A Antropologia e o outro

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A Antropologia e o outro
Antropologia: estudo do homem em toda sua diversidade. Entende que o
homem existe como ser cultural logo, a antropologia é uma ciência que estuda as
culturas.
A tendência dos seres humanos é naturalizar nosso comportamento, ou
seja, é natural pensar como pensamos, é natural nos vestir assim, falar assim.
A naturalização pode criar certos preconceitos com outros
comportamentos, típico do senso comum, e cabe a antropologia passar a ideia de que
quase nada é natural ao ser humano, pois esse é fruto de um processo histórico e
cultural. Outra função do antropólogo é tornar exótico aquilo que é familiar, e tornar
familiar aquilo que é exótico.
A descoberta da América
Com a descoberta da América ocorreu a gênese de uma preocupação
antropológica a respeito do outro. A antropologia não nasce aqui, apenas a preocupação.
Essa preocupação ocorre com a questão da alteridade:
alteridade: qualidade daquele que é outro.
Surgem daí duas grandes modificações no imaginário europeu:
-O mundo passa a ser maior. A bíblia é o instrumento pelo qual explicase a existência dos índios, fornecendo questionamentos e respostas.
-ocorre a alteração na percepção de si e do outro.
Em 1514 o jurista Palacius Rubios escreve “Requerimento”, texto lido
aos índios pregando que as terras eram dos europeus. O texto acima contava a história
Criacionista de criação do mundo, dando assim uma justificativa, um amparo legal para
a invasão das terras.
Em 1550 é travado um debate na Espanha sobre o que fazer com os
índios. O debate ocorre entre Gilles de Sepúlveda, jurista e filósofo, e Bartolomé de
Las Casas, um padre dominicano.
Sepúlveda defende a Doutrina da Desigualdade ou a Doutrina da Recusa
do Estranho. Seus argumentos são baseados em Aristóteles, segundo o qual existem
homens que nascem para ser senhores, e outros que nascem para ser escravos. Faltaria a
uma parte da humanidade a razão, tendo de ser então escravizados. Segundo Aristóteles
o estado natural da sociedade é a hierarquia.
A hierarquia para Aristóteles se dava pela dicotomia entre superiores e
inferiores. Para ele os índios eram inferiores, sendo por isso escravos.
Las Casas defendia a Doutrina da Igualdade baseando seus argumentos
na bíblia. Ele, assim como Sepúlveda também discorre sobre a natureza humana,
dizendo que todos os homens nascem do pecado original, sendo assim todos iguais.
A teoria de Las Casas fora largamente aceita, entretanto, os dois autores
viam a inferioridade dos índios como circunstancial, faltando, na opinião de Las Casas a
catequização, enquanto para Sepúlveda a inferioridade era intransponível.
O século XVIII
Neste século passamos a analisar o outro. Tem início aqui o projeto
positivo de conhecimento do homem.
Este projeto nos fazia pensar e estudar na existência empírica do homem.
Desenvolve-se a preocupação de observar o ser humano como ser feito de carne e osso,
com defeitos e virtudes.
A existência empírica tem dois fatores:
-Há uma alteração na natureza dos objetos observados. - La Fontini.
Antes observava-se objetos da natureza cosmográfica (relevo, fauna e
flora. Daí vem o motivo da extração do pau-brasil), e a partir do século XVIII passa-se a
observar os objetivos etnográficos (o povo). Escreve-se sobre os povos, já que passamos
a olhar a natureza empírica dos homens.
A essa observação empírica do homem damos o nome de Antropologia,
entretanto esta ainda não é uma ciência.
Século XIX
A partir deste momento a antropologia passa a ser vista como ciência.
Motivos:
-Revolução Industrial
-Conferência de Berlim, em 1885: é feita a partilha da África. É criada
uma área de livre comércio em torno do Rio Congo para que todos pudessem,
independentemente de sua localização, escoar sua produção. Aumenta o contato com o
outro.
Evolucionismo
Corrente da antropologia que estuda as sociedades primitivas em todas as
suas dimensões. Pelo evolucionismo as sociedades são observadas pelo aspecto
religioso, econômico, político, estético etc. Para os europeus esse olhar remetia às
origens da humanidade. É como se aqueles povos africanos tivessem parado no tempo.
Principais autores:
-Edward Tylor: A Cultura Primitiva: estabelece pela primeira vez a
definição de cultura.
