a ditadura da eficiência

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A DITADURA DA EFICIÊNCIA
-Psicanálise e PsicossínteseJosé Antonio Pavan1
Resumo: O objetivo deste trabalho é abordar algumas especificidades da prática psicanalítica
relacionada com as concepções de cientificidade e eficiência. Especificamente pensar a
inserção da clínica psicanalítica dentre as abordagens possíveis da mente humana quando se
defronta com problemas de desenvolvimento.
Unitermos: psicanálise; psicossíntese; eficiência.
Sendo o tema abordado neste texto inserido num eixo clínico, é de se considerar
que o aspecto prático do mesmo seja o mais relevante. Portanto, é proposto que a
exposição caminhe por áreas pertinentes ao nosso trabalho diário com os pacientes. De
inicio, fazendo uma aproximação do tema por meio de algumas situações vivenciadas
em nosso cotidiano, ilustrativas dos problemas que enfrentamos no nosso ofício,
devemos considerar que estamos vivendo num mundo altamente informatizado,
saturado de ações, clamando por eficiência de resultados imediatos e rápidos. Clima
este, bem diverso nestes aspectos, quando adentramos o século XXI, daquele em que
nasceu a Psicanálise criada por Freud na Viena do final do século XIX e início do
século XX.
Quando tomamos como referência a Psicanálise, em seu método de abordagem
do psíquico, o que pensar que seja eficiência? Nosso método na relação com o seu
objeto, possui características de abordagem que não são as mesmas daquele que
determina a conduta do físico ou do químico, por exemplo.
Os avanços marcantes na década de 90 conhecida como a “década do cérebro”
trouxeram conhecimentos da estrutura e funcionamento cerebral com repercussões
imensas nas ciências médicas e biológicas, no diagnóstico e tratamento de várias
patologias do SNC. É inegável o avanço que isto promove nestas abordagens da vida
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Membro Efetivo e Analista Didata da SBPSP. Núcleo de Psicanálise de Marília e Região
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humana. Também tivemos nestes últimos tempos o desenvolvimento de fármacos para o
tratamento de disfunções eréteis e os “viagras” mudaram a vida sexual dos homens com
várias e importantes conseqüências nas relações pessoais.
Todas essas conquistas estão relacionadas de um ou outro modo com processos
específicos de síntese, de criação de produtos, ou de meios mais eficazes de observação
e atuação diante dos fenômenos vivenciados. Atuam no sentido de eficiência concreta,
física, pois operam nos processos de manifestação dos fenômenos. Em outros termos,
aprimoramos o nosso entendimento e intervenção sobre a causalidade eficiente,
acelerando ou retardando os processos naturais, ou seja, interagindo a modo de
catalisadores. Portanto, aumentando nossa eficácia em termos de ações efetivas.
Não se trata se algo deva ou não ser efetivo, pois a efetividade é que torna
manifesto os fenômenos de qualquer natureza quando com ele interagimos. A questão é
colocarmos isto, que seria um aspecto da relação, como se fosse todo o fenômeno,
levando a um reducionismo no modo como interagimos com a realidade.
Publicações recentes em periódicos europeus, sem contar as inúmeras norteamericanas nos últimos tempos em suas revistas de grande tiragem, bem como as de
maior circulação no Brasil, tratam da psicanálise, em termos de sua eficácia. Em geral
estes artigos tem em comum a confrontação entre a eficácia da psicanálise comparada às
terapias biológicas ou com outras formas de psicoterapia. Sem contar, além disso, com o
questionamento de se a psicanálise seria ou não científica. Sobre este último aspecto já
tecemos algumas considerações em artigo anterior, onde questionamos os critérios
adotados de cientificidade, os quais estariam menos voltados do que deveriam para a
postura do cientista fazendo ciência do que critérios relacionados a resultados. (Pavan,
2001)
Cremos que há um problema metodológico envolvido na questão que não está
sendo valorizado suficientemente e que determina confusões quando se fala de
eficiência em termos comparativos. Nos artigos, coloca-se invariavelmente a questão:
divã ou medicamentos? Perguntamos: são
comparáveis os resultados, quando se
consideram seus métodos? Se levarmos em conta os fins a que cada conduta envolvida
nestes procedimentos pode levar a reposta só pode ser: não. Esclarecendo, se um
homem por qualquer razão apresenta um problema sexual de ereção e toma um
medicamento que agindo em seu organismo restabelece sua capacidade funcional para
tal ação, esta finalidade está sendo eficientemente cumprida, levando-o a se realizar
neste aspecto. Tanto paciente como médico podem ficar satisfeitos com a eficiência da
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terapia neste sentido específico. Por outro lado, toda esta ação obviamente nada
acrescenta em conhecimentos a respeito de seu funcionamento psíquico ou da
compreensão de sua pessoa em relação à sua sexualidade, quando entendida segundo a
psicanálise, como algo muito mais extenso do que um ato copulatório. Isto,
acrescentado pela advertência em tais produtos, que sem desejo o medicamento não é
eficaz.
