Ministério da Educação Universidade Federal de Pelotas Grupo PET “Diversidade e Tolerância” Tutora: Lorena Almeida Gill Relatório Preliminar de Boas Práticas Pelotas, junho de 2011. Introdução O conceito de periferia há tempos já está fixado, no imaginário coletivo, não só como o seu real significado – conjunto de bairros afastados do centro urbano – mas, principalmente, como sinônimo de uma região onde a criminalidade, a violência e a miséria prevalecem. Em nossa busca por boas práticas na periferia pelotense, prendemos foco, portanto, às ações que visam à desvinculação da imagem das comunidades periféricas deste conceito discriminatório e preconceituoso, através de atividades que priorizam a valorização da cultura local e a integração da população. As regiões às quais tivemos acesso são: O Loteamento Dunas e a Região da Várzea. As boas práticas territoriais são entendidas como “experiências inovadoras protagonizadas pelos atores sociais que combinam abrangência territorial com a participação democrática, gestão e controle social”1. As práticas que se assemelham a este conceito serão apresentadas em relatório preliminar a seguir. 1 www.portal.mda.gov.br/salaodosterritorios. Acesso em 5 de abril de 2011. O Loteamento Dunas A constituição do loteamento Dunas deu-se como a da maioria dos locais habitacionais deste tipo, isto é, através da estruturação provisória, por parte da prefeitura, de um local de habitação destinado às pessoas que foram deslocadas da parte central da cidade, já que esta tomara, em determinado momento, uma maior valorização, sendo assim, reservada a pessoas com maior poder aquisitivo para se manter no determinado local. O local, cuja estrutura no caráter provisório manteve-se como tal até os dias atuais, carrega, pois, desde suas origens as marcas da exclusão e da discriminação. Não sendo o contraste, em relação à região central, percebido apenas na questão de infraestrutura material, mas, também, na falta de incentivos à arte, ao esporte, ao lazer, enfim, a todas as instituições que formam a célula cultural de uma localidade. Neste contexto, as boas práticas na região tendem, portanto, à organização de uma estrutura que permita a integração da comunidade em atividades que priorizam a valorização da expressão artística da população, que apresentam novas oportunidades de profissionalização, que visam, portanto, à transformação da realidade da comunidade local através de ações coletivas. Estas atividades concentram-se, em sua maioria, no Comité de Desenvolvimento do Dunas (Av. 01, 2057 - Loteamento Dunas – Pelotas) que age em parceria com as seguintes organizações: Incubadora Dunas, Rede Vidadania e Casa Brasil. Em nossa visita ao local, pudemos ver de perto a boa estrutura que o local possui, estrutura esta formada por: Um tele centro, composto por 20 computadores, no qual a população tem acesso à internet e a cursos de informática, bem como a oficinas de comunicação, que mostram aos participantes a importância deste meio de comunicação para disseminar a cultura da comunidade e para fortalecê-la cada vez mais; Biblioteca e Sala de Leitura, onde há mais de 1000 obras, entre livros, CDs e filmes, destinadas ao acesso da população às diversas formas de reflexões sobre o social, que são as expressões artísticas (literárias, musicais e cinematográficas); Uma quadra esportiva para realização de atividades físicas, em que são praticados esportes e campeonatos; Um auditório em que são apresentadas palestras e conferências sobre as diversas atividades de cunho social e cultural, bem como apresentações artísticas dos alunos das oficinas de música, teatro, dança etc; Uma cozinha, na qual são realizados cursos de culinária e de artesanato; Um espaço para ensaios dos participantes das atividades musicais; Foram-nos anunciadas expectativas de novos projetos a serem elaborados, tais como: O Centro Telemundo: “Telecentro de Inclusão Digital”, cujo objetivo seria a facilitação do acesso comunitário às redes mundiais de comunicação digital. O Sítio Multimundo: “Espaço de Exploração Linguística”, cujo