trh: pânico e bom senso

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TRH: PÂNICO E BOM SENSO
Lucas Vianna Machado
Professor Titular de Ginecologia da Fac. Ciências Médicas de M.G
Membro Titular da Academia Mineira de Medicina.
A população feminina do mundo inteiro foi surpreendida pela divulgação dos
resultados preliminares do Estudo da “Women`s Health Iniciative (WHI) publicado no
JAMA, conceituada revista da Associação Médica Americana em 17 de julho pp.
Todo trabalho científico deve ser criteriosa e cuidadosamente analisado e seus
resultados interpretados à luz dos dados anteriormente conhecidos e estabelecidos. A verdade
cientifica absoluta jamais poderá ser apontada, porque ela não existe. Todas as pesquisas, por
mais rigorosas que sejam e utilizando-se os mais avançados métodos epidemiológicos, irão
encontrar uma verdade que se situa mais ou menos próxima da verdade absoluta. O problema
é que ela poderá ser interpretada de modo diferente, dependendo da ótica de cada examinador,
e uma das grandes dificuldades na prática clínica é a tendência universal em generalizar as
situações em detrimento da discriminação. Generalização é uma forma primitiva e infantil de
raciocínio. Discriminação, caracteriza uma fase mais evoluída de elaboração do pensamento.
É fundamental, portanto, saber discriminar.
O que realmente este estudo mostrou? Que o medicamento (Premelle) constituído
especificamente pelos estrogênios eqüinos conjugados (Premarin) na dose de 0,625mg
associado à medroxiprogesterona 2,5mg em uso oral e contínuo por mais de 5,5 anos provoca,
em índices não alarmantes, um aumento na incidência dos acidentes cardiovasculares e câncer
invasivo da mama, paralelamente a uma diminuição na incidência do câncer colo-retal e de
fraturas de bacia. Traduzindo em números, o risco absoluto a que uma mulher
individualmente está exposto é muito pequeno. Em cada 10.000 mulheres tomando a droga
por um ano houve 7 casos a mais de eventos coronarianos, 8 casos a mais de câncer invasivo
de mama, 8 casos a mais de derrame cerebral e 8 casos a mais de embolia pulmonar,
contrapostos a 6 casos a menos de câncer colo-retal e 5 casos a menos de fratura de bacia.
Nenhum destes dados constituiu uma surpresa no meio científico. O chamado estudo
HERS já havia apontado estes achados relativos à proteção cardiovascular secundária, bem
como varias outras publicações.
Um fator muito importante a ser considerado é a própria medicação utilizada. Por que
ela é a mais utilizada nos EUA e, de resto, em todo mundo? Quando se iniciou o tratamento
dos sintomas do climatério, há cerca de 50 anos atrás, usava-se apenas o hormônio feminino
(estrogênios), pois toda a sintomatologia era exclusivamente devida à parada de produção
deste hormônio pelo ovário. Após um curto espaço de tempo constatou-se que os estrogênios,
quando usados isoladamente, favoreciam o aparecimento do câncer do endométrio, o que
levou imediatamente à associação do progestogênio na 2ª metade do ciclo, procurando imitar
um ciclo menstrual normal. Esta medida reduziu a incidência do câncer do endométrio a
níveis semelhantes aos das não usuárias. Só que este esquema fazia com que as mulheres
voltassem ou continuassem menstruando regularmente, enquanto durasse o tratamento e isto
desagradava a muitas que já haviam se livrado deste incômodo. O resultado foi que a grande
maioria das mulheres interrompia o tratamento antes de completar o primeiro ano. A solução
encontrada pela industria farmacêutica foi empregar um esquema que suspendesse as
menstruações, e isto foi conseguido com a administração conjunta do estrogênio com o
progestogênio de forma combinada e contínua, exatamente o esquema utilizado nesta
pesquisa. Acontece que os progestogênios exercem naturalmente efeitos anti-estrogênicos e
tão eficazmente a ponto de suspender a menstruação, ou seja, anulava a ação estrogênica
sobre o útero. Esta ação antiestrogênica, em grau maior ou menor, se estende praticamente a
todos os órgãos, inclusive ao coração e vasos. Obviamente não é um esquema ideal. Resolve
apenas o incômodo do sangramento em detrimento de outras ações estrogênicas.
Os dados levantados na pesquisa WHI não se referem ao uso do estrogênio isolado e
sim associado ao progestogênio que confere uma adequada proteção contra o câncer do
endométrio (exatamente porque anula a ação estrogênica), contra o câncer colo-retal, contra a
osteoporose e elimina as ondas de calor. Estender os resultados do presente estudo aos demais
tipos de hormônio femininos, às diversas combinações, esquemas, dosagens e as diversas vias
de administração é mera e irresponsável especulação.
