Leitura anexa 4 - Centro Científico Conhecer

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A Geografia Crítica no Brasil
Helio de Araujo Evangelista
(www.feth.ggf.br )
Resumo: O presente trabalho versa sobre a Geografia Crítica no Brasil. Nós verificamos
que a Geografia Crítica apresentou um grande crescimento nos últimos vinte anos, porém
ela não o manteve até os nossos dias. Assim, o objetivo deste texto é o de entender
porque isto ocorreu.
Abstract: This work is about Critical Geography in the Brazil. We observe, after a great
development of the Critical Geography in the last twenty years, that it didn’t stand this
development until nowdays . So, the goal of this papper is to understand why it happened.
Palavras-chaves: Geografia Crítica, Brasil, tendências
Work-keys: Critical Geography, Brazil, last tendencies.
Introdução
O presente trabalho se propõe a analisar uma corrente da Geografia que já teve maior
influência na Geografia Brasileira, a saber: a Geografia Crítica.
Durante a graduação, iniciada em 1977, na Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, foi possível acompanhar uma forte renovação do pensamento geográfico
combinado ao processo de abertura política.
Numa primeira avaliação, percebe-se que as Geografias Críticas, que atraiu tantos
quadros jovens à época, era emulada por um processo político que procurava
restabelecer a ordem democrática e lutar pela justiça social.
No entanto, verifica-se, ao longo da década de 80, que ocorreu uma inflexão neste
processo, o que levou Oliveira (1997, p. 155) a observar:
“A partir de 1989, esta Geografia ( a Crítica ) começou a apresentar seus primeiros sinais
de esgotamento diante da realidade em transformação, expondo seus limites teóricometodológicos. A queda do muro de Berlim, o fim da URSS, aliados à crise do marxismo e
à falência dos paradigmas da modernidade na explicação da nova realidade em mudança,
inclusive o da teoria social crítica, revolucionam o pensamento e a produção geográfica
em todos os sentidos e direções.”
Entendemos, no entanto, que é possível vislumbrar estes sinais de esgotamento antes
mesmos dos impressionantes episódios que marcaram os países socialistas, e é isto que
procuraremos apresentar ao longo do nosso trabalho.
A realização do I Encontro de História do Pensamento Geográfico em novembro de 1999
foi marcada por uma surpreendente produção .
Nota-se na leitura dos dois volumes dos anais do encontro, que a Geografia Crítica só é
lembrada, explicitamente, no eixo temático referente à sala de aula.
Assim, parece que ocorre hoje o inverso do que ocorria ao início da década de 80, ou
seja, enquanto nos meios universitários a Geografia Crítica propagava-se de forma muito
avançada, particularmente entre os graduandos e recém-formada, no sistema de ensino
de 1º e 2 º graus, os livros didáticos comportavam-se de forma relativamente imunes ao
que se dava no meio universitário, os autores em voga, como Igor Moreira, entre outros,
não tinham ainda absorvido, em seus trabalhos, a efervescência do 3º grau.
Hoje, no entanto, a partir dos trabalhos de José W. Vessentini, Douglas Santos, entre
outros, os livros didáticos passaram a ter uma nova concepção para a qual a Geografia
Crítica trouxe uma contribuição decisiva; mas, no meio universitário, verifica-se uma certa
“indiferença” quanto à Geografia Crítica.
A tirar pelos trabalhos encontrados nos anais, é possível perceber uma enorme
quantidade de trabalhos históricos voltados, sobretudo, para personalidades brasileiros
que pertenceram ou não à Geografia; é como se houvesse um esforço, inconsciente ou
não, de recuperação das raízes do que significa pensamento geográfico.
A análise, no entanto, da Geografia Crítica brasileira é um tema por demais vasto, ainda
mais que a sua história ainda não terminou; de modo que pode-se encontrar nestas
páginas uma contribuição à análise de quem acompanhou a evolução da Geografia
Crítica, embora não de forma engajada.
A Geografia Crítica
A origem
A influência desta corrente de pensamento na Geografia só ocorreu após a 2ª Guerra
Mundial...[2] “É somente no limiar da crise do pensamento tradicional que as idéias de
Marx virão à tona no debate da Geografia. Tal processo se inicia no pós-guerra, e adquire
alguma intensidade nos anos cinqüenta, já no bojo de uma perspectiva de renovação da
Geografia”.(Moraes, 1987, p. 40).
Houve diferentes aspectos sócio-econômicos que deflagraram a influência do marxismo
na Geografia; de forma resumida, a partir de Horacio Capel in Filosofia y Ciência en la
Geografia Contemporânea, cabe destacar: a) após a morte de Stalin e a tendência de
coexistência menos beligerante entre os sistemas socialistas e capitalistas, houve um
florescimento da reflexão marxista que não se viu tão premida em defender as políticas do
estado soviético; b) a expansão dos movimentos libertários nas antigas colônias dos
países europeus encontrados no Terceiro Mundo impulsionou a reflexão sobre o
subdesenvolvimento social e a reflexão sobre a busca de solução para os problemas
sociais encontrados; c) a consciência da degradação ambiental concorreu com a
verificação da deterioração da qualidade de vida das grandes cidades, justificando o
aparecimento de movimentos sociais que procuraram se opor a estes processos. ( 1981,
pp. 404-406 )
Segundo Antônio Carlos Robert de Moraes et Costa in Geografia Crítica - a valorização
do espaço, os geógrafos que introduziram, na Geografia, uma abordagem crítica foram
Pierre George, Bernard Kayser, Jean Tricart entre outros e um marco que formou o grupo
de geógrafos da Geografia Crítica foi as Jornadas dos Intelectuais Comunistas realizadas
em Ivry, na França, em 1953. ( 1987, p. 40 )
Segundo Horacio Capel, o aparecimento da Geografia Crítica nos Estados Unidos
ocorreu em 1969, quando foi apresentado na reunião da Associação dos Geógrafos
Americanos a revista Antipode. A Radical Journal of Geography editada por Richard Peet
. Cinco anos mais tarde, houve a organização da Geografia Crítica americana através da
criação da Union of Socialist Geographers e da associação Socially and Ecologically
Responsible Geographers ( SERGE ). ( 1981, p. 427 )
Segundo Horacio Capel, a Geografia Crítica surgiu na Europa, em parte, dadas as
condições internas e também ao influxo da escola americana, que teve forte influência em
países como a França. Neste país, a Geografia Crítica teve, a partir de Yves Lacoste e a
criação da revista Herodote, em 1976, uma intensificação na formação de um expressivo
grupo de geógrafos críticos. ( Ibidem, p. 435 ) [3]
Porém, o crescimento e projeção da Geografia Crítica não ocorreram sem os percalços
das divisões internas e disputas.