-Lewis Morgan: A Sociedade Antiga: divide e organiza a sociedade em
etapas como selvageria, barbárie e civilização.
-James Frazer: O Ramo de Ouro: segundo o autor haveria uma evolução
que começaria na magia, religião e ciência. Este autor não é mais aceito.
Segundo esta corrente de pensadores só há uma espécie de seres
humanos, o que era bastante chocante. Define-se a diferença entre primitivo e selvagem.
O primitivo evolui, é um ser humano. O selvagem quase não é um ser humano. Neste
contexto o índio aparece como primitivo.
Sendo então a espécie humana única, o que difere alguns povos é seu
ritmo de desenvolvimento.
Em busca das origens da humanidade, os evolucionistas percebem que
olhar o outro é olhar a si mesmo em outro estágio de evolução. Eles passam a achar que
todos os seres humanos devem passar por todas as etapas de evolução, sendo estas:
-Selvageria: caça e coleta
-Barbárie: produção de peças em cerâmica
-Civilização: há a escrita.
A pretensão dos evolucionistas era a de que fossem criadas leis
universais que explicariam o desenvolvimento da humanidade, dessa forma, todos os
povos seriam vestígios do passado europeu.
Os estudos realizados eram extensivos, pouco profundos. Pensavam na
cultura como singular Seria apenas uma variação de grau de processo, e não dos tipos de
cultura.
Método dos Evolucionistas: Comparativo
Esta linha de pensadores pegava hábitos, objetos e costumes e
organizava-os em uma linha de evolução, deixando os europeus sempre como mais
evoluídos.
Seu raciocínio era o dedutivo, indo do geral para o particular. Eles
usavam as ideias de Charles Darwin para explicar as diferenças entre os povos, contudo,
o próprio Charles Darwin era contra essa utilização, pois sua teoria era biológica sobre a
evolução dos povos ao longo de milhões de anos.
Dessa forma, as ideias criadas ao longo do século XIX serviam para
mascarar os ideais de exploração econômica. A desculpa era a de que os evolucionistas
queriam ajudar esses povos a crescerem.
O Conceito de Cultura dos Evolucionistas
Edward Tylor em 1871 define a cultura pela primeira vez em “A Cultura
Primitiva”. De acordo com o livro, cultura é aquele complexo que inclui crenças, artes e
tudo o que o homem adquire na sociedade. É errôneo, este é um conceito de civilização.
É um termo singular, indicando que os povos seriam diferentes por estarem em
diferentes estágios evolutivos.
A forma pela qual estudamos história em nosso currículo escolar é
evolucionista, pois a história da humanidade é, na verdade a história do Ocidente.
Críticas ao Evolucionismo
Claude Levi Strauss não é contemporâneo aos evolucionistas, não sendo
o primeiro a criticá-los. Levi, que visitou o Brasil para estudar sobre os índios publicou,
em 1952, “Raça e História” na qual ele trabalha com metáforas:
-Trem: as culturas são como trens. Nós olhamos o mundo a partir do
nosso trem, da nossa cultura. Esses trens caminham em diferentes velocidades e
direções opostas. Ao olhar o outro trem, muitas vezes, não conseguimos compreendêlos, visto que as direções não são iguais. Daí então eu concluo que eles são primitivos.
Obviamente está errado, pois nós só conseguimos compreender as culturas que
caminham paralelamente à nossa. Há de se ter cuidado, pois os valores são diferentes, as
lógicas não coincidem, já que a nossa visão de mundo é etnocêntrica:
“Olhar os outros povos a partir dos valores de sua cultura o faz encará-los
de forma pejorativa.”
-Cavalo no jogo de xadrez: as culturas andam assim como o cavalo no
jogo de xadrez: aos saltos. Cada um tem sua própria lógica de desenvolvimento.
Os evolucionistas estabeleceram critérios para avaliar as sociedades
baseados na economia e tecnologia, analisando a partir daí a evolução dos povos. Os
critérios não são neutros, os europeus, obviamente, levam vantagem e os outros povos
são levados a crer que não são bons o suficiente.
Critérios cosmológicos: a religião, por exemplo. No ocidente é judaicocristã, tendo pessoas que acreditam e outras que não acreditam na virgindade de Maria.
Se este fosse um critério utilizado para estabelecer a evolução haveria grande
controvérsia. Com este exemplo, percebemos que os critérios foram manipulados.
