Caros amigos, face à grande quantidade de informação e desinformação que estão sendo divulgadas por todos os meios, repasso-lhes um texto sério e verdadeiro. Você pode ajudar repassando essas informações. Herdy Alves e Fabiola Costa Dengue Escrito por Prof Dr Edimilson Ramos Migowski de Carvalho 22-Fev-2008 Ricardo Rangel da Costa colaborou com esse texto. O agente etiológico O vírus causador da dengue é classificado como um arbovírus (isto é, ele é um vírus transmitido por mosquitos) e tem quatro tipos de vírus: 1, 2, 3 e 4. Todos eles podem causar tanto a forma clássica quanto a dengue hemorrágica. Todavia, o tipo 3 parece ser o mais agressivo (virulento), se replicando com maior rapidez e causando formas mais graves da doença. Como se pega? A transmissão da doença se dá através da picada dos mosquitos transmissores (vetor), o Aedes aegypti e Aedes albopictus. O Aedes Aegypti é parecido com o pernilongo comum, e pode ser identificado por algumas características que o diferenciam, como corpo escuro e rajado de branco. O vírus se replica dentro do intestino do inseto, e depois migra para as glândulas salivares. Quando pica, o mosquito injeta a saliva produzida nessas glândulas junto com o vírus na corrente sangüínea da pessoa. É importante ressaltar que dengue não é uma doença transmissível de forma direta, ou seja, não passa de um indivíduo para o outro de forma direta, nem mesmo por meio de fontes de água ou alimento ou por uso de objetos pessoais do doente. Existe a transmissão vertical, da gestante para o bebê, através da placenta desse vírus. Período de transmissibilidade É o período no qual a pessoa infectada pode passar o vírus para o mosquito. Ocorre quando houver vírus no sangue (período de viremia). Este período começa um dia antes do aparecimento dos sinais e sintomas e vai até o 6º dia da doença. Quadro clínico Assim que penetra na corrente sangüínea, o vírus passa a se replicar em órgãos específicos, como o baço, o fígado e outros tecidos, durante três a sete dias, período chamado de incubação (tempo desde a picada até o aparecimento dos sinais e sintomas). Depois o vírus volta a circular na corrente sangüínea, se replicando nas células do sangue e atingindo a medula óssea, responsável pela produção dessas células, e comprometendo a produção de plaquetas, elementos indispensáveis para a coagulação sangüínea. Os sinais e sintomas de dengue clássica surgem de forma abrupta: febre intermitente de intensidade variável, durando de 3 a 5 dias, que pode chegar à casa dos 39º C e provocar calafrios, dor forte de cabeça, concentrada principalmente na região atrás dos olhos, dores nas costas (especialmente na região lombar), nos músculos das pernas e nas juntas (artralgia). Como muitos atribuem a essas dores origem óssea, a doença antigamente era conhecida pelo nome popular de "febre quebra-ossos". Queixas de dor à movimentação dos olhos são freqüentes, bem como insônia, perda do apetite, desconforto abdominal, diarréia, náuseas, vômitos, coceira e cansaço. O desânimo pode ser de tal ordem que o doente cai de cama e a vida perde a graça. No segundo dia de doença, pode surgir vermelhidão (exantema) na face e no tronco, que se espalha pelo resto do corpo, poupando as mãos (palmas) e pés (plantas). O vermelho da pele fica entremeado por áreas claras de 2 a 5 milímetros. Na forma hemorrágica da doença, os principais sinais são febre alta (FHD – Febre Hemorrágica da Dengue), hemorragia, aumento do fígado, baixa pressão arterial (pulso rápido e fraco), insuficiência circulatória, fezes escuras, parecidas com borra de café e pele fria e pegajosa. Dengue hemorrágica é bem mais grave. Rompem-se pequenos vasos sangüíneos (capilares) que deixam manchas na pele e provocam