Na França, por exemplo, houve aqueles que comungando a teoria marxista defenderam a
abjuração da Geografia na justificativa de que a mesma era uma herança da sociedade
burguesa, de base positivista, e, portanto, contrária aos interesses dos trabalhadores,
eram os chamados liquidacionistas segundo Yves Lacoste. ( Moraes, 1987, pp. 43-44 )
Nos Estados Unidos, por sua vez, ocorreu uma discussão interna sobre a propriedade de
se manter ou não o caráter revolucionário da Geografia Crítica, se deveu ou não ser
propugnadora de uma quebra da estrutura social vigente. Horacio Capel exemplificou esta
polêmica na discussão sobre a adoção do termo radical ou revolucionária pela Geografia.
(Capel, 1981, pp. 430-431) [4]
Matriz teórica
Intentaremos, a seguir, analisar o ato de conhecer numa perspectiva marxista, pois isto
nos auxilia a compreender melhor o teor da Geografia Crítica. [5]
Karl Marx foi um homem da tradição revolucionária, herdeiro de uma tradição francesa
que buscou a “... a retomada do movimento que foi interrompido, e depois invertido, pela
instituição ”burguesa” da república ... pela ditadura napoleônica, e enfim pela Restauração
e a Contra-Revolução.” [6] Não se tratava de uma busca por uma situação ideal, mas sim
de um movimento social cujos herdeiros dos anteriores revolucionários eram os operários
, os trabalhadores . [7]
Karl Marx ao fixar-se na Inglaterra, em 1850, portanto com trinta e dois anos, já tinha
passado por uma série de movimentos sociais, tendo sido expulso da França e Prússia, e
perseguido na Bélgica [8]. Enfim, a constituição de seu pensamento esteve intimamente
vinculada a uma atividade política, revolucionária, que por sua vez esteve alicerçada a
uma determinada concepção filosófica de mundo cujas raízes podemos encontrar em
Hegel .[9]
Sobre Marx, que não chegou a sistematizar o seu método de trabalho [10], há fragmentos
de reflexões metodológicas pelas quais Jürgen Kocka chamou atenção para o seguinte:
Marx não opera uma separação entre sujeito e objeto, ele entende a realidade como
atividade sensorial-humana, como prática, deste modo, a realidade histórica é ...“um
processo no qual se objetiva de forma permanente, e em medida crescente, o trabalho
humano e, através deste, a consciência humana; e isto, por sua vez, constitui condição
para influir reflexivamente sobre o sujeito que pensa e age...a realidade não precisa, por
princípio, ser estranha e externa ao entendimento racional do homem, uma vez que ela é
crescentemente mediada pelo trabalho e pelo fato de que a consciência tornada prática
ajuda na sua constituição”. ( 1994, p. 41-42 ).
A consciência, segundo Marx, não se aproximava ...“da realidade com categorias
estranhas às coisas; ...valores e perspectivas devem ser vistos como momentos do
processo social e histórico global, e não contrapostos à coisa de forma
descompromissada”. ( Ibidem, p. 48 )
Esta forma de conceber a realidade é interpretado por Jürgen Kocka como a tomada da
concepção de Hegel segundo o qual foi localizado uma unidade estruturada em toda a
multiplicidade, há um cerne em todos os fenômenos, e isto levou a Marx a reivindicar
...“para a ciência a apreensão da essência das condições históricas, isto é, conhecimento
da substância ou apreensão da totalidade”. (Ibidem, p. 46).
O pensamento de Marx surgiu como uma visão geral da história humana, detendo-se com
maior profundidade nas características da sociedade capitalista, e visualizou a partir das
contradições inerentes a esta sociedade, uma profunda transformação social.
Enfim, o marxismo caracteriza-se por um pronunciamento teórico radical. Pretende ser
uma cosmovisão e uma revolução completa. Esta corrente não pode ser caracterizada por
uma ética! O ponto de partida do marxismo é o de ter uma concepção da sociedade e
história humana que explicita os grandes movimentos destas mesmas sociedade e
história e, com isso, acredita ter condições de vizualizar o cenário futuro. Não há o êmulo
da moral em Marx para lutar a favor do proletariado; a perspectiva é operacional, ou seja,
pela concepção construída, o proletariado corresponde a nova vanguarda da sociedade,
tal como foi a burguesia no passado [11] !.
