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EIXO TEMÁTICO 5: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA
MODALIDADE: PÔSTER – PO.31
O MOVIMENTO ESTUDANTIL DE BIOLOGIA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORAS/ES
Rafael Cardozo Figueredo, [email protected]
Maria Aparecida Augusto Satto Vilela, [email protected]
RESUMO: Este trabalho busca compreender, a partir dos relatos das/os militantes do
Movimento Estudantil de Biologia, a análise que fazem sobre sua formação docente e a
contribuição do movimento estudantil neste processo. Nessa perspectiva, realizou-se uma
pesquisa com oito alunas/alunos graduadas/os ou graduandas/os de cursos de licenciatura de
alguns estados brasileiros por meio de um questionário composto de duas partes, uma de
identificação, e outra com nove questões sobre educação, movimentos sociais e formação
docente. De acordo com as respostas dos questionários, identifica-se que têm uma visão
crítica da educação, evidenciando o papel dos movimentos sociais, e em específico do ME de
Biologia para a formação profissional e atuação política.
Palavras-chave: Movimento Estudantil, MEBio, Formação Docente.
1 A formação de professores: considerações iniciais
A importância de um ensino que compreenda a Ciência como um processo de produção
de conhecimento e uma atividade humana, associada a aspectos sociais, econômicos, políticos
e culturais, sendo ela fruto destes fatores, é ressaltada tanto nos Parâmetros Curriculares
Nacionais de Ciências Naturais (BRASIL, 1998) para o ensino fundamental, quanto nos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Ciências da Natureza, Matemática e Suas Tecnologias
(BRASIL, 2000) para o ensino médio. Os documentos ainda afirmam que “é essencial
considerar o desenvolvimento cognitivo dos estudantes, relacionado à suas experiências, sua
idade, sua identidade cultural e social, e os diferentes significados”. Nessa perspectiva, a
1
Graduando do Curso de Ciências Biológicas da Faculdade de Ciências Integradas do
Pontal/Universidade Federal de Uberlândia (FACIP/UFU).
2
Professora Adjunta do Curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências Integradas do
Pontal/Universidade Federal de Uberlândia (FACIP/UFU).
pergunta inicial deste trabalho é: As/os professoras/es estão sendo formadas/os para
considerar esses aspectos de suas/seus educandas/os? Partindo deste questionamento,
apresentamos algumas considerações sobre a formação inicial de professoras/es, em especial
de professoras/es de Ciências e Biologia.
Contrapondo-se ao referido nos Parâmetros Curriculares Nacionais, Brito et. al. (2008,
p. 130) afirmam que
apesar de as grandes discussões a respeito da natureza do conhecimento
científico e do ensino de Ciências e de Biologia estarem acontecendo há
mais de 20 anos, faz-se presente nas escolas, ainda hoje, uma visão da
ciência cujos pressupostos nortearam a ciência a partir do século XVII.
Segundo os autores, isso se dá pela visão fragmentada do mundo, produzida a partir de
uma perspectiva estrutural, por meio de um método analítico, onde “os seres e os fenômenos
são estudados a partir da decomposição de suas partes e de seus elementos, como se cada
parte funcionasse isoladamente” (BRITO et. al, 2008, p. 130). Poucas vezes se discute a
contextualização do saber científico situando-o no espaço e “enfatizando as relações sociais, o
momento histórico e os movimentos sociais” (BRITO et. al, 2008, p. 131). Apontam também
que os currículos escolares seguem esta mesma lógica, e que isso se torna mais visível quando
analisamos as disciplinas de educação científica.
Freitas e Vellani (2002, p. 215) afirmam que a formação das/os professoras/es de
Ciências tem sido pensada para produzir um/a profissional que “incorpore, o mais possível,
traços ideais selecionados a partir de uma reflexão teórica sobre o tema”, e que se adapte e
localize os desafios mais urgentes de uma sociedade multimídia e globalizada “em que o
rápido desenvolvimento, científico e tecnológico, impõe uma dinâmica de permanente
reconstrução de conhecimento, saberes, valores e atitudes.” (FREITAS; VELLANI, 2002, p.