objetivo seria a estimulação ao convívio colaborativo com “multiliguagens” comunicativas. A Rádio Global: “Laboratório de Radiodifusão Digital”, cujo objetivo seria a articulação de uma programação de rádio difusiva solidária em nível global. O Atelier Em Comun: “Laboratório de Comunicação a Distância”, com o objetivo de viabilizar interconexões internacionais “policêntricas” ao vivo e a distância. Outro local fundamental ao qual tivemos acesso, em uma de nossas visitas ao loteamento Dunas, foi o CRAS, Centro de Referencia e Assistência Social, situado na mesma quadra em que se situam o CDD, uma quadra de esportes e algumas salas de comércio popular. Fundado em agosto de 2004, integrado ao Programa de Atenção Integral à Família, PAIF, tendo o apoio da Secretaria da Cidadania e Assistência Social, o CRAS vem atuando juntamente com as escolas da comunidade, associações, o CDD, ONG’s, entidades religiosas e da área da saúde. Existem cinco CRAS’s em Pelotas, sendo o CRAS zona 3 o mais antigo e abrangente, pois atende aos seguintes locais: Dunas, Vasco Pires, Sanga Funda, Arco- Íris, Vazio Urbano I, II e III, Corredor do Obelisco, Obelisco, Darci Ribeiro, Areal Fundos, Cohab Areal, Vila Carpena, Bom Jesus, Jardim Europa, Jardim das Tradições, Solar da Figueira, Baronesa e Hortêncio Rosa. A estrutura física do local é formada por: quatro salas: recepção, cozinha junto à sala de atendimento geral e psicológico, sala dos técnicos e um espaço onde ficam um computador (sem impressora e sem internet) e outros itens de cozinha. Atuam neste local duas assistentes sociais, uma psicóloga, uma educadora social e um auxiliar. Devido ao pouco espaço físico do local, algumas atividades propostas pelo CRAS são realizadas em parceria com o CDD, sendo utilizado, portanto, o espaço físico deste último para realização de algumas oficinas. O trabalho do centro gira em torno de diversos processos: Encaminhamentos diversos, como confecção de documentos, plantão social, assistência judiciária, etc. Atendimento psicossocial, feito pela própria coordenadora do CRAS (graduada em Psicologia), cujo trabalho é voluntário já que não há psicólogos ligados ao centro, embora haja uma grande procura dos populares pelo serviço, inclusive de alunos das escolas com necessidade de atendimento, os quais são encaminhados ao local. Visitas domiciliares nas quais são feitos os cadastramentos de famílias, o boletim da situação socioeconômica e são oferecidos os serviços do CRAS. Serviços de convivência que buscam fazer a inclusão, participação ativa dos grupos na vida social. Como exemplo, o grupo de idosos. Cujos encontros são realizados às sextas-feiras, das 14:00 às 16:30 horas, na Associação de Moradores do Dunas, e obedecem a um cronograma de palestras, brincadeiras, crochê, bailinho, passeios, entre outros; Oficinas de capacitação, em que são oferecidos cursos como: pintura em vidro e tecido, manicure, tricô, crochê, culinária, entre outros, todos com intenção de capacitar as pessoas participantes para inserção no mercado de trabalho. A participação da população nas atividades ofertadas pode ser avaliada pelo total de participantes, em torno de 129 pessoas. Estas participam, principalmente, das seguintes oficinas: Violão = 31 alunos Artesanato em E.V.A: 12 alunos Pintura em Tecido: 13 alunos Pintura em Vidro: 10 alunos Curso profissionalizante como Manicure: 21 alunos Culinária: 19 alunos Serviço Convivência e Fortalecimento de Vínculo: 23 participantes Estes espaços de atividades artístico-culturais-educacionais, estruturados no Dunas e no CRAS, mostram-se para nós, apesar das inúmeras dificuldades que sempre apresentam-se na elaboração e constituição de projetos e atividades sociais, além da dificuldades manifestadas pelos próprios participantes, no que se refere mesmo ao grande número de desistências, como exemplo de atitude e organização em prol do incentivo à cultura da população local. Nota-se, nestas ações, o comprometimento com a conscientização dos moradores sobre o papel fundamental que desempenham no processo de