O pensamento filosófico da Geografia Crítica, por sua vez, é, segundo Josefina Gómez
Mendoza et alli in El pensamiento geográfico - estudio interpretativo y antologia de textos (
de Humboldt a las tendencias radicales ), reconhecido pela sua diversidade de
pronunciamentos e direções. ( 1982, p. 135 )
Horacio Capel indica que o marxismo foi considerado até a Primeira Guerra Mundial como
um pensamento que proporcionava uma visão completa da sociedade e da natureza, (
1981, p. 439 ) tendo assim proporcionado uma espécie de um novo padrão científico, pelo
qual seria possível um forma global de se analisar a realidade.[12]
Após a Grande Guerra, a interpretação sobre o marxismo primou por uma discussão
histórica; já não se alimentava a pretensão desta corrente ser considerada uma nova
forma de fazer ciência, mas fundamentalmente uma nova forma de ver a sociedade. Por
este enfoque a história humana seria compreendida por trocas nos sistemas sociais
decorrentes do esforço humano em dominar a natureza, e esta mudança seria permeada
por um progresso que levaria a um fim. ( Capel, pp. 439-440 )
Josefina Gómez Mendoza et alli observam que o discurso do marxismo na
Geografia assumiu duas rotas, a saber: 1ª rastreou a existência de uma teoria geográfica
nos textos fundadores do materialismo histórico; 2ª a partir das categorias existentes e do
método marxista, operaram novos conceitos para a Geografia. ( 1982, p. 148 )
Pela primeira rota é verificado uma divergência entre aqueles que entendem que Marx
teria fundado uma teoria da geografia, como o fez para a sociologia, história, economia
[13] ; e os que afirmam Marx teria negligenciado o espaço [14]. (Ibidem, p. 149)
Pela segunda rota é importante destacar o método como a afirmação da viabilidade do
materialismo como teoria da sociedade. Por esta teoria, há relações complexas entre a
sociedade e o espaço; tal posicionamento incorre em negar a autonomia ao espaço,
tendo seu conteúdo dado pela sociedade. ( Ibidem, p. 149-150 ) [15]
A partir da configuração do pensamento marxista na Geografia, onde é enfatizado um
entendimento historicista da sociedade, surge a dificuldade para se adequar a linguagem
da temporariedade com o da espacialidade. Yves Lacoste indica a dificuldade de se ter
em Marx um ponto de apoio para a Geografia, como fica claro nesta passagem
apresentada por Josefina Mendonza:
“...Señala, en efecto, dicho autor que, con el enfoque marxista, los problemas básicos del
entendimiento geográfico quedan diluidos e irresueltos en un discurso articulado por - y
para - otros dominios del conocimiento social, de forma que a menudo no se hace sino
extrapolar, para las estructuras espaciales, interpretaciones que remiten a estructuras
econômicas y sociales, a reflexiones de la historia y de la economía política. Siempre
según Lacoste, el razonamiento marxista no basta, en particular, para garantizar un
fecundo entendimiento de las estrategias diferenciales sobre el espacio. Se acepte o no
en toda su dimensión la crítica lacostiana al discurso geográfico marxista, parece
indudable que éste supone un modo de entendimiento que, al centrar toda su
argumentación en las capacidades de determinación que se atribuyen a los procesos
históricamente actuantes, se ve abocado a negar de hecho - explicita o implicitamente - la
espacialidad. ” ( Grifo nosso, 1982, 152-153 )
Além deste aspecto, Josefina Mendoza indica um outro ponto que diz respeito a falta de
uma melhor compreensão dos aspectos ecológicos e energéticos por parte dos geógrafos
marxistas; falta, segundo ela, uma tomada de consciência conceitual e analítica para
tratar destes temas. ( Ibidem , p. 153 ).
Sobre a relação homem-natureza, Antônio Carlos Robert de Moraes identifica que o
marxismo força a opção dos geógrafos “... ou a Geografia é uma ciência da sociedade ou
uma ciência da natureza” e sendo adotada a Geografia como ciência social, os
fenômenos da natureza são destacados “...enquanto recursos para a vida humana” . (
Moraes et Costa, 1987, p. 58 ) [16]
Na análise da relação da Geografia Radical com os outros campos da Geografia, por sua
vez, verifica-se uma acirrada luta contra a Geografia Quantitativa, não pelo seu conteúdo
técnico, mas sim aos seus pressupostos de base positivista. Neste aspecto, há um ponto
de proximidade com a Geografia Humanista. [17]
A Geografia Radical alega que os elaborados métodos quantitativista, em função de sua
base de apoio, são enfoques que não trazem contribuições para a compreensão da
sociedade, além de ter uma função mitificadora sobre a realidade; por trás da
“parafernália” tecnológica há um subjacente objetivo de não revelar os processos sociais,
as dinâmicas das lutas travadas no bojo da sociedade. ( Mendoza et alli, 1982, p. 143 )
Deste modo, a Geografia Quantitativa apresenta dois aspectos condenáveis, a saber: o
reducionismo e o feitichismo espacial.
Pelo primeiro aspecto há um esforço de matematização dos fenômenos naturais e de sua
relação com os aspectos sociais, o que segundo Anderson, citado em Mendonza et alli, é
um forma de camufladamente introduzir a ciência natural na ciência social e desta forma
naturalizar as relações sociais.(Ibidem, pp. 143-144) [18]
O segundo aspecto diz respeito à formalização geométrica do espaço, pela qual as
relações sociais se apresentam como relações entre áreas, assim, o espaço é tido como
uma variável independente, onde as origens dos processos sociais são detectados e
compreendidos por processos espaciais, cuja dimensão unidimensional não destaca a
própria dinâmica da evolução da economia capitalista. (Ibidem, p. 144)
Enfim, nestes embates teóricos, o marxismo na Geografia forma uma nova escola.
Pela primeira vez na história da disciplina temas sociais e políticos marcados por
perspectiva crítica deixam de ser tratados episodicamente, como o fez precursores como
Elysée Reclus [19], para serem tratados sistematicamente.
