadas de serviços; do estabelecimento de mecanismos e fluxos de referências e contra-referência intermunicipais, OBJETIVANDO GARANTIR A INTEGRALIDADE DA ASSISTÊNCIA E O ACESSO DA POPULAÇÃO AOS SERVIÇOS E AÇÕES DE SAÚDE DE 27 ACORDO COM SUAS NECESSIDADES.” (grifo acrescido) Preconiza, ainda, a novel norma, o acesso dos cidadãos aos serviços de saúde, o mais próximo possível de sua residência, bem como “o acesso de todos os cidadãos aos serviços necessários à resolução de seus problemas de saúde, em qualquer nível de atenção, diretamente ou mediante o estabelecimento de compromissos entre gestores para o atendimento de referências intermunicipais”. Após fornecer os conceitos-chaves a serem utilizados na implantação dos PDR’s, no item 5, a NOAS estabelece, no item 6.1.1, alínea b, que “o PDR deve contemplar a perspectiva de redistribuição geográfica de recursos tecnológicos e humanos, explicitando o desenho futuro e desejado da regionalização estadual, prevendo os investimentos necessários para a conformação destas novas regiões/microregiões e módulos assistenciais, observando assim a diretriz de possibilitar o acesso do cidadão a todas as ações e serviços necessários para a resolução de seus problemas de saúde, o mais próximo possível de sua residência. Ao dispor sobre A POLÍTICA DE ATENÇÃO DE ALTA COMPLEXIDADE/CUSTO NO SUS, a NOAS estabelece, no item 23, o elenco de atribuições do Ministério da Saúde: “1.5 DA POLÍTICA DE ATENÇÃO COMPLEXIDADE/CUSTO NO SUS DE ALTA 23. A responsabilidade do Ministério da Saúde sobre a política de alta complexidade/custo se traduz nas seguintes atribuições: a – definição de normas nacionais; b – controle do cadastro nacional de prestadores de serviços; c – vistoria de serviços, quando lhe couber, de acordo com as normas de cadastramento estabelecidas pelo próprio Ministério da Saúde; 28 d – definição de incorporação dos procedimentos a serem ofertados à população pelo SUS; e – definição de incorporação dos procedimentos a serem ofertados à população pelo SUS; f – estabelecimento de estratégias que possibilitem o acesso mais equânime diminuindo as diferenças regionais na alocação dos serviços; g – definição de mecanismos de garantia de acesso para as referências interestaduais, através da Central Nacional de Regulamentação para Procedimentos de Alta Complexidade; h – formulação de mecanismos voltados à melhoria da qualidade dos serviços prestados; i – financiamento das ações.” (grifo acrescido) E, no item 23.1, exsurge de forma inequívoca a responsabilidade solidária da União e dos Estados-membros, por intermédio, respectivamente, do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde, para a garantia de acesso da população aos procedimentos de alta complexidade, verbis: “23.1. A GARANTIA DE ACESSO AOS PROCEDIMENTOS DE ALTA COMPLEXIDADE É DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA MINISTÉRIO DA SAÚDE E AS SECRETARIAS DE SAÚDE DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL.” (GRIFO ACRESCIDO) ENTRE O Ao Município incumbe, por sua vez, de acordo com o item 25.1, a regulação dos serviços de alta complexidade quando se encontrar na condição de Gestão Plena do Sistema Municipal. 29 Em norma dirigente (conceito de J. J. Canotilho), de conteúdo programático, os itens 26 e 27 da NOAS prescrevem que: “26. As ações de alta complexidade e as ações estratégicas serão financiadas de acordo com Portaria do Ministério da Saúde. 27. O Ministério da Saúde definirá os valores de recursos destinados ao custeio da assistência de alta complexidade para cada estado.” O item 44.2 da NOAS admite expressamente a contratação de serviços na rede privada sempre que não estiverem disponíveis na rede pública, ou mesmo quando, ainda que existentes na rede publica, sejam insuficientes para o atendimento da população: “44.2. O interesse público e a identificação de necessidades assistenciais devem pautar o processo de compra de serviços na rede privada, que deve seguir a legislação, as normas administrativas específicas e os fluxos de aprovação definidos na Comissão Intergestores Bipartite, quando a disponibilidade da rede pública for insuficiente para o atendimento da população”. Verifica-se, do teor desta novel Norma Operacional de Assistência à Saúde, que, no atendimento dos serviços de saúde, a União, através do Ministério da Saúde, abandonou a antiga posição de mero órgão de supervisão e distribuição de recursos, passando à condição de responsável solidária, nos serviços de média e alta complexidade. 