215).
Esses apontamentos nos levam a refletir sobre como tem sido a formação de professores
em geral, e em que contexto ela está inserida. Segundo Oliveira (2004, p. 1129), este tipo de
formação desponta-se com a reforma educacional dos anos 90, que demarca uma nova
realidade, o imperativo da globalização, utilizando como principal argumento os “estudos
produzidos pelos organismos internacionais pertencentes à ONU para orientação dos
governos latino-americanos com relação à educação: transformação produtiva com equidade
(social)”.
Oliveira (2004) apresenta também em seu trabalho que essa reforma padroniza e
massifica certos processos administrativos pedagógicos, sob o argumento da organização
sistêmica, e isso acaba por determinar a reestruturação do trabalho docente, acarretando às/aos
professoras/es várias funções para além de sua formação, sendo elas/es
obrigadas/os a
“desempenhar funções de agente público, assistente social, enfermeiro, psicólogo, entre
outras” (OLIVEIRA, 2004, p. 1132). Este acúmulo de funções, que não lhes são ensinadas,
expressa um caráter de desvalorização, perda de identidade e proletarização da profissão.
Diante deste contexto, dialogamos com Brito et. al. (2008) quando assinalam que a
formação recebida pelas/os professoras/es influencia e dificulta a realização de propostas
curriculares que se aproximam de uma perspectiva que integre Ciência, Sociedade,
Tecnologia e Ambiente. Assim,
torna-se necessário, então, processos (curriculares) que possibilitem aos
licenciandos voltar o olhar, o pensamento, a reflexão, os sentidos para os
conhecimentos que possuem e para as concepções que foram tecidas ao
longo da sua trajetória escolar e universitária, na busca de novas relações
com esses saberes para que possam, enquanto professores, desenvolver um
currículo que considerem os conhecimentos provenientes das ciências
vinculados à sociedade e à tecnologia. (BRITO et. al., 2008. p. 145).
Na atual conjuntura, segundo Silva (2004, p. 199), a formação de professoras/es precisa
ser reformada, tendo em vista que essa reforma também “passa, necessariamente, pela crítica
aos processos educativos, e nestes, a crítica à escolarização”, na qual as/os professoras/es,
sendo mediadoras/es entre a sociedade e a/o aluna/o, devem ser “capazes de gerar uma
‘comunicação real’, isto é, a troca que enriquece e se fixa não como um elemento estático,
mas como um germe, um ponto potencialmente explosivo”, fazendo com que a/o aluna/o não
reproduza apenas aquilo que é estabelecido. Isso possibilita com que se contraponha à noção
de competências, que “se insere exatamente numa perspectiva que visa instituir o controle
sobre a formação humana, no sentido de adequá-la a pretensos imperativos postos pelo
mercado – de produção e de consumo” (SILVA, 2004, p. 202).
Segundo Zeichner (2003), o movimento por uma formação para uma prática reflexiva
implica o reconhecimento de que os educadores devem ter um papel na formulação dos
objetivos e uma finalidade em seu trabalho, além de desempenhar certa liderança na reforma
do ensino. Com isso,
É preciso considerar que a geração de conhecimento novo sobre o ensino e a
aprendizagem não é uma propriedade exclusiva das faculdades, das
universidades e dos centros de pesquisa e desenvolvimento, além de
reconhecer que os professores também têm teorias capazes de contribuir com
a construção de um conhecimento comum acerca das boas práticas docentes.
(ZEICHNER, 2003, p. 41).
Ao falar sobre formação de professores como intelectuais transformadores, Giroux
(1997, p. 163) destaca que com isso podemos “elucidar a importante ideia de que toda a
atividade humana envolve alguma forma de pensamento”, interrogando-nos sobre a função
social das/os professoras/es. Estas/es devem ver as escolas como locais econômicos, culturais
e sociais que estão inextrincavelmente atrelados às questões de poder e controle. “Os
intelectuais transformadores precisam desenvolver um discurso que una a linguagem da
crítica e a linguagem da possibilidade, de forma que os educadores sociais reconheçam que
podem promover mudanças”. Segundo ele, é preciso tornar o político mais pedagógico, o que
significa
utilizar formas de pedagogia que incorporem interesses políticos que tenham
natureza emancipadora; isto é, utilizar formas de pedagogia que tratem os
estudantes como agentes críticos; tornar o conhecimento problemático;
utilizar o diálogo crítico e afirmativo; e argumentar em prol de um mundo
qualitativamente melhor para todas as pessoas. (GIROUX, 1997, p.163).