E não foram poucos os geógrafos que adotaram o marxismo; de certo modo, o marxismo
facilitou a resolução de certos impasses (p. ex: a glosa de que a Geografia seria uma
disciplina a-política, neutra, etc.), pois proporcionou uma visão de mundo (articulando
variáveis econômicas, políticas, sociais etc.), relacionando-a a um projeto político ( o que
proporcionava um sentido para suas próprias vidas ). Houve a nítida percepção de que se
participava de um processo histórico que os arremessava para o futuro - em nome de
uma sociedade igualitária.[20]
A Geografia Crítica no Brasil
O seu aparecimento ocorreu no segundo lustro da década de setenta. Nesta época, a
Geografia Crítica iniciou sua influência no âmbito universitário e teve decisiva participação
nas disputas verificadas na Associação de Geógrafos Brasileiros-AGB. Podemos afirmar
que o Encontro Nacional de Geógrafos Brasileiros realizado em Fortaleza ( Ceará ), no
ano de 1978, demarcou o início da Geografia Crítica a nível nacional, sendo o encontro
seguinte, o de 1980, no Rio de Janeiro, a vitória desta corrente frente às tendências
existentes.
Com o estabelecimento da abertura política brasileira a partir da década de setenta, o
marxismo tornou-se um verdadeiro ponto de referência na Geografia para ajudar a
compreender o que se passava e o que passou. Cabe destacar, no entanto, que este
vigor da Geografia Crítica foi mais fácil ser verificado no ambiente universitário e muito
menos nos órgãos de planejamento do governo. Já Armando Corrêa da Silva observa que
o processo de renovação tem, também, a concorrência de uma velha instituição, a saber:
o Departamento de Geografia da Universidade São Paulo (1984, p.73)
Mas, acreditamos que o grande gestor da Geografia Crítica foi o momento histórico que
compreendeu o início de abertura política, a volta dos exilados políticos e a realização de
várias greves de operários, sobretudo no Estado de São Paulo (o principal pólo industrial
do país), enfim, uma época propícia à contestação !
Importa frisar que a primeira instituição que passou a divulgar a Geografia Crítica foi a
AGB, a universidade enquanto instituição, foi mais lenta em adotar a Geografia Crítica .
Aliás, a presença da Geografia Crítica nas universidades é menos marcante que o
verificado na AGB. Esta maior receptividade, à época, pela AGB, decorreu de sua maior
permeabilidade aos episódios que então marcavam a política nacional.
O resgate das franquias democráticas (queda do AI-5 em dezembro de 1978,
promulgação da anistia e quebra do sistema bipolar da vida partidária em 1979, [21] etc.)
propiciaram um clima em que as entidades civis se viram convocadas a participarem do
processo.
Inicialmente, a própria estrutura de poder então vigente na AGB foi avessa à adoção de
uma nova conduta que só ocorreu a partir da entrada de novos elementos em sua
estrutura, entre 1978 e 1980.
Um outro fator importante para compreendermos o vigor da Geografia Crítica, à época, foi
a volta do exílio do Prof. Milton Santos. A sua obra Por uma Geografia Nova, combinada
ao seu estilo carismático, atraiu para si a atenção da comunidade acadêmica e novos
adeptos para a nova corrente de pensamento, de tal modo que mesmo aqueles que não
somaram com o movimento, reconheceram a sua importância em função da estatura
intelectual deste professor.[22]
Mas ele não estava sozinho, diversos professores somaram com os seus esforços,
destacadamente os professores Armen Mamigonian e Armando Corrêa da Silva e uma
série de outros mais jovens que ainda não tinham suficiente influência na estrutura de
poder dos meios universitários, órgãos de planejamento e de pesquisa. [23]
Porém, paulatinamente, por força das iniciativas tomadas por este novo coletivo em
ascensão que não deixou de contar com o apoio da “conversão” de outros geógrafos
situados em diferentes locais de trabalho, tivemos uma progressiva expansão da
Geografia Crítica.
A rigor, a Geografia Crítica expandiu-se sobre um terreno que apresentava resistências
pontuais. A rigor, as principais dificuldades teóricas ocorriam dentro da própria corrente !
No início da década de 70, a Geografia Quantitativa, por exemplo, embora disseminada
no ensino de graduação, não se encontrava suficientemente capilarizada. Pelo contrário,
a Geografia Quantitativa estava inserida em algumas “ilhas” do meio universitário e
órgãos de governo. Quanto à Geografia Humanista, esta apresentava pequena produção
à época.
No entanto, como já observado o que mais influiu a favor da Geografia Crítica é a época .
O clima de reabertura política incentivava toda e qualquer iniciativa estimuladora de crítica
ao governo, ao modelo econômico, à injustiça social, etc. Para alguns, o Brasil vivia um
grande período de efervescência política, chegando a estimular a perspectiva de que
pudesse ocorrer mudanças profundas no Brasil. [24]
Mas este processo não desconheceu sérias divergências internas quanto a melhor forma
de se apropriar a concepção marxista, divergências estas que atingiam as relações
pessoais. O que nos dá a impressão, a partir de uma certa época, de que os geógrafos
críticos tinham maiores desentendimentos com os seus próprios pares, do que
propriamente com linhas de pensamento adversárias. Estes impasses, em nossa
avaliação, decorre de um certo repressamento do seu caráter inovador, salvo a área
didático-pedagógica, onde os livros didáticos pautados pela Geografia Crítica, ou
influenciados pela mesma, cresciam em importância até o final da década de 80 e início
da década de 90.
Porém, além das incongruências teóricas, parece que o grande impasse que a Geografia
Crítica enfrentou foi de ordem política, o que nos remete à AGB.
A AGB e as conjunturas nacional e internacional
É notório que a Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB), com a ascensão dos
elementos vinculados à Geografia Crítica em seus postos de governo, passou a discutir
com muito maior ênfase temas políticos. Este enfoque visou melhor compreender o que
acorre com o Brasil, e, deste modo, vislumbrar quais as melhores alternativas.
Esta mudança de rumo da AGB expressa pelas características assumidas pelo entidade a
partir do final da década de 70, foi acompanhada por uma profunda alteração do estatuto
da entidade, o que abriu a oportunidade de maior atuação de estudantes e professores
recém-formados.
Assim, a partir do final da década de 70, a AGB transformou-se internamente e
externamente ao procurar inserir-se nos debates as mudanças que podiam ser
promovidas no país. A primeira metade da década de 80, neste sentido, foi extremamente
fecunda nas discussões políticas, além dos impasses teóricos.