nova caracterização da localidade, bem como a importância magistral no que diz respeito à integração social que promovem dentro e fora da comunidade. Todavia, não foram somente estes locais que nos chamaram atenção em nossa visita ao citado núcleo habitacional. A Associação de Mulheres da Rua 29 do Dunas, intitulada Agora Que São Elas, despertou em nós particular curiosidade. Este grupo, formado há quase cinco anos, é constituído exclusivamente por mulheres, moradoras do loteamento Dunas, em Pelotas. A união destas mulheres se edificou com o objetivo primeiro de formar uma cooperativa de artesanatos. Esta produção lhes renderia um determinado lucro, além de proporcionar a realização de atividades festivas para as crianças da comunidade, o que oportunizaria também a união de mais participantes e mães da comunidade na ação coletiva do grupo. Analisando o propósito de constituição do grupo, percebemos neste a vinculação direta com a proposta de atividade de boas práticas, isto, pois, destaca-se, em sua ação, além a organização conjunta para efetivação de uma produção coletiva, uma iniciativa rara de movimentação para a integração das moradoras com vistas à transformação social da comunidade em que vivem. A Região da Várzea Compreendida, geograficamente, como qualquer região que cinge um rio, arroio, ou outro espaço ribeirinho, a várzea pelotense é limitada pelo Canal São Gonçalo e o Arroio Pelotas, tornando-se, assim, umas das regiões mais extensas de Pelotas. A busca pelas origens constitutivas da Região da Várzea nos leva ao passado histórico industrial de nossa cidade. A supracitada região fora o berço das atividades industriais de Pelotas, nos séculos XIX e XX, devido à sua proximidade do Porto da cidade. A localidade, formada, especificamente, por casas operárias, habitadas por trabalhadores das fábricas, representava, portanto, o coração da economia, até então, bem-sucedida e gloriosa na área comercio-industrial. Após a decadência da citada atividade econômica, a região varzeana cresceu substancialmente, sendo composta, atualmente, por onze sub-bairros, são eles: a baixada, em que se situa o estádio Bento Freitas, a Ambrosio Perret, a Balsa, o Belo Horizonte, o Cruzeiro, as Doquinhas, o Umuharama, Marina Ilha Verde, o bairro Nossa Senhora de Fátima, o bairro Nossa Senhora dos Navegantes I, II e III e o Porto. Se, como já dito, a várzea pelotense representa uma das regiões cuja extensão é umas das maiores da cidade, em relação à população esta é também expressiva e, justamente, no que diz respeito à desigualdade e ao contraste social, existentes dentro da localidade, a região possui igualmente um grandioso grau nestes indicadores sociais. Ao passo que encontramos as marcas visuais do pretérito remoto da Pelotas industrial, estampadas em casas, cuja arquitetura específica, denota instintivamente a esta época de grande potencial econômico, observamos, juntamente a esta paisagem, um cenário de extrema carência e necessidade. De casas extremamente humildes a grandes casarões, de ricos comerciantes e empresários a posseiros e pescadores carentes que vivem em condições muito precárias, a região é um retrato fiel da desigualdade social. Assim, devido a esta caracterização, pode-se afirmar que a região constitui o espaço de união entre o passado e o presente da cidade de Pelotas, bem como a representação de todos os tipos sociais formadores da sociedade pelotense. Dentro do pluralismo, que é base de estruturação desta comunidade, percebemos o convívio de diferentes personagens sociais que constroem, em um cenário antropológico tão rico, uma identidade cultural inigualável. Os frutos desta pluralidade tão fecunda podem ser observados, em duas das maiores festas populares de nossa cultura, duas paixões nacionais: o futebol e o carnaval. Visto que, no passado a Várzea fora o berço das atividades industriais da cidade, pode-se afirmar que ela representa, hoje, o coração da cultura popular pelotense. Seja no futebol com o Grêmio Esportivo Brasil de Pelotas, conhecido Xavante, tão prestigiado time pelotense