Conclui-se então que o evolucionismo fora realmente a justificativa para
a prática do colonialismo. A invasão era justificada pela tentativa de ajudar os povos a
evoluir.
O Método de Franz Boas
Franz Boas foi o primeiro autor contemporâneo a criticar os
evolucionistas. Ele foi o criador da Escola Cultural Norte Americana, ou
Culturalismo. É o pai da antropologia moderna.
Sua argumentação baseou-se em sua tese de doutorado em física.
Por que a água muda de cor?
A água parece mudar de cor dependendo do ângulo em que a
observamos. A medida que nos aproximamos podemos vê-la como ela é.
Tal como a água parece mudar de cor o mesmo ocorre com as culturas.
Para compreendê-las devemos nos aproximar delas, daí a necessidade de fazer pesquisa
de campo na antropologia.
Franz Boas fez sua pesquisa de campo em 1883, no Canadá, na Ilha de
Baffin, habitada pelos inuits. Ele pretendia estudar a influência do meio físico nas
culturas.
Ele criticou a ideia de raça. As pessoas costumam analisar o fenótipo, e
assim ele o fez, chegando à conclusão de que, mesmo em um grupo fechado há notórias
diferenças entre os fenótipos.
Ele é o primeiro a utilizar o termo culturas no plural. Para entendermos
uma cultura é necessário estudar tudo sobre ela, com a pesquisa de campo e o
aprendizado da língua do povo.
Método de Boas: Indutivo
O método sugerido por Boas é o histórico, ele vai do particular para o
geral. Etapas:
-estudar intensivamente uma cultura
-relacionar essa cultura com outras geograficamente próximas
-fazer generalizações se possível
O método comparativo consistia em retirar os objetos de seu lugar e criar
uma linha de evolução.
Utilizando o exemplo das pirâmides Boas estudaria profundamente os
astecas, os maias, os incas e depois examinaria a possibilidade de generalizar. Ele
começou a estudar uma cultura particular e depois passou a relacionar, indo para o
geral.
Bronislaw Malinowski
É o outro pai da antropologia, além de Boas. A dúvida sobre quem é o
pai da antropologia existe pois, apesar de Boas ter criado o método indutivo da pesquisa
de campo, Malinowski criou a observação participante, usada até hoje. A pesquisa de
campo dele foi feita nas Ilhas Trebiand, publicando após a viagem o livro “Os
Argonautas do Pacífico Ocidental”.
Ele é o criador do Funcionalismo, cujas características são:
-Para estudar um povo basta um objeto, um costume. Algo representativo
do povo dá condições de compreendermos o grupo.
-Os objetos e costumes aparentemente banais também devem receber
grande atenção. Os costumes corriqueiros dizem muito sobre um povo, e para
percebermos essas banalidades a observação deve ser minuciosa.
-Uma cultura é estudada a partir das categorias desse povo, para tal efeito
usa-se a observação participante. O método consiste em vivenciar a experiência do
grupo estudado. É necessário colocar-se mentalmente como um membro do grupo.
Críticas ao Malinowski
-As sociedades tradicionais não teriam conflitos, e seriam estáveis.
Sociedade tradicional é aquela que não passou pela industrialização. Está errado, pois
não há sociedade sem conflito. As sociedades não são estáveis, visto que toda sociedade
de modifica.
-Teoria das necessidades: as Instituições servem para satisfazer nossas
necessidades, que são, segundo Malinowski, todas biológicas.
É controverso, pois o casamento não se baseia somente na necessidade de
procriação. Segundo Malinowski todas as nossas necessidades são biológicas, entretanto
nós temos necessidades culturais também; e mesmo nossas necessidades biológicas são
satisfeitas de forma cultural.
A Antropologia hoje
Hoje em dia todos fazem pesquisa de campo, o que coloca sempre o
problema da comunicação. Achava-se que o laboratório podia ser usado para pesquisa.
Ex: a criação de um supermercado, na qual as pessoas sabem que estão sendo
observadas. Ninguém age naturalmente quando sabe que está sendo observado.
O Estudo do Infinitamente
O antropólogo busca algo infinitamente pequeno e cotidiano. A
antropologia é uma ciência que aborda a microssociologia, estudando os grupos
marginais, os pequenos grupos, enquanto a sociologia estuda as grandes associações
sociológicas.