Observamos que há como que uma grande sintonia entre o teor do processo discursivo
encontrado na entidade com o que se passava no centro político brasileiro.[25] Deste
modo, parece-nos apropriado analisar o que ocorria na política brasileira ao início da
década de oitenta.
No ano de 1980, nós tivemos a eleição, nos principais estados do país, de três
governadores de oposição ao regime militar, foram eles: Franco Montoro pelo PMDB
(São Paulo), Leonel Brizola pelo PDT (Rio de Janeiro) e Tancredo Neves pelo PMDB
(Minas Gerais).
A eleição destes candidatos, combinada ao aumento da bancada oposicionista no
Congresso Nacional aceleraram as iniciativas em favor da queda do regime militar
pontificadas pela defesa da eleição direta para presidente .
Contrariamente às expectativas, após ocorrer uma forte mobilização social envolvendo
milhões de pessoas em várias passeatas, em todo Brasil, em prol da eleição direta (
emenda do então deputado federal Dante de Oliveira ), esta medida não foi aprovada em
abril de 84. Este desfecho deve ter ocasionado um sério momento de perplexidade na
sociedade civil, na medida em que não ficava claro quanto ao possível caminho futuro da
mobilização. Nesta situação, surgiu a solução de consenso ao se defender a vitória de
Tancredo Neves sobre o então candidato oficial Paulo Maluf no Colégio Eleitoral, o que de
fato ocorreu no início do ano de 1985.
Ora, esta solução de consenso parece ter quebrado uma expectativa de que a
mobilização social “teria vindo para ficar”, ou seja, que não teríamos apenas uma luta pela
Diretas-Já, havia questões mais profundas para se enfrentar, por exemplo: a má
distribuição de renda, reforma agrária, dívida externa, etc.
Outros dois fortes e decisivos momentos da vida nacional foram o falecimento do
Tancredo Neves em abril de 1985, não chegando a tomar posse da presidência, tendo o
substituído José Sarney, e a implantação do Plano Cruzado em 1986 que conteve o
processo inflacionário por alguns meses, mas que proporcionou ao então partido do
governo, o PMDB, uma avassaladora vitória nas eleições de novembro daquele ano.
Estes dois momentos, embora díspares em suas características, reforçaram no imaginário
da população brasileira a idéia de se ter um pacto em torno do Governo, pois a nova
estrutura de poder, de característica civil, mostrava-se “bem intencionada” em realizar as
mudanças desejadas. O surgimento da esperança, na assim chamada Nova República,
ou na intenção de melhorar a situação econômica através do Plano Cruzado, etc.
deslocam o grosso da população brasileira de qualquer caminho que fosse na direção das
quebras das estruturas sociais. Assim, a chamada Nova República, no plano político, e o
plano Cruzado, no plano econômico, minoram, entre outras iniciativas, movimentos
contestatórios mais acentuados na época. Enfim, houve uma mudança de horizonte que
acabou afetando as diferentes entidades civis, e naturalmente a AGB. A percepção de
que se pudesse ter sinais de um processo mais profundo no país, revolucionário, não
logrou o sucesso esperado.
Porém, esta retenção não foi somente ocasionada pelas circunstâncias nacionais, houve
as internacionais.
A questão do socialismo na década de 80 passou por fortes percalços !
O movimento dos trabalhadores portuários de Gdansk, na Polônia, que recrudesceu a
partir de 1980 - gerando o movimento Solidariedade, acentuou o processo de sucessivas
revisões quanto ao adequado papel que os então países socialistas teriam no avanço do
socialismo.
O então euro-comunismo acentuou a adoção de posturas polítcas, distintas da antiga
União Soviética e vislumbrou formulação teórica que se distanciava cada vez dos
postulados do marxismo-leninismo, a saber: a conquista do poder pelo voto !.
As políticas de Glasnost e Perestroika adotadas pela então União Soviética, em meados
da década de 80, promoveram fortes discussões nos partidos comunistas em diferentes
países. Foi a época que o principal vetor da causa socialista no globo, a URSS,
abandonou, na prática, o postulado da ditadura do proletariado em favor de uma abertura
política e econômica.
Por fim, a repentina queda do bloco socialista, em 1989, e, em seguinte, o da própria
União Soviética no dia de Natal do ano seguinte, demarcaram uma acentuada virada da
história da humanidade.
Foram fatos impressionantes tendo em vista que na primeira metade do século 20 o
marxismo-leninismo teve grande expressão no campo político, econômico, filosófico... e,
de 1917 até o final da década de 70, aproximadamente 1/3 da humanidade encontrava-se
sob sua influência; no entanto, em menos de 10 anos, a partir de meados da década de
80, ocorreu um verdadeiro desmoronamento do sistema socialista de governo!
Isto não deixa de causar espécie, pois esta ocorreu sem declaração de guerra e durante
um século que apresentou duas guerras mundiais, extermínio de milhões de judeus,
vietnamitas e africanos, explosão de artefatos nucleares, etc. O bloco socialista
simplesmente implodiu e tivemos a oportunidade de ver, pela televisão, esta mudança !
Estas considerações de ordem mais abrangente, versando sobre as circunstâncias
nacionais e internacionais, se de um lado ajudam a compreender o refluxo do movimento
comunista ao final da década de 80 e início da década de 90 [26],por outro lado, não são
suficientes para explicar a retração que a Geografia Crítica tem hoje na produção
geográfica.
Um aspecto a ser destacado diz respeito aos próprios limites encontrados nos que
promovem a Geografia Crítica no país.
