A crise do Antigo sistema colonial A crise “... expressa mecanismos profundos, que só se apreendem em análise global e generalizadora...” Sistema Colonial “... Um tipo particular de ralações políticas entre as metrópoles (centro de decisões) e suas respectivas colônias (centros subordinados), num dado período da historia da colonização; [...] relações das quais se estabelece um quadro institucional para que a vida econômica seja dinamizada pelas atividades coloniais.” 1) Estrutura e Dinâmica do Sistema a) A colonização como um sistema Nem toda colonização se processa dentro dos quadros do sistema colonial, mas nos tempos modernos, tal movimento assumiu a forma mercantilista que deu sentido à colonização européia entre os Descobrimentos Marítimos e a Revolução Francesa. Relações Coloniais Dois níveis podem ser apreendidos nas relações coloniais: Primeiro: A extensa legislação ultramarina das várias potências colonizadoras que procura definir os objetivos da empresa colonizadora e teorizam a posição e função das colônias no quadro da vida econômica dos Estados Europeus. Segundo: O movimento concreto de circulação de umas para outras, (comércio que fazem entre si e as vinculações político-administrativas que envolvem). Projeto Básico do pacto colonial As colônias deveriam: Dar a metrópole um maior mercado para seus produtos; Dar ocupação para seu excedente populacional; Fornecer-lhe o maior número dos produtos que precisava. “... as colônias se deveriam converter em parte essencial do desenvolvimento econômico da metrópole”. Colonialismo Mercantilista Os projetos básicos de colonização se desenvolveram organicamente com o mercantilismo. A Doutrina Mercantilista (que é a identificação de nível de riqueza de uma nação com o montante de metal nobre existente dentro desta nação) teve o objetivo de formular normas da política econômica que justificassem o receituário favorável para as nações em detrimento de seus parceiros e em cima de vantagens conquistadas sobre os processos de circulação de mercadorias. As colônias serviriam como “retaguarda econômica” da metrópole, onde esta escoaria seus produtos manufaturados sendo permitido assim competir com os demais estados modernos em desenfreada competição. “... A política colonial visava [...] enquadrar a expansão colonizadora nos trilhos da política mercantilista” Formação dos Estados Nacionais O mercantilismo visa o desenvolvimento nacional a todo custo, logo, foi também um instrumento de unificação. O desenvolvimento do comércio promoveu uma alteração nos laços servis que foi sua lenta dissolução principalmente nas grandes rotas comerciais e o seu enrijecimento regiões onde o contato com o mercado se dava apenas nas camadas superiores, situação que no limite promoveu as insurreições camponesas. O próprio alargamento do comércio influenciou também a diferenciação dentro da sociedade urbana; “o produtor direto, perdendo mercado, tende a proletarizar”, o que também levou a insurreições urbanas. Na medida em que esta crise desorganizava a produção e restringia o ritmo do próprio desenvolvimento comercial, num quadro de enrijecimento da competição comercial, a formação das Monarquias Absolutistas surgiu como resposta promovendo a estabilização da ordem social interna e estimulando a expansão ultramarina encaminhando a superação da crise nos vários setores. “Absolutismo, sociedade estamental, capitalismo comercial, política mercantilista, expansão ultramarina e colonial são, portanto, partes de um todo, interagem reversivamente neste complexo que se poderia chamar, mantendo um termo da tradição, Antigo Regime. São no conjunto, processos correlatos e interdependentes, produtos todos das tensões sociais geradas na desintegração do feudalismo em curso, para a constituição do modo de produção capitalista”. Colonialismo moderno Com a ocupação/povoamento, valorização das novas terras e sua integração nas linhas da economia européia, a exploração ultrapassava desta forma o âmbito da circulação de mercadorias, para promover a implantação de economias complementares extra-européias. Com a ausência de produtos comercializáveis, em parte devido à colonização guardar na sua essência o sentido de empreendimento comercial donde proveio, a produção foi o meio pelo qual as novas áreas foram ajustadas a economia européia. Assim a Colonização Moderna assumiu uma natureza essencialmente comercial: produzir para o mercado externo. A partir do momento que a comercialização se expande se torna também permanente um setor da sociedade que se dedica a acumulação dos bens econômicos. Logo a “acumulação de capital e a