Sociologia e antropologia não se diferem pelo objeto de estudo, pois este
é o mesmo para ambas, é o ser humano.
Sua diferença é o método de estudo. Os antropólogos estudam com a
observação participante, criada por Malinowski, enquanto a sociologia se divide em
muitas correntes de pensamento, com diferentes métodos.
O Estudo da Totalidade
Se faz com o conceito de Marcel Mauss: o fato social total. Ajuda o
antropólogo a compreender a cultura em sua totalidade. Por ser sobrinho de Durkheim
foi altamente influenciado.
O fato social é:
-exterior: exterior ao indivíduo, ninguém nasce com ele. A sociologia
devia estudar algo que está fora dos indivíduos.
-poder coercitivo: existe independentemente da vontade dos seres
humanos.
-geral: ocorre em todas as sociedades.
Ex: o crime como fato social
É exterior ao indivíduo pois ninguém nasce criminoso. O poder
coercitivo advém do fato que ele existe independentemente da vontade de todos, sendo
geral pois ocorre em todas as sociedades.
Fato Social Total: é aquele fato social que abrange várias dimensões da
vida social. Exemplo: pode ter dimensão religiosa, dimensão política, estética,
econômica etc.
Todo fato social está ligado às dimensões da vida. Os fatos que abrangem
todas as dimensões são os totais. O casamento muçulmano, p. ex., é exterior, se impõe a
sociedade, geral porque existe em todas as sociedades, variando de acordo com cada
uma, e total, pois abrange a religiosidade, a parte econômica, a parte estética, política.
Análise comparativa
1. Etnografia: escreve sobre o povo, coleta dados.
2. Etnologia: é a 2ª etapa, análise, estudo da etnia e
dos dados coletados.
3. Antropologia hoje: observar a variação das lógicas
culturais
Diferença entre a antropologia ontem e hoje:
Hoje: há uma diferença de objeto. Todos podem ser estudados, Utiliza-se
o método de observação participativa de Malinowski. Compara-se as sociedades dentro
de um contexto. Há a tendência de tornar familiar o que é exótico, e tornar exótico o que
é familiar. O jeito com que tratamos as diferenças deve ser mudado.
Evolucionistas: sociedades simples ou primitivas eram aquelas que não
tinham passado pela industrialização. O método comparativo usado era o dedutivo, do
geral para o particular. Comparação descontextualizada.
Determinismo
Os determinismos são posturas a serem adotadas.
Determinismo biológico: a biologia determina qual postura deve ser
adotada. É uma questão genética. É errado pois, a biologia não determina a cultura.
Ex 1: A divisão sexual do trabalho – do ponto de vista biológico homens
e mulheres são iguais, porém culturalmente não. Em nossa sociedade, p. ex. A mulher
faz todo o trabalho braçal domésticos.
Ex 2: todos os seres humanos têm a capacidade de rir, entretanto certas
culturas acham graça do que outros não acham.
Determinismo geográfico: diferenças no meio geográfico condicionam
diferenças culturais. Existe sim uma influência do meio, porém esta é limitada. A
cultura age de uma forma seletiva no meio.
Os antropólogos se questionavam sobre quando surgiu a cultura. Temos
quatro teorias que merecem destaque. As duas menos importantes:
-Teoria do bipedismo: o homem se tornou um ser cultural a partir do
momento que passou a ser bípede. Isso teria tornado o homem cultural pois ele passou a
ter as mãos livres para manioular instrumentos e com isso produzir cultura. É falsa, pois
muitos animais são bípedes, mas não são culturais.
-Teoria do cérebro volumoso: o homem teria se tornado um ser cultural
quando ocorreu um aumento na capacidade craniana. É equivocada, pois não é o
aumento da capacidade craniana, mas sim sua qualidade e quantidade das conexões
cerebrais (sinapse). O homem tem mais conexões que os animais, e seu crânio é menor
do que o de muitos outros animais.
Duas mais aceitas e importantes:
-Teoria de Claude Levi Strauss: o homem se torna um ser cultural
quando ele cria a primeira regra. A primeira regra criada foi o tabu do incesto, e é a
única que permanece até hoje em todas as sociedades humanas. O incesto não pode
ocorrer em lugar algum, porém o conceito de incesto varia de um lugar para outro. Em
algumas sociedades, uma pessoa apenas pode ser filha do pai, ou pode apenas ser filha
da mãe, daí a mudança de conceito.
