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CRIAÇÃO 1
NO PRINCÍPIO
Gn 1, 1: “No princípio, Deus criou o céu e a terra”.
Verdade de fé cristã, crida também pelos judeus e pelos muçulmanos.
O Concílio Vaticano I define:
1) que Deus é criador: “Se alguém negar o único Deus verdadeiro, criador e senhor
das coisas visíveis e invisíveis, seja anátema” (Dei Filius, De Deus criador, can. 1); e
2) que a razão humana natural pode chegar a entendê-Lo: “Se alguém disser que Deus
vivo e verdadeiro, criador e senhor nosso, não pode ser conhecido com certeza pela
luz natural da razão humana por meio das coisas que foram feitas, seja anátema” (Dei
Filius, Da revelação, can. 1).
Sem a vontade divina que a queira na existência, toda a realidade criada (material e
espiritual) não poderia ter sido.
Deus quer que as coisas sejam, porque quer dar-lhes o ser, por desígnio amoroso.
As coisas criadas não procedem de Deus de modo necessário. Nada há fora de Deus,
nem dentro d'Ele, que O obrigue a criar. A liberdade do acto criativo é consequência
directa da transcendência divina e da distinção radical entre Deus e o mundo.
Vaticano I afirma que Deus levou a cabo a criação “com libérrimo desígnio” (Dei
Filius, cap. 1).
CIC 296: «Deus cria ‘do nada’. Cremos que Deus não necessita de nada preexistente,
nem de qualquer ajuda para criar. A criação tão-pouco é emanação necessária da
substância divina. Deus cria livremente ‘do nada’».
A criação a partir do nada é um mistério da fé, e apresenta notáveis dificuldades à
imaginação. O nada de que falam os físicos nos limites da teoria do Big Bang não é o
nada da doutrina cristã, mas sim o “vazio” de algo preexistente.
A noção de criação é teológica: está para lá da ciência empírica.
Para os cristãos, a criação do mundo implica que teve um princípio e não existe desde a
eternidade. Trata-se de uma verdade de fé, definida nos Concílios IV de Latrão e
Vaticano I.
A existência do mundo desde a eternidade não repugna à razão humana, ao nível
puramente especulativo. Contra os seus predecessores, Aristóteles defende a tese de
que o mundo não tem princípio e não terá fim.
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CIC 299: “Uma vez que Deus cria com sabedoria, a criação possui ordem (...). Saída
da bondade divina, a criação partilha dessa bondade (...).
A Igreja, em diversas ocasiões, viu-se na necessidade de defender a bondade da criação,
mesmo a do mundo material”.
O facto de ser criatura não se refere unicamente a ser originado, mas também à mais
profunda estrutura desse ser que, devido à sua contingência, requer contínua assistência
divina para existir. As criaturas são conservadas na existência por Deus.
São Gregório Magno, Moralia 16: “de tal modo depende de Deus o ser de todas as
criaturas que nem por um só instante poderiam subsistir, voltariam ao nada, se não
fossem conservadas no ser pela acção e força divinas”.
Deus não só dá o ser à sua criatura, “mas a cada instante a mantém no ser, lhe dá o
agir e a conduz ao seu termo” (CIC 301).
Ainda que, sob a letra da Bíblia, haja subjacente um modelo de universo, que
corresponde à época em que foi redigida, o interesse do texto dirige-se ao horizonte da
vontade de Deus. O Génesis não quer acolher nenhum tipo de hipótese física. Dizer
que, “no princípio”, Deus criou os céus e a terra, é saltar para um plano transcendente.
CIC 287: “Para além do conhecimento natural, que todo o homem pode ter do
Criador, Deus revelou progressivamente a Israel o mistério da Criação”.
Ex 3, 13-14: «Moisés replicou a Deus: ‘Quando eu for ter com os filhos de Israel, dirlhes-ei: ‘o Deus dos vossos antepassados enviou-me a vós’; e se eles me perguntarem
‘qual o nome d'Ele?, o que é que eu vou responder?’ Deus disse a Moisés: ‘Eu sou
Aquele que sou».
As criaturas não têm todas as perfeições do ser: não “são”, mas necessitam de que
alguém seja a origem do seu ser. Deus não necessita de nada para ser: verdadeiramente
“é”, porque não deve o seu ser a outro. Tal realidade situa imediatamente a diferença
radical entre Deus e o criado.
Gn 1, 3: “Disse Deus: ‘Que exista a luz’. E a luz começou a existir”.
Através da Palavra, que é a manifestação da sua vontade, Deus traz tudo à existência.
Sendo o único ser auto-suficiente, não tem necessidade de fazer participar da
existência qualquer das criaturas.
Guiados pela Revelação, vemos na Criação um Deus que quer compartilhar a riqueza
do seu ser, dando o ser a uma infinidade de seres, que reflectem o Seu poder e a Sua
glória. Decide comunicar-Se a quem não Lho possa exigir.
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CRIAÇÃO 2
LEITURA CRISTÃ DA CRIAÇÃO
Com a Encarnação do Verbo divino, os dados do Antigo Testamento não são
suprimidos, senão recolocados num novo horizonte que permite entender com maior
profundidade as acções divinas a partir da origem do mundo.
CIC 287: «Deus, que escolheu os patriarcas, que fez sair Israel do Egipto e que,
escolhendo Israel, o criou e formou, revela-Se como Aquele a quem pertencem todos os
povos da terra e toda a terra, como sendo o único que ‘fez o céu e a terra’».
São Paulo em Atenas: “esse Deus que adorais sem conhecer, é exactamente Aquele que
eu vos anuncio. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe. Sendo Senhor do céu
e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas (...). De um só homem,
fez toda a raça humana, para que habitasse sobre toda a face da terra” (Act 17, 23-26).
Destas palavras se deduz que, para os primeiros cristãos, pregar o Deus de Jesus Cristo,
está imediatamente unido ao pensamento da Criação divina, porque sem esta realidade
primeira e capital não faz sentido nada do que Deus fez posteriormente.
Ef 1, 4: “Ele (Deus) escolheu-nos em Cristo antes de criar o mundo para que sejamos
santos e sem defeito diante d’Ele, pelo amor”.
Recorda aos Efésios que estão chamados, desde toda a eternidade, a ser filhos de
Deus. Todo o projecto da nossa santidade se encontrava já presente no momento da
Criação. Tudo está organizado em função da nossa chamada a participar da vida divina
em Cristo.