30 DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL A competência da Justiça Federal vem disciplinada no artigo 109 da Constituição Federal de 1988. Ei-lo: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I – as causas em que a União, entidade ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; ...................... “§ 2°. As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal”. Os recursos públicos destinados ao tratamento médicocirúrgico são provenientes do Sistema Único de Saúde, de cujo financiamento participam a União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, consoante dispõe a Constituição Federal: “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I- descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II- atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III- participação da comunidade. 31 Parágrafo único. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes”. A Lei 8.080/90 estabeleceu, também, que: “Art. 9o - A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do artigo 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos: I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde; II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente. Sobre o dever constitucionalmente imposto a cada um dos entes federativos de garantir e promover a saúde, já se manifestou, inclusive, o Egrégio Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos: “(...) O preceito do artigo 196 da Carta da República, de eficácia imediata, revela que ‘a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação’. A referência, contida no preceito, a ‘Estado’ mostra-se abrangente, a alcançar a União Federal, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios. Tanto é assim que, relativamente ao Sistema Único de Saúde, diz-se do financiamento, nos termos do 32 artigo n° 195, com recursos do orçamento, da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Já o caput do artigo informa, como diretriz, a descentralização das ações e serviços públicos de saúde que devem integrar rede regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada esfera de governo. Não bastasse o parâmetro constitucional de eficácia imediata, considerada a natureza, em si, da atividade, afigura-se-me como fato incontroverso, porquanto registrada, no acórdão recorrido, a existência de lei no sentido da obrigatoriedade de fornecer-se os medicamentos excepcionais, como são os concernentes à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), às pessoas carentes. O município de Porto alegre surge com responsabilidade prevista em diplomas específicos, ou seja, os convênios celebrados no sentido da implantação do Sistema Único de Saúde, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. Por outro lado, como bem assinalado no acórdão, a falta de regulamentação municipal para o custeio da distribuição não impede fique assentada a responsabilidade do Município. Decreto visando-a não poderá reduzir, em si, o direito assegurado em lei. Reclamam –se do Estado (gênero) as atividades que lhe são precípuas, nos campos da educação, da saúde e da segurança pública, cobertos, em si, em termos de receita, pelos próprios impostos pagos pelos cidadãos. É hora de atentar-se para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, proporcionar vida gregária segura e com o mínio de conforto suficiente para atender ao valor maior atinente à preservação da dignidade do homem.(...)” (Voto do Min. Marco Aurélio, proferido no RE 271.286-8-RS) (grifo 33 acrescido). Contudo, em que pese seja o SUS informado pelo princípio da descentralização, cabendo a cada entidade federativa determinada parcela de atribuição na prestação dos serviços de saúde, não se pode olvidar que a plenitude do direito indisponível à saúde reclama a atenção das três esferas governamentais, quando verificada a falha ou mesmo a omissão (é o que ocorre no caso vertente) na prestação de serviços. Pois, justamente na prestação de serviços de saúde de maior complexidade verifica-se falha ou omissão no atendimento. Atentos a esta realidade, demonstrada pela experiência de mais de uma década da unificação do sistema de saúde, os gestores do sistema, no já transcrito item 23.1 da NOAS 01/2002, cuidaram de preservar a assistência de alta complexidade, conferindo tal atribuição aos âmbitos estadual e federal. Ante o exposto, verifica-se incumbir ao Sistema Único de Saúde, e em especial ao Ministério da Saúde e as Secretarias de Estado da Saúde a realização de procedimentos médico-cirúrgicos de ALTA COMPLEXIDADE, VITRECTOMIA. dentre os quais se encontra a CIRURGIA DE E, na ausência deste tratamento na macro-região, estarão as três esferas de governo obrigadas a custear o tratamento através da contratação dos serviços na rede privada. Demonstra-se, não só o interesse, mas até mesmo a “responsabilidade solidária” da União em garantir “o acesso aos procedimentos de alta complexidade”, como meio de garantir o direito fundamental à saúde e à integridade física dos usuários do Sistema Único de Saúde, restando pacífica a competência da Justiça Federal para processar e julgar a presente demanda, e a correlata legitimidade do Ministério Público Federal para figurar em seu pólo ativo. 