sangramentos nasais, gengivais, gastrintestinais, urinários e ginecológicos. Como os capilares periféricos se dilatam, a pressão cai, o que é um importante dado para o diagnóstico da forma hemorrágica. Complicações que podem ocorrer (não quer dizer que ocorrerão!!!) O período crítico ocorre durante o término da fase febril, geralmente após o 3° / 5° dia da doença. A pessoa deixa de ter febre e isso leva a uma falsa sensação de melhora, mas em seguida o paciente pode piorar, surgindo (ou piorando) dores abdominais, sangramentos, vômitos e queda da pressão arterial. A presença de qualquer uma dessas quatro manifestações, repetindo, dor abdominal forte, vômitos, sangramento e queda da pressão arterial sugere dengue GRAVE e o serviço médico deverá ser procurado, mesmo que a pessoa já tenha sido consultada algumas horas atrás. Não importa! Dengue pode piorar de um momento para o outro e só o médico poderá detectar alguma complicação. Na forma hemorrágica, podem surgir sintomas de hipotensão: tontura, visão turva, quedas e perda dos sentidos. Muito raramente, esse quadro evolui para choque e morte num período de 24 horas, se não houver tratamento médico intensivo. O choque é decorrente do extravasamento de plasma pelos capilares, o que é agravado pela deficiência de plaquetas, responsáveis pela coagulação sangüínea, levando à falência circulatória. De acordo com as estatísticas a chance de morte no caso da primeira manifestação da dengue clássica é zero. Na dengue hemorrágica a taxa é de aproximadamente 3%. Tratamento O tratamento é sintomático, isto é, são utilizados medicamentos apenas para amenizar os sinais e sintomas, e não para combater o vírus. O próprio sistema imunológico acaba com o vírus em alguns dias. Mesmo assim, deve-se fazer repouso, não se agasalhar excessivamente e beber muito líquido para evitar a desidratação proporcionada pela febre e evitar sintomas mais desagradáveis. No caso da forma hemorrágica, é recomendada a aplicação de soro e plasma. Em alguns casos mais graves pode haver a necessidade de transfusão de sangue. Embora não tenha qualquer estudo, é o paracetamol (Dôrico®, Tylenol® etc) o fármaco mais utilizado para tratamento da dor e febre no paciente com dengue. Vale ressaltar que o vírus do dengue causa, em praticamente 100% das pessoas infectadas, um quadro de hepatite, e o paracetamol é muito tóxico para esse órgão e poderá agravar o problema. O ácido acetil-salicílico (AAS®, Aspirina®, Melhoral®, Doril® etc) é contraindicado, porque essa substância interfere nos mecanismos de coagulação e pode favorecer o aparecimento de manifestações hemorrágicas. Baseado nos perfis do medicamento e da doença, os medicamentos que poderiam ser utilizados com um pouco mais de segurança seriam a dipirona (Novalgina®, Dorflex®, Anador® etc.) e o ibuprofeno (Dalsy®, Alivium®). Mas sempre de forma comedida e com orientação médica. Na maioria das vezes, o doente se recupera em uma semana. A recuperação costuma ser total, não deixando nenhum tipo de seqüela. É comum que ocorra durante alguns dias uma sensação de cansaço, que desaparece completamente com o tempo, geralmente em até quinze dias. Medidas preventivas O Aedes aegypti é um mosquito doméstico, que vive dentro ou nas proximidades das habitações. Calcula-se que 90% dos focos do mosquito sejam domésticos. O único modo possível de evitar ou reduzir a duração de uma epidemia e impedir a introdução de um novo tipo do vírus da dengue é a eliminação dos transmissores. Isso é muito importante porque, além do dengue, o Aedes aegypti também pode transmitir a febre amarela. O "fumacê" é útil para matar os mosquitos adultos, mas não acaba com os ovos. Por isso, deve ser empregado apenas em períodos de epidemias