Na obra da Criação, as Pessoas divinas intervêm segundo o seu ser pessoal
característico, mesmo quando, por se tratar de obra de Deus “ad extra”, actua toda a
Trindade como unidade de essência.
CIC 292: “Insinuada no AT, revelada na Nova Aliança, a acção criadora do Filho e do
Espírito Santo, inseparavelmente unida à do Pai, é claramente afirmada pela regra de
fé da Igreja: “Existe um só Deus. Ele é o Pai, é Deus, é o Criador, o Autor, o Ordenador.
Fez todas as coisas por Si mesmo, quer dizer, pelo Seu Verbo e pela sua Sabedoria’,
‘pelo Filho e pelo Espírito’, que são como as ‘suas mãos’ (Santo Ireneu, Adv.
haereses 2, 30, 9; 4, 20, 1). A criação é obra comum da Santíssima Trindade”.
Col 1, 16-17: “N’Ele (Cristo) foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra (...).
Tudo foi criado por Ele e para Ele, e Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas
subsistem por Ele”.
Símbolo niceno-constantinopolitano: “Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a
vida” Veni Creator: “Vem, ó Espírito, Criador!”.
A tarefa do Espírito Santo é criar nos corações de todos os homens e mulheres a
imagem sobrenatural de ser filhos de Deus.
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Todos os bens naturais e sobrenaturais provêm do Espírito, “Fonte de todo o bem”
(Liturgia bizantina, 2º Topário das Vésperas de Pentecostes).
CRIAÇÃO 3
O AMOR DE DEUS
“Na sua bondade e pela sua força todo-poderosa, o único e verdadeiro Deus, em seu
libérrimo desígnio, no começo do tempo, criou do nada, ao mesmo tempo, uma e outra
criatura, a espiritual e a corporal, não para aumentar a sua bem-aventurança, nem para
adquirir a sua perfeição, mas para a manifestar às suas criaturas, pelos bens que
outorga”. (Vaticano I, Const. dog. Dei Filius).
O amor de Deus é a razão primeira e última da Criação.
Vaticano I define que “o mundo foi criado para glória de Deus” (Dei Filius, De Deus
criador, can. 5). “A glória de Deus está em que se realize esta manifestação e esta
comunicação da sua bondade, em ordem às quais o mundo foi criado. (...) O fim
último da criação é que Deus Pai, ‘Criador de todos os seres, venha finalmente a ser
‘tudo em todos’ (1 Co 15, 28), provendo, ao mesmo tempo, à sua glória e à nossa
felicidade’ (Ad gentes 2)” (CIC 294).
O homem deve tributar a Deus, consciente e voluntariamente, a glória que lhe
rendem, de modo objectivo e inconsciente, o resto das criaturas visíveis. A adoração do
homem a Deus supõe colocar Deus no centro da vida.
O fim das criaturas livres corresponde ao fim do Criador. A felicidade do homem está
incluída na glória de Deus. Buscar a glória de Deus, glorificá-Lo, conhecendo-O e
amando-O, constitui a suprema felicidade do homem.
“O motivo mais sublime da dignidade humana fundamenta-se na vocação do homem à
união com Deus. (...) Se o homem existe é porque Deus o criou por amor e, por amor,
não cessa de o conservar na existência; e o homem não vive plenamente segundo a
verdade, se não reconhecer livremente este amor e não se entregar ao seu Criador”
(Gaudium et spes 19).
CIC 295: “Acreditamos que Deus criou o mundo segundo a sua sabedoria. O mundo
não é fruto de uma qualquer necessidade, de um destino cego ou do acaso.
Acreditamos que ele procede da vontade livre de Deus, que quis fazer as criaturas
participantes do seu Ser, da sua sabedoria e da sua bondade”.
A existência dos seres diz-nos do amor de Deus. O homem é fruto de uma decisão
providencial de Deus, que quer o melhor para ele. A razão de fundo é esta natureza
amorosa e sapiente de Deus, que, ao criar, não está condicionada por nada.
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Os sete dias da Criação são dias tomados em sentido metafórico. São etapas
sucessivas na acção de Deus, que correspondem ao equilíbrio e harmonia que
contemplamos nas realidades naturais.
Deus comprova todos os dias da criação que o que fez é bom. Não faz parte da sua
intenção criar nada defeituoso, manchado ou marcado pelo mal. Não há seres
radicalmente originados no mal desde o princípio. Veremos a aparição do mal mais
adiante.
S. Tomás de Aquino, Prólogo a 2 Sentencias: “Aberta a sua mão com a chave do
amor, surgiram as criaturas”. S. Boaventura, I Sent 2: “(Deus criou) não para
aumentar a sua glória, mas para a manifestar e a comunicar”.
O criado, em toda a sua bondade e grandeza, é o espelho da “glória de Deus”: é como
um glorioso resplendor da glória de Deus, através do qual os homens podem conhecer a
Deus Criador. Reflecte também a sua vontade, a sua grandeza e a sua beleza de modo
participado.
Ainda que todas as coisas criadas existam com uma consistência que podemos chamar
meramente natural, não deixa de ser verdade a chamada constante ao amor com que
foram pensadas e queridas por Deus.
Mais ainda, segundo São Paulo, “toda a Criação tem gemido e sofrido dores de parto
até agora” (Rm 8, 22). As criaturas, criadas no amor e para o amor, só alcançarão o
gozo pleno numa existência e numa vida para a glória de Deus, “quando Deus for tudo
em todos” (1 Cor 15, 28).
Vinculado com a verdade da criação está a afirmação da autonomia das realidades
terrenas. Gaudium et spes 36: “muitos dos nossos contemporâneos parecem recear que
uma ligação muito mais íntima entre a actividade humana e a religião constitua um
perigo para a autonomia dos homens, das sociedades e das ciências”.
“Se, porém, pela expressão ‘autonomia das realidades temporais’, se entende que as
coisas criadas não dependem de Deus e que o homem pode usá-las sem as referir ao
Criador, não há ninguém, que acredite em Deus, que não perceba quão falsas são tais
afirmações. Na verdade, a criatura sem o Criador esvai-se” (Ibidem).
