Transformação de Observáveis em Mecânica Relativista

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Paulo Vargas Moniz
Lição 14
Transformação de Observáveis em Mecânica Relativista
Estrutura Pedagógica
Apresentação:
Nas Lições 12 e 13 estabelecemos conceitos Relativistas de momento linear, massa
e energia, e como estes devem ser interpretados e relacionados entre si. Em
particular no que concerna as noções de força e aceleração. Mas toda esta estrutura
foi determinada para uma análise num único RI.
O propósito desta lição é precisamente estabelecer como as quantidades acima
mencionadas se relacionam entre diferentes RI em movimento relativo. Em
particular, vamos estabelecer o equivalente a transformações de Lorentz mas
aplicado à energia (massa) e componentes espaciais do momento linear. Como
veremos, a analogia é mais do que formal e permite reforçar um outro contexto
relevante ao cenário da TRR. A terminar, abordaremos 2 tópicos: (i) o de
particulas (hipotéticas) com velocidade superior à da luz mas do ponto de vista de
relações massa-energia, e (ii) as unidades a utilizar a propósito de processos
energéticos em TRR.
Questões Centrais:
Nesta lição, a questão essencial a considerar é saber se e como observáveis em
TRR como energia (massa), momento linear, se relacionam, i.e., se transformam
entre RI. Em particular, se há uma analogia com as transformações de Lorentz para
coordenadas espacio-temporiais e quais são as consequências para outros
observáveis derivados como força, frequência, etc.
Estrutura da Lição:
Como na lição anterior, usaremos uma estrutura “mista”. Inicialmente, vamos
determianr e extrair de forma sequencial como se relacionam entre RI quantidades
(e consequências daí decorrentes) envolvidas em dinâmica relativista. Noutra linha
mais clássica referiremos outros tópicos complementares às Lições 12, 13, 14.
Sumário da lição:
O conteúdo desta lição inclui:
 Determinar como conceitos básicos como energia (massa relativista), as
componentes espaciais do momento linear se transformam entre RI;
146
A Teoria da Relatividade Restrita em 20 Lições
 Determinar como conceitos de frequência (relevante para o efeito de Doppler) e
componentes espaciais de força se relacionam entre RI;
 A análise, do ponto de vista energético, de particulas (hipotéticas) com
velocidade superior à da luz (taquiões);
 Introdução de unidades adequadas à análise de processos dinâmicos em TRR.
Objectivos Didácticos:
A um(a) aluno(a) deverá ser possivel, no fim da lição,
 Determinar as leis de transformação para energia (massa) e momento linear
entre RI;
 Determinar como outros observáveis (frequência, força) se relacionam entre RI
em movimento relativo;
 Entender como particulas com velocidade superior à da luz são (apesar de
hipotéticas apenas) consistentes com TRR;
 Compreender como unidades de energia como o GeV devem ser empregues.
O
utro aspecto fundamental em dinâmica da TRR é determinar como observáveis
como energia e momento linear se transformam, i.e., se relacionam entre RI. Este
aspecto é relevante pois muitas vezes é mais útil estudar processos dinâmicos em TRR
num dado RI que não é o do Laboratório (estacionário). Já vimos em lições anteriores
que os Postulados de Einstein implicam que
Comentário:
registos de tempo, espaço, velocidade e
subsequentemente comprimento de onda,
Note-se que a equação a (1.76) é valida
frequência, se alteram entre RI. Como será com
para um, dois ou mais objectos, em que
nesse caso E0 é a energia total do
energia (massa relativista) e momento linear?
sistema no referencial onde momento
linear total é nulo. Usualmente tal é
designado
de
referencial
C
e
corresponde ao RI de centro de massa
(CM). I.e., E0 é a energia total de sistema
em RI onde CM está em repouso; E0 só é
soma de energia em repouso de
constituintes em separado apenas no RI
com CM onde todos constituintes estão
em repouso. Em geral E0 não será a
soma de energias em repouso.