formação da burguesia são, pois dois lados do mesmo processo que teoricamente se auto-estimula sem limites [...] a dissolução das antigas formas de organização econômica, ao envolver e acentuar a divisão social do trabalho e especialização da produção, cria ao mesmo tempo mercado e acumula capital”. “Aquilo que no inicio [...] afigurava-se como um simples projeto, apresenta-se agora consoante com processo histórico concreto de constituição do capitalismo e da sociedade burguesa. Completa-se [...] o sentido profundo da colonização: comercial e capitalista, isto é, elemento constitutivo no processo de formação do capitalismo moderno”. b) O exclusivo metropolitano “É no regime do comércio entre metrópoles e colônias que se situa o elemento essencial [de funcionamento do Antigo Sistema Colonial]”. O exclusivo metropolitano foi um mecanismo que além de promover o estimulo a acumulação de capital na economia metropolitana a expensas das economias periféricas coloniais, também processava o ajustamento da expansão colonizadora aos processos da economia e da sociedade européias em transição para o capitalismo integral. A introdução do cultivo da cana e a produção de açúcar ocorriam numa fase em que os recursos da Coroa eram limitados devido ao alargamento do périplo africano, a debilidade da acumulação prévia capitalista portuguesa fez com que a Coroa recorre-se aos capitais estrangeiros, organiza-se então um forte aparelho para garantir então desde cedo, a participação de recursos e capitais estrangeiros, sobretudo genoveses, os quais estavam dispostos a acabar com o monopólio veneziano de oferta de produtos. Destruindo o monopólio veneziano, expandia-se o consumo do produto, em cuja comercialização entrava os flamengos e já no último quartel do século chega-se a uma situação de super produção. Em 1482 já algumas reclamações contra as atividades econômicas de estrangeiros, assim como ingleses, florentinos, castelhanos e genoveses chegam às cortes de Évora notificando “aos grandes prejuízos que estes estão trazendo aos direitos do Rei”. Nestas reclamações nota-se a “formulação dos interesses da burguesia mercantil do Reino; o que se propõe, de fato, é o enquadramento da colonização das ilhas atlânticas nos mecanismos da exploração ultramarina monopolista”. “... Percebe-se, pois a política seguida astutamente pela Coroa portuguesa: liberdade de comércio na fase inicial, para estimular a vinda de capitais para a instalação da produção colonial; enquadramento no sistema exclusivista quando a economia periférica entrava em funcionamento... (com a fase de grande crescimento da economia açucareira assistimos ao seu enquadramento nas linhas de força do sistema colonial; os preços sobem pouco na colônia, a elevação é acentuada na metrópole, isto é, geram-se lucros excedentes – lucros monopolistas – que se acumulam entre os empresários metropolitanos.)”. Conselho Ultramarino Com a Restauração (1640) ocorreu uma fase de recuo do exclusivismo português no Ultramar, em troca de alianças políticas contra a Espanha, Portugal teve que fazer algumas concessões à Holanda, e à Inglaterra exatamente porque a colonização portuguesa no Brasil estava já a esta altura montada dentro das linhas de funcionamento do sistema colonial. Porém, paralelamente Portugal procurou organizar mais eficientemente seu sistema de exploração ultramarino através da criação do Conselho Ultramarino que passando a supervisionar toda a atividade colonial e ao mesmo tempo controlar ao máximo as concessões feitas. c) Escravidão e tráfico O sentido mais profundo da economia colonial se processava segundo um impulso fundamental, gerado nas tensões oriundas na transição para o capitalismo industrial: “acelerar a primitiva acumulação de capitalista é, pois o sentido do movimento [...] Neste sentido, a produção colonial orientava-se necessariamente para aqueles produtos que possam preencher a função do sistema de colonização no contexto do capitalismo mercantil; [...] produtos tropicais...”