“Se, porém, pela expressão ‘autonomia das realidades temporais’, se entende que as
coisas criadas não dependem de Deus e que o homem pode usá-las sem as referir ao
Criador, não há ninguém, que acredite em Deus, que não perceba quão falsas são tais
afirmações. Na verdade, a criatura sem o Criador esvai-se” (Ibidem).
“No contexto de uma ‘autonomia’ assim entendida, é o homem que na realidade fica
privado da própria autonomia em relação ao mundo, e acaba por se encontrar de facto
submetido a ele” (João Paulo II, Audiência geral, 02.04.1986).
À autonomia das realidades terrenas se vincula o problema da ecologia, “quer dizer, a
preocupação pela protecção e preservação do ambiente natural” (João Paulo II,
Audiência geral, 02.04.1986).
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“O desequilíbrio ecológico, que supõe sempre uma forma de egoísmo anti-comunitário,
nasce do uso arbitrário - e sem dúvida nocivo - das criaturas, cujas leis e ordem natural
se violam, quando se ignora ou despreza a finalidade que é imanente na obra da
criação.
Também este modo de comportamento advém de uma falsa interpretação da
autonomia das coisas terrenas” (Ibidem).
“Quando o homem usa estas coisas sem as referir ao Criador (...) causa a si mesmo
danos incalculáveis” (Ibidem).
CRIAÇÃO 4
CRIAÇÃO E CIÊNCIA
CIC 282: «A catequese sobre a Criação reveste-se duma importância capital. Diz
respeito aos próprios fundamentos da vida humana e cristã, porque torna explícita a
resposta da fé cristã à questão elementar que os homens de todos os tempos têm vindo a
pôr-se: ‘De onde vimos?’ ‘Para onde vamos?’ ‘Qual a nossa origem?’ Qual o nosso
fim?’, ‘Donde vem e para onde vai tudo quanto existe?’».
Qualquer religião procura dar resposta a estas perguntas.
Ibidem: “As duas questões, da origem e do fim, são inseparáveis. E são decisivas para
o sentido e para a orientação da nossa vida e do nosso proceder”.
CIC 285: “Desde os princípios que a fé cristã teve de defrontar-se com respostas,
diferentes da sua, sobre a questão das origens. De facto, nas religiões e nas culturas
antigas encontram-se muitos mitos relativos às origens”.
O interesse da Bíblia concentra-se num problema de ordem superior.
CIC 284: “Não se trata apenas de saber quando e como surgiu materialmente o
cosmos, nem quando é que apareceu o homem, mas, sobretudo, de descobrir qual o
sentido de tal origem: se foi determinado pelo acaso, por um destino cego ou uma
fatalidade anónima, ou, antes, por um Ser transcendente, inteligente e bom, chamado
Deus”.
As tradições religiosas antigas formularam as suas intuições sobre a origem do real sob
a forma que conhecemos como mito (criação poética carregada de significado profundo
e misterioso). Não é linguagem científica.
A revelação da criação na Sagrada Escritura exprime a sua verdade envolvida por
diferentes formas literárias.
Dei Verbum 11: “A Santa Madre Igreja, fiel à base dos apóstolos, reconhece que todos
os livros do Antigo e do Novo Testamento, com todas as suas partes, são sagrados e
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canónicos, enquanto que, escritos por inspiração do Espírito Santo, têm Deus como
autor, e como tais foram confiados à Igreja”.
CIC 289: “Entre tudo quanto a Sagrada Escritura nos diz sobre a criação, os três
primeiros capítulos do Génesis ocupam um lugar único. Do ponto de vista literário,
estes textos podem ter diversas fontes. Os autores inspirados puseram-nos no princípio
da Escritura, de maneira a exprimirem, na sua linguagem solene, as verdades da
criação, da sua origem e do seu fim em Deus, da sua ordem e da sua bondade, da
vocação do homem, e enfim, do drama do pecado e da esperança da salvação”.
Ibidem: “Lidas à luz de Cristo, na unidade da Sagrada Escritura e na Tradição viva
da Igreja, estas palavras continuam a ser a fonte principal para a catequese dos
mistérios do ‘princípio’: criação, queda, promessa da salvação”.
CIC 283: “A questão das origens do mundo e do homem tem sido objecto de numerosas
investigações científicas, que enriqueceram magnificamente os nossos conhecimentos
sobre a idade e a dimensão do cosmos, a evolução dos seres vivos, o aparecimento do
homem”.
Ibidem: “Tais descobertas convidam-nos, cada vez mais, a admirar a grandeza do
Criador e a dar-Lhe graças por todas as suas obras, e pela inteligência e saber que dá
aos sábios e investigadores”.
Os textos bíblicos, em comparação com os avanços da ciência, falam-nos de outra
coisa mais profunda e importante para a vida do homem. Remetem-nos para as verdades
transcendentes. Falam-nos de um mais além do experimental, da origem absoluta de
todas as coisas.
O científico e o religioso são dois horizontes de compreensão diferentes, que não
podem contradizer-se, pois ambos têm Deus como autor. A fé não levanta objecções à
investigação científica, antes pelo contrário, pois a ciência não supõe senão uma
melhor compreensão das obras de Deus. Quanto mais conhecemos o criado, tanto mais
nos aproximamos do autor de tudo.
Há um certo tipo de evolucionismo que é incompatível com a admissão da criação: é
uma ideologia materialista, que afirma que a matéria tem que dar conta de si mesma e
das suas próprias transformações.
Existe também um criacionismo, que exclui rotundamente qualquer evolução. Mas
João Paulo II precisa (Alocução, 26.04.1985) que “o debate à volta de modelo
explicativo da evolução não encontra obstáculos na fé, sempre que a discussão
permaneça no contexto do método naturalista e das suas possibilidades”.
Em mensagem dirigida à Academia Pontifícia das Ciências (22.10.1996), João Paulo
II afirmou que a teoria da evolução é, hoje em dia, algo mais do que uma hipótese; e
acrescentou que uma interpretação filosófica da evolução que não deixe lugar às
dimensões espirituais da pessoa humana chocaria com a verdade acerca da pessoa e
seria incapaz de proporcionar o fundamento da sua dignidade.
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“O Magistério da Igreja não proíbe que (...) se trate nas investigações e disputas dos
especialistas, num e noutro campo, da doutrina da ‘evolução’, enquanto busca a origem
do corpo humano numa matéria viva preexistente, pois a fé católica manda-nos
sustentar que as almas são criadas imediatamente por Deus” (Pio XII, Enc. Humani
generis (1950)).