Porque algo que parece tão claro não é levado em conta? Penso que se deva ao
meio em que se dão as interpretações dos fenômenos, ou seja, nossa sociedade ocidental
tais como são seus valores atuais. Sem pretensão de análise sociológica, este fator tem
um peso muito grande, pois nossa atividade psicanalítica se desenvolve neste meio, que
não pode ser desconsiderado.
Seria científico (lógico e racional) considerar que a finalidade da ciência é
somente produzir tecnologia? Ou, mesmo, uma rigorosa produção teórica?
Dada sua grande importância e para sermos breves, tratemos aqui, somente, da
primeira questão.
A ciência é um modo de ver a nós mesmos e o mundo, de explicá-lo e de
encontrar uma maneira de melhor interagirmos com a realidade. O próprio modo
racional de entender a ciência mostra que ela não pode pretender ser a única forma de
buscar a verdade. Mas, ao longo do tempo a experiência tem demonstrado que uma
visão científica de mundo tem influído em nossa cultura, nossa formação pessoal e às
vezes conflitivamente com outros modos de pensar.
A enorme capacidade do método cientifico para gerar tecnologia de aplicação
imediata deixa muito hipertrofiada a função finalista, particular, da ciência. Não se pode
reduzir a finalidade desta a estas conseqüências imediatas e objetivas, de
desenvolvimento tecnológico. Desta forma se cria um consumismo sem que
concomitantemente o usuário se desenvolva em sua capacidade crítica. Isto fica
evidente quando vemos como cada vez mais usamos objetos e ferramentas sem termos
quase nenhuma noção de como foram criados e como é seu funcionamento intrínseco.
Por exemplo, manipulamos instrumentos de cálculo muitas vezes sem termos a mínima
idéia dos raciocínios formais implicados nas operações. É só estarmos diante de um
computador para termos a experiência própria do que está sendo dito.
O desenvolvimento da psicanálise, na compreensão e tratamento dos estados
mentais mais regressivos, culminou que especialmente a abordagem psicológica dos
problemas mentais mais graves, psicóticos, tivesse grande crescimento. Infelizmente,
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com o tempo, uma visão mais voltada para a eficácia terapêutica fez pender o pêndulo
para a abordagem farmacológica do tratamento. Isto pode ser compreensível do ponto
de vista médico em suas finalidades imediatas de minorar o sofrimento humano e
debelar um mal, mas por outro lado pode ter trazido socialmente uma diminuição das
possibilidades de novos conhecimentos advindo de uma compreensão mais profunda
propiciadas pelo método analítico.
Esta situação poderia ser mais realista se ao invés de disputa por eficiência
terapêutica estivesse sendo visualizada a questão como se tratando de diferenças de
métodos de abordagens. A ação farmacológica vai agir onde os processos estão se
manifestando em sua expressão materializada. A ação psicanalítica, por outro lado, atua
onde os processos psíquicos estão com problemas de desenvolvimento.