. “... não bastava produzir os produtos com procura crescente nos mercados europeus, era indispensável produzi-los de modo a que a sua comercialização promovesse estímulos à acumulação burguesa nas economias européias. Não se tratava apenas de produzir para o comércio colonial; é, mais uma vez, o sentido último (aceleração da acumulação primitiva de capital), que comanda todo o processo da colonização. Ora, isto obrigava as economias coloniais a se organizarem de molde a permitir o funcionamento do sistema de exploração colonial, o que impunha a adoção de formas de trabalho compulsório ou na sua forma limite, o escravismo”. “... enquanto na Europa dos séculos XVI. XVII, XVIII, transitava-se da servidão feudal para o trabalho assalariado, que passou a dominar as relações de produção a partir da revolução industrial, no Ultramar [...] o monstro da escravidão mais crua reaparecia com uma intensidade e desenvolvimento inéditos”. “Eric Williams, [...] nota com muita razão que a implantação do escravismo colonial, longe de ter sido uma opção (salariato, escravismo), foi uma imposição das condições históricoeconômicas [...] nas condições históricas em que se processa a colonização da América, a implantação de formas compulsórias de trabalho decorria fundamentalmente da necessária adequação da empresa colonizadora aos mecanismos do Antigo Sistema Colonial, tendente a promover a primitiva acumulação capitalista na economia européia;...”. 2) A Crise do colonialismo mercantilista Quando pensamos em crise do sistema é do seu próprio funcionamento que ela tem que provir e não de fatores exógenos, ou seja, ao se desenvolver, o sistema colonial do Antigo Regime, promovem-se ao mesmo tempo os fatores de sua superação. Características: A produção colonial se processava com base na produção para o mercado europeu a base do trabalho escravo em meio à escassez de capital e abundancia de terras. A própria estrutura escravista bloqueava a possibilidade de inversões tecnológicas (nem havia capitais disponíveis, nem a estrutura escravista era favorável ao processo técnico), logo a economia colonial era de baixa produtividade. Esta estrutura determina um alto grau de concentração de renda nas mãos dos senhores de escravos e o homem “coisificado” em escravo, não possui, por definição, renda própria e esta se concentra nas mãos da camada senhorial. Além do modo de produção principal focado na exportação, à base do trabalho escravo, centrado na produção de mercadorias para o consumo europeu que era a razão da colonização capitalista, existia outra subordinada e dependente do primeiro, mas organiza para permitir o funcionamento do primeiro, de subsistência, para atender ao consumo local naquilo que se não importa a metrópole, no qual cabe a pequena propriedade e o trabalho independente. A economia colonial cresce extensivamente com a agregação de novas unidades, como não investe em escala crescente, somente repõe e agrega, ela é uma economia predatória mantendo seu sentido originário de depredação da paisagem natural. Contradições do Sistema: “A estrutura da economia escravista da economia e da sociedade colonial implicava [...] numa limitação ao crescimento da economia de mercado”. O escravismo determinava um baixo grau de produtividade e rentabilidade na produção da colônia. Como não havia a possibilidade de minimizar os custos através do processo técnico, a camada senhorial necessitava reduzir ao mínimo da manutenção da força de trabalho escrava fazendo com que os escravos produzissem pelo menos uma parte de sua subsistência dentro da própria unidade produtora de exportação. Assim uma faixa de produção de subsistência se desenvolvia a margem do mercado principal, a qual era usada também como forma de defender a economia colonial das flutuações do mercado consumidor europeu. “Em condições [...] de estabilidade ou depressão, nas grandes unidades exportadoras se deslocavam fatores de produção mercantil para de subsistência; assim se preservava a estrutura, num nível baixíssimo de produtividade”. “Quando, porém essa etapa é ultrapassada, e a mecanização da produção com a revolução industrial, potencializando a produtividade de uma forma rápida e intensa, leva a um crescimento da produção capitalista num volume e ritmo que passam a exigir no ultramar, mais amplas faixas de consumo, consumo não só de camadas superiores da sociedade, mas agora da sociedade como um todo, o que se torna imprescindível é a generalização das relações mercantis. Então o sistema entra em crise”. “... o sistema colonial mercantilista apresenta-nos atuando sobre os dois pré-requisitos básicos da passagem para o capitalismo industrial: efetivamente, a exploração colonial ultramarina promove, por um lado, a primitiva acumulação capitalista por parte da camada empresarial; por outro lado, amplia o mercado consumidor de produtos manufatureiros. Atua, pois, simultaneamente, de um lado, criando a possibilidade de surto maquinofatureiro (acumulação capitalista), por outro lado, sua necessidade (expansão da procura dos produtos manufaturados). [...] Assim, pois, chegamos ao núcleo da dinâmica do sistema: ao funcionar plenamente, vai criando ao mesmo tempo as condições de sua crise e superação”.