UM PERCURSO PARA A LEITURA ORANTE DA BIBLIA – LORDELO (3º ENCONTRO) A oração do cristão: O Pai-Nosso São Mateus 6,5-13 5 «Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. 6Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há-de recompensar-te. 7Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que usam de vãs repetições, porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos. 8Não façais como eles, porque o vosso Pai celeste sabe do que necessitais antes de vós lho pedirdes.» 9 «Rezai, pois, assim: ‘Pai nosso, que estás no Céu, [aramaico: Abba; Mc.14,36; Rm.8,15; Gal 4,6] santificado seja o teu nome, 10 venha o teu Reino; faça-se a tua vontade inspiradas na antiga prece judaica do Qadish as duas preces equivalem-se no sentido da expetativa da revelação do Reino de Deus] como no Céu, assim também na terra. 11 Dá-nos hoje [gr: «dos» = dá, sem cessar] o nosso pão de cada dia; [lit: dá-nos hoje, nosso pão de amanhã, o pão futuro, o pão da vida] 12 perdoa as nossas ofensas, [gr: opheilemata; aramaico = «dívidas» - expetativa do juizo final: prestação de conta; o perdão é o grande benefício da salvação] como nós perdoámos a quem nos tem ofendido; (fórmula aramaica; lit: «como ao dizermos estas palavras, nós estamos perdoando aos nossos devedores») 13 e não nos deixes cair em tentação [lit. «não nos conduzas em tentação; inspirado na Berakot, oração judaica da noite; = não permitas que eu caia nas garras do pecado, da iniquidade, da tentação, da infâmia; trata-se de ser protegido «na» tentação e não «da » tentação] mas livra-nos do Mal.’ [é um pedido sem paralelo no AT] Alguns manuscritos, a partir da Didaqué, acrescentam a doxologia, que jamais um judeu deixaria de rezar, na conclusão da sua oração. É uma espécie de selo [Pois a Ti pertencem o Reino, o poder e a glória, pelos séculos dos séculos. Àmen]. São Lucas 11,1-4 1 Sucedeu que Jesus estava algures a orar. Quando acabou, disse-lhe um dos seus discípulos: «Senhor, ensina-nos a orar, como João também ensinou os seus discípulos.» 2 Disse-lhes Ele: «Quando orardes, dizei: Pai, [aramaico: Abba; Mc.14,36; Rm.8,15; Gal 4,6] santificado seja o teu nome; venha o teu Reino; 3 dá-nos [gr: didou » dá] o nosso pão de cada dia; [lit: Dá-nos cada dia nosso pão de amanhã] 4 perdoa os nossos pecados (gr: hamartiai=pecados) pois também nós perdoamos (gr: aphiomen) a todo aquele que nos ofende (lit: «que nos deve»; está no singular) e não nos deixes cair em tentação.» I. LEITURA: Que diz (em) o (s) texto (s)? 1. Contexto: Porque é que Jesus ensina a rezar? 1.1. Em Mt., Jesus distingue a oração dos discípulos da dos fariseus e dos gentios. 1.2. Em Lc., os discípulos pedem na consciência de que não se pode ser discípulos sem aprender a rezar e porque vêem Jesus a rezar. 2. Quantos pedidos têm a oração do Pai-Nosso? Em Mt? 7; Em Lc? 5: uma oração esquelética, brevíssima, genérica, sintética, se comparada com muitos Salmos. 3. Partindo de Mateus, que oferece uma espécie de catecismo sobre a oração: - O que é Jesus denuncia na oração dos fariseus? Exibição, hipocrisia. - O que é que Jesus denuncia na oração dos pagãos? Excesso de palavras. - Que atitude Jesus contrapõe à oração dos fariseus? Intimidade. - Que atitude Jesus contrapõe à oração dos pagãos? Confiança no Pai. - Jesus disse: ‘Rezai assim»… ou disse «Rezai isto» e não aquilo? - Para onde se voltam os três primeiros pedidos? Para o Pai. - Sobre quem recaem os quatro últimos desejos? Sobre nós! - Que nos ensina esta oração sobre a ordem com que devemos rezar? «Resumo de todo o Evangelho» (Tertuliano, cit. por CIC 2761), o Pai-Nosso é «a mais perfeita das orações. Nela, não só pedimos tudo quanto retamente podemos desejar, mas também segundo a ordem em que convém desejá-lo» (São Tomás de Aquino, cit. Cat. Ig. Cat. 2761-2763) 4. Descrever em três diferentes partes esta oração: 4.1. «Pai»: Atitude de confiança filial: ambiente vital desta oração. A expressão aramaica «Abba», com que Jesus reza, é absolutamente nova, única e original. Dizer «Abba» (Pai) é invocar Deus, como princípio e origem do nosso ser. Quem reza aqui, experimenta Deus, como Pai (que o Filho veio revelar), que é, ao mesmo tempo, mistério transcendente e santo («que estais nos céus»), mas também amor pessoal e concreto (Abba – Pai – cf. Mc.14,36; Gal.4,6; Rom. 8,15). Esse mistério último que origina, sustém e fundamenta o universo é um mistério de amor insondável. Quem reza ao Pai, fá-lo com confiança de filho, sabendo-se irmão dos outros. Dizer «Pai-Nosso» «nosso», implicar reconhece o outro como irmão. 