Comece-se por salientar que p  mv   m0v e
E  mc2   m0c2 são covariantes em dinâmica
relativista. I.e., sejam S e S' 2 RI e também
uma particula com massa (em repouso) m0 com


velocidade v e v  devido ao seu movimento
como medido em S e S'. Mais ainda, S' tem


velocidade u  u e x com respeito a S. Então
isso significa que em S e S'
147
Paulo Vargas Moniz
px 
m0 v x
1
v2
 m0 v x  (v )
c2
p y  m0 v y  (v )
p z  m0 v z  (v )
m0 c 2
E
 mc 2
2
v
1 2
c
(1.79)
com v2=vx2+vy2+vz2, e
p x 
m0 v x
1
v 2
 m0 v x  (v  )
c2
p y  m0 v y  (v  )
p z  m0 v z x  (v  )
m0 c 2
E 
 m c 2
2
v
1 2
c
(1.80)
com v’2=v’x2+v’y2+v’z2. A massa m0 e a velocidade da luz no vazio c, são invariantes,
i.e., têm o mesmo valor em qualquer RI. Tomando a lei de transformação de
velocidades para caso da particula com respeito a S e S' temos em (1.43), (1.65)(1.68) que
vx 
vx  u
u
1  vx 2
c
e
 v    u  v 1  uv x c 2 
 v v x   u  v v x  u 
Substituindo em p’x=(v’)m0v’x vem
p x
 u  v v x  u m
  u  v m0 v x   v m0 u 




 u  p x  u
E
c 2 
148
A Teoria da Relatividade Restrita em 20 Lições
Quanto a p’y e p’z vem que
p y
 v m0 v y

v  
v


  u  v 1  u x2  m0 v y  u 1  u x2
c  
c



 v m0 v y  p y
p’z
=



pz
Igualmente se retira que
 v m0 c 2
E 

vx
c2

  u   v m0 c 2  um0 v v x
 u  v 1  u




 m0 c 2

  u E  up x 
Em resumo temos que
uE
c2
px 
u2
1 2
c
py  py
pz  pz
E  px u
E 
u2
1 2
c
(1.81)
uE 
c2
px 
u2
1 2
c
p y  p y
p z  p z
E   p x u
E
u2
1 2
c
(1.82)
px 
e inversamente
p x 
149
Paulo Vargas Moniz
Estas relações são de importância fundamental em alguns problemas de colisão de
particulas, de forma a descrever a situação fisica em outro RI mais conveniente para
obter resultados (ver Lição 15). Mas note-se a profunda similaridade de (1.81), (1.82)
com as transformações de Lorentz (1.37), (1.39). A energia E e as componentes do
momento linear px, py, pz têm uma papel de “coordenada” temporal e espacial,
respectivamente. Este comentário, junto com os feitos acerca da expressão (1.69) e
relações de invariância como consequência de propriedades de simetria e
transformação de coordenadas (t,x,y,z) ou (E, px, py, pz). Neste contexto, a expressão
(1.76) adquire um contexto adicional. De p’2 – E’2/c2 obtem-se que p’2 – E’2/c2 = p2 –
E2/c2. I.e., igual a um valor constante
(m0c2) invariante em qualquer RI, Comentário: Na Lição 4 determinamos como
coordenadas
espacio-temporais
(x,y,z,t)
devidamente verificado com (1.81), associadas a RI admitem uma relação dada por
(1.82).
transformações de Lorentz como (1.37), (1.39)
e associados à invariancia de velocidade da luz
para RI. Mas as equações (1.81), (1.82)
mostram que algo similar (e a analisar com mais
detalhe nas Lições 16 e 17) também se poderá
associar no contexto de um “espaço”, i.e., uma
estrutura única quadridimensional que podemos
designar de energia-momento onde coordenadas
são a energia E (similar à coordenada temporal)
e as componentes espaciais de momento linear.
As transformações (do tipo de Lorentz) (1.81),
(1.82) transformam Energia (massa) em
combinações lineares de energia e momento.
outra linha, se u/c cos vem que
(u)=sec e assim E=m0c2 sec e
Ekin/m0c2 = sec - 1. Em particular p =
m0c tan . No contexto de relações
trigonométricas, então E2=m2c4sec2 =
m2c4(tan2 + 1), que permite obter
E2=p2c2+ m02c4. Na figura junta esta
parametrização
está
representada
sugestivamente. E como temos vindo a
referir e sobretudo a anunciar, este
aspecto adqirirá um contexto mais rigoroso na Lição 17.
N
Re-analisemos então o efeito de
Doppler, mas do ponto de vista das
equações (1.81), (1.82) aplicadas ao
caso de particulas com v=c (fotões).
Seja um RI S’ onde se tem uma fonte
emissora em repouso na origem das
coordenadas, como também um RI S
correspondente ao Laboratório, com
respeito ao qual S’ se move com
velocidade u no eixo positivo dos xx.
Um fotão é emitido no plano y’O’x’ em
S’ pela fonte luminosa com energia h0
e momento linear de magnitude h0/c,
num angulo ’ com eixo dos x’x’. I.e.,
px 
h 0
h
cos , py  0 sin  , pz  0, E   h 0
c
c
Em S, a fonte emissora move-se com velocidade u, mas para o fotão ter-se-à que
150
A Teoria da Relatividade Restrita em 20 Lições
px 
h
h
cos , p y 
sin  , p z  0, E  h
c
c
onde  é a frequência do fotão em S, com trajectória linear de angulo  com eixo dos
xx. A relação entre as expressões acima determina então de (1.81) que
uh