Com estes apontamentos, e entendendo o Movimento Estudantil de Biologia (MEBio)
como um movimento social diretamente relacionado com a educação, por estar inserido nas
universidades e formar professoras/es para atuar na educação básica, é que buscaremos
entender como estas/es sujeitas/os veem sua formação inicial e de que modo, pelo fato de
participarem ativamente dele, o MEBio contribui para esta formação.
2 O Movimento Estudantil de Biologia
O Movimento Estudantil (ME) é um movimento social que possui identidade e práxis
coletiva para alcançar seus objetivos enquanto grupo (FONSECA, 2008. p. 30). Ele é
policlassitário ou multiclassitário (D’ALENCAR, 2006), pois “os estudantes são uma
categoria social formada por indivíduos oriundos de diversas classes sociais”. É ainda um
movimento transitório, pelo curto período de tempo que a militância permanece nele (em
média de 4 a 5 anos), e determinado pela conjuntura política de seu tempo, atuando a partir
desta, e não alterando a conjuntura a partir de suas pautas (FONSECA, 2008, p. 32).
Segundo a estruturação apresentada por Fonseca (2008, p; 33), o Movimento Estudantil
de Biologia é classificado como Movimento Estudantil de Área, ou seja, realizado no âmbito
de um único curso, que age tanto de forma institucionalizada quanto não-institucionalizada.
Ele também se classifica como movimento ecológico, sendo denominado um movimento
socioambiental (D'ALENCAR, 2006).
Através de um breve histórico do MEBio no Brasil, compreenderemos sua configuração
atual e as ferramentas por ele desenvolvidas para articular e formar politicamente as/os
estudantes.
Segundo ENEBio (2015), em meio à luta contra a ditadura, estudantes do Sul e do
Sudeste iniciaram sua organização para lutar pela regulamentação da profissão da/o bióloga/o,
reunindo-se nas Reuniões Nacionais de Escolas de Biologia (RENEB's). Em 1980, com a
regulamentação da profissão e a necessidade de continuar se articulando para mais conquistas,
iniciam-se os Encontros Nacionais de Estudantes de Biologia (ENEB's), de caráter políticocientífico-cultural, nos quais se discutiam temas profissionais e estudantis. Com a necessidade
de representar e unir as/os estudantes de Biologia do país constituiu-se em 1989 a Executiva
Nacional de Estudantes de Biologia (ENAB). Nos anos 90 foram criados os Centros de
Estudos e Trabalhos dos Estudantes de Biologia (CETEB's), com o objetivo de estudos e
acúmulos de diversos temas em torno do Meio Ambiente, Ensino e Sociedade. Em 1994, por
motivos desconhecidos, a executiva passa a se chamar Entidade Nacional de Estudantes de
Biologia. A partir desta data a entidade passa por um período de desarticulação, os ENEB's
ganham um caráter mais lúdico, não haviam deliberações nacionais, e não se legitimava a
ENEBio. No ano de 2003, uma nova organização nacional começa a ser articulada, a partir de
questionamentos sobre a falta de combatividade da entidade. É em 2003 que se originam os
Grupos Temáticos Permanentes (GTP's) com o mesmo objetivo dos CETEB's, e as
Articulações Regionais (AR's), divididas geopoliticamente, com o intuito da articulação entre
as escolas de cada região e a Articulação Nacional (AN). Em 2004, um Fundo Nacional é
criado para autofinanciamento da organização. No ano de 2006 são criados os Cursos de
Formação Política da Biologia (CFPBio's); os primeiros nas regiões Nordeste e Sudeste. No
ano de 2007 a ENEBio tem seu Estatuto Reformulado e ganha uma carta de princípios.