4.2. Há 3 expressões de augúrio, voltadas para Deus: 4.2.1. “santificado seja o vosso nome”: o primeiro desejo de Jesus, a principal preocupação e a aspiração mais ardente da sua alma: a glória de Deus. 4.2.2. “venha a nós o vosso Reino”: explicita o pedido anterior; compreender bem este «reino», não como monarquia, mas como o «reinar» de Deus na nossa vida. 4.2.3. “seja feita a vossa vontade”: o reino de Deus só pode vir e acontecer se os homens se mostrarem dóceis à sua vontade de reinar entre eles. A vontade de Deus é que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. 4.3. Há 4 pedidos que atendem à fraqueza humana: Pão, o perdão, a proteção na tentação e no mal: passa-se do «vosso (a)» (nome, reino, vontade) a «nosso» pão, pecados… Trata-se das necessidades mais básicas do ser humano, às quais Deus não é indiferente. 4.3.1. «Dai-nos o pão para o dia de hoje» (Mt), «o pão de cada dia» (Lc). Viver o momento presente, com confiança, mais na providência, que na previdência… (Mt.6,31-34; Prov.30,8). Mas nem só de Pão vive o homem. O pão de cada dia («epoiusios») também pode ser traduzido como «pão de amanhã». Por isso também se pede o pão do futuro, o pão da vida, que é Cristo (Jo.6,35); 4.3.2. «Perdoai-nos os nossos pecados» (Lc) ou «dívidas» (Mt) faz-nos pensar nas nossas dívidas, para com Deus e para com os irmãos. É o perdão de Deus, que nos capacita para o perdão aos demais. 4.3.3. «Não nos deixeis cair em tentação»: É a única petição que tem uma formulação negativa. Não pedimos que nos liberte das tentações diárias, mas que não nos deixe cair na tentação radical de recusar o reino de Deus e de abandonar a fé em Jesus Cristo. Enquanto as orações judias terminavam, com uma oração de louvor, em Lc., e depois em Mt., conclui-se com um grito de socorro ao Pai. 4.3.4. «Livrai-nos do mal». Só Mt acrescenta esta petição, relacionada com a anterior, mas diferente dela. É um grito final ao Pai do Céu. Não se trata de lhe pedir que nos preserve das dificuldades diárias, mas que nos livre do Mal que nos pode alhear do Reino de Deus e da vida. Do Catecismo da Igreja Católica 2857: “No «Pai-nosso», as três primeiras petições têm por objeto a glória do Pai: a santificação do Nome, a vinda do Reino e o cumprimento da divina vontade. As outras quatro petições apresentam-Lhe os nossos desejos: pedidos concernentes à nossa vida para a alimentar ou para a curar do pecado, ou relativos ao nosso combate para a vitória do Bem sobre o Mal”. II. MEDITAÇÃO – Que me diz o texto? 1. Que palavra me «sai» melhor do coração? 2. Que «palavra» me custe mais a sair da boca? 3. Que me ensina Jesus sobre as atitudes da oração «filial»? 4. Que costumo pedir na minha Oração? 5. As minhas súplicas, na oração, podem resumir-se ou inserir-se em alguns destes pedidos? III. ORAÇÃO: Que digo eu ao Senhor? 1. Ajudar cada um a destacar, do Pai-Nosso, uma palavra, um pedido, uma frase, uma expressão, um desejo... 2. Iniciar sempre com as palavras «Pai-nosso, que estais nos céus» e pedir, um a um, que diga, em voz alta, pela ordem da oração, o pedido correspondente. 3. “Tenta rezar o Pai-Nosso com a tua respiração. Reza uma frase, a cada expiração. É o próprio Espírito Santo que reza em ti. E a tua respiração é uma imagem d’Ele, do Espírito, que Deus, te deu, quando te deu a vida” (cf. Gn.2,7) cf. You Cat, [Português] Orações para os jovens, pág.19. 