João Paulo II recorda-o, na Audiência geral de 16.04.1986, por exemplo.
João Paulo II sublinha que não se vê dificuldade em explicar a origem do corpo do
homem mediante o evolucionismo, mas que “a doutrina da fé afirma invariavelmente
que a alma espiritual do homem foi criada directamente por Deus” (Ibidem).
A noção de Criação não influi na visão física do mundo, mas antes remete para um
plano mais profundo de compreensão da realidade: dá razão, à luz da revelação divina,
da mesma origem de tudo, num sentido metafísico e não só temporal, e relaciona esta
origem com o sentido final do mundo, a sua relação com Deus, e com a história da
Salvação.
A origem do mundo e do homem não se resolve somente com a explicação do seu ser
natural. O mundo e o homem estão abertos a uma ordenação sobrenatural que os
transcende. Foram criados com um fim, uma vocação íntima: a comunhão com Deus.
Esta vocação do homem à comunhão com Deus está na raiz da sua dignidade mais alta.
O crente aceita as verdades de Deus, não porque elas cheguem demonstradas, mas
porque a sua origem está em Deus, que não pode enganar: por isso, são dignas de
apreço e, inclusive, de sacrifício na hora de ser congruentes com elas.
Os relatos bíblicos estão cheios de significado sobre quem é Deus, o homem, o mundo
e qual é o sentido transcendente da sua realidade. Cumprem com a missão de nos
ensinar quem é Deus, por que é que criou o homem e como quis, desde sempre, que
fosse. São relatos carregados de religião e de vida espiritual. Não são biologia, nem
astrofísica, nem química..., mas fé e vida.
A fé não repele a ciência, nem a ciência deveria estar de costas voltadas para a fé. São
ordens diferentes do conhecimento Humano, que se complementam muito bem se não
se cai em problemas estéreis.
Não há, portanto, incompatibilidade entre o relato do Génesis e as descobertas
científicas.
A ciência pode iluminar muitos pontos que estão à porta da fé e permite ao homem
crente compreender melhor a grandeza da criação e da vocação do homem.
A fé pode dar uma dimensão mais profunda e elevada à actividade de ordem
científica, enquanto o homem procura preocupar-se com outras dimensões da sua
existência.
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CRIAÇÃO 5
PROVIDÊNCIA DE DEUS
A Providência pode descrever-se como conjunto de acções e disposições pelas quais
Deus leva a cabo as suas relações contínuas com o mundo e o homem, com o fim de
conduzi-los até à sua perfeição final.
Consiste, assim, num governo do mundo, que abarca o que acontece na natureza e na
história, o que afecta as comunidades humanas e o que tem a ver com a vida de cada
indivíduo. Vaticano II fala dela como o “poder misterioso que está presente no
desenrolar das coisas e nos acontecimentos da vida humana”
(Nostra aetate 2).
A Providência (cuidado contínuo que Deus tem com as suas criaturas) “é uma verdade
inseparável da fé em Deus Criador: Deus age em toda a acção das suas criaturas”
(CIC 308).
“A Igreja anuncia a Divina Providência, não por invenção sua, mas porque Deus se
manifestou assim, quando revelou, na história do seu povo, que a sua acção criadora e
a sua intervenção de salvação estavam indissoluvelmente unidas, faziam parte de um
único plano projectado nos séculos eternos” (João Paulo II, Catequese sobre a
Providência 4).
A Providência divina é um dado constante da Escritura. Deus conduz tudo o que foi
criado para o Bem, para o fim para o qual as criaturas existem. Sal 145, 9: “Deus é bom
com todos, e a sua misericórdia estende-se a todas as suas obras”.
“Deus guarda e governa pele sua providência tudo o que criou, ‘alcançando com força
de um extremo ao outro do universo e dispondo tudo rectamente’ (Sb 8, 1). Porque
‘tudo está nu e descoberto a seus olhos’ (Hb 4, 13), inclusive o que a acção livre das
criaturas produza” (Vaticano I, Dei Filius 1).
CIC 303: “A solicitude da divina Providência é concreta e imediata; cuida de tudo,
desde os mais insignificantes pormenores até aos grandes acontecimentos do mundo e
da história”.
Esta convicção implica que as coisas não sucedem por acaso ou por casualidade, e que
a ordem causal do universo não advém de uma força anónima ou de agentes que
actuem à margem de Deus.
Exclui-se especialmente a fatalidade - é dizer, a ideia supersticiosa de que o homem se
encontra dominado por energias ocultas no cosmos, que exerceriam sobre a existência
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humana uma influência negativa e inexorável. Visão fatalista e não providente na
bruxaria.
“No seu poder Infinito, Deus poderia sempre criar algo melhor” (S. Tomás, S. Th. I,
q. 25, 6). Preferiu o mundo tal como é: um mundo que deve alcançar a sua perfeição.
“Portanto, com o bem físico existe também o mal físico, enquanto a Criação não tiver
alcançado a sua perfeição” (Idem, Suma contra os Gentios 3, 71). Estudaremos o
problema do mal mais adiante.
CIC 308: Deus “é a causa primeira, que opera nas e pelas causas-segundas: ‘É Deus
que produz em nós o querer e o operar, segundo o seu beneplácito’ (Fl 2, 13). Longe de
diminuir a dignidade da criatura, esta verdade realça-a”.
Pela sua providência, Deus previu que o homem fosse participante livremente da vida
bem aventurada, e saiu-lhe ao encontro. Mas o homem pode não aceitar o
chamamento a tal vida bem aventurada, e considerar os acontecimentos históricos como
resultado exclusivo das acções do homem, sem reparar na sua dimensão de
eternidade. No entanto, estes acontecimentos dão-se nas mãos amorosas de Deus, que
não quer o mal na história, mas permite-o, por respeito à liberdade criada e porque
desses males pode tirar bens.
A providência infalível de Deus não força a acção livre das criaturas racionais. Não
saberemos o sentido pleno da história até ao final dos tempos.
A presença providente de Deus invade absolutamente tudo.
Nem os lugares recônditos são problema para o seu olhar, porque Deus vê a partir do
interior do ser. Esta presença de Deus chama-se “presença de imensidade”.