Segundo ENEBio (2010), atualmente a entidade é composta por Encontros Nacionais e
Regionais de Estudantes de Biologia, instâncias deliberativas de planejamento político da
entidade, Conselho Nacional e Regionais de Entidades de Biologia (CONEBio e COREBio's),
instâncias deliberativas para planejamento das gestões nacional e regionais, Articulações
Nacional e Regionais, Grupos Temáticos Permanentes e Campanhas Nacionais, sendo todas
estas instâncias fundamentalmente ocupadas e construídas por Coletivos, Centros e Diretórios
Acadêmicos (COCADA's), que constroem o MEBio em suas localidades.
Destaca-se a importância da organização local, através das entidades de base, e também
a necessidade organizacional das/os estudantes de Biologia nacionalmente, e sua
representatividade através da ENEBio, sendo esta uma entidade não governamental, sem fins
lucrativos e vínculos partidários, estatais ou religiosos, com a finalidade de
integrar os/as estudantes de Biologia (graduação e pós graduação) de todo o
território nacional, visando promover uma reflexão crítica sobre a sociedade
e sua relação com a natureza, podendo atuar junto a outros órgãos,
instituições e entidades de interesse, além de executar as deliberações de suas
instâncias deliberativas. (ENEBio, 2010. p 1).
A partir desta organização e da participação das/os estudantes em sua construção,
buscaremos compreender a influência deste movimento social na formação de professoras/es
de Ciências e Biologia.
O primeiro contato com a ENEBio se deu através de representantes do Centro
Acadêmico (de Biologia) “Chico Mendes”, da Faculdade de Ciências Integradas do
Pontal/Universidade Federal de Uberlândia (FACIP/UFU). Através do C.A. “Chico Mendes”,
tivemos acesso ao endereço de e-mail da lista de comunicação da Entidade Nacional de
Estudantes de Biologia. Em um primeiro e-mail evidenciamos o propósito, a metodologia e a
finalidade da pesquisa, e a partir disto, graduandas/os e graduadas/os em Ciências Biológicas,
militantes da organização, puderam se colocar à disposição para responder ao nosso
questionário. A cada um/a deles/as enviamos um Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, que apresentava o objetivo da pesquisa, dados das/os pesquisadores e solicitação
de permissão para uso das respostas, garantindo-as/os sigilo quanto à sua identificação.
Juntamente com este termo, enviamos um questionário composto de duas partes, uma de
identificação, e outra com nove questões sobre sua formação, ideologias políticas, avaliação
do ensino por elas/es adquirido, avaliação do ensino de Ciências e Biologia na educação
básica, opiniões sobre os movimentos sociais, em especial o MEBio, e sua importância para a
formação docente. Estes dados serão aqui apresentados, para que possamos conhecer as/os
indivíduas/os formados/as no Movimento Estudantil de Biologia, e nos aprofundar nas
discussões.
A análise deste material se deu na perspectiva de uma pesquisa qualitativa, a partir dos
métodos apresentados em Minayo (2012), que segundo a autora tem como foco a exploração
do conjunto de opiniões e representações sociais em torno do tema, onde, durante as análises
“devemos caminhar tanto na direção do que é homogêneo quanto no que se diferencia dentro
de um mesmo meio social” (p. 79).
3 As/os sujeitas/os do MEBio e a formação docente
Com oito questionários respondidos, de um total de quinze enviados para aquelas/es
que, anteriormente, haviam se disponibilizado a colaborar com a pesquisa, as/os sujeitas/os do
trabalho são graduandas/os ou graduadas/os em Ciências Biológicas de instituições públicas
de ensino superior das cinco regiões do Brasil, sendo seis delas do sexo feminino e dois do
sexo masculino, com idade entre 23 e 30 anos. Estas/es cursaram Bacharelado e Licenciatura,
ou apenas Licenciatura, sendo apenas duas/dois não graduadas/os, mas em processo final de
graduação.
