EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE ARARAQUARA-SP. Inquérito Civil – 12/07 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por intermédio da Promotoria da Cidadania, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com base no art. 129, inciso III, da Constituição da República, do artigo 74, inciso I do Estatuto do Idoso e art. 5º da Lei nº 7.347/85, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO LIMINAR, em face do MUNICÍPIO DE ARARAQUARA-SP, pessoa jurídica de direito público interno, com domicilio na Rua São Bento, n.º 840, Centro, nesta cidade e Comarca, representada pelo Prefeito Municipal, nesta cidade e comarca, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas. Chegou ao conhecimento deste Órgão Ministerial, através da representação fls. 04, formulado por Lílian Jane Escamilha, nascida aos 07 (sete) de Agosto de 1.973, 1 informando Cística, que CID é portadora E84.0, e de por uma este doença motivo chamada necessita Fibrose do uso contínuo de oxigênio por tempo indeterminado, para fazer o controle de sua patologia, sendo que o mesmo não pode ser adquirido pela representada por não ter condições financeiras. Para o pleno tratamento de sua doença, é necessário que a requerente faça uso de oxigênio continuo, pois no estágio de sua doença foi indicado transplante pulmonar, conforme estabelecido às fls. 05. Na Órgão tentativa Ministerial de oficiou apurar a melhor os Prefeitura fatos, este Municipal de Araraquara, tendo como resposta: “o Município de Araraquara, não dispõe de equipamento recursos específico orçamentários para a para enfermidade a da compra de declarante” (fls. 11). Oficiou-se também a Secretaria de Estado da Saúde (fls. 12/13, tendo como resposta que “é Unidade Administrativa que tem entre suas atribuições, coordenar e avaliar as ações de saúde realizadas nos sistemas locais de saúde, incluindo a prestação de serviços, gerenciada pelos municípios e compatibilizar a integração dos recursos de saúde da região com as diretrizes e programação do nível central, não sendo Unidade Orçamentária, isto é, não dispõe de recursos para atender solicitações de fornecimentos de Medicamentos, insumos ou complementos alimentares ou impedir o acesso a quem deles necessitem”. Como ficou demonstrado no Inquérito Civil, a requerente é pessoa de poucas posses e não possui condições para custear o aluguel do concentrador de oxigênio, pois em 2 seu termo de declarações (fls. 04), a interessada encontra-se em licença médica pelo INSS, recebendo a quantia de R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais) de benefício e com uso de muitos medicamentos não tem condições financeiras para arcar com as despesas do aluguel do aparelho citado, no valor de R$ 280,00 (duzentos e oitenta reais). Deve-se ressaltar que o aparelho é de fácil transporte devido as suas dimensões, o que tornaria viável o tratamento, pois assim a representada poderia transportá-lo para qualquer lugar. O uso de um cilindro de oxigênio torna irrealizável o tratamento, pois, devido as suas condições físicas, a requerente não teria como transportá-lo. Fica evidente a omissão do requerido Município de Araraquara com o presente problema, uma vez que ao não fornecer o aparelho médico-terapêutico tenta eximir-se de sua responsabilidade, colocando em risco a vida e a saúde da acometida, impondo como única alternativa, o ajuizamento dessa Ação Civil Pública com o intuito de preservar o direito a saúde e a vida da Sr. Lilian. Sendo assim, devido ao grave estado de saúde que se encontra a interessada, a mesma não pode deixar de fazer uso do oxigênio, e caso a interessada tenha que adquirir com seus próprios proventos, irá comprometer sua própria subsistência. Tal fato irá se tornar muito oneroso para a interessada, que corre serio risco de danos a sua saúde e, até mesmo, a sua vida. A Constituição da República prevê a saúde como direito social básico de todas as pessoas e dever do Estado, garantindo, dessa forma, o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde: 3 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. ................................................. ..... Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros igualitário agravos às e ações ao e acesso universal serviços para e sua promoção, proteção e recuperação. Mais: especial a proteção Constituição à pessoa da República portadora de assegura deficiência, garantindo-lhe assistência integral à saúde saúde: Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, contribuição à independentemente seguridade social, e tem de por objetivos: I... II... III... IV a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária. 4 A Constituição Paulista também reconhece a saúde como direito de todos e obrigação do Estado, garantindo o acesso universal e igualitário às ações e ao serviço de saúde, em todos os níveis (art. 219 e § único). Art. 219: “A saúde é direito de todos e dever do Estado. Parágrafo único - Os Poderes Públicos Estadual e Municipal garantirão o direito à saúde mediante: 4 - atendimento abrangendo a integral promoção, do indivíduo, preservação e recuperação de sua saúde.” Neste sentido o mesmo diploma legal consagra em seu artigo 223, I, que compete ao Sistema Único de Saúde, prestar assistência necessidade integral especifica da à saúde, população, respeitada identificando a fatores determinantes da saúde individual. Artigo 223 – “Compete ao Sistema Único de Saúde, nos termos da lei, além de outras atribuições: I - a assistência integral à saúde, respeitadas as necessidades específicas de todos os segmentos da população; O Código de Saúde do Estado de São Paulo (Lei Complementar Estadual nº 791/95), no que concerne ao tema em pauta, estabelece que: a) o direito humana, à saúde é constituindo-se inerente em direito à pessoa público subjetivo (art. 2º, § 1º); 5 b) o estado de saúde, expresso em qualidade de vida, pressupõe (I) condições dignas de alimentação e nutrição, assim como o acesso a esses bens; (II) reconhecimento e salvaguarda dos direitos do indivíduo, como sujeito das ações e dos serviços de assistência em saúde, possibilitando-lhe exigir serviços de qualidade prestados oportunamente e de modo eficaz; (III) ser tratado por meios adequados e com presteza, correção e respeito (art. 2º, § 3º, I, IV, “a” e “c”); c) no território de nosso Estado, as ações e serviços de saúde implicam co-participação e atuação articulada do Estado e dos Municípios na sua execução e desenvolvimento, constituindo o Sistema Único de Saúde (art. 4º e § 1º; art. 9º, I; art. 11); d) as ações e serviços assistenciais prestados pelo Sistema Único de Saúde são gratuitos, vedada a cobrança, de qualquer tipo de despesa (art. 12, II, “a”); e) compete ao Estado, em caráter complementar, executar ações e serviços de assistência integral à saúde e de alimentação e nutrição (art. 17, I, “a” e “e”); f) compete ao Município executar ações e serviços de assistência integral à saúde e de alimentação e nutrição (art. 18, III, “a” e “e”). 6 Observa-se, portanto, que ao refundar a República do Brasil em 1988, os Constituintes elencaram a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos da democracia a ser instalada (CR, art. 1º). Arrolaram como objetivos fundamentais da nova República: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e regionais; e, ainda, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CR, art. 3º). Ora, aqueles que se propõem a cumprir tais objetivos, com tais princípios, devem criar as condições que permitam e favoreçam o desenvolvimento integral da pessoa, portanto, a viabilidade da vida, que implica, dentre outras coisas, a promoção, a defesa e a recuperação da saúde individual e coletiva. Por isso, a saúde ganhou tratamento especial na Constituição, com seção própria e ênfase no acesso universal e igualitário às ações e serviços. A regional, Carta os Paulista direitos complementada pelo expressamente reconhece traduz, estatuídos Código a de saúde na Saúde como para o contexto Lei Maior do Estado, direito e é que público subjetivo. Ressalte-se que as Constituições da República e do Estado e a legislação infraconstitucional dão ênfase à descentralização e municipalização das ações e serviços públicos de saúde, constituindo um sistema único (SUS), com competência definida em lei. 7 Em direção nosso municipal do Estado, SUS compete executar originariamente ações e serviços à de assistência integral à saúde e de alimentação e nutrição, cabendo à direção estadual atuar em caráter complementar, ou seja, no caso de não-oferecimento ou oferta