h 0   u  h 
cos 
c


i.e.,

0


 u 1  cos 
 c

u
Mais propriamente, é a expressão1 relativa ao efeito de Doppler como obtida na Lição
10.
M
as das transformações (1.81), (1.82) tembém se podem obter as relações
correspondentes ao efeito de aberração estelar (ver equação (1.46a)) como
determinado na Lição 5. Para o caso da trajectória do fotão acima, tem-se
p y  p y
E 

p x   u  p x  u 2 
c 

donde se tira que
h 0
h
sin  
sin  
c
c
h 
h
 h
cos    u  0 cos    u 20 
c
c 
 c
i.e.,
tan  
D
1
sin  

u
 u cos   
c

as transformações de Lorentz (1.37), (1.39) e (1.81), (1.82) podemos igualmente
obter como as componetes de uma força se relacionam entre RI S e S’ em
Note-se que o angulo  aqui utilizado corresponde ao angulo
ˆ
mencionado e definido na Lição 10.
151
Paulo Vargas Moniz





movimento relativo. Seja F  Fx e x  Fy e y  Fz e z  dp dt com Fx=dpx/dt, etc, como
as componentes em S da força, enquanto que em S’ vem F’x=dp’x/dt, etc. O RI S’
move-se com velocidade u na direcção do eixo dos xx.
Consideremos F’x.. Neste caso,
d 
E
dt d 
E
 p x  u 2    u 
 px  u 2 
dt  
dt  dt 
c 
c 
Fx   u 
e usando
dt  dt  
 
dt   dt 
1
d
 ux 
   u  t  2 
 c 
 dt
1

1
 u  1  uv x c 2


vem
Fx 
1  dp x u dE 



uv x  dt c 2 dt 
1 2
c
 
É útil recordar que dEk  dW  F  dr e que para uma força constante

dW dEk
d
dE  dr  


E  m0 c 2 
F
 F v
dt
dt
dt
dt
dt


pelo que
Fx  Fx 
uv y
 uv 
c 1  2x 
c 

Fy 
2
uv z
 uv
c 2 1  2x
c




Fz
(1.83a)
De py=p’y e pz=p’z vem que
Fy 
Fz 
dp y
dt 

dp y dt
Fy

dt dt   u 1  uv x c 2 
dpz dp z dt
Fz


dt 
dt dt   u  1  uv x c 2


(1.83b)
(1.83c)
A
ntes de terminar, é curioso analisar o caso de particulas que (supostamente) se
movam com velocidades superiores à da luz – designados de taquiões2. Alguns
2
Do Inglês “tachyon”.
152
A Teoria da Relatividade Restrita em 20 Lições
comentários a este respeito foram mencionados na Lição 5. Nomeadamante, que a
propriedade que uma particula (hipoteticamente) se mova com v>c num RI S’, então
mover-se-à com v’>c em S’ (desde que a velocidade relativa entre S e S’ seja u<c).
Um problema óbvio quando v>c é que no parametro (v) correspondente a uma
particula 1  v 2 c 2 é imaginário. No entanto energia e momento linear devem ser
quantidades reais. Esta situação só é ultrapassada se o taquião tiver uma massa
imaginária, i.e., m0=i0, 0, i   1 . Assim, a energia e momento linear são
p
E
0v
v c 
2
0c
Comentário:
1
2
v c 2  1
e E2=p2c2-0c4. Apesar do contexto algo
“surreal”, note-se que um taquião nunca
pode ser observado em repouso (ver
comentário acima e Lição 5) pelo que a
sua energia em repouso (massa) m0c2 é
imaginária e nunca poderá ser medida.
Formalmente, tem o mesmo contexto
como atribuir uma massa nula em
“repouso” ao fotão.
Das espressões de E e p juntas retira-se que