34 DA RESPONSABILIDADE DAS TRÊS ESFERAS DE GOVERNO PELA REALIZAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DE ALTA COMPLEXIDADE Embora a Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS-SUS – 01/2002 preceitue ser responsabilidade solidária entre o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos estados a garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade, ela também determina que “a regulação dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade do gestor municipal, quando o município encontrarse na condição de gestão plena do sistema municipal, e de responsabilidade do gestor estadual, nas demais situações”. Assim, em razão de, como dito alhures, encontrar-se o Município de Joinville na contraditória situação de Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde, ao mesmo tempo em que existem neste município dois nosocômios sob gestão estadual, a Secretaria Municipal de Saúde responde, também, solidariamente pela (não) realização de cirurgias de VITRECTOMIA. Até mesmo porque a União, em cumprimento do seu dever de participar do financiamento do SUS, repassa ao Estado de Santa Catarina e ao Município de Joinville recursos financeiros para a finalidade apontada. Aliás, o Ministério da Saúde informa, em sua página eletrônica www.saúde.gov.br , as transferências efetuadas, no ano de 2001, ao Estado de Santa Catarina e ao Município de Joinville: ESTADO = 420000 - SANTA CATARINA TOTAIS 35 Assist. Hospitalar Compet. e Ambulatorial Atenção Básica TOTAL (MAC) 01/2001 14.256.274,41 325.959,80 14.582.234,21 02/2001 14.259.357,04 325.959,80 14.585.316,84 03/2001 14.196.125,03 325.959,80 14.522.084,83 04/2001 14.319.419,37 477.307,10 14.796.726,47 05/2001 14.299.817,76 325.959,80 14.625.777,56 06/2001 14.456.765,73 324.624,01 14.781.389,74 07/2001 1.143.721,68 0,00 1.143.721,68 TOTAL 86.931.481,02 2.105.770,31 89.037.251,33 MUNICÍPIO = 420910 - JOINVILLE TOTAIS Assist. Hospitalar e Atenção Ambulatorial (MAC) Básica 01/2001 2.522.989,34 483.530,62 3.006.519,96 02/2001 2.493.548,09 539.650,00 3.033.198,09 03/2001 2.523.359,78 539.650,11 3.063.009,89 Compet. TOTAL 36 04/2001 2.496.948,34 539.650,11 3.036.598,45 05/2001 2.705.248,88 539.650,11 3.244.898,99 06/2001 2.454.147,00 92.576,63 2.546.723,63 TOTAL 15.196.241,43 2.734.707,58 17.930.949,01 Ante o exposto, incumbe ao Sistema Único de Saúde, através de seus gestores em nível federal, estadual e municipal – quais sejam, o Ministério da Saúde, a Secretaria de Estado da Saúde e a Secretaria Municipal da Saúde – a realização das cirurgias de VITRECTOMIA. Respondendo solidariamente por tais compromissos o Ministério da Saúde, resta evidente o interesse da União e a conseqüente competência da Justiça Federal. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL A norma do art. 127, da Constituição Federal prescreve que ao Ministério Público, instituição essencial à função jurisdicional, compete a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Estabelecida esta diretriz, dispõe em seguida: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: ................... II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia. III - promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, 37 do meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos. ...................”. Pela análise do texto normativo transcrito, verifica-se que o constituinte incumbiu especificamente ao Ministério Público a relevante missão de defesa e proteção do patrimônio público, do meio ambiente e qualquer outro interesse difuso, coletivo ou individual indisponível, sempre de relevância social. Neste sentido a lição de Alexandre de Moraes: “Na Constituição Federal de 1988, o Ministério Público recebeu essa vital incumbência, ao ter consagrado com uma de suas funções o ‘zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia’ (art. 129, II). Assim, dentre as várias funções atuais do Ministério Público, encontra-se a proteção ao status (Jellinek) constitucional do indivíduo, em suas diversas posições. (...) Corroborando a idéia da importância da atuação do Ministério Público na efetividade dos direitos humanos fundamentais, Smanino afirma que ‘rompeu o constituinte de 1988 com o imobilismo da tradicional teoria da separação de poderes, atribuindo função de atuação a determinado órgão do Estado que é o Ministério Público, para assegurar a eficácia dos direitos indisponíveis previstos pela própria Constituição (Criminologia e juizado especial criminal. São Paulo: Atlas, 1997. p. 71)”.3 Em harmonia com a Carta Magna, preceitua a Lei 3 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 1998. p. 53-54. 