1 GOHN, Maria da Glória. Cidadania, meios de comunicação de massas, associativismo e movimentos sociais. In: ALMEIDA, Fernando Ferreira de; PERUZZO, Cicília K. (orgs). Comunicação para a cidadania. São Paulo/ Salvador: Uneb/ Intercom, 2003. A autora faz um panorama dos movimentos sociais brasileiros e sua relação com a comunicação. Ela começa com a conceituação de cidadania, que, segundo ela, tem-se ampliado nos últimos anos. A ideia moderna de cidadania surge com o liberalismo: “Criam-se os direitos civis, aos cidadãos proprietários, num momento em que as demandas das classes proprietárias estavam em ascensão contra o Estado absolutista. Eram direitos individuais que limitavam o poder do Estado sobre o cidadão (...) (172). A cidadania está ligado ao conceito de posse. Segundo a autora, a teoria liberal seria criticada pelo movimento feminista, que eram consideradas cidadãs de segunda classe. Uma pequena mudança em relação às mulheres ocorreu com a Revolução Francesa, que abria espaço para a criação de direitos sociais, como a educação.[Embora, com relação às mulheres, é várias críticas, dentre elas as presentes na chamada primeira onda do feminismo, com o livro “A Vindication of Rights of Woman”, de Mary Woolstonecraft, de 1792, uma resposta ao pensamento de Rousseau sobre os direitos do homem]. Com a Revolução Francesa, “(...) a questão da cidadania deixa de ter um crivo demarcatório – ser ou não ser proprietário – e passa a ser uma questão educativa. Nesta concepção, abre-se a possibilidade do ‘povo’ ser considerado como um sujeito político relevante” (174). A autora recorre a Émile Durkheim, para quem a cidadania está ligada a valores comunitários. Ela só pode existir com base em valores centrais, como identidade comum, solidariedade, participação e integração. “Os direitos devem ser conferidos à medida que as obrigações são cumpridas, supondo-se que os indivíduos são membros de comunidades políticas maiores. A cidadania é uma virtude a ser conquistada no exercício de práticas identitárias, é uma prática em busca de bem comum” (174). Gohn afirma que a cidadania só tornou-se objeto das ciências sociais em meados do século XX, com a obra de Marshall, que estabeleceu uma tipologia dos direitos: a) civis, b) políticos e c) sociais. “Os primeiros relativos às liberdades individuais (...); o segundo, relativo ao voto (...), e o direito a participação em organizações. [Eles são os direitos de primeira geração.] Os direitos sociais, tidos como modernos, foram alcançados no século XX, e considerados de segunda geração [trabalhistas, greves, educação pública universal, habitação, assistência, saúde]. A maioria desses direitos deve ser assegurada por um estado de bem-estar social” (175). Nas últimas décadas do século XX, a autora reconhece uma série de mudanças no âmbito social que promoveram uma transformação no conceito, com o surgimento do que chamada de: a) cidadania coletiva; b) cidadania diferenciada ou multicultural e c) cidadania planetária. “(...) a cidadania coletiva une coletivos une coletivos sociais da sociedade civil e pressiona o Estado pela regulamentação, implementação e vigilância da aplicabilidade de direitos de inúmeras ordens. Os movimentos sociais (...) são sujeitos históricos que construíram e expressam a cidadania coletiva” (176). Esta seria a terceira geração dos direitos. A quarta geração seria integrada pela cidadania multicultural. Nela, incluem-se os imigrantes. “Aqui a cidadania é fruto e produto de uma identidade” (176). 