Por incongruências que não estamos ao par, o certo é que não há unidade entre os
geógrafos críticos. [27] O que ocorre é um certo nº de pessoas afinadas com a concepção
marxista, mas que não conseguem transferir esta afinidade teórico-metodológica em uma
versão propriamente geográfica de forma coesa. As divergências quanto à forma de se
realizar esta passagem mostram-se muito séria. De modo que não é possível estabelecer
esta escola, em termos institucionais, tal como ocorreu, por exemplo, com a Universidade
Estadual de Rio Claro em relação à Geografia Quantitativa durante uma certa época.
Avaliação
A nossa época caracteriza-se por um profundo aceleramento das relações sociais,
investimento financeiros, decisões políticas ... é como se em uma dada dimensão de
tempo ocorressem mais coisas, simultaneamente, ocasionando mudanças mais densas e
rápidas.
Há um processo veloz que a tudo e a todos procura enveredar, juntar, em nome de uma
produção. Neste sentido, as verdades estabelecidas deixam de sê-la e a perplexidade é a
tônica neste momento.[28] Para onde vamos ?
Neste contexto, no campo da ciência, uma nova aventura procura ser empreendida, tal
como a iniciada por René Descartes séculos atrás. A teoria do caos, o paradigma da
complexidade, a abordagem interdisciplinar ou transdisciplinar, enfoque holístico, etc. são
correntes que procuram dar conta de nosso admirável e assustador mundo novo.
A Geografia, por sua vez, como tanto outras disciplinas, também enfrenta problemas
quanto a sua permanência no cenário futuro. Quanto à Geografia Crítica ... esta ainda
existe (ou resiste ?) !
No Brasil, o seu destino parece estar bem articulado ao da AGB e à produção de livros
didáticos. Embora não tenha sido o nosso objeto uma análise detida da AGB e dos livros
didáticos, foi-nos possível notar que a partir de um certo momento esta entidade, que
existe desde a década de 30, foi o principal instrumento de divulgação da Geografia
Crítica[29], ficando por conta dos livros didáticos a capilarização do fomento de uma nova
consciência política .
Se comparamos a AGB do tempo da Geografia Crítica com a AGB do tempo que a
produção geográfica não era realizada pela universidade [30] , mas pelo IBGE, temos
uma notória diferença de “estilo”, enquanto no primeiro momento promoveu-se encontros
relativamente fechados, mas com grande rigor acadêmico [31], no segundo incentivou-se,
com mais intensidade, encontros com grande afluência de pessoas, destacando-se
sobretudo a presença de professores. [32]
Hoje, após mais de 20 anos do início da Geografia Crítica em termos nacionais, parece
que ocorre um processo inverso ao de 1979. Enquanto neste ano, a Geografia Crítica
iniciou a sua capilarização nas instituições e mentes, mas não acessava a estrutura de
poder; hoje, alguns de seus representantes encontram-se bem situados em termos
profissionais, mas verifica-se uma retração de seu campo de influência.
Parece que a Geografia Crítica enquanto movimento parou !
E parou não por falta de consciência dos impasses que atravessam a corrente [33], mas
porque a época que a ensejou não existe mais, seja a nível nacional, seja a nível
internacional.
BIBLIOGRAFIA
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4º Congresso Brasileiro de Geografia em 1984
ENTREVISTAS UTILIZADAS
Profs: Roberto Lobato Corrêa, Armen Mamigonia, Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro,
Manuel Correia de Andrade, Milton Santos e Orlando Valverde publicadas na revista
GEO-SUL, Revista do Departamento de Geociências da UFSC, nº 12/13, ano VI, vs.
págs., 2º semestre de 1991 e 1º semestre de 1992.
Prof. Spiridião Faissol publicada na revista GEO UERJ, Revista do Departamento de
Geografia da UERJ, Rio de Janeiro, nº 1, pp. 79-94, 1997.
Prof. Pasquale Petrone publicada na revista GEO-SUL, Revista do Departamento de
Geociências da UFSC, nº 15, ano VIII, pp. 103-137, 1993.
Veja Geopolítica ou Retorna
-------------------------------------------------------------------------------[1] Trabalho publicado na Revista da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Duque
de Caxias ( RJ ), setembro de 2000, ano II, nº 2.
[2] R. J. Johnston in Philosophy and Human Geography indica a forte influência do
marxismo na Geografia a partir de um ponto de vista estruturalista, pelo qual as
explicações dos fenômenos devem estar referenciadas às estruturas que os sustentam,
mas que não são imediatamente identificados por estes fenômenos; assim não basta um
estudo empírico para compreender a realidade, cabe sim uma análise que rompa o véu
dado por aquilo que nos trás os nossos sentidos e apreenda, através de um esforço de
raciocínio e abstração, estruturas universais que dinamizam a sociedade. ( 1986 a, pp.
97-101 )
[3] Esta observação, combinada a de Moraes sobre a origem da Geografia Crítica ( 1987,
p. 40 ), destaca a supremacia americana em estabelecer a hegemonia das idéias.
Emborca subjacente na década de 50, na França, a Geografia Crítica adquiriu
capilaridade a partir do seu alcance junto as diferentes aparelhos de divulgação e das
instituições de ensino americanas que lhe deram uma popularidade que até então não
tinha alcançado. Josefina Gómez Mendoza et alli in El pensamiento geográfico - estúdio
interpretativo y antologia de textos ( de Humboldt a las tendencias radicales ) chegam a
indicar que para a Geografia Radical existiram dois centros privilegiados, o dos Estados
Unidos e o da França. ( 1982, pp. 135-140 )
[4] Pelo exposição que se segue, é adotado o termo Geografia Crítica, como é conhecida
esta corrente no Brasil.. Havendo, porém, aqueles, por razões várias, que procuraram
distinguir nesta corrente tendências revolucionárias ou reformistas, nós procuramos, no
entanto, nos ater às principais marcas da Geografia Crítica, sem entrar em nuances das
diferenças internas.