38 Complementar n.º 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União: Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União: ................... V - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública quanto: a) aos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às ações e aos serviços de saúde e à educação. ................... Art. 6º Compete ao Ministério Público da União: ................... VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para: a) a proteção dos direitos constitucionais; b) ................. c) a proteção dos interesses, individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, á criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor; d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos” Destarte, afigura-se legítima a atuação do Ministério Público Federal para a defesa de direitos e interesses difusos, entre os quais se insere o direito à saúde e à integridade física, exteriorizada, in casu, na busca de provimento judicial que assegure às pessoas que necessitem de cirurgias oftalmológicas, o tratamento médico-cirúrgico necessário à manutenção e/ou correção de sua visão. Outrossim, o Egrégio Supremo Tribunal Federal reconhece a legitimidade do Ministério Público para a defesa dos 39 interesses difusos em juízo: EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. 1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127). 2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III). 3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. 3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos. 4.Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, 40 ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. (...) 5.1.Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação”. (grifo acrescido) DA LEGITIMIDADE PASSIVA DOS RÉUS A legitimidade passiva dos réus União, Estado de Santa Catarina e Município de Joinville decorre, inicialmente, da Constituição Federal: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para 41 sua promoção, proteção e recuperação” A Lei 8.080/90, por sua vez, disciplina a organização, direção e gestão do Sistema Único de Saúde, nos seguintes moldes: “Art. 9o - A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do artigo 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos: I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde; II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente” (grifo acrescido). Depreende-se, destarte, que o Sistema Único de Saúde ramifica-se, sem, contudo, perder sua unicidade, de modo que de qualquer de seus gestores podem/devem ser exigidas as “ações e serviços” necessários à promoção, proteção e recuperação da saúde pública. Os réus, portanto, como integrantes e gestores do Sistema Único de Saúde, figuram como partes passivas legítimas, uma vez que a decisão postulada projetará efeitos diretos sobre suas respectivas esferas jurídicas. Tal assertiva ganha maior relevo com a edição da já citada NOAS/SUS – 01/2002. DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA Dispõe o art. 273 do CPC que: “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela 42 pretendida no pedido inicial, desde que existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receito de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”. (grifo acrescido). Justifica-se, in casu, o pedido de antecipação da tutela em relação aos pacientes elencados na listagem da Secretaria Municipal de Saúde (fls. 106/108) e, com mais urgência, em relação ao paciente FÁBIO GOMES FERREIRA, cujo diagnóstico reclama a imediata realização da cirurgia, uma vez que já vem sofrendo fortes dores no olho, o que sinaliza para a iminente perda, em definitivo, da visão, pelo fato de estarem caracterizados, ao teor do art. 273 do Código de Processo Civil, todos os pressupostos autorizadores de sua concessão, conforme preleciona o professor Alexandre Freitas Câmara: “Assim sendo, conclui-se que o primeiro requisito para a concessão da tutela antecipatória é a probabilidade de existência do direito afirmado pelo demandante. Esta probabilidade de existência nada mais é, registre-se, do que o fumus boni iuris, o qual se afigura como requisito de todas as modalidades de tutela sumária, e não apenas da tutela cautelar. Assim