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ENTREVISTA – PNEUMONIA
Dr. Daniel Deheinzelin é médico pneumologista. Livre-docente pela Faculdade de Medicina da USP, faz parte do
corpo clínico do Hospital Sírio-Libanês (SP).
Pneumonias são infecções que se instalam nos pulmões, órgãos duplos localizados um de cada lado da caixa torácica.
Os pulmões fazem parte do sistema respiratório constituído também pelas cavidades nasais, faringe (estrutura comum
aos aparelhos digestivo e respiratório), laringe, traquéia, brônquios, bronquíolos e alvéolos.
Respirar é essencial para a vida. O ar penetra pelas fossas nasais (onde é aquecido e umidificado) que são recobertas
por cílios cuja finalidade é reter as partículas mais espessas de poeira. Depois, o ar desce pela faringe, passa pela
laringe e chega à traqueia, que é formada por anéis de cartilagem horizontalmente dispostos.
A traqueia se divide em dois tubos, os brônquios, que vão dar nos pulmões. Dentro dos pulmões, esses tubos continuam
se dividindo em ramificações cada vez mais finas que terminam nos alvéolos, pequenas bolsas altamente vascularizadas
onde ocorre a troca gasosa. Entre um alvéolo e outro, existe um espaço chamado interstício.
A pneumonia pode acometer a região dos alvéolos pulmonares e, às vezes, os interstícios. Nas pessoas idosas e nas
crianças, o quadro pode ser mais grave e requer cuidados específicos. Desde que convenientemente tratadas, as
pneumonias não deixam sequelas.
CAUSAS
Drauzio – Por que as pneumonias acontecem?
Daniel Deheinzelin– Basicamente, as pneumonias são provocadas pela penetração de um agente infeccioso ou irritante
no espaço alveolar, onde ocorre a troca gasosa e que deve estar sempre muito limpo, sem nada que impeça o contato
do ar com o sangue.
Só para ter uma ideia, se esticarmos o tecido dos dois pulmões de um adulto, o tamanho da superfície alveolar, que
precisa estar o mais limpa possível, repito, equivale à área de uma quadra de tênis. A presença de uma substância
estranha, de uma bactéria, um vírus ou um agente irritante, provoca uma reação inflamatória intensa – a pneumonia –
que tem por objetivo expulsar o invasor.
Drauzio – Quais são os germes que podem causar a pneumonia?
Daniel Deheinzelin– A pneumonia pode ser causada por bactérias, vírus, fungos, substâncias inorgânicas e por reações
alérgicas. A forma mais comum é chamada de pneumonia da comunidade, uma infecção provocada por bactérias e
contra a qual existe tratamento específico com antibióticos.
Quando o agente causador for um vírus, embora alguns casos admitam tratamento medicamentoso, a maioria das
pneumonias é autolimitada, ou seja, o organismo elimina o vírus espontânea e naturalmente.
Drauzio – Os três tipos mais comuns de pneumonias infecciosas são as causadas por bactérias, por vírus ou por fungo.
Como se faz a distinção?
Daniel Deheinzelin– A grande dificuldade da pneumonia é determinar o agente causador. Quando se faz o
diagnóstico, que é clínico, na maior parte das vezes não importa fazer a diferenciação. Ela só interessa quando o
paciente não responde ao tratamento com antibiótico de amplo espectro.
Considerando os três tipos que você citou, pode-se dizer que as pneumonias por fungos têm algumas características
próprias, porque estão restritas a um grupo mais ou menos conhecido de pacientes portadores de doenças prévias e,
geralmente, com o sistema imunológico debilitado. Já as pneumonias bacterianas e virais, do ponto de vista médico e
radiológico, comportam-se de forma muito semelhante. Como se sabe que os principais agentes são os Streptococcus
pneumoniae, o microplasma, a clamídia e o Hemophilus, muitas vezes, introduz-se o tratamento com antibióticos que
cobrem todo esse espectro sem necessidade de identificar o agente causador.
SINTOMAS
Drauzio – Como é a febre das pessoas com pneumonia?
Daniel Deheinzelin– A febre costuma ser alta, acima de 38º. Febre de 37,5º, aquela que precisa do termômetro para
verificar se a pessoa está mesmo febril, não é o sintoma mais frequente das pneumonias.
Drauzio – Quase todas as doenças respiratórias provocam tosse. Quando a pessoa deve desconfiar que ela é sintoma de
pneumonia e não de uma infecção banal?