Todas/os elas/es participaram ativamente do MEBio, construindo entidades de base em
suas localidades, a Entidade Nacional de Estudantes de Biologia e suas ferramentas
organizativas e/ou formativas durante períodos que vão de dois a quatro anos. Os que ainda
cursam a graduação permanecem no movimento, ou o acompanham dando suporte para
aquelas/es que se aproximam. Uma das investigadas declarou que pretende se inserir
novamente enquanto cursa o mestrado.
Os caminhos e motivações que as/os levaram ao gosto pela docência foram diferentes.
Houve declaração que este se deu naturalmente, uma vez que a pessoa leciona desde seus 14
anos, alguns/mas já ingressaram no curso com um olhar na docência, por acreditar na
importância da profissão, ou influenciadas/os por professoras/es do cursinho pré-vestibular.
Aquelas/es que não ingressaram na graduação com este interesse, o obtiveram através de
discussões sobre Educação ocorridas em espaços do MEBio, através de ferramentas que
construíram ou encontros que participaram. Segue relato de Aline3 sobre como se aproximou
da Educação através do Programa Institucional de Bolsas de Incentivo à Docência (PIBID), e
com isso do MEBio:
(...) Na verdade, eu ingressei no curso de Ciências Biológicas com a intenção
de não me direcionar pra área das Ciências Humanas de forma alguma.
Escolhi o curso de licenciatura com o intuito de dar aulas caso nada desse
certo na minha vida profissional. No entanto, após três anos do início da
minha graduação, estava um pouco preocupada com meu futuro e resolvi
conhecer as oportunidades que a UFLA oferecia. Desta forma, me inseri no
Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID) de Biologia.
Durante este período, os professores e alunos da universidade deflagraram
greve, a qual persistiu durante os quatro próximos meses. No PIBID, nos
ocupamos para aproveitar este tempo construindo espaços formativos para
nós, os futuros professores. Foi neste contexto em que eu passei a explorar e
me interessar pelas Ciências Humanas, principalmente pela Educação. A
partir deste despertar para as questões sociais envolvidas com a biologia e
3
Todos os nomes utilizados para os participantes da pesquisa são fictícios.
com a educação, comecei a frequentar as reuniões da ENEBio. Esta fase foi
de extrema importância na minha vida pois a partir dela eu iniciei minhas
reflexões sobre o mundo e a forma como nos relacionamos com ele.
Costumo dizer que a biologia enquanto ciência passou a fazer sentido
quando a compreendi como possibilidade de transformação, quando o
‘vermelho’ encontrou-se com o ‘verde’.
Quando questionados sobre sua identificação com alguma ideologia política ou grupo
de interesse, a maioria se identifica como esquerda, construindo, através de partidos políticos
(PCB, PSOL, CP) e/ou coletivos de juventude (LPJ, UJC, RUA – Juventude Anticapitalista),
alternativas radicais e/ou progressistas para a sociedade, objetivando sua transformação pelo e
para o povo. Estão inseridas/os também em organizações que pautam questões ambientais e
da saúde, como a “Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida” e a
“Campanha Pelas Águas Contra o Mineroduto Ferrous”, de Viçosa – MG, e ainda coletivos
feministas. Apenas uma das participantes respondeu negativamente sobre estar organizada em
outros grupos, e um outro entrevistado afirma:
Tenho dificuldades de me identificar plenamente com alguma ‘força’ ou
‘ideologia política’, pois infelizmente o que acontece na prática é as pessoas
se fecharem nelas e não darem oportunidade de conhecerem outras forças,
bem como questionar suas crenças e continuar em constante avanços. Acho
que atualmente nossa juventude está inserida dentro de um ‘trabalho de base
alienado’, se você se insere na ‘Força A’, somente se formará na linha e
assuntos do projeto que a força A acredita ser o ideal, não entenderá
profundamente pq as ‘forças B, C, D, E, F etc’ anseiam por um projeto as
vezes um pouco diferente. Acredito que é imprescindível estar organizado,
somente num coletivo vislumbro reais possibilidades de mudanças e
atualmente essa é minha crise, não conseguir tocar o trabalho aos moldes de
atuação que considero alienantes (...). (JOÃO, 2015). (sic)
Numa avaliação de sua formação docente na Universidade, pensando em disciplinas,
trabalhos e projetos realizados, as palavras encontradas foram “fraco”, “insuficiente”,
“tecnicista”. Todas/os apontam sua formação acadêmica como limitada, acreditando não
haver conhecimento dos docentes sobre a realidade da Educação Básica, com pouca ou
nenhuma discussão, pois as disciplinas foram lecionadas numa ordem bancária, a fim de
formar mão de obra, sem estimular o questionamento através de um recorte sociológico,
histórico e filosófico.