sendo, deve verificar o julgador se é provável a existência do direito afirmado pelo autor, para que se torne possível a antecipação da tutela jurisdicional. Não basta, porém, este requisito. À probabilidade de existência de direito do autor deverá aderir outro requisito, sendo certo que a lei processual criou dois outros (incisos I e II do art. 273). Estes dois requisitos, 43 porém, são alternativos, bastando a presença de um deles, ao lado da probabilidade de existência do direito, para que se torne possível a antecipação da tutela jurisdicional. Assim é que, na primeira hipótese, ter-se-á a concessão da tutela antecipatória porque, além de ser provável a existência do direito afirmado pelo autor, existe o risco de que tal direito sofra um dano de difícil ou impossível reparação (art. 273, I, CPC). Este requisito nada mais é do que o periculum in mora, tradicionalmente considerado pela doutrina como pressuposto da concessão da tutela jurisdicional de urgência (não só na modalidade que aqui se estuda, tutela antecipada, mas também em sua outra espécie: a tutela cautelar)”. (Lições de Direito Processual Civil. Lúmen Iuris: São Paulo, 2000. pp. 390-1).” O fumus boni iuris consubstancia-se na própria listagem elaborada pela Secretaria Municipal da Saúde, que assim dispõe: “Assunto: RELAÇÃO VITRECTOMIA PACIENTES, CIRURGIA DE Prezado Senhor, Conforme solicitação realizada no dia da reunião do Conselho Municipal de Saúde, estamos encaminhando relação de pacientes e seus respectivos endereços para as cirurgias de VITRECTOMIA.” (fls. 106/108) A plausibilidade do direito invocado pode ser verificada, também, pelos demais documentos acostados ao Procedimento Administrativo que instrui, embasa e integra a presente Ação Civil Pública, dentre os quais merecem destaque o Termo de 44 Comparecimento e Declarações de Fábio Gomes Ferreira e os laudos médicos por ele apresentados (137/157), bem como toda a documentação médica relativa aos demais pacientes. O periculum in mora é notório e decorre da deletéria e inexorável conseqüência da não-realização da cirurgia de vitrectomia em tempo hábil: a irreversível cegueira da vista lesionada. Assim, consistindo o pedido de antecipação de tutela em um atuar positivo do Estado, está-se diante de uma verdadeira obrigação de fazer, qual seja, a de prestar o tratamento médicocirúrgico necessário, suficiente e adequado à manutenção/correção da visão dos usuários do SUS que necessitem da realização da VITRECTOMIA. Posto isto, é de aplicação, também, o art. 461 do CPC, quanto ao cabimento de “providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”. Para tanto, o § 5o do art. 461 dispõe que “Art. 461. .................... § 5o. Para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além da requisição de força policial”. Lecionando a este respeito, Alexandre Freitas Câmara expõe que a enumeração do citado parágrafo é meramente exemplificativa, haja vista que a norma fala em medidas “tais como” as elencadas. “Surge-nos, todavia, a seguinte questão, que não foi ao que nos consta abordada pelos autores que analisaram a reforma do Código de Processo Civil: pode o 45 juiz, com o fim de assegurar a tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer, ou o resultado prático equivalente, determinar a prisão do devedor que se recusa a cumprir a prestação? Pensamos que sim. Tal prisão é possível e deve ser determinada quando imprescindível para assegurar a efetividade da prestação jurisdicional. Note-se que a vedação constitucional é de prisão por dívidas – salvo nas hipóteses notoriamente conhecidas do depositário infiel e do devedor inescusável de prestação alimentícia – e não de prisão por descumprimento de ordem judicial. Tal restrição de liberdade, todavia, por ser excepcional, deverá ser determinada apenas em casos extremos” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lineamentos do novo processo civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 75) (grifo acrescido). Destarte, tendo em vista a gravidade e urgência do caso, impõe-se a determinação das medidas necessárias inclusive prisão, em face do eventual descumprimento de ordem judicial à efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, qual seja, a realização da cirurgia de VITRECTOMIA nos pacientes elencados na listagem da Secretaria Municipal da Saúde acostada às fls. 106/108. Todos os requisitos legalmente exigidos para o deferimento da antecipação do provimento jurisdicional encontram-se presentes. Em razão do exposto, o Ministério Público Federal requer a Vossa Excelência que conceda a antecipação da tutela, determinando: a) a citação da UNIÃO, na pessoa de seu representante