Daniel Deheinzelin – Além da tosse, é muito comum a pessoa (principalmente as de mais idade e as crianças pequenas)
com pneumonia apresentar confusão mental, febre, alteração da pressão arterial, mal-estar generalizado, falta de ar e
secreção purulenta. Na maioria dos casos, a degradação das células de defesa produz muco purulento de coloração
esverdeado-amarelada que vai ser eliminado pela tosse.
Drauzio – Que outros sintomas a pneumonia pode provocar?
Daniel Deheizelin– Dor torácica é outro sintoma importante. O movimento de encher e esvaziar os pulmões, próprio
da respiração, provoca dor porque eles estão inflamados. Toxemia intensa e um estado de prostração, de moleza,
próprios dos quadros infecciosos também estão entre os sintomas das pneumonias.
É importante lembrar que essa doença pode ter evolução muito rápida. A pessoa está bem, mas, dali a algumas horas, a
infecção se manifesta e é preciso procurar atendimento médico sem demora.
Drauzio – Às vezes, os leigos falam que a pessoa teve um início de pneumonia. Existe início de pneumonia?
Daniel Deheinzelin – Deve existir início, meio e fim, mas o diagnóstico de pneumonia não considera esses marcadores.
Quando se detecta o processo infeccioso ou a radiografia revela uma infiltração pulmonar, a doença já está instalada.
É sempre bom ressaltar que alguns estudos feitos não só no Brasil, mas no mundo inteiro, mostram que não tem
confirmação metade dos diagnósticos de pneumonia feitos nos prontos-socorros.
Drauzio – Como se explica esse falso diagnóstico?
Daniel Deheinzelin – As infecções de via aérea alta, isto é, as que não penetram pela traqueia, podem provocar febre e
secreção de muco purulento. Muitas vezes, principalmente em situação de pronto-socorro, a radiografia não tem
qualidade boa o bastante para caracterizar que os alvéolos estão comprometidos. Tudo isso somado pode induzir ao
diagnóstico de início de pneumonia e à prescrição de um tratamento com antibióticos, o que pode não estar errado
nessa situação clínica, apesar de a pneumonia não estar realmente instalada.
FATORES DE RISCO
Drauzio – Existe algum fator que facilite o aparecimento das pneumonias?
Daniel Deheizelin– Existem vários. O primeiro, o mais importante e o mais frequente, é o fumo. Todo tabagista corre
risco maior de ter a doença, porque o fumo, por si só, causa uma reação inflamatória que facilita a entrada de outros
agentes agressores nos pulmões. O segundo é o álcool. Pessoas que bebem têm a imunidade diminuída e uma
diferente capacidade de coordenação do sistema respiratório.
Outro fator de risco a considerar é a existência de uma doença pulmonar prévia, por exemplo, a bronquite crônica,
também presente nos fumantes. Por fim, embora menos comum, o comprometimento do sistema imunológico facilita
o aparecimento de pneumonias.
Drauzio – Quem já não ouviu, muitas vezes na vida, as pessoas dizerem: “Cuidado, está frio. Coloque um agasalho para
não pegar uma pneumonia” ou “Feche a janela. Essa corrente de ar é um veneno. Você acaba tendo uma pneumonia”.
Existe algum fundamento para esses conceitos?
Daniel Deheinzelin – Quadros virais da via aérea superior, ou seja, os resfriados comuns, podem aumentar o risco de a
pessoa ter pneumonia. Normalmente, esses quadros estão associados a mudanças bruscas de temperatura. Sair de um
lugar muito quente e entrar num ambiente muito frio, ou praticar esporte e ficar com a roupa molhada num lugar frio
podem ser fatores de risco para resfriados e pneumonias.
Outro dado importante para respaldar esses conselhos é que, nos meses de inverno, os casos da doença são mais
frequentes. No Brasil, os números do Data-SUS são muito claros nesse aspecto.
Em última análise, portanto, tais conceitos têm algum sentido. Não é obrigatório, mas expor-se a mudanças bruscas de
temperatura pode ter alguma relação com a doença.
Drauzio – O ar-condicionado funciona como fator de risco?
Daniel Deheinzelin – Certamente, funciona. O processo de refrigeração torna o ar muito seco e isso favorece a
penetração dos germes na parte distal da árvore brônquica. Além disso, como o aparelho recicla o ar do ambiente, se
alguém estiver eliminando vírus ou bactérias durante a respiração, mesmo que não tenha pneumonia, esses microorganismos disseminam-se muito depressa e o ar-condicionado funciona como vetor de transmissão.