com o objetivo de interromper rapidamente a transmissão. O mais importante é procurar acabar com os criadouros dos mosquitos. Qualquer coleção de água relativamente limpa e parada, inclusive em plantas que acumulam água (bromélias), pode servir de criadouro para o mosquito. Não deixar objetos que possam acumular água expostos à chuva. Os recipientes de água devem ser cuidadosamente limpos e tampados. Não adianta apenas trocar a água, pois os ovos do mosquito ficam aderidos às paredes dos recipientes. Portanto, o que deve ser feito, em casa, escolas, creches e no trabalho, é: - substituir a água dos vasos das plantas por terra e esvaziar o prato coletor, lavando-o com auxílio de uma escova para remover os ovos; - limpar diariamente as cubas de bebedouros de água mineral e de água comum; - utilizar água tratada com água sanitária a 2,5% (40 gotas ou 2ml por litro de água) para regar bromélias, duas vezes por semana. Ainda assim, o ideal é substituir essas plantas por outras que não acumulem água; - não deixar acumular água nas calhas do telhado; - não deixar expostos à chuva pneus velhos ou objetos que possam acumular água (latas, garrafas, cacos de vidro etc); - acondicionar o lixo domiciliar em sacos plásticos fechados ou latões com tampa; - tampar cuidadosamente caixas d'água, filtros, barris, tambores, cisternas etc. Mitos e verdades Não adianta só secar os reservatórios de água parada, tem que limpar também: o ovo do mosquito pode se manter viável por mais de um ano sem água! O mosquito pica apenas durante o dia, mas não faz zumbido. É verdade que apenas a fêmea pica, pois ela necessita do sangue em seu organismo para amadurecer seus ovos e assim dar seqüência no seu ciclo de vida. Ela pode colocar até 500 ovos durante o seu tempo de vida, que varia de 30 a 45 dias, tempo suficiente para picar até 300 pessoas. Descobriu-se recentemente que existe transmissão transovariana, ou seja, a fêmea passa o vírus para os seus ovos, e os mosquitos já nascem com ele. Velas de citronela ou andiroba e outros repelentes não ajudam no combate ao mosquito, pois têm efeito temporário e indeterminado. Tomar vitamina B para evitar a aproximação do mosquito não se mostra eficaz, uma vez que o efeito varia de acordo com o metabolismo da pessoa, podendo não repelir o mosquito. É verdade que o mosquito é atraído de acordo com a respiração e o gás carbônico exalado pela pessoa. Quem toma vitamina B1 tem o cheiro eliminado pela pele, mas o mesmo acontece com o alho e a cebola. Mesmo que afaste a picada, isso não dura tanto tempo assim, o que não faz a vitamina diferir da duração de um repelente, por exemplo. Perguntas e respostas 1) A dengue pode ser contraída mais de uma vez? Ao contrair dengue, a pessoa fica imunizada permanentemente para aquele sorotipo do vírus, mas não para os outros. Dessa forma, uma mesma pessoa pode ter dengue até quatro vezes. A segunda infecção por qualquer sorotipo da dengue é, na maioria das vezes, mais grave do que a primeira, independentemente dos sorotipos e de sua seqüência. Contudo, o tipo 3 mostra-se mais virulento. É importante lembrar, porém, que manifestações mais graves da dengue podem ocorrer na primeira infecção. 2) Por que não se desenvolve uma vacina contra a dengue, da mesma forma que foi feito para a febre amarela? O desenvolvimento de uma vacina contra dengue é mais difícil, porque tem que proteger ao mesmo tempo contra quatro tipos. 