legal para, querendo, pronunciar-se, nos termos do art. 2° da Lei 8.437/92, sobre a presente ação, sob pena de revelia; 46 b) a citação do ESTADO DE SANTA CATARINA, na pessoa de seu representante legal para, querendo, pronunciar-se, nos termos do art. 2° da Lei 8.437/92, sobre a presente ação, sob pena de revelia; c) a citação do MUNICÍPIO DE JOINVILLE, na pessoa de seu representante legal para, querendo, pronunciar-se, nos termos do art. 2° da Lei 8.437/92, sobre a presente ação, sob pena de revelia; d) após o transcurso do prazo previsto no art. 2° da Lei 8.437/92, seja determinado à UNIÃO, ao ESTADO DE SANTA CATARINA e ao MUNICÍPIO DE JOINVILLE, por intermédio de seus respectivos órgãos gestores da saúde, de forma solidária, na pessoa dos titulares da Secretaria Municipal de Saúde, da Secretaria Estadual de Saúde e do Ministério da Saúde, a realização, no prazo máximo de 10 dias, da cirurgia de VITRECTOMIA no paciente FÁBIO GOMES FERREIRA ou, alternativamente, que paguem, antecipadamente, a realização da referida cirurgia em clínica particular qualificada, verificada a existência de pelo menos uma clínica com tal habilitação em Joinville; e) após o transcurso do prazo previsto no art. 2° da Lei 8.437/92, seja determinado à UNIÃO, ao ESTADO DE SANTA CATARINA e ao MUNICÍPIO DE JOINVILLE, por intermédio de seus respectivos órgãos gestores da saúde e na pessoa de cada titular, de forma solidária, através da Secretaria Municipal de Saúde, da Secretaria Estadual de Saúde e do Ministério da Saúde, a obrigação de prestar o adequado atendimento médicocirúrgico aos pacientes elencados na listagem da 47 Secretaria Municipal da Saúde (fls. 106/108) para a cirurgia de VITRECTOMIA, seja através dos próprios órgãos do SUS, seja através do custeio de tais cirurgias em clínicas realização. particulares qualificadas para sua Para tanto, requer-se a concessão do prazo de 15 dias para que os titulares dos órgãos gestores da União, Estado de Santa Catarina e Município de Joinville iniciem a realização das cirurgias de VITRECTOMIA nos pacientes retro elencados, à razão de dois pacientes por semana, de acordo com a urgência de cada caso; f) a concessão do prazo de 60 dias para que o Ministério da Saúde, a Secretaria de Estado da Saúde e a Secretaria Municipal de Saúde comprovem a disponibilidade de material e médicos cirurgiões na macroregião de Joinville, ou seja, de material e efetivo necessário e suficiente para a realização de cirurgias oftálmicas e, em especial a de VITRECTOMIA, ou que, alternativamente, demonstrem ter celebrado convênio com entidade particular qualificada que venha a realizar tais cirurgias, a serem custeadas pelo SUS; g) a cominação de multa diária, a cada uma das três entidades federativas rés, em caso de descumprimento da decisão, aproximado no valor de R$ 3.000,00 de cada intervenção (valor cirúrgica de VITRECTOMIA); 48 DO PEDIDO PRINCIPAL Ante todo o exposto, o Ministério Público Federal vem requerer a Vossa Excelência: I. a condenação definitiva da UNIÃO, do ESTADO DE SANTA CATARINA e do MUNICÍPIO DE JOINVILLE, por intermédio de seus respectivos órgãos gestores da saúde – quais sejam, Ministério da Saúde, Secretaria de Estado da Saúde e Secretaria Municipal de Saúde -, de forma solidária, à prestação do adequado atendimento médico-cirúrgico aos usuários do Sistema Único de Saúde na macro-região de Joinville que necessitem da realização de cirurgia oftálmica, em especial a de VITRECTOMIA. II. a condenação da UNIÃO, do ESTADO DE SANTA CATARINA e do MUNICÍPIO DE JOINVILLE, de forma solidária, a publicar a sentença definitiva a ser proferida nos presentes autos nos jornais de maior circulação em âmbito nacional, estadual e local, em três dias alternados, sendo um deles domingo, sem, contudo, fazer menção à nome ou identificação dos pacientes elencados nos presentes autos. III. a dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros encargos, em vista do disposto no art. 18 da Lei n° 7.347/85. Embora já tenha apresentado o Ministério Público Federal prova pré-constituída do alegado, protesta, outrossim, pela produção de prova documental, testemunhal, pericial e, até mesmo, inspeção judicial, que se fizerem necessárias ao pleno conhecimento dos fatos, 49 inclusive no transcurso do contraditório que se vier a formar com a apresentação de contestação. Dá-se à causa o valor de R$ 75.000,00 (custo aproximado da realização de 25 cirurgias de VITRECTOMIA, ao custo unitário aproximado de R$ 3.000,00). Joinville, 19 de julho de 2002. SUZETE BRAGAGNOLO PROCURADORA DA REPÚBLICA CLAUDIO VALENTIM CRISTANI PROCURADOR DA REPÚBLICA DAVY LINCOLN ROCHA PROCURADOR DA REPÚBLICA 50