E mais: através da fala e da respiração, eliminamos partículas muito pequenas, de 2 a 5 micras, carregadas das
substâncias existentes nos alvéolos.
Essas partículas ficam em suspensão, flutuando no ar. São tão pequenas que não se depositam por gravidade e o arcondicionado encarrega-se de espalhá-las por todo o ambiente e elas funcionam como veículo de transmissão.
Drauzio – Que precauções deve tomar quem trabalha em ambiente com ar-condicionado sempre funcionando?
Daniel Deheinzelin– Deve beber muita água. Aliás, o melhor remédio para o pulmão é beber pelo menos dois litros de
água por dia. Como o muco é um mecanismo de defesa do pulmão e seu principal hidratante, beber água facilita a
eliminação de qualquer elemento estranho que penetre nos pulmões.
DIAGNÓSTICO
Drauzio – Febre alta, fraqueza, um pouco de toxemia, dor no peito, tosse com secreção purulenta, esverdeada ou
amarelada, são sintomas suficientes para o diagnóstico de pneumonia?
Daniel Deheinzelin– Não são. É preciso caracterizar se a infecção está localizada nos pulmões. O primeiro passo para
estabelecer o diagnóstico é o exame clínico do paciente. Com frequência, auscultando os pulmões, ouve-se um som
característico provocado pela secreção no alvéolo. Esse som conhecido por estertor crepitante é sinal de lesão focal
nesses órgãos. Ele é provocado pela entrada de ar no alvéolo que contém secreção e tende a colabar quando fecha.
Como produz um chiado semelhante ao do velcro ao ser aberto, por analogia, também é chamado de estertor em
velcro.
Nessas circunstâncias, é fundamental fazer uma radiografia para confirmar a inflamação nos alvéolos e verificar se há
outros fatores de risco associados, tais como o acúmulo de líquido no espaço compreendido entre os pulmões e a caixa
torácica resultante da reação inflamatória ou a cavitação, ou seja, a presença de uma cavidade provocada pela
reabsorção do parênquima pulmonar. Esses achados radiológicos conferem maior ou menor gravidade à pneumonia e
são fundamentais não só para o diagnóstico, mas para determinar o prognóstico.
CONTÁGIO E EVOLUÇÃO
Drauzio – Pneumonia é uma doença contagiosa?
Daniel Deheinzelin– Diferentes do vírus da gripe, que é altamente infectante, as bactérias que causam pneumonia
estão presentes no ar e não são transmitidas com facilidade. Portanto, não é necessário isolar o paciente.
Drauzio – Como evolui a pneumonia se convenientemente tratada?
Daniel Deheizelin- Desde que o antibiótico esteja correto, o quadro de febre e de toxemia melhora em três ou quatro
dias e os sintomas desaparecem entre sete e dez dias a contar do início do tratamento, embora a radiografia possa
mostrar o infiltrado até um mês depois de o paciente estar curado. Por isso, é importante dizer que o critério para
declarar a cura é primeiro clínico e depois radiológico.
GRAVIDADE DA DOENÇA
Drauzio – A grande maioria das pneumonias podem ser tratadas ambulatorialmente. Em que casos, o paciente deve ser
internado num hospital?
Daniel Deheinzelin– Existem alguns marcadores da gravidade da doença, que compõem escores e representam dados
objetivos para avaliação do paciente. A internação hospitalar é necessária quando a pessoa é idosa, tem febre alta ou
apresenta alterações clínicas decorrentes da própria pneumonia, tais como: comprometimento da função dos rins e da
pressão arterial, dificuldade respiratória caracterizada pela baixa oxigenação do sangue, porque o alvéolo está cheio
de secreção e não funciona para a troca de gases.
E não é só: baixa saturação arterial de oxigênio leva ao aumento da frequência respiratória, o que provoca queda de
pressão e alteração do nível de consciência.
Drauzio – A pneumonia das pessoas mais velhas é sempre mais grave?
Daniel Deheinzelin – É mais grave porque, geralmente, está associada às complicações que citei. Muitas vezes, as
pessoas são internadas porque o quadro requer aplicação de antibiótico por via endovenosa, durante 48 ou 72 horas,
uma vez que a absorção por boca pode estar comprometida. Não é incomum pacientes com pneumonia adquirida na
comunidade (que é diferente da pneumonia hospitalar) serem transferidos para UTI para receberem cuidados
especiais.
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