irregular desses serviços pelo Município, o Estado deve supri-los. Como se vê, não se trata de um conjunto de normas programáticas. As Constituições e as leis tratam de assegurar efetividade social ao direito fundamental à saúde, em toda a sua amplitude, reconhecendo-o como direito público subjetivo. Os instrumentos processuais de defesa jurisdicional desses direitos são encontrados na Constituição (CR, art. 129, II e III) e na legislação ordinária, em especial na Lei da Ação Civil Pública (LACP, arts. 1º, IV) corpo de normas que Constituição da instituto ação da mantém República. civil o espírito emancipador Sobreleva-se, pública de nesse tutela dos da passo, o interesses individuais indisponíveis, coletivos e difusos, para a qual se legitima o Ministério Público (LACP, art. 5º). No caso presente, trata-se de direito individual indisponível, o direito à saúde, de cuja defesa está legitimado o Ministério Público, a teor do que dispõe o art. 127, in fine, da Constituição de 1988. Analisando questão absolutamente semelhante ao E. Supremo Tribunal Federal decidiu: “Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246-SC), entre proteger a inviolabilidade direito à vida e à saúde que se 8 qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, “caput” e art. 196) ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles, como os ora recorridos, que têm acesso, programa por força de medicamentos, de legislação distribuição instituído em local, gratuita favor de ao de pessoas carentes. Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador prestações serviços constituinte de de qualificasse, relevância saúde (CF, pública, art. 197), como as ações e em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder órgãos Judiciário estatais, respeitar o naquelas hipóteses anomalamente, mandamento que deixassem os de constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, jurídico-social, seja por em a intolerável eficácia omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante.”( RE 267.612-RS, Rel. Min. Celso Mello, publicado no DJU 23.8.2000). Neste sentido tem decido nossos tribunais: 9 “Estando provado necessitando indicação por de do nos autos certa de o medicação, profissional qualquer que seus autor por competente, entes está expressa o políticos, Estado seja a União, o Estado-Membro ou Município está obrigado a fornecê-lo, pena importante de dos vulneração do direitos mais garantidos constitucionalmente. Afinal, se a vida perece de que adiantará aos cidadãos outros direitos. O Estado de São Paulo não compreendeu bem, o que profundamente lamentável, que o que está em causa é o direito à vida, bem supremo, que é tutelado constitucionalmente. Não é hora de buscar em certa retórica vazia do direito, uma maneira de subtrair-se à imposição constitucional. Se o Estado não atingiu, ainda o grau ético necessário a compreender essa questão, deve ser compelido pelo Constituição, a 170.097-5/6-00 – Público, Rel. Poder Judiciário, fazê-lo.” guardião T.J.S.P., A.I. da nº Ribeirão Preto, 3ª de Direito Des. Magalhães Coelho, j. 26.09.2000). Em relação ao hipossuficiente portador de doença grave, já garantir o decidiram os fornecimento nossos de tribunais, medicamento para no sentido de tratamento do enfermo, devendo o Estado cumprir seu dever constitucional de proteção à vida e à saúde que se qualifica com direito subjetivo inalienável assegurado a todos. 10 “Fornecimento de medicamento - Alto custo deste lmpetrante hipossuficiente e portador de doença grave - Redução da dosagem por falta de verba Justificativa rejeitada - Motivos idôneos a obrigar o Estado a cumprir seu dever previsto constitucionalmente - Segurança concedida - Sentença confirmada JTJ 224/109 .” “Responsabilidade especial para - Fornecimento tratamento de de medicamento paciente - Moléstia grave - Hipossuficiência financeira para a aquisição - Imposição que decorre de texto das Constituições da República e Estadual e da Lei Federal n. 8.080, de 1990 - Direito líquido e certo - Segurança concedida - Recursos não providos - Votos vencedor e vencido JTJ 223/31”. “Responsabilidade do Estado em fornecer medicamento a paciente, comprovada sua hipossuficiência financeira para aquisição: "não sendo medicamento padronizado pela Secretaria Estadual de Saúde, deve o próprio médico ou o próprio Departamento de Planejamento e Avaliação fornecer o similar para que o tratamento interrompido, médico "ja que do cabe paciente ao Estado não seja suprir o atendimento, de conformidade com que prescreve os artigos 196 e seguintes da Carta Magna, artigos 220 e 223 da Constituição Estadual e a Lei n. 8.080/90". (Apelação Cível n. 67.374-5 - Araçatuba - 6ª Câmara de Direito Público - Relator: Vallim Bellocchi 29.03.99 - M.V.)”