1 2 A cidadania planetária insere-se numa esfera identitária que transcende os limites geográficos, e está relacionada à globalização: “A cidadania planetária surge como elaboração teórica na era da globalização, decorrente da prática de grupos sociais que não se referenciam mais a uma nação específica, a uma identidade determinada, mas a valores universais do ser humano que devem ser defendidos” (177). Teorias da comunicação A autora faz uma retomada dos vários conceitos empregados à massa na teoria sociológica, até chegar aos meios de comunicação de massa. Mostra que, até Marx e Engels, a visão de massa dos pensadores sociais era bastante negativa. “A massa se subordinaria a qualquer coisa ou poder para obter migalhas para o seu bem-estar” (180). Essa visão mudaria com Marx e Engels, para quem a massa tem capacidade de gerar consciência social. Apesar desse avanço, o fascismo tratará a massa como algo que pode ser manipulável com o uso da coerção. O filósofo espanhol Ortega y Gasset apresentará, nos anos 1930, uma visão bastante conservadora no seu “A rebelião das massas”: “Ele destaca que o grande problema para a humanidade de sua época era que se antes as massas ocupavam um espaço marginal ou secundário na sociedade, agora eram plenamente visíveis nas aglomerações da multidão. Ele achava que esse processo era um retrocesso à barbárie. Para Gasset, a massa seria incapaz de ter qualquer relação com a cultura, porque era vulgar, numa leitura bastante elitizada” (180-1). Nos anos 1940 e 1950, dominou o pensamento dos sociólogos a ideia de que a massa pode ser manipulada e apaziguada. Nos Estados Unidos, esse argumento foi utilizado para evitar os conflitos étnicos. No Brasil, as categorias cultura popular x cultura de massa foi objeto de muitas discussões nas décadas de 1960, 70 e começo de 80. Isso ocorreu porque havia uma necessidade de participação popular que havia sido negada durante a ditadura militar e uma crença na criatividade popular. “A cultura popular foi redefinida como sinônimo de resistência popular. E a cultura popular foi diferenciada da cultura das massas. A primeira seria produzida pelos seus participantes, criada e recriada continuamente. A segunda seria pré-fabricada para integrar os indivíduos, como meros consumidores passivos” (182). Nos anos 1990, a discussão toma novos rumos. Nessa época, o antídoto da cultura de massa passa a ser a busca pelas identidades das minorias. Gohn alerta, no entanto, para um possível isolamento das redes presentes na sociedade, promovendo isolamento, conforme ponto de vista de Alain Tourraine. Ainda nos anos 1990, a cultura política passa a ser importante na discussão das ciências sociais. “Nos últimos anos a cultura política voltou a ser um conceito chave em todas as áreas das ciências sociais e não apenas na ciência política. Uma das explicações pode ser dada pela importância que a cultura passou a ter nas análises dos cientistas sociais, enquanto eixo paradigmático fundamental nas explicações sobre as ações humanas vivenciadas na realidade, em detrimento das análises econômicas e políticas das décadas anteriores” (183). O estudo da cultura política passou a ser importante para identificar a ação política dos indivíduos nos grupos sociais. “Com isto a ênfase desloca-se das atitudes e opiniões dos indivíduos isolados para os indivíduos como membros participantes de grupos, de coletivos sociais como uma identidade: sem-terra, negro, mulher (...)”. E o imaginário desses grupos é formado pela cultura tradicional, pela mídia e outras formas de informação. 2 3 O novo associativismo brasileiro A autora passa a discutir as novas formas de culturas políticas dos anos 1990 em diante a partir das transformações dos movimentos sociais. “Nos anos 90 houve uma ampliação dos atores sociais presentes no associativismo brasileiro. Com isso, ampliou-se também o campo da sociedade civil organizada. Disso resultou um descentramento dos sujeitos históricos em ação, antes focado nas classes populares (...)” (186). Destaca também que a cidadania passa a ser uma questão importante nos anos 1990, com novas significações. Surgem questões como “(...) a responsabilidade social dos cidadãos, das empresas e dos órgãos governamentais nas áreas públicas etc. Ou seja, foi destacado não apenas os direitos, que é a alavanca básica do conceito de cidadania, mas também foi introduzida a questão dos deveres, da responsabilização nas arenas públicas, e essa responsabilização abriu caminhos para a participação de diferentes e novos atores sociais nas políticas públicas de parcerias entre o estado e a sociedade civil organizada, ou nos espaços criados institucionalmente, como os conselhos gestores e os fóruns sociais públicos” (187). 3