CÂNCER DE PULMÃO E BIOLOGIA MOLECULAR: CONCEITOS BÁSICOS. Itamar S. Oliveira-Júnior, Mestre em Ciências da Saúde pela UNIFESP-EPM Doutorando da Disciplina de Pneumologia da UNIFESP-EPM Membro da “Sociedad Española Interdiciplinaria del SIDA”, España Membro da “International Federation of AIDS Society”, Suiça Ex-Fellowship “Heart Center of Tulsa”, EUA PARTE I Prólogo O câncer (CA) segue sendo uns dos maiores e mais perigosos inimigos de nosso próprio corpo, com um elevado índice de mortalidade em indivíduos maiores de 40 anos. Durante a década de 90 começamos a entender a Biologia Molecular (BioMol) do Câncer com maior exatidão e detalhes surpreendentes. A BioMol transmite nestes momentos otimismo e entusiasmo porque vislumbra a cura desta enfermidade versátil e complexa. Nosso objetivo fundamental, ao escrever este texto, é o de transmitir noções fundamentais para estudantes de medicina, biomedicina, biologia, farmácia e médicos em geral, assim como para pós-graduandos da área das ciências biológicas e da saúde que estejam envolvidos em campos relacionados com a oncologia. Nesta primeira parte iremos repassar as noções sobre Câncer e Biologia Molecular (BioMol), para podermos nos aprofundar cada vez mais na BioMol e no Câncer de Pulmão. Conceitos básicos sobre o Câncer e Biologia Molecular CÂNCER A palavra Câncer é empregada para descrever um complexo e heterogêneo grupo de estados patológicos no qual as células proliferam descontroladamente e invadem tecidos vizinhos. O câncer é uma enfermidade de caráter genético, que se produz ao serem eliminadas as restrições que limitam a divisão celular em células de tecidos já diferenciados e na maioria dos casos é uma enfermidade adquirida e, com freqüência, de caráter irreversível. Existem numerosos estudos que correlacionam a incidência de determinados cânceres com o estilo de vida, os hábitos, dietas, profissões, lugar geográfico, etc. O que ocorre é um crescimento descontrolado de um grupo de células dentro de um tecido fazendo com que, na maioria das vezes, se inicie a produção de uma massa celular diferenciada do resto, denominado tumor. Este tumor pode ser: 1 - Não invasivo: constituído por um conjunto de células que permanecem “encapsuladas” no local de origem sem produzir maiores danos aos tecidos adjacentes. Neste caso consider-se o tumor como benigno. 2 - Invasivo: quando somamos ao crescimento e proliferação descontrolados a propriedade de invasão e dispersão a outros tecidos com produção de metástase, neste caso o tumor será catalogado como maligno. Metástase é um tumor secundário originado pela disseminação de células cancerosas procedentes de um primeiro tumor (ou tumor primário). Outra forma de denominação do câncer é neoplasia, que significa literalmente “novas proliferações” ou multiplicação progressiva de células, e estas podem se iniciar a partir de células normais em qualquer tecido sadio. Biológica e clinicamente a classificação mais importante dos tumores se encontra entre tumores benignos e malignos, dos quais somente estes últimos são considerados propriamente cânceres: - Tumor benigno: 1) não necessariamente avança para a malignidade, 2) se mantêm parecido com o tecido de origem, 3) nem todos os tipos de tecidos podem estar implicados e 4) muitas vezes estão separados do tecido normal por uma espécie de cápsula de tecido conjuntivo. Citologicamente não se diferenciam muito de células normais e os problemas clínicos surgem, em muitos casos, de maneira indireta por pressão da massa tumoral sobre nervos ou outros tecidos próximos; - Tumor maligno: ao contrário do anterior apresenta numerosas anormalidades citológicas, tais como: 1) variações na forma e tamanho, 2) aumento da densidade e tamanho do núcleo celular, 3) mitoses anormais, 4) não se “encapsulam”, 5) destroem a membrana basal invadindo vasos sangüíneos e nódulos linfáticos. Conceitos básicos sobre Biologia Molecular Do ponto de vista molecular sabemos que cada célula possui uma série de genes (unidade biológica da hereditariedade, que se autoreproduz e é transmitida para outras gerações) que “controlam” as funções de crescimento e divisão celular. Os genes cujas alterações produzem ou contribuem para o aparecimento do câncer são denominados oncogenes (do grego onkos= tumor), e o homólogo celular normal constitui o protooncogene. Ácidos Nucléicos Os ácidos nucléicos são constituídos por unidades elementares denominadas "nucleotídeos", os quais estão formados por três componentes: 1.Molécula de açúcar Ribose, no caso do ácido ribonucléico (RNA): Desoxirribose, no caso do ácido desoxirribonucléico (DNA). 2.Base orgânica nitrogenada Adenina, guanina (bases púricas), citosina e timina (bases pirimidínicas) no caso do DNA. Adenina, guanina (bases púricas), citosina e uracila (bases pirimidínicas) no caso do RNA. 3.Grupos fosfato Os nucleotídeos se unem formando cadeias cujo esqueleto está formado pela união entre o açúcar de um nucleotídeo e o fosfato do seguinte, ficando as bases nitrogenadas na parte central, unidas cada uma ao C1 do açúcar. Estas bases são as que conferem especificidade ao ácido nucléico. ESTRUTURA DO DNA Estrutura primária A estrutura primaria é dada pela seqüência de nucleotídeos. Quando se deseja representar a seqüência de um oligonucleotídeo ou de um ácido nucléico, se representa mediante a terminologia de cada uma das bases. Por exemplo: 5'-ATC CCA GCC CGA TTA AAG CC-3'. Esta seqüência representa um oligonucleotídeo com 20 