reconhecido nacionalmente, possuidor da maior torcida do interior, ou, então, no carnaval da cidade, que ousamos citar que tem como base primordial as escolas e blocos de samba da comunidade da Várzea (General Telles, Xavabanda, Bruxa da Várzea, Super Pateta, Princesa Isabela, Mickey, etc.) os varzeanos possuem em sua identidade a presença constante da dança, da música, da arte popular. A ligação entre a localidade e o Carnaval é de fato muito forte. Por meio de relatos de moradores conhecemos histórias de pessoas cuja dedicação e o amor pelas escolas são tão grandes que estes trabalham todo ano para a organização destas escolas e blocos carnavalescos, assim como outros cujos frutos de seus trabalhos são economizados durante todo ano, para garantir a compra da fantasia para o desfile de março. O carnaval, juntamente com as diversas outras expressões éticas, estéticas e culturais da Várzea, serve, pois, como uma fonte singular de boa prática comunitária, já que expressa o núcleo de linguagem e memória de uma população que exprime através da arte, seu orgulho, sua alegria, sua união, sua vontade de transformação, enfim, que exprime sua identidade. Tanto em um gol feito pelo Brasil de Pelotas, em plena baixada, que leva os espectadores à euforia, quanto, nos passos de street dance dos talentosos dançarinos do grupo Piratas de Rua, que, ao dançarem, deixam transparecer toda a garra, resistência, beleza e técnica da dança de rua, como, no fascínio e esplendor do mestre-sala portabandeira da Telles, que desfilam ao som dos gritos eloquentes dos varzeanos, que ao gingarem conjuntamente demonstram, através de seus corpos, toda a paixão que carregam pela escola, pode-se afirmar que a Várzea respira e inspira arte. Neste contexto de diversidade tão produtiva, no qual reconhecemos a região, tivemos a oportunidade de apreciar o trabalho efetivo, dentro da comunidade, do Jornal da Várzea, idealizado por Josiane Maciel, o qual conta com a colaboração de vários voluntários. Este jornal, que circula, desde 2003, gratuitamente para toda a população da Várzea, oportuniza a realização de uma série de processos extremamente importantes para a comunidade, tais como incentivo à leitura, a conexão entre toda a população varzeana, além de, possibilitando a integração dos moradores, lhes permitir o reconhecimento de seus próprios papéis ativos no desenvolvimento da região. O caráter de compromisso e respeito, característicos do trabalho dos organizadores do jornal, que enfatizam em seu projeto a fidelidade à realidade da região, vai ao encontro com o que identificamos como primordial no contato com a comunidade, que é a responsabilidade de lidarmos fielmente com sua realidade, sem nos condicionarmos aos preconceitos tão vinculados pela maioria dos meios de comunicação de massa. Dessa forma, reconhecemos este trabalho como uma parceria ímpar para o contato e intervenção junto à comunidade. Visto que, como objetivo essencial, o jornal prioriza a circulação de informação da comunidade para a comunidade e a consequente aquisição do conhecimento coletivo sobre os fatos e acontecimentos da região. Mostrando, assim, o poder da comunicação para transformação social da comunidade, bem como a desvinculação da imagem desta região dos já citados preconceitos a ela vinculados. Notamos, portanto, a integral similaridade da proposta desse jornal para com os princípios fundamentais na interação entre a universidade e a comunidade, a que se propõe o nosso grupo. Conclusão Este é um relatório preliminar, tendo em vista que o trabalho nos bairros se iniciou faz alguns meses. Compreendemos, no entanto, que as duas regiões são caracterizadas por muitos traços semelhantes e outros demasiadamente distintivos. Verifica-se, assim, a necessidade de estabelecermos diferentes abordagens acionais, em cada comunidade, de forma a ressaltar a preservação das singularidades de cada uma, e por meio destas boas práticas, aqui mencionadas, refletirmos o papel indiscutível que possuem estas na identidade, memória e integração das regiões, Dunas e Várzea.