-Teoria de Leslie white: o homem se tornou um ser cultural a partir do
momento em que passou a reger ser comportamento por símbolos. Símbolos são
diferentes de sinais, sendo os últimos mais relacionados ao mundo animal.
O sinal é organicamente programado e geneticamente transmitido. Eles
sempre são emitidos pelos mesmos animais. Os símbolos são socialmente criados e
servem para que os seres humanos se comuniquem. Podem ser orais, escritos, gestuais.
O homem, o instinto e a cultura
O homem é mais levado pela cultura do que pelos instintos. Ao nascer o
homem é totalmente levado pelos instintos, mas devido à socialização os instintos
começam a diminuir e a cultura e a educação influenciam muito mais o comportamento
humano.
Características da cultura
Todas as culturas tem essas características:
-Simbólica: toda cultura tem símbolos socialmente estabelecidos e transmitidos pela
linguagem.
-Social: todos crêem na mesma coisa para que esta coisa se transforme na cultura. Deve
ser partilhada por um grande número de pessoas, como por exemplo no Brasil, no qual
nós respeitamos mais as pessoas que possuem curso superior.
-Determinante e determinado: a cultura determina nosso comportamente e é
determinada por nós, que por nossas ações podemos mudá-las. Cada um se relaciona
com o mesmo padrão de forma única, como por exemplo nosso relacionamento com as
leis.
-Seletiva: as culturas selecionam entre os padrões que existem aqueles que elas querem
seguir. Na maioria das vezes é inconsciente.
-Dinâmica e estável: dnâmicas pois elas se modificam mais rápido ou mais devagar. É
estável pois existe todo um padrão cultural durante um determinado tempo.
Você Sabe Com Quem Está Falando por Roberto da
Matta
Introdução
Roberto da Matta escreveu “Carnavais, Malandros e Heróis” para
explicar o Brasil, na qual ele explica a figura de cada um destes elementos dentro da
sociedade brasileira.
Com o Você Sabe com Quem Está Falando ele explica a relação do
brasileiro com a lei, mostrando uma vertente indesejável da cultura brasileira, pois tal
frase é antipática, arrogante e problemática. Mostra a grande preocupação brasileira
com a posição social. Mostra também o formalismo da sociedade.
Quem usa
O aprendizado desta frase é latente, não é manifesto, é indireto. Nós
aprendemos a usá-la quando observamos outras pessoas fazendo uso, as vezes até contra
nós mesmos.
A intenção do sujeito que usa tal expressão é fazer a identificação social
vertical. A pessoa baseia-se no poder de outrem, como se fosse dele. É a tendência
brasileira de se identificar com quem está acima.
Ao utilizar expressões como: “Eu sou filho de xxxx”, nós estamos nos
apoderando do poder de outros, nos aproximando de uma posição maior.
Hierarquia no Brasil
Para Roberto da Matta a hierarquia no Brasil não é pura e simples. Não
se baseia num único eixo de classificação, que seria o eixo econômico.
No Brasil nos baseamos na intimidade social, ou seja, num sistema de
relações intrecortadas. Isso significa que nossas relações aparecem na intersecção entre
o eixo econômico e o eixo moral.
Em frases como “Eu sou pobre mas sou limpinho” é atenuada a
classificação econômica e é melhorada a condição social. A pessoa que fez uso desta
frase se identificou com alguém acima. É identificação social vertical.
O povo brasileiro não se iguala para resolver os conflitos, ele se
hierarquiza.
Questão: Qual é o lado funesto da hierarquia no Brasil?
O problema desta hierarquia é que ela impede a tomada de consciência
horizontal, causando a não formação da ética horizontal (Ex.: a dor do outro é a minha
dor). As pessoas não se igualam aos semelhantes, elas tendem a se unir a quem está
acima.
Logo, a sociedade continuará estamentada e sem mobilidade.
Comparação Brasil x Estados Unidos
A socialização no Brasil é diferente da socialização dos EUA. Aqui nós
somos socializados a não perguntar (Ex.: nas salas de aula o professor costuma não
responder, e até mesmo os alunos repelem as perguntas).
Daí concluímos que, em uma sociedade que somos condicionados a não
perguntar, ao indagar o “Você sabe” estamos fazendo uma agressão, um rito autoritário.