4. Cantar o Pai-Nosso: 1ª parte: de mão erguidas; 2ª parte: de mãos dadas! IV. CONTEMPLAÇÃO – Saborear a minha condição filial! Deter-se apenas na Palavra «Pai». Balbuciá-la… e rezar como que ouvindo o PaiNosso de Deus: “Filho meu que estás na terra, preocupado, tentado, solitário, eu conheço perfeitamente o teu nome e pronuncio-o como que santificando-o, porque te amo. Não, não estás só, mas habitado por Mim, e juntos construímos este reino de que irás ser o herdeiro. Alegra-me que faças a minha vontade porque a minha vontade é que tu sejas feliz, a minha glória é ver-te vivo. Conta sempre comigo e terás o pão para hoje, não te preocupes, só te peço que saibas repartir com o teu irmão. Sabes que perdoo todas as tuas ofensas, antes mesmo de tu as cometeres, por isso peço-te que faças o mesmo àqueles que te ofendem a ti. Para que nunca caias em tentação, segura firme na minha mão e Eu te livrarei do mal, pobre e querido filho meu” (J. L.M. Descalzo) V. AÇÃO Rezar o Pai-Nosso em família. Em cada dia, salientar, meditando numa frase dessa oração. “A oração é um encontro do homem com Deus, daí a importância de ensinar e iniciar as pessoas na oração. A nós, ensinavam-nos a rezar, as nossas avós e as nossas mães. Hoje em dia, perdeu-se um pouco este hábito, talvez por uma laicidade exagerada ou por algo que vai mais além da laicidade e priva a criança de aprender essa linguagem, que é a porta da transcendência. Noto que a nossa cultura, a nossa civilização, está em défice com esta dimensão do coração humano. Há que iniciar as crianças na oração e ensinar-lhes que está um Pai no céu a quem têm de se dirigir, que as ama e que nos liga a todos como irmãos. Ensinar os outros a rezar é uma das coisas mais importantes do nosso desafio, deste momento, porque significa abrir-lhes o caminho ao encontro com Deus, para que O procurem, O encontrem, se deixem procurar e se deixem encontrar. Eu deixaria uma questão: tenho a preocupação de ensinar a orar? Creio que estamos em défice com o ensino da oração” (J.M. BERGOGLIO - PAPA FRANCISCO, Bíblia, Diálogo vigente. Conversas com Abraham Shorka e Marcelo Figueiroa, Ed. Planeta, Lisboa 2014). Resumindo, a partir do Catecismo da Igreja Católica: 2858. Ao pedirmos: «santificado seja o vosso nome», entramos no desígnio de Deus, que é a santificação do seu nome – revelado a Moisés e depois em Jesus – por nós e em nós, bem como em todas as nações e em cada homem. 2859. Na segunda petição, [«venha a nós o vosso Reino»], a Igreja tem em vista principalmente o regresso de Cristo e a vinda final do reinado de Deus. Reza também pelo crescimento do Reino de Deus no «hoje» das nossas vidas. 2860. Na terceira petição, [«seja feita a vossa vontade»] pedimos ao Pai que una a nossa vontade à do Seu Filho para cumprir o seu desígnio de salvação na vida do mundo. 2861. Na quarta petição, [«o pão-nosso de cada dia nos dai hoje»] ao dizer «dai-nos», exprimimos, em comunhão com os nossos irmãos, a nossa confiança filial no nosso Pai dos céus. «O pão nosso» designa o alimento terrestre necessário à subsistência de nós todos, mas também significa o Pão da Vida: a Palavra de Deus e o Corpo de Cristo. Ele é recebido no «Hoje» de Deus, como alimento indispensável e (sobre) substancial do banquete do Reino, antecipado na Eucaristia. 2862. A quinta petição [«perdoai-nos as nossas ofensas»] implora para as nossas ofensas a misericórdia de Deus, a qual não pode penetrar no nosso coração sem nós termos sido capazes de perdoar aos nossos inimigos, a exemplo e com a ajuda de Cristo. 2863. Ao dizermos: «não nos deixeis cair em tentação», pedimos a Deus que não permita que enveredemos pelo caminho que conduz ao pecado. Esta petição implora o Espírito de discernimento e de fortaleza; solicita a graça da vigilância e a perseverança final. 2864. Na última petição: «mas livrai-nos do Mal», o cristão roga a Deus, com a Igreja, que manifeste a vitória, já alcançada por Cristo, sobre o «príncipe deste mundo», Satanás, o anjo que se opõe pessoalmente a Deus e ao seu plano de salvação. 2865. Pelo «Ámen» final, exprimimos o nosso «fiat» [=«faça-se»] em relação às sete petições: «Assim seja...» 2864. Na última petição: «mas livrai-nos do Mal», o cristão roga a Deus, com a Igreja, que manifeste a vitória, já alcançada por Cristo, sobre o «príncipe deste mundo», Satanás, o anjo que se opõe pessoalmente a Deus e ao seu plano de salvação. 2865. Pelo «Ámen» final, exprimimos o nosso «fiat» [=«faça-se»] em relação às sete petições: «Assim seja...»