Com relação ao câncer da mama, é importante assinalar que o aumento verificado não
foi muito acima dos dados já registrados na literatura mundial e seu risco está situado entre os
fatores de risco menores, mesmo assim, abaixo das pacientes que possuem um parente de
primeiro grau (mãe, irmã ou filha) que desenvolveram câncer de mama após a menopausa,
das que apresentam uma obesidade acima dos 50 anos, das que fazem uso elevado de álcool e
das que nunca engravidaram ou que pariram tardiamente.
Nesta pesquisa da WHI foi constatado que houve um aumento estatisticamente
significativo do câncer invasivo da mama, mas não houve um aumento na incidência do
câncer “in situ” ou pré-invasivo. Este dado não foi devidamente realçado e analisado. Já está
estabelecido que o câncer surge através de uma lesão no DNA de uma célula que escapa dos
mecanismos
biológicos
de
controle
do
crescimento,
passando
a
se
reproduzir
desordenadamente. O tempo médio que esta célula cancerosa inicial leva para duplicar é de
120 dias. São necessárias portanto 20 duplicações para que o tumor atinja 1 a 2 milímetros de
diâmetro (já identificável pela mamografia). Para atingir 1 cm de diâmetro (1 bilhão de
células), são necessárias 30 duplicações, o que leva em média 8 anos. Um centímetro de
diâmetro é o tamanho médio que o tumor pode ser identificado pela palpação, o que significa
que, ao ser detectado um tumor de 1cm, ele já está presente e em evolução há mais ou menos
8 anos. Ora, todo câncer invasivo obrigatoriamente passa por um período maior ou menor
nesta fase pré-invasiva. Se a pesquisa mostrou que houve um aumento na incidência do câncer
invasivo, mas não foi acompanhado pelo aumento na incidência da lesão pré-invasiva,
provavelmente o que ocorreu foi uma aceleração hormônio dependente do crescimento de um
câncer preexistente e não a iniciação de um novo câncer. Além do mais, se o câncer leva em
média 8 anos para ser identificado clinicamente, a maioria dos casos já preexistiam quando foi
iniciado o estudo, só que numa fase subclínica.
Inúmeros trabalhos publicados recentemente têm dado ênfase ao fato de que a
incidência de câncer de mama não aumenta significativamente quando se utiliza o estrogênio
isoladamente. O aumento ocorre quando se emprega o esquema combinado com um
progestogênio. O estudo WHI está avaliando paralelamente um grupo de 10.739 pacientes que
tiveram seus úteros previamente retirados, portanto sem a necessidade do progestogênio,
tomando somente estrogênios por via oral. Corroborando estas observações, neste grupo não
foi detectado um aumento significativo do câncer de mama e a pesquisa continua em
andamento até completar os 8,5 anos conforme inicialmente proposto. É interessante notar
que os estrogênios, anteriormente considerados como perigosos para a mama, agora cedem o
seu lugar aos progestogênios.
Então, como ficamos? As pacientes em uso do medicamento “Premelle” devem
procurar seus ginecologistas e levar-lhes todas as dúvidas e questionamentos. Discutir com
eles a conveniência de se interromper o medicamento ou trocar por um esquema diferente. A
decisão final caberá sempre à paciente. Aos ginecologistas e demais especialistas é
indispensável o conhecimento e a análise crítica deste trabalho que tanta polêmica tem
suscitado, para poder responder correta e cientificamente a todas as indagações. A prevalecer
as manifestações passionais por parte da população leiga, da mídia e principalmente de
médicos mal informados e incapazes de fazer uma interpretação correta de um trabalho
científico, a grande perdedora será sem dúvida a mulher. Elas estarão abrindo mão de décadas
de pesquisas médicas acumuladas que contribuíram enormemente para melhorar a qualidade
de suas vidas.
Finalmente uma palavra de alerta. Não existe nenhuma medicação que possa substituir
adequadamente os hormônios naturais (estrogênios, progesterona, testosterona, insulina,
cortisona, tiroxina, etc.) em suas ações específicas. Nem os chamados SERMS e muito menos
os fitoestrogênios tipo isoflavonas. Os primeiros atuam somente na prevenção da osteoporose
com resultados inferiores aos estrogênios e seguramente não apresentam riscos para o tecido
mamário, apresentando, muitos deles, uma possível proteção.
Com relação aos fitoestrogênios, eles apresentam um efeito pouco superior aos
placebos no combate às ondas de calor e diminuem em cerca de 12% o LDL colesterol
(nocivo ao organismo), mas não eleva o HDL colesterol (benéfico ao organismo). Seus efeitos
são mais anti-estrogênicos do que estrogênicos. Possuem uma atividade hormonal 500 a 2.000
vezes inferior ao estradiol, que é o hormônio naturalmente produzido pelo ovário, e não existe
nenhum trabalho sério, publicado em revistas conceituadas, que comprove uma ação protetora
contra o câncer de mama. A sua utilização é benéfica como fonte nutritiva rica em proteínas.
Para que atinjam níveis hormonais levemente terapêuticos, são necessárias grandes
quantidades, inviáveis numa dieta prolongada.
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