. 11 Uma vez, portanto, que o MUNICIPIO DE ARARAQUARA por intermédio ofereceu dos respectivos gratuitamente descumprindo assim a a serviços medicação de saúde, necessária Constituição federal ao e não doente, legislação infraconstitucional pertinente e ofendendo direito individual indisponível, devem ser compelidos judicialmente a proceder ao fornecimento dos remédios necessários ao tratamento do paciente. Justifica-se a concessão de medida liminar, independentemente de justificação, como autoriza o artigo 12 da Lei nº 7347/85, e artigo 203, inciso IV da Constituição de 1988, para impor o réu o cumprimento da obrigação de fazer consistente no fornecimento do CONCENTRADOR DE OXIGÊNIO, por prazo indeterminado. Deve o requerido fornecer o aparelho supra citado, sob pena de pagamento de multa-diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), a ser destinada ao Fundo de Reparação dos Interesses Difusos ou Coletivos lesados, nos termos do art. 13, da Lei nº 7.437/85. A plausibilidade do direito ameaçado de lesão — fumus boni iuris — está demonstrada pelo reconhecimento do direito à saúde como direito público subjetivo de todos; e o periculum controlar, in mora manifesta-se urgentemente, a grave na necessidade moléstia da de se acometida Lilian. Não há de se falar em necessidade de aplicação da regra traçada pelo artigo 2º da Lei 8.437/92. O próprio titulo da Lei n.º 8.437/92 – “dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder 12 Público e dá outras providências” – já espanca eventual alegação neste sentido. Basta o mínimo esforço exegético para concluir que a audiência do representante legal da pessoa jurídica de direito publico, no prazo de 72 horas, é exigida apenas no caso de CAUTELARES, o que não ocorre na presente demanda, em que a liminar esta sendo requerida no bojo da ação principal. Em síntese, se não há cautelar não há que se falar na incidência da Lei n.º 8.437/92. Mesmo que assim não fosse, não se busca oposição contra “atos do Poder Público”, como dispõe a Lei n.º 8.437/92, mas sim combater sua omissão. Importante salientar que a interessada solicitou ao órgão de saúde o aparelho, sem o cilindro de oxigênio, necessário para disponibilização legislação controlar doença do é mesmo que esta garantida infraconstitucional, dando pela acometida, cuja Constituição proteção aos e maiores bens que são a vida e a saúde, devendo estes bens jurídicos ter proteção interesse primordial, financeiro e devendo secundário prevalecer, do Estado, contra pois o através proteção integral à vida e a saúde humana é que se decorrem os demais diretos garantidos por nossa legislação. Sendo assim, como demonstrado é responsabilidade do Município em garantir o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde, garantidos pela Constituição Federal, com a Constituição finalidade concedendo-lhes o de Estadual, promover mínimo de Lei e Complementar respeitar cidadania e o Estadual, ser humano, respeito pela dignidade da pessoa humana. 13 Diante de todo o exposto e do constante da documentação inclusa, que desta petição faz parte integrante, como se literalmente transcrita, propõe o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO a presente ação, para que o MUNICÍPIO DE ARARAQUARA seja condenado a adotar em definitivo o procedimento cuja imposição foi objeto de pedido liminar, sob pena de responder por multa-diária nos moldes já referidos; Posto isso, requer o autor à citação da ré, na pessoa do Prefeito Municipal para contestar, sob pena de revelia e confissão. Protesta por todos os meios de prova admitida em direito, em especial juntada de novos documentos e perícia. Dá-se a causa o valor de R$ 1.000,00, tendo como rito o ordinário. Araraquara, 03 de março de 2.007. ROBERTO BACAL Promotor de Justiça JOSÉ GUILHERME SILVA AUGUSTO Estagiário do Ministério Público 14