[5] A obra de Karl Marx é extremamente ampla, e a apreensão de sua concepção do ato
de conhecer encontra-se disseminada em seus escritos. As obras como Teses sobre
Feuerbach, Manifesto Comunista, A miséria da filosofia, O capital e seus estudos
históricos pontificam a constituição de sua forma de abordar a sociedade. Porém, não há
um trabalho de sua autoria que sistematize uma gnoseologia. Por esta razão, nos
pautaremos em autores que tiveram preocupação semelhante a nossa.
[6] In A filosofia de Marx de Étienne Balibar, pp. 30-31, ( 1995 ).
[7] Ibidem, p. 31.
[8] Vide Karl Marx - Pequena biografia de Evguénia Stepánova ( 1979 ).
[9] Jürgen Kocka ( 1994, p. 46 ), destaca este aspecto mencionando diferentes
pensadores contemporâneos concordes com este ponto.
[10] Como destaca Henri Lefebvre in a Sociologia de Karl Marx ( 1979 ) .
[11] Naturalmente que na mobilização política a questão ética ( a luta pelos mais pobres ),
ou até mesmo o nacionalismo ( defesa dos interesses nacionais ) podem ser utilizados
como formas de galvanizar a opinião pública, porém, estas “bandeiras” decorrem de
movimentos táticos que podem ser substituídos assim que ocorram mudanças nas
circunstâncias então vigentes.
[12] Horacio Capel interpreta estar incluso nesta visão a preocupação positivista de que
“...el materialismo histórico dialéctico ha formulado las leyes causales del desarrollo de la
humanidad, las cuales permiten predecir de forma ineluctable la evolución pasada - es
decir, el origen y desarrollo del capitalismo - y futura - es decir, la necesaria transición al
socialismo - de la humanidad.” ( Capel, op. cit. p. 439 )
[13] “Marx não é portanto um geógrafo ( assim como não é um historiador nem um
sociólogo ), mas no marxismo, assim como existe uma teoria da história e uma análise da
sociedade, existe também uma geografia, sempre que por geografia se queira entender
principalmente “a história da conquista cognoscitiva e da elaboração regional da terra, em
função de como veio a se organizar a sociedade” ( L. Gambi ). No marxismo existem,
além de inúmeros temas de pesquisa, também uma teoria da geografia e dos limites das
condições e fatores geográficos”. (Quaini, 1979, p. 51).
[14] “O que choca não é a falta de interesse de Marx para com os problemas geográficos:
é a disjunção entre seus textos teóricos mais elaborados, O Capital em primeiro lugar, e
seus textos mais circunstanciais, militares ou político-estratégicos. O que choca no próprio
bojo dos textos mais elaborados não é tanto a falta de interesse para com os problemas
geográficos do que a irrupção, numa problemática globalmente espacial, de raciocínios
geográficos grosseiramente deterministas”. ( Lacoste, 1988, p. 141 ).
[15] “Pero si el espacio es la proyección de la sociedad, sólo podrá ser excplicado - y ésta
es la consecuencia metodológica fundamental de la asunción inicial - desentrañando en
primer lugar la estructura y el funcionamiento de la sociedad o formación social que o ha
producido”. ( Mendoza et alli, 1982, p. 150 )
[16] Durante a realização do Seminário de Geografia Humana, do curso de doutorado,
coordenado pela Professora Bertha K. Becker, no primeiro semestre de 1995, pelo
programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRJ; o prof. Antônio Carlos Robert
Moraes teve a oportunidade de externar o mesmo ponto de vista. E, segundo o relato da
coordenadora do seminário, que presenciou um debate de David Harvey com uma
ecóloga nos Estados Unidos, este deixou claro que o método marxista não foi pautado por
uma visão integradora na análise da relação homem-natureza.
[17]A explicitação do teor e comparação destas correntes da Geografia foi por nós
realizada no texto “Os debates recentes na Geografia e o futuro da disciplina” que veio a
ser divulgado na Revista FEUDUC, nº 1, agosto/99, pp. 44-63.
[18] Este aspecto trás consequências para o campo político, pois a partir de uma visão
natural da sociedade as desigualdades sociais, por exemplo, são tidas como o aspecto
natural de um organismo em crescimento ( ou doente ) cujo problema pode vir a ser
superado sem rupturas das estruturas sociais.
[19] Élisés Reclus ( 1830-1905 ) que embora não fosse marxista, pelo contrário, seu
adversário, pois era anarquista e aliado de Bakunin, grande opositor de Karl Marx na I
Internacional, foi precursor de uma linha da Geografia que assume um caráter crítico à
organização social. ( Andrade, 1985, pp. 15-16 )
[20] Entre os recalcitrantes, havia o preconceito de serem considerados pró-capitalistas ...
coniventes com a sociedade burguesa ! Assim, não raro, o marxismo alcançou seu
avanço na Geografia, senão pela livre adoção, pelo menos para se evitar má
interpretação ou obter melhor aceitação em certas coletivos de geógrafos, edições de
revistas, encontros acadêmicos, etc.
[21] Ato Institucional nº 5 foi adotado pelo regime militar em dezembro de 1968 durante o
então Presidente da República Arthur Costa e Silva. Este ato legitimou o fechamento do
Congresso Nacional, demissão de funcionários, cassação de mandatos, destituição de
cargos executivos, caso fosse interpretado que tais medidas serviriam para conter
qualquer movimento subversivo. O AI-5 era visto pelo governo militar como um
instrumento útil para a defesa de sua revolução!
À época do início do governo do então Presidente João Batista Figueiredo, em 1979,
só havia dois partidos, a Aliança Renovadora Nacional - ARENA e o Movimento
Democrático Brasileiro - MDB, isto porque as regras que reconheciam a existência de um
partido político eram extremamente exigentes quanto ao número de estados da federação
que já apressentassem diretórios regionais, ao número de deputados já partidários da
nova gremiação, etc.