Energia e momento são funções
decrescentes de velocidade. I.e., ao
ganharem energia, velocidade diminui,
abrandando, mas uma energia infinita seria
necessária para trazer particulas de massa
não nula até valores próximos de c.

Um taquião permanecerá assim no estado
v>c, num cenário disjunto daquele onde
matéria comum existe. A barreira da
velocidade da luz é intransponivel.
Mas mais importante é que a causalidade é violada por taquiões. De facto, seja um
taquião movendo-se com velocidade v num RI S, tal que x=vt corresponde ao seu
percurso, entre 2 eventos E1=(x,0) e E2=(x, t). Num RI S’ em movimento relativo
com velocidade u no eixo dos xx em S, temos que
u
u 



t    u  t  2 x    u t 1  2 v 
c


 c 
e se c/v<u/c<1, i.e., c<v mas u<c, tal implica que t’<0 com t>0. Se E1 e E2
correspondem a emissão e absorção de taquiões, então este seria absorvido antes de
ser emitido do ponto de vista de S’.
A dificuldade mencionada pode ser re-interpretada se tomarmos como energia e
momento linear se transformam para taquiões. Em E’=(v)(E-up) temos que
considerar que p2c2=E2+02c4>E2, para u tal que c/v<u/c<1, E’ é negativo. Neste
contexto
 A absorção de energia negativa corresponde a decréscimo de energia. Mas
tal pode ser visto como emissão de energia positiva na direcção oposta;
153
Paulo Vargas Moniz
 RI S’ regista então um taquião emitido em E2 e absorvido em E1, o qual
ocorre depois. Neste cenário não há quebra de causalidade.
 É interessante notar que esta interpretação correspondente a absorcção e
emissão de energia é corrente em Teoria Quântica de Campos3.
P
or fim é util referirmos a classe de unidades que por vezes caracterizam as
grandezas envolvidas em dinâmica relativista – energia, massa e momento linear.
A razão principal do uso de outras unidades em dinâmica relativista tem a ver com o
facto que muitas aplicações envolvem particulas com massas da ordem de 10-27kg ou
até menos, e energias de 10-13 Joules. Nesse sentido, unidades de energia baseadas na
noção de electrão-volt. Define-se então o MeV – 1 MeV é energia adquirida por uma
particula com carga eléctrica quando evolui numa diferença de potencial de 1 milhão
de Volts:
 1 MeV = 1.60210-13 J
 A energia também se mede em GeV; 1 GeV=103 MeV
 Quantidades como mc2 e pc têm também unidades de energia MeV ou GeV.
Isto quer dizer que a massa é pois registada em unidades de MeV/c2 ou
GeV/c2, tal que 1 MeV/c2 = 1.78310-30 kg e a unidade de massa atómica4
(u.m.a.) corresponde (1 u.m.a.)c2 = 931.5 MeV.
Em particular, quando se refere por vezes que a massa de uma particula é um dado
valor em MeV, o que tal quer dizer é que é a sua energia em repouso m0c2. A massa
de um electrão é m0=0.510 MeV/c2; em unidades de energia vem que m0c2 = 0.510
MeV.
3
Mas note-se no entanto que enquanto a interpretação de Teoria Quântica de Campos se aplica a
particulas com valores de m0 reais e detectáveis num Laboratório, os taquiões nunca foram identificados
e permanecem apenas um conceito formal e sem representação fisica.
4
1 u.m.a. = 1.66056510-27kg e corresponde a 1/12 da massa do isótopo de Carbono-12 (12C).
154
A Teoria da Relatividade Restrita em 20 Lições
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