Sal 139, 7-10: “Para onde irei, longe do teu sopro? Para onde fugirei, longe da tua
presença? Se subo ao céu, Tu estás lá; se desço ao abismo, lá Te encontro. Se levanto
voo para as margens da aurora, se emigro para os confins do mar, aí me alcançará a tua
esquerda, e a tua direita me sustentará”.
CIC 305: “Jesus reclama um abandono filial à Providência do Pai celeste, que cuida
das mais pequenas necessidades dos seus filhos: ‘Não vos inquieteis, dizendo: que
havemos de comer? Que havemos de beber? (...). Bem sabe o vosso Pai celeste que
precisais de tudo isso. Procurai primeiro o Reino de Deus e sua justiça, e tudo o mais
vos será dado por acréscimo’ (Mt 6, 31-33)”.
Em Cristo, os cristãos aprendem a ter confiança no seu Pai Deus. Não há nada para um
cristão que não provenha da mão amorosa de Deus, porque nem sequer os momentos
mais duros da existência estão afastados da vontade de Deus. Rom 8, 28: “Todas as
coisas concorrem para o bem dos que amam a Deus”.
Os santos, ante as adversidades mais extremas, não deixam de invocar Deus para que
se possam ver livres da ameaça, mas sobretudo para que se cumpra o desígnio amoroso
de Deus. Por isso, não têm temor perante a dor, nem perante a morte, porque as
adversidades da terra não podem senão uni-los ao corpo sofredor do Senhor.
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São Tomás More, pouco antes do seu martírio, para consolo da sua filha: “Nada pode
acontecer-me que Deus não queira. E tudo o que Ele quer, por muito mau que nos
pareça, é, na verdade, muito bom” (cfr. CIC 313).
CRIAÇÃO 6
O MAL
O ser humano adverte a existência de um mal que provém da natureza: fenómenos que
aparecem como que ligados aos limites próprios das criaturas.
O homem, naturalmente, quer viver, e viver com bem-estar material. Se se deixa levar
pela visão terrena, qualquer atentado contra esta situação é sentido como mal, sobretudo
se implica a morte, ante a qual os outros males se consideram menores.
Costuma distinguir-se entre mal físico, se se produz no mundo da natureza, como
consequência da imperfeição material, e mal moral, se se produz pelo desvio da livre
decisão dos anjos e dos homens no caminho até ao seu destino último. O mal moral é o
pecado.
São Basílio: “Não caias em supor que Deus é a causa da existência do mal, nem em
imaginar que o mal tem subsistência própria. A perversidade não subsiste como se
fosse algo vivo, nem poderá pôr-se jamais diante dos olhos a substância dela, como se
existisse verdadeiramente. Porque o mal é a privação do bem” (PG 31, 341).
“Falando absolutamente, nenhuma natureza é má. Este nome de mal apenas se dá na
privação do bem” (Santo Agostinho, Sobre a Cidade de Deus 11, 22).
CIC 311: “Os anjos e os homens, criaturas inteligentes e livres, (...) podem desviar-se.
De facto, pecaram. Foi assim que entrou no mundo o mal moral,
incomensuravelmente mais grave que o mal físico. Deus não é, de modo algum, nem
directa nem indirectamente, causa do mal moral. No entanto, permite-o por respeito
pela liberdade da sua criatura, e, misteriosamente, sabe tirar dele o bem”.
CIC 390: “A Revelação dá-nos uma certeza de que toda a história humana está
marcada pela falta original, livremente cometida pelos nossos primeiros pais”.
CIC 398: “Neste pecado (original), o homem preferiu-se a si próprio a Deus, e por isso
desprezou Deus (...).
Constituído num estado de santidade, o homem estava destinado a ser plenamente
‘divinizado’ por Deus na glória. Pela sedução do diabo, quis ‘ser como Deus’, mas
‘sem Deus, em vez de Deus, e não segundo Deus”.
CIC 400: “A harmonia em que viviam (...) ficou destruída; o domínio das faculdades
espirituais da alma sobre o corpo foi quebrado; a união do homem e da mulher ficou
sujeita a tensões (...).
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A harmonia com a Criação desfez-se: a criação visível tornou-se, para o homem,
estranha e hostil (...). A morte faz a sua entrada na história da humanidade”.
O pecado é o mal radical, a origem de todos os males. É ofensa a Deus, “amor de si
mesmo até ao desprezo de Deus” (Santo Agostinho, De civitate Dei 14, 28).
O pecado é o verdadeiro mal, porque dele provêm os outros males no mundo, entre os
quais se encontra o mal físico. As consequências do pecado são devastadoras: inveja,
sofrimento, dor, penas, tristeza, corrupção, cegueira, frialdade de coração, etc..
Os Evangelhos mostram-nos com grande frequência Jesus em contacto íntimo com o
sofrimento dos homens. O Senhor deixa que se aproximem d´Ele os pobres, os doentes,
os endemoninhados, os pecadores e todos os que são vítima de desgraças e infortúnios
humanos.
Sem haver cometido pecado algum, Jesus abraça-se decididamente à dor, por amor ao
Pai e aos homens. Sofre pessoalmente até à morte de Cruz, apesar de ser inocente.
“É, pois, por Cristo e em Cristo que se esclarece o enigma da dor e da morte, o qual, à
margem do Evangelho, nos esmaga”. (Gaudium et spes 22).
Cristo redime-nos e salva-nos por meio da Cruz. A partir desse momento, o homem
pode descobrir a fonte de bem que esconde a dor. Para uma pessoa, conforme a
disposição interior que tiver, o sofrimento pode ser redentor e purificador da alma se,
como Cristo, se recebe em oferta de agradável entrega à vontade e amor divinos.
A dor e o sofrimento são males não queridos por Deus, ao criar. Graças ao valor
redentor e purificador da Cruz de Cristo, converteram-se num grande valor de
purificação, expiação e redenção.
CRIAÇÃO 7
OS ANJOS
CIC 328: “A existência dos seres espirituais, não corporais, que a Sagrada Escritura
chama habitualmente anjos, é uma verdade de fé. O testemunho da Escritura é tão
claro como a unanimidade da Tradição”.
Também é verdade de fé a existência dos demónios, aos quais se faz referência em
tantos lugares da Escritura: Jesus combate-os em muitas passagens, recolhem-se os
exorcismos do Senhor como uma das suas actividades inerentes a Reino de Deus, etc.
Na vida dos santos, sempre está presente a sua relação com os anjos que Deus põe ao
nosso lado durante a vida terrena.