Estes e outros aspectos do regime militar e posterior processo de abertura política já
podem contar com diversos trabalhos, mas lembraríamos a recente obra do ex-ministro
Ronaldo Costa Couto - História indiscreta da ditadura e da abertura Brasil: 1964 - 1985
por registrar o relato de personalidades diretamente envolvidas no surgimento e/ou
enfrentamento ao regime militar. Esta obra vem acompanhada por uma outra - Memória
via do regime militar Brasil: 1964 - 1985; todas as duas obras foram editadas pela Record,
respectivamente nos anos de 1998 e 1999.
[22] Pedro Pinchas Geiger ( 1988, p. 80 ) assinala que a sua vinda teve uma repercussão
próxima à influência dos professores estrangeiros que aqui ajudaram a formar os
primeiros quadros universitários tanto no estado de São Paulo, quanto no Rio de Janeiro.
[23] Houve ainda professores que demonstraram apoio à temática social adotada pela
nova corrente, embora não estivessem articulados ao movimento, tais como Manuel
Correia de Andrade e Orlando Valverde.
[24] Pedro Pinchas Geiger, em intervenção no IV Encontro Nacional de Geógrafos
realizado no Rio de Janeiro, em 1980, observa: “Vejo diversos geógrafos preocupados
com mudança de modo de produção. Não vou discutir se existem, ou não, condições
objetivas de mudança próxima do modo de produção. Mas quero lembrar o filme de
Eisenstein, “Ivã o Terrível”: na corte, discute-se a sucessão de Ivã, que, à morte, está
recebendo a extrema-unção. Mas Ivã se restabelece, e, como conviver com Ivã vivo ?” (
1980, p. 349 )
[25] Isto não era um processo incomum na época; pelo contrário, por exemplo, a
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, ou a Conferência Nacional dos
Bispos Brasileiro - CNBB, entre outras entidades estavam profundamente envolvidas no
processo que finalizou o período militar no governo brasileiro.
Parte deste vigor decorreu da própria inviabilização da via partidária enquanto
instrumento para alavancar as mudanças desejadas. Mesmo tendo ocorrido melhor
abertura dos partidos, as entidades civis encontravam-se marcadas pela participação de
diferentes pessoas que viam nestas entidades que em passado recentes não tinham
obtidos melhores espaços nos partidos existentes. Assim, só com a normalização do
processo democrático, que algumas destas entidades passaram a ter um papel menos
políticos e mais conformes as suas características básicas que a fundaram.
[26] Este refluxo atinge não só os partidos ( que comungam o ideário marxista-leninista ),
mas a linha editorial de coleções de livros, os quadros políticos e o de intelecutais que
passam a ser em menor número, etc. Enfim, há toda uma rede de relações e projetos
correlatos que são seriamente atingidos por este refluxo.
[27] O texto de Armando Corrêa da Silva - “A renovação geográfica no Brasil - 1976/1983
( as Geografias Crítica e Radical em uma perspectiva teórica )” publicado pelo Boletim
Paulista de Geografia nº 60, de 2º sem. 83/1º sem. de 84, pela seção AGB de São Paulo,
apresenta um quadro representativo de quem estava diretamente envolvido neste
processo.
[28] É sintomático, deste período, que o cientista político René Dreifuss que escreveu um
trabalho marcante sobre ascensão dos militares ao poder, em 1964: a conquista do
estado, tenha recentemente publicado o livro A época das perplexidades .
[29] Em entrevista com Milton Santos, e publicada pela revista Geosul, nº 12/13, 2º sem.
de 1991 e 1º sem. de 1992, ele aborda a cobertura que a AGB lhe deu quando de sua
volta para o Brasil. Esta cobertura lhe era útil, assim como ao próprio movimento que
vinha sendo desenvolvido.
[30] A produção universitária passou a tomar maior vulto com a expansão dos cursos de
pós-graduação, na década de 70, o que certamente deve ter influído na criação dos
Encontros Nacionais de Geógrafos - ENG, proporcionando encontros com grande
afluência, isto antes da Geografia Crítica tomar vulto no cenário brasileiro. O que os
geógrafos críticos introduzem de novo é a temática política acompanhada por novos
quadros nos postos de governo da AGB, seja em seções locais ou a nível nacional.
[31] Sobre esta comparação, em entrevista com Roberto Lobato Corrêa, e publicada pela
revista Geosul, nº 12/13, 2º sem. de 1991 e 1º sem. de 1992, ele chega a afirmar:
“Objetivamente falando acho que a AGB tradicional era mais proveitosa. Contudo nós
temos que ser realistas, e pensar um pouco nas centenas e centenas de estudantes de
geografia e professores do secundário que necessitam de um Encontro para
aperfeiçoamento. Acho que a AGB atual tem seus méritos, sobretudo porque, através de
suas Mesas-Redondas e cursos, tem suprido uma deficiência grave dos cursos de
graduação. Portanto, a AGB atual tem um enorme papel social...” ( p. 36 )
[32] Cabe notar que no tempo que a produção geográfica estava sob a influência direta
do IBGE, esta produção estava articulada a uma clara lógica de planejamento, visando
possível intervenção no território nacional, logo, os trabalho discutidos nos encontros
promovidos pela AGB são sobretudo de ordem prática.
Em entrevista com o Prof. Orlando Valverde em maio de 1994, ele destaca o
significado estratégico da criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
durante a ditadura de Getúlio Vargas. A perspectiva de que uma nova guerra ser
novamente deflagrada na Europa leva o governo a ter iniciativas que lhe facultem
melhores conhecimentos sobre as características, potencialidades, recursos do país.
O IBGE ao proporcionar um quadro cada vez mais exato da realidade brasileira faculta
ao estado nacional, que encontrava-se em franco processo de fortalecimento, uma maior
eficiência em suas intervenções, mitigando a ação dos poderes das oligarquias regionais
que encontravam-se alojadas nas estruturas de governos estaduais.
[33] O trabalho do Ruy Moreira - “Assim se passaram dez anos” - ilustra bem as
dificuldades teóricas na época (1992).
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