Em contato com a educação básica através da atuação docente em escolas urbanas e
agrícolas, grupos de Educação Ambiental em escolas da periferia, Programa Mais Educação,
PIBID e Estágios Supervisionados, as/os participantes da pesquisa avaliam o ensino de
Ciências e Biologia na Educação Básica como “ultrapassado”, “elitista”, “tecnicista”, “falho”
e “muito fraco”, apontando que este serve ao modelo de educação bancária, no qual
professoras/es são mal formados/as, o material e os métodos idealistas e mecanicistas,
faltando interdisciplinaridade, sendo ele “biologista, branco e de classe média”, é
descontextualizado das perspectivas “social, histórica, crítica, ambiental, filosófica e ética”, o
que distancia as/os alunos/as da ciência e produção de conhecimento. Uma das pesquisadas,
apontando a importância da contextualização local para o ensino, ao fazer referência ao
currículo escolar da região em que mora, afirma que ele “É falho porque seu currículo é
padronizado. E pra uma região que é recheada de cultura e traços marcados por negros e
índios, por muitas vezes exclui o sujeito educando, pois não trabalha o conteúdo a partir de
suas realidades distanciando a ciência biológica.” (ANA, 2015).
Ao perguntarmos como o MEBio influenciou em sua formação, as respostas se
mostraram múltiplas também, mas fica explícito em todas que o movimento as/os ajudou a se
desenvolver ou as/os apresentou um modo diferente de pensar, um olhar crítico para aquilo
que era discutido dentro da sala de aula, tanto em aulas de conteúdos específicos, quanto nas
disciplinas da área pedagógica. Para além, segundo elas/es, o movimento as/os possibilitou
desenvolver capacidade de negociação, “jogo de cintura”, falar em público, aproximação com
a comunidade, o campesinato e sua realidade local, aproximação com obras e autores de
diferentes áreas e conhecimentos, conhecer outros locais e realidades do país. Desse modo,
acreditam que têm uma visão crítica da educação e da atuação profissional, podendo através
disso transformar a realidade da educação e do ensino de Ciências e Biologia. De acordo com
Lucas (2015), “[...] foi através do MEBio que passei a enxergar as coisas com criticidade e
tentar mudá-las. A partir disso, com sua organização, você consegue ir criando métodos e
formas de dialogar, conversar e trocar conhecimentos com grupos e outras pessoas.”
Ao tratarem sobre como os movimentos sociais podem contribuir para a educação e
para o ensino de ciência, enfatizam a importância da apropriação da ciência pelo povo, o fazer
ciência para o povo. Assim, acreditam que os movimentos sociais devem intervir na
sociedade e nas escolas, sendo a educação uma importante pauta para uma real transformação
social, por uma sociedade justa e igualitária. Citam também a necessidade da organização
das/os professoras/es da Educação Básica. Tudo isso com o intuito de revolucionar o ensino, a
relação educador/a-educando/a para uma educação popular, tanto na cidade quanto no campo.
Os movimentos sociais possuem uma dinâmica diferenciada, em alguns com
um maior grau de organização, a exemplo do MST, temos muitas
possibilidades de aprender com os projetos pedagógicos desenvolvidos, a
pedagogia da alternância, a escola-comuna (pedagogia do trabalho, acho que
assim que ele fala) do Pistrak, tudo isso surgiu dos movimentos sociais, das
verdadeiras necessidades pedagógicas das massas, da necessidade de utilizar
a educação como um trunfo para formar pessoas e não ‘máquinas’. O ensino
de ciências e biologia entra nessa lógica também, muito podemos aprender,
por exemplo, com os cultivos agrícolas de agricultores de movimentos, são
inúmeras as possibilidades, o conhecimento popular é importante para a
formulação da teoria, afinal a teoria vem da realidade, esta estabelece as
bases para aquela e não o inverso. (TEREZA, 2015).