CIC 330: “Enquanto criaturas puramente espirituais, são dotados de inteligência e
vontade: são criaturas pessoais e imortais. Excedem em perfeição todas as criaturas
visíveis. O esplendor da sua glória assim o atesta”.
13
Como não são compostos de nada material, para os anjos, não há possibilidade de
decomposição, nem, portanto, de morte, ainda que, em certas ocasiões, se manifestem
aos homens de forma visível, adoptando a figura humana.
A alguns deles Deus confia um papel importante no caminhar do homem sobre a terra,
mas outros vivem exclusivamente para louvar a Deus.
CIC 329: “Santo Agostinho diz a respeito deles: ‘Anjo é nome de ofício, não de
natureza. Desejas saber o nome da natureza? Espírito. Desejas saber o do ofício?
Anjo. Pelo que é, é espírito; pelo que faz, é anjo’ (Comentário sobre os Salmos 103,
1, 15)”.
Ibidem: «Com todo o seu ser, os anjos são servos e mensageiros de Deus. Pelo facto
de contemplarem ‘continuamente o rosto do meu Pai que está nos céus’ (Mt 18, 10),
eles são ‘os poderosos executores das suas ordens, sempre atentos à sua palavra’»
(Sal 103, 20)”.
CIC 331: “Cristo é o centro do mundo dos anjos (angélico). Estes pertencem-lhe:
‘Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos...’
(Mt 25, 31). Pertencem-Lhe, porque criados por e para Ele: ‘em vista d’Ele é que
foram criados todos os seres, que há nos céus e na terra, os seres visíveis e os invisíveis,
os anjos que são os tronos, senhorias, principados e dominações. Tudo foi criado por
seu intermédio e para Ele’ (Col 1, 16). E são d’Ele mais ainda porque Ele os fez
mensageiros do seu plano salvador: ‘Não são eles todos espíritos ao serviço de Deus, a
fim de exercerem um ministério a favor daqueles que hão-de herdar a salvação? ‘(Heb
1, 14)»
CIC 392: “A Escritura fala de um pecado destes anjos. A ‘queda’ consiste na livre
opção destes espíritos criados que, radical e irrevogavelmente, recusaram Deus e o seu
Reino.
Encontramos um reflexo desta rebelião nas palavras do tentador aos nossos primeiros
pais: ‘Sereis como Deus’ (Gn 3, 5)”.
“O diabo e os outros demónios foram criados por Deus com uma natureza boa, mas
eles fizeram-se a si mesmos maus” (Latrão IV (1215)).
“Para eles (os demónios), não há arrependimento depois da queda, como não há
arrependimento para os homens depois da morte” (São João Damasceno, A fé
ortodoxa 2, 4).
CIC 395: “O poder de Satanás não é infinito. Satanás é uma simples criatura, poderosa
pelo facto de ser puro espírito, mas, de qualquer modo, criatura: impotente para
impedir a edificação do Reino de Deus”.
A sua acção “é permitida pela divina Providência que, com força e suavidade, dirige a
história do homem e do mundo. A permissão divina da actividade diabólica é um
grande mistério. Mas ‘nós sabemos que tudo concorre para o bem daqueles que amam
a Deus’ (Rm 8, 28)”. (Ibidem)
14
Assistência dos anjos no AT:
No encerrar do Paraíso; ajuda a Lot; a Agar; no sacrifício de Isaac; no caminho do
Êxodo, etc.
Assistência aos profetas (Elias...); anúncio de grandes acontecimentos como as
vocações de personagens decisivas na história de Israel (Gedeão...) ou como nos
nascimentos de juízes (Sansão...), etc.
Assistência dos anjos no NT:
São Gabriel: anunciação de João Baptista e de Jesus.
Intervenção dos anjos em toda a história da salvação.
Na vida de Cristo: anjos e os pastores em Belém; no deserto para preparar a sua
missão pública; no Horto das Oliveiras, no anúncio da Ressurreição de Cristo, etc.
Abundantes citações dos Actos dos Apóstolos, que fazem referência à vida de
comunhão dos primeiros cristãos com os seus anjos. Toda a vida da Igreja beneficia
da ajuda misteriosa e poderosa dos anjos.
CIC 336, sobre os anjos: “Desde o seu começo até à morte, a vida humana é
acompanhada pela sua assistência e intercessão. ‘Cada fiel tem a seu lado um anjo
como protector e pastor para o guiar na vida’ (São Basílio, Contra Eunómio 3, 1).
Desde este mundo, a vida cristã participa, pela fé, na sociedade bem-aventurada dos
anjos e dos homens, unidos em Deus”.
É legítimo o culto de veneração aos anjos e aos santos. Os Padres da Igreja vêm-se
obrigados a combater tanto aos que adoram como aos que desprezam os anjos.
Santo Agostinho insiste (em Da verdadeira religião 55) em que só a Deus se deve o
culto de latria (adoração), mas diz que os santos e os anjos podem ser objecto de
legítima homenagem.
O Concílio II de Niceia (787) definiu que “hão-de expor-se as sagradas e santas
imagens (...) de nosso Senhor (...) Jesus Cristo, da Imaculada Senhora nossa santa Mãe
de Deus, dos preciosos anjos e de todos os santos veneráveis, e que estas imagens
podem ser licitamente veneradas, ainda que sem culto de latria.
CRIAÇÃO 8
O HOMEM
São João Crisóstomo, Sermão sobre o Génesis 2, 1: “Qual é, pois, o ser que vai vir
depois da existência, rodeado de semelhante consideração? É o homem, grande e
admirável figura vivente, mais precioso aos olhos de Deus que toda a Criação; é o
15
homem, para ele existem o céu e a terra e o mar e a totalidade da Criação, e Deus deu
tanta importância à sua salvação que não poupou seu Filho de fazer todo o possível para
que o homem subisse até Ele e se sentasse à sua direita”.
CIC 362: “A pessoa humana, criada à imagem de Deus, é um ser ao mesmo tempo
corporal e espiritual. A narrativa bíblica exprime esta realidade numa linguagem
simbólica, quando afirma que ‘Deus formou o homem com o pó da terra, insuflou-lhe
pelas narinas um sopro de vida, e o homem tornou-se num ser vivo’ (Gn 2, 7)”.