3) Como é feito o diagnóstico de dengue? O diagnóstico inicial de dengue é clínico (história + exame físico da pessoa) feito essencialmente por exclusão de outras doenças. É muito importante, por exemplo, saber se a pessoa não está com leptospirose ou doença meningocócica, que são tratáveis com antibióticos. Feito o diagnóstico clínico de dengue,alguns exames (hematócrito, contagem de plaquetas) podem trazer informações úteis quando analisados por um médico, mas não comprovam o diagnóstico, uma vez que também podem estar alterados em várias outras infecções. A comprovação do diagnóstico se for desejada por algum motivo, pode ser feita através de sorologia (exame que detecta a presença de anticorpos contra o vírus do dengue), que começa a ficar reativa ("positiva") a partir do 5° dia de doença. 4) O que é a “prova do laço”? Ela é útil para determinar o diagnóstico de dengue? A “prova do laço” é um procedimento realizado com o aparelho de pressão, na tentativa de verificar fragilidade dos capilares (pequenos vasos sangüíneos). O aparelho é mantido inflado por cinco minutos em uma pressão intermediária entre a máxima e a mínima (o que pode ser desconfortável), com o objetivo de verificar a produção de petéquias (pequenos pontos avermelhados). É considerado positivo quando aparecem mais de 20 petéquias por polegada quadrada. Esse método não é eficaz, uma vez que além da dengue, a "prova do laço" pode estar positiva em diversas outras doenças como meningococcemia, leptospirose e rubéola e até em pessoas saudáveis. Também pode estar negativa nos casos de dengue, inclusive nos mais graves ("hemorrágicos"). Não ajuda, portanto, a concluir se a pessoa está ou não com dengue ou se a dengue é mais grave. 5) Todas as pessoas picadas pelo mosquito transmissor irão desenvolver a doença? Algum outro mosquito pode transmitir a doença? Não. Primeiro, é preciso que o mosquito esteja contaminado com o vírus. Cerca de metade das pessoas picadas pelo mosquito não desenvolvem a doença. Segundo, dos infectados por um vírus da dengue, entre 20 e 50% vão desenvolver formas subclínicas da doença, isto é, sem apresentar sintomas. O mosquito Aedes albopictus, que também pode ser encontrado em áreas urbanas, também pode transmitir a dengue. 6) É possível distinguir a picada do Aedes aegypti da picada de um mosquito comum? Não. A sensação de eventual coceira ou incômodo é semelhante à picada de qualquer outro mosquito. 7) A água de piscinas pode servir de criadouro para o mosquito? A resposta é: depende. Se a água estiver bem tratada e com a concentração recomendada de cloro, o mosquito não se desenvolve. Já foi comprovado que a água com cloro e a água salgada funcionam como repelentes. 8) Aplicar borra de café na água das plantas e sobre a terra ajuda a combater o Aedes? A sua utilização não simplifica os cuidados atualmente recomendados que são: a eliminação dos pratos ou a utilização de pratos justos aos vasos, a colocação de areia até as bordas dos pratos ou eliminar a água e lavar os pratos com bucha e sabão semanalmente. 9) É verdade que o mosquito se reproduz mais rápido no calor? Que outros hábitos o Aedes tem? Sim. No calor, o período reprodutivo do mosquito fica mais curto e ele se reproduz com maior velocidade. Isto explica o aumento de casos de dengue no verão. O mosquito fica onde o homem estiver, prefere picá-lo a qualquer outra espécie e gosta de água acumulada para colocar seus ovos. 10) As larvas do mosquito só se desenvolvem em água limpa? Não. As larvas também podem se desenvolver em água suja e parada. Atualmente discute-se se as fêmeas realmente têm preferência pela água limpa. Bibliografia http://www.cives.ufrj.br/ http://www.pdru.unicamp.br/ http://www.invivo.fiocruz.br/ http://www.jornaldaciencia.org.br/ saude.terra.com.br * - Prof. Dr. Edimilson Migowski Professor Adjunto Doutor da UFRJ (Serviço de Infectologia Pediátrica do IPPMG/UFRJ) Doutor em Infectologia e Mestre em Pediatria pela UFRJ Chefe do Serviço de Infectologia Pediátrica do IPPMG/UFRJ Presidente da SBIm / RJ