Em razão de uma visão materialista de mundo, o que deveria ser uma questão
metodológica e de diversificação, portanto, mais científica, passou a ser excludente e de
posse da Verdade: todo sofrimento humano é de origem biológica. Todo conhecimento
humano se relaciona com a posse de algo, sujeito inclusive a direitos autorais. Assim
sendo, o pensamento passa a ter proprietário, dono. Uma visão em que uma versão é
verdadeira e tudo o mais é falso, não pode ser realista nem racional. Todo conhecimento
pleno do objeto não é racional, porque isto só se daria se não houvesse qualquer
mediação. Assim, o conhecimento de qualquer objeto é sempre limitado e falível. O
mesmo se diga da idéia de posse e sujeição só compatíveis com uma visão escravizante,
possessiva e onipotente nas relações humanas.
Assim, após esta visão geral, adentramos em problemas específicos em nossa
cotidiana atividade clínica. Será possível continuarmos em nosso ofício artesanal, que
guarda ainda muito das condições para sua execução de sua criação numa sociedade
européia do final do século XIX e inicio do século XX? Há em nosso mundo, diante das
características descritas no início, lugar para praticar a psicanálise?
Vamos nos valer de um texto de Freud, que em vistas das circunstâncias nos
parece possível de ser interpretado como muito atual, para pensarmos a eficácia e a
atividade na psicanálise.
Em “Linhas de progresso da terapia analítica” (Freud, 1919/1995), trabalho
apresentado no Congresso Internacional de Psicanálise realizado em Budapeste em
1918, o autor expressa suas preocupações quanto à tarefa psicanalítica, especialmente
relacionadas a métodos mais “ativos”, proposto por Ferenczi. O artigo tinha por objetivo
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rever junto aos psicanalistas congregados no quinto encontro internacional, os rumos
terapêuticos da psicanálise. Freud questionou porque usar o termo “análise”
analogamente ao empregado pelos químicos. Justificou que tal qual esses, os
psicanalistas também estão frente a complexos determinados pelos seus sintomas e
patologias bem como por toda atividade mental. O paciente não tem conhecimento da
composição, isto é, dos elementos envolvidos no resultado final tal como se apresenta à
sua mente. Tal situação, de não ter consciência desses elementos, se assemelha ao sal,
no qual não se vê os elementos que o compõem, antes da decomposição química. Tais
procedimentos são análogos aos do método da psicanálise ao analisar as pulsões e os
sonhos em seus elementos componentes. Assim, tal como os químicos, analisamos o
paciente (grifo de Freud).
Não deveria então, indaga Freud, o analista após a análise proceder a uma
síntese? Não estaria aí a função terapêutica por excelência? O método não estaria
oferecendo analise demais e síntese de menos?
Demonstrando sua irrepreensível postura observadora e indagativa de um
verdadeiro cientista, Freud passa a argumentar baseado no que haveria de comum com a
análise química e o que vê de específico na psicanálise, isto é, na análise do psíquico.
Na vida mental, diz Freud, se lida com uma compulsão à unificação e
combinação. Assim que analisamos um sintoma em seus elementos, estes entram em
novas ligações. Em sua nota de rodapé, reconhece porém, que na química ocorre algo
semelhante, que novas sínteses se fazem por afinidade das substâncias, sem que para
isso necessite a intenção do químico.
Observando o neurótico, Freud reconhece nele uma mente dilacerada e dividida
por resistências, que se unifica em sua unidade egoica, assim que se proceda a uma
análise e se combata a resistência. Assim, para Freud, a psicossíntese se faz de forma
automática e inevitável, sem a necessidade da intervenção do analista. O psicanalista
cria, isto sim, as condições para que tal aconteça. “Não é verdade que algo no paciente
tenha sido dividido em seus componentes e aguarde, então, tranqüilamente, que de
alguma forma o unifiquemos outra vez” (Freud, 1919/1995, p. 175).
Estas observações mostram que Freud valoriza o meio criado pela situação de
análise para favorecer o desenvolvimento do paciente, mas por outro lado chama a
atenção para que esta condição se faça num estado de abstinência e privação de
gratificações substitutivas. Isto ocorre justamente pelo reconhecimento da síntese
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psíquica ocorrendo de modo natural e em decorrência de aspectos econômicos
(princípio do prazer) que regem o funcionamento psíquico.