“Muitas vezes, a palavra alma designa, nas Sagradas Escrituras, a vida humana, ou a
pessoa humana no seu todo. Mas designa também o que há de mais íntimo no homem
e de mais valor na sua pessoa, aquilo que particularmente faz dele imagem de Deus:
‘alma’ significa o princípio espiritual no homem” (CIC 363).
A alma é imortal, porque é imaterial e não pode sofrer corrupção. É a sede das
potências superiores (inteligência, vontade), graças às quais o homem goza da
liberdade.
O homem é capaz, pela sua alma, das coisas superiores do espírito, como são o amor a
Deus e ao criado, o entendimento do que conhece pelos sentidos e das realidades da
fé...
A Igreja ensina que cada alma espiritual é directamente criada por Deus. A alma não é
“produzida” pelos pais, e é imortal.
Gaudium et spes 14: “Não é, portanto, lícito ao homem desprezar a vida corporal,
mas, pelo contrário, é obrigado a considerar bom e digno de honra o seu corpo, uma
vez que foi criado por Deus e por Deus e deve ressuscitar no último dia”.
CIC 364: “O corpo do homem participa na dignidade da ‘imagem de Deus’: é corpo
humano, precisamente por ser animado pela alma espiritual, e a pessoa humana na sua
totalidade é que é destinada a tornar-se, no Corpo (Místico) de Cristo, templo do
Espírito”.
O corpo, na sua masculinidade e feminilidade, está chamado, ‘desde o princípio’, a
converter-se na manifestação do espírito. Também mediante a união conjugal do
homem e da mulher, quando se unem formando ‘uma só carne’” (João Paulo II,
Audiência geral, 22.10.1980). Através desta unidade, “o corpo, na sua masculinidade
e feminilidade, assume o valor de sinal - sinal em certo sentido - sacramental” (Idem).
“Enquanto que, para a mentalidade maniqueia, o corpo e a sexualidade constituem,
para dizê-lo de algum modo, um ‘anti-valor’, para o Cristianismo, pelo contrário,
ambos permanecem sempre como um valor não suficientemente apreciado” (Idem).
CIC 365: “A unidade da alma e do corpo é tão profunda que se deve considerar a alma
como a ‘forma’ do corpo; quer dizer, é graças à alma espiritual que o corpo,
constituído de matéria, é um corpo humano e vivo. No homem, o espírito e a matéria
não são duas naturezas unidas, mas a sua união forma uma única natureza”.
16
Quando o homem morre, produz-se a separação destes dois princípios humanos: o
corpo, que se decompõe paulatinamente separado da alma, e o espírito, que não pode
sofrer decomposição e fica num estado autónomo.
CIC 1022: “Ao morrer, cada homem, recebe na sua alma imortal a retribuição eterna,
num juízo particular que põe a sua vida em referência a Cristo, quer através de uma
purificação, quer para entrar imediatamente na felicidade do céu, quer para se
condenar imediatamente para sempre”.
São João da Cruz, Avisos e sentenças 57: “Ao entardecer desta vida, examinar-te-ão
no amor”.
A alma “não morre quando, na morte, se separa do corpo, e se unirá de novo ao corpo
na ressurreição final” (CIC 366).
O primeiro habitat que Deus dispensa ao homem é um jardim: um lugar especialmente
adequado e maravilhoso para a fruição de tudo o que é criado.
Gn 2, 15: “O Senhor Deus tomou o homem e colocou-o no jardim do Éden para que o
cultivasse e guardasse”.
A realidade humana do trabalho aparece a partir do instante em que Deus coloca o
homem no Éden e o encarrega da sua guarda e da sua atenção. Aparece antes do
pecado original: o homem é criado para trabalhar. “O homem nasce para trabalhar,
como as aves para voar” (São Josemaria, Amigos de Deus 57).
CIC 378: “Sinal da familiaridade com Deus é o facto de Deus o colocar (ao homem)
no jardim. (...) O trabalho não é um castigo, mas a colaboração do homem e da mulher
com Deus no aperfeiçoamento da criação visível”.
CIC 2428: “No trabalho, a pessoa exerce e cumpre uma parte das capacidades inscritas
na sua natureza.
O valor primordial do trabalho pertence ao próprio homem, seu autor e destinatário”.
A partir da queda dos nossos primeiros pais, o trabalho está associado o cansaço, à
fadiga. A partir desse momento, a vida do homem separa-se da vontade de Deus, e as
realidades da sua vida não estarão sempre plenamente integradas na vocação humana e
sobrenatural do homem ao amor de Deus.
Deus destinou os primeiros pais da raça humana, e, neles, todos os homens e mulheres
que haviam de vir, à felicidade. Só a desobediência ao preceito divino é causa da
dificuldade, que o homem tem, para chegar a ela.
CIC 2427:”O trabalho honra os dons do Criador e os talentos recebidos. Também pode
ser redentor: suportando o que o trabalho tem de penoso, em união com Jesus, o
artesão de Nazaré e o crucificado do Calvário, o homem colabora, de certo modo, com
o Filho de Deus na sua obra redentora. (...) O trabalho pode ser um meio de
santificação e uma animação das realidades terrenas no espírito de Cristo”.
“O trabalho nasce do amor, manifesta o amor, ordena-se ao amor”
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(São Josemaria, Cristo que passa 48).
São Josemaria: o trabalho é o gonzo da nossa santificação (cfr. Amigos de Deus 81).
CIC 374: “O primeiro homem não só foi criado bom, como também foi constituído na
amizade com o seu Criador, e de harmonia consigo mesmo e com a criação que o
rodeava; amizade e harmonia tais, que só serão ultrapassadas pela glória da nova
criação em Cristo”.
“Adão e Eva foram constituídos num estado de santidade e de justiça justiça originais.
Esta graça da santidade original era uma participação da vida divina” (CIC 375).
CIC 367: “Encontra-se, às vezes, uma distinção entre alma e espírito.
São Paulo, por exemplo, ora para que ‚todo o nosso ser, o espírito, a alma e o corpo’,
seja guardado sem mancha até à vinda do Senhor (1 Ts 5, 23). A Igreja ensina que esta
distinção não introduz uma dualidade na alma. ‘Espírito’ significa que o homem é
ordenado, desde a sua criação, para o seu fim sobrenatural, e que a alma é capaz de ser
gratuitamente sobreelevada até à comunhão com Deus”.