Por fim, fizemos a seguinte pergunta: Você acredita que o MEBio marcou sua vida?
Maria (2015) ressaltou:
Demais! Marcou em minha formação humana, profissional e influencia
minhas escolhas da vida. O MEBio despertou a vontade e a necessidade de
transformar esta sociedade, de combater este sistema opressor, e a fazê-lo
por meio da organização popular. No meio disso, a educação e o ensino de
biologia passaram a ser ferramentas de ação. Como diz Rubem Alves, há
escolas que são asas. E o MEBio foi isso para mim.
4 Considerações derradeiras
No atual contexto, o do capitalismo globalizado, a formação de professores tende a se
padronizar, não respondendo às necessidades da profissão docente. Profissão esta que
acumula diversas funções para além da formação, a fim de responder às demandas deste
sistema. O que distancia as/os educadoras/es de um ensino que relacione Ciência, Sociedade,
Meio Ambiente e Tecnologia. Na contramão disso, com o intuito de promover uma educação
realmente emancipadora, o que Mészáros (2008) vai chamar de ‘Educação para além do
Capital’, os movimentos sociais, o que inclui o movimento estudantil, se apropriam de
alternativas para a formação pessoal e profissional. Através do histórico do MEBio podemos
observar como surge a necessidade de assumir temáticas para além da formação científica e
acadêmica, discussões e ferramentas que aproximassem as/os estudantes das Ciências
Biológicas com a sociedade em que estão inseridos, até para a possibilidade de uma análise da
mesma. As/os sujeitos desta formação, como as/os deste trabalho, demonstram esta visão e
atuação desde sua formação acadêmica até os trabalhos e/ou projetos que desenvolvem,
apresentando pedagogias e práticas que atendam às reais necessidades da sociedade, aliada ao
povo e aos movimentos sociais. Estas ainda devem estar atentas às particularidades das/os
indivíduos e das localidades em que se ensina e aprende, ou seja, aliar a prática pedagógica e
o trabalho docente ao seu tempo e não fazer da profissão docente mais um segmento
proletário que atende ao capital. Estes pressupostos, de acordo com Santiago e Batista Neto
(2011), são apontados por Paulo Freire ao discutir a formação docente.
As/os indivíduos do movimento estudantil demonstram ainda uma intensa ligação de
suas práticas com a política voltada ao povo, independente de sua posição política no campo
da esquerda; conseguem perceber e avaliar as deficiências de sua formação e, de algum modo,
superá-las e responder às suas necessidades como estudantes/profissionais que buscam
alcançar outro tipo de sociedade, entendendo sua formação como mais uma parte do propósito
de uma mudança educacional radical às margens corretivas interesseiras do capital, e pra isso
é preciso romper de vez com este sistema “se quisermos contemplar a criação de uma
alternativa educacional significantemente diferente”. (MÉSZÁROS, 2008. p.27).
É importante assumirmos os diferentes espaços que se apresentam às/aos docentes em
formação inicial como potenciais de acúmulo, tanto teórico quanto prático para o exercício da
profissão. Os espaços de formação do MEBio mostram sua contribuição para isso através dos
dados apresentados neste trabalho. Não excluindo as diferentes tentativas da educação formal
de formar um profissional emancipado, destacamos nos espaços de militância e formação
política o norteamento para que educadoras/es em formação possam se organizar, discutir e
formular práticas que compreendam a função social do/a professor/a, a produção do
conhecimento como fim de um conjunto de fatores sociais, econômicos, políticos e culturais,
e que reconheça as potencialidades e particularidades de seu “público alvo” (as/os
educandas/os), como mencionado em documentos oficiais do ensino de Ciências e Biologia.
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