bases, das quais 6 são adeninas (A), 3 são timinas (T), 8 são citosinas (C) e 3 guaninas (G). A ordem da seqüência é muito importante, uma vez que nela reside a informação contida no ácido nucléico. A maioria das moléculas de DNA possui duas cadeias antiparalelas (uma sense, filamento que é transcrito e especifica um produto, 5´-3´ e a outra antisense, que é o filamento complementar, 3´-5´) unidas entre si mediante as bases nitrogenadas, por meio de pontes de hidrogênio; o 5' representa o extremo terminal do fosfato e o 3' o extremo final do átomo de carbono da desoxirribose. Estrutura secundaria Edwin Chargaff analisando as bases do DNA mediante métodos cromatográficos descobriu que estas não se encontram na mesma proporção e que o número de adeninas é igual ao de timinas e o de citosinas, ao de guaninas. Em 1953 James Watson y Francis Crick construíram um modelo tridimensional do DNA com a configuração mais favorável energeticamente, combinando os dados obtidos até então sobre ele, os descobrimentos de Chargaff e a interpretação tridimensional dos espectros de difração de Raios X; este último foi de grande importância para a consecução de tal modelo, o qual consiste em uma dupla hélice antiparalela cujo esqueleto fundamental está formado pelas cadeias de açúcar-fosfato, ficando na parte central as bases, enfrentadas as de uma cadeia com as da outra complementaria e formando entre si pontes de hidrogênio, fator que confere estabilidade a dupla hélice. O enfrentamento de bases é constante; a adenina sempre se enfrenta com a timina e entre elas se formam duas pontes de hidrogênio, e a guanina com a citosina, formando-se entre ambas três pontes de hidrogênio. Esta característica faz com que as duas cadeias sejam complementarias. No que se diz respeito ao CA de pulmão é interessante conhecer melhor o comportamento biológico do mesmo para poder aplicar novas estratégias terapêuticas. Com base em alterações genéticas relacionadas com a presença de mutações (alterações produzidas na estrutura ou no número de genes que se transmite aos descendentes por herança), translocações (mudança de um segmento de cromossomo para a outra parte de um cromossomo homólogo ou ao interior de um cromossomo não homólogo) ou deleções (forma de alteração cromossômica que consiste na perda de uma porção de um cromossomo). Atualmente é possível visualizar um padrão molecular de uma enfermidade neoplásica com conotações diagnósticas e prognosticas importante. Os genes supressores de tumores (GST) são genes que em seu estado normal codificam uma proteína inibitória do crescimento ou da proliferação celular, ou seja, os GST mantêm a integridade a nível celular. Como exemplo podemos citar o gene p53, que é um GST e que possui ciclo celular no “ponto de checagem (checkpoint)” G1/S (intervalo 1/síntese). Quando ocorre uma alteração no DNA a p53 se acumula e através de induções e ativações o ciclo é detectado e mantido corretamente. Caso a p53 falhe o ciclo continuará mantendo a alteração no DNA levando a mutação do gene. A biologia molecular também vem avançando no campo de marcadores tumorais (MT), que são utilizados no diagnóstico do CA, mas ainda não são úteis para conhecer a evolução do paciente, o prognóstico e as metástases. O conceito de MT se refere a toda a substância de caráter bioquímico produzido pelas células tumorais ou por células do hospedeiro cuja presença pode ser detectada no soro ou em outros líquidos. Estudos realizados por Mullis e Faloona com a polimerase, enzima que catalisa o ato ou processo de formar um composto em especial de nucleotídeo para polinucleotídeo, começaram a dar resultados e em 1986 surgiu a reação em cadeia da polimerase (PCR), técnica que permite a amplificação in vitro de um trecho de DNA. Nesta técnica se reproduz o processo de replicação, processo pelo qual uma molécula de DNA origina outra idêntica a pré-existente, natural do DNA com a vantagem de extrema rapidez e determinação precisa do trecho a ser amplificado para estudo. Esta técnica deu um grande avanço no estudo do DNA, pois através dela conseguimos estudar porções da cadeia de DNA e identificar as alterações a nível celular e molecular. O processo de replicação é realizado pela DNA polimerase, que atua sobre as fitas não pareadas de DNA, para se iniciar a duplicação a DNA polimerase necessita que a fita de interesse possua alguns nucleotídeos complementares pareados em seu início (sense). A separação ocorre por desnaturação térmica e os oligonucleotídeos, seqüências curta sintetizadas para se equipararem a uma região onde ocorre mutação e a seguir utilizada como uma sonda, complementares (primers) nas extremidades do trecho a ser amplificado garantem o pareamento inicial para que a polimerase inicie a replicação. Bibliografias Alvarez MG., Besa P. Biological Basis of Cancer and Clinical Applications. Edición Temprana. 2000. Harrison´s Principles of Internal Medicine. Fauci AS editor, et al. 1997. Fourteenth Edition. The McGraw-Hill Companies, Inc. Mullis KB, Faloona FA. Specific synthesis of DNA in vitro by polymerase catalysed chain reaction. Meth Enzymol. 1987; 1155:335-350. Oliveira-Junior IS. Development in gene therapy: Tumor Suppressor Gene and Vectors. Braz J Med Biol Res. 2002; Perera FP. Environment and Cancer: Who are Suceptible? Science 1997; 278 (5340):1536-1542. Sherr CJ. Cancer Cell Cycles. Science. 1996; 274 (5293):1672-1677. Ziegler A. 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