Adão e Eva foram elevados à ordem sobrenatural, que consiste na participação na
vida divina: têm assim um destino sobrenatural, que quer dizer superior à sua
capacidade por natureza.
Dons preternaturais:
CIC 376: “Todas as dimensões da vida do homem eram fortalecidas pela irradiação
desta graça. Enquanto permanecesse na intimidade divina, o homem não devia nem
morrer nem sofrer. A harmonia interior da pessoa humana, a harmonia entre o
homem e a mulher, enfim, a harmonia entre o primeiro casal e toda a criação,
constituía o estado dito de ‘justiça original’”.
Assim, além da elevação à ordem sobrenatural, os nossos primeiros pais gozavam dos
dons preternaturais, não exigidos pela natureza, mas congruentes com ela:
aperfeiçoavam-na na linha natural. Concretamente, estes dons suponham que não havia
morte, nem sofrimentos, as “paixões” humanas estavam dominadas pela inteligência,
e a vontade dirigia-se directamente ao bem.
Os dons preternaturais acompanham e são reflexo dos dons sobrenaturais, como o põe
de manifesto o facto de, com o pecado, desaparecerem ambos.
CRIAÇÃO 9
O PECADO ORIGINAL
Gn 3, 4: «Então a serpente disse à mulher: ‘Não, não morrereis. Mas Deus sabe que,
no dia em que comerdes o fruto, os vossos olhos abrir-se-ão e tornar-vos-eis como
deuses, conhecedores do bem e do mal’».
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Deus havia recordado a Adão e Eva o perigo da desobediência (“se comerdes do fruto,
morrereis”), não porque quisesse o castigo dos homens, mas para os prevenir do
caminho que se abre fora da união com Deus.
O tentador oferece-lhes uma divinização falsa, porque não tem em conta a Lei e o
Amor de Deus para com eles. É “pai da mentira” (Jo 8, 44).
O homem tem, na sua liberdade, o destino dos seus passos, e pode decidir, em cada
instante, se se dirige para a meta querida por Deus, ou se prefere voltar-Lhe as costas.
É o “mysterium iniquitatis”. (2 Ts 2, 7)
São Josemaria, Cristo que passa, 6: “Os olhos da alma embotam-se; a razão crê-se
auto-suficiente para entender tudo, prescindindo de Deus. É uma tentação subtil, que se
apoia na dignidade da inteligência, que o nosso Pai Deus deu ao homem para que O
conheça e O ame livremente. Arrastada por essa tentação, a inteligência humana
considera-se o centro do universo, entusiasma-se de novo com o 'sereis como deuses', e
enchendo-se de amor por si mesma, volta as costas ao amor de Deus”.
Gn 3, 7-8: “Então abriram-se os olhos aos dois, e eles perceberam que estavam nus.
Entrelaçaram folhas de figueira e fizeram cinturas para si. Em seguida, eles ouviram o
Senhor Deus que passeava no jardim à brisa do dia. Então o homem e a mulher
esconderam-se da presença do Senhor Deus, entre as árvores do jardim”.
Começaram a ver (visão, inteligência e vontade) com a perspectiva da malícia, do amor
próprio desordenado. Aos seus corpos que, até àquele momento, estavam perfeitamente
sujeitos à alma, começam a exigir um papel que ultrapassa a capacidade de domínio de
que o seu coração é capaz. Não só estão alteradas as relações entre eles, como também
as relações com os seres criados e com Deus, que não os deixou abandonados.
CIC 404 responde à pergunta: “Como é que o pecado de Adão se tornou o pecado de
todos os seus descendentes?”.
“Todo o género humano é, em Adão, ‘como um só corpo de um único homem’ (São
Tomás, De malo 4, 1, c). Em virtude desta ‘unidade do género humano’, todos os
homens estão implicados no pecado de Adão, do mesmo modo que todos estão
implicados na justificação de Cristo”.
“Todavia, a transmissão do pecado original é um mistério que nós não podemos
compreender plenamente. Mas sabemos, pela Revelação, que Adão tinha recebido a
santidade e a justiça originais, não só para si, mas para toda a natureza humana;
consentindo na tentação, Adão e Eva cometeram um pecado pessoal, mas este pecado
afecta a natureza humana que eles vão transmitir num estado decaído”.
CIC 404 continua:
“É um pecado que vai ser transmitido a toda a humanidade por propagação, quer dizer,
pela transmissão de uma natureza humana privada da santidade e justiça originais”.
“O pecado original chama-se ‘pecado’ por analogia: é um pecado ‘contraído’ e ‘não
cometido’; um estado, não um acto”.
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“Embora próprio de cada um, o pecado original não tem, em qualquer descendente de
Adão, carácter de falta pessoal. É a privação da santidade e justiça originais, mas a
natureza humana não se encontra totalmente corrompida” (CIC 405).
A natureza humana ficou ferida pelo pecado original. Concretamente, estão feridas a
inteligência (ignorância), a vontade (malícia), o apetite irascível (debilidade) e o
apetite concupiscível (concupiscência).
“O Baptismo, ao conferir a vida da graça de Cristo, apaga o pecado original e
reorienta o homem para Deus, mas as consequências para a natureza, enfraquecida e
inclinada para o mal, persistem no homem e convidam-no ao combate espiritual”.
(CIC 405)
O influxo do mal, que começa com o pecado original, não se reduz à esfera pessoal do
indivíduo. Depois do pecado, o mundo “está sob o poder do Maligno” (1 Jn 5, 19).
Esta situação dramática “transforma a vida do homem num combate” (CIC 409).
“De facto, trava-se, ao longo de toda a história humana, uma árdua batalha contra os
poderes das trevas, a qual, começada nas origens do mundo, durará, como diz o Senhor,
até ao último dia. Embrenhado nesta luta, o homem deve combater continuamente para
aderir ao bem; só à custa de grandes esforços, com o auxílio da graça de Deus, é
capaz de realizar a sua unidade interior” (Gaudium et spes 37).
São Josemaria, Cristo que passa 73: “Cristo, que é a nossa paz, é também o Caminho.
Se queremos a paz, temos de seguir os seus passos. A paz é consequência da guerra, da
luta, dessa luta ascética, íntima, que cada cristão deve sustentar contra tudo o que, na
sua vida, não é de Deus: contra a soberba, a sensualidade, o egoísmo, a
superficialidade, a estreiteza do coração”.
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