Esta tendência não poupa nem mesmo o processo de análise, que vai ser
utilizado pelo paciente como fonte de gratificação e para realizar novas sínteses. Nisto
estaria o fundamento para a neutralidade e abstinência: o fator econômico subjacente à
síntese psíquica. Uma apropriada advertência de Freud diz que imposições de síntese
levam a marca da doutrinação: “Na minha opinião, em última análise, isto é apenas
usar de violência, ainda que se revista dos motivos mais honrosos.”(Freud, 1919/1995,
p. 179).
Em nosso entendimento, todos esses questionamentos são relativos a um
método, o psicanalítico, de abordagem do psíquico. Como Freud relata ao final de seu
artigo, isto não implica que alterações de técnica não possam ser aplicadas levando-se
em contas as particularidades das patologias dos pacientes, ou que tenha que haver
desenvolvimentos técnicos para que uma parcela maior da população possa ser atendida
pelos conhecimentos oriundos da Psicanálise. “No entanto, qualquer que seja a forma
que essa psicoterapia para o povo possa assumir, quaisquer que sejam os elementos
dos quais se componha, os seus ingredientes mais efetivos e mais importantes
continuarão a ser, certamente, aqueles tomados à psicanálise estrita e não
tendenciosa.”(Freud, 1919/1995, p. 181)
Com estas considerações, podemos afirmar com Freud, e acreditamos
com todos os analistas, que nossa atividade está voltada para a recuperação de uma
capacidade “poiética” que por alguma razão foi comprometida no curso do
desenvolvimento do paciente. Nosso trabalho clínico, no momento em que efetivamente
interagimos com o analisando, é criar condições para que ele volte a usufruir seu
potencial para novas sínteses, que ele possa recuperar e desenvolver sua capacidade
representativa simbólica. Que possa efetivamente interagir com o meio de forma mais
livre. Recuperada esta condição, a monotonia e o empobrecimento de sua vida psíquica
e de relações será gradativamente ocupada pela capacidade de diversificação e
criatividade.
Estas finalidades não coincidem com muitos valores em nossa sociedade
e potencialmente, podem gerar mais conflitos, como os que nós psicanalistas nos
defrontamos em nosso trabalho. Estas são novas versões das resistências do ser humano
no enfrentamento de sua realidade.
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A ditadura da eficiência é a nova versão do insolúvel conflito entre
indivíduo e sociedade, que a psicanálise dentro de seus limites só pode oferecer como
contribuição sua interpretação analítica para favorecer as sempre renovadas sínteses que
naturalmente acontecem.
Diante do exposto, fica a convicção de que subjacente às sínteses e
análises está a questão das afinidades, diante das quais nos propomos perguntar: para
quem e para o que se destina a psicanálise? Quem deseja para si a psicanálise? Quem
deseja ser psicanalista?
La dictadura de la eficiencia – Psicoanálisis y Psicosíntesis
Resumen: El objetivo deste trabajo es abordar algunas especificidades de la práctica
psicoanalítica em relación con las concepciones de ciencia y eficiencia. Pensar
especificamente la insersión de la clínica psicoanalítica entre las abordages possibles
de la mente humana confrontada con las problemáticas del desarollo.
Palabras llaves: Psicoanálisis; psicosíntesis; eficiencia
The Efficiency Dictatorship – Psychoanalysis and Psychosynthesis
Summary: The approach of this work is to consider some specificities of the
psychoanalytic praxis related to the science and the efficiency conceptions. Specifically
it intends to think about the insertion of psychoanalytic clinic among the possible
approaches of the human mind confronted with the problems found in its development.
Key words: Psychoanalysis; psychosynthesis; efficiency
Referências:
Freud, S. (1995). Linhas de progresso da terapia psicanalítica. In S. Freud, Edição
standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J.
Salomão, trad., Vol. 17, pp. 170-181). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original
publicado em 1919)
Pavan, J.A. (2001). O método psicanalítico dialogando com a semiótica de Peirce.
Rev.Bras.Psicanál., 35(3), 617-646.
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José Antonio Pavan
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