Já nos EUA existe um rito oposto ao “Você Sabe”. Lá utiliza-se o
“Quem Você Pensa Que É”, sendo este um rito igualitário. Com o uso de tal frase você
coloca a pessoa no mesmo patamar que o seu, a pessoa é igualada horizontalmente.
Indivíduo x Pessoa
O “Você Sabe” permite ir do anonimato para uma posição conhecida.
Permite ir de “indivíduo” a “pessoa”, que no senso comum são a mesma coisa,
entrentanto em antropologia possuem signficados bem distintos.
Pessoa: papel pré-estabelecido na sociedade. As pessoas vivem este
papel, são atrizes sociais. Não é necessariamente um papel grandioso.
Indivíduo: os indivíduos possuem o direito de escolher quem querem
ser. O indivíduo é fruto de suas escolhas, daí deve haver liberdade em tais escolhas,
além da igualdade jurídica.
Hoje pode-se agir de acordo com o que a sociedade estabelece ou podese agir individualmente.
Há países em que predominam os indivíduos, como na Alemanha, EUA,
e há outros em que predominam as pessoas, como na Índia. No Brasil vivemos uma
tensão entre sermos indivíduos ou pessoas.
Ao utilizar o “Você Sabe Com Quem Está Falando” eu me transformo
em uma pessoa. Como indivíduo há um anonimato na questão das leis. Sendo pessoa a
hierarquia é conhecida.
Indivíduo no Brasil
O indivíduo no Brasil é mal visto, porque o brasileiro não associa tal
palavra às características positivas (liberdade, igualdade jurídica, fruto das escolha). O
indivíduo é associado à imagem dquele que não se insere no grupo, que não tem
princípios. É sinônimo também de egoísmo. Baseando-se nisto, busca-se ser pessoa.
O plano da impessoalidade das leis rege o mundo dos indivíduos, pois
ele tem igualdade jurídica. No Brasil não se deseja igualdade jurídica. “Aos maus
nascidos, a lei, aos amigos, tudo”. A lei deve se aplicar aos outros, mas ela não é para
mim.
Leis no Brasil
Há no Brasil dois pesos e duas medidas. Nós não julgamos os nossos
conhecidos e amigos pelos mesmos erros que julgamos os outros. É um problema de
igualdade.
Jeitinho Brasileiro
É livro da Lívia Barbosa. Ela entrevistou mais de 200 pessoas no Brasil.
O “Jeitinho Brasileiro” define-se como uma forma especial de resolver um problema,
uma situação difícil. O jeito tem como característica a ambiguidade, e tal característica
se deve ao fato de ser difícil de ser identificado. Pode ser um simples favor, ou
corrupção.
Favor x Jeito x Corrupção
Favor + Jeito: é sempre visto de forma positiva.
Corrupção + Jeito: é visto sempre de forma negativa.
A autora tenta separar esses dois.
Jeito ≠ Favor
Jeito: é informal, envolve simpatia.
Favor: é formal.
Jeito: envolve a transgressão de uma regra, uma norma.
Favor: não transgride regras.
Jeito: a relação que se estabelece entre os envolvidos no jeito é
igualitária. Você se iguala a quem vai te ajudar.
Favor: a relação é hierarquica, pois nem todos podem ajudar. Há um
sentimento de dúvida.
Jeito ≠ Corrupção
A distinção entre jeito e corrupção advém da quantidade de dinheiro
envolvido. O jeito utiliza pouco dinheiro, enquanto a corrpção utiliza muito. O conceito
de muito ou pouco é relativo, obviamente, pois depende do quanto cada pessoa ganha.
O que influi para ser bem sucedido na hora do jeitinho
A questão do sexo é relativa. Há quem acredite que é mais fácil
conseguir um favor do sexo oposto, sendo que mulheres conseguem mais jeitinhos de
homens. Há, por outro lado, quem acredite que os sexos se unem na hora do jeitinho.
Além destes fatos, o modo de pedir um jeitinho é dócil, gentil, cordial,
simpático e, acima de tudo, humilde.
Status e dinheiro não influenciam no jeitinho, pois esses fatores remetem
ao “Você Sabe Com Quem Está Falando”. Ser ‘importante’ não é relevante ao pedir um
jeitinho.
O jeitinho é uma forma de humanizar a burocracia, sendo a burocracia
ineficiente, intransigente e rígida. Não dá margem ao bom senso. Critérios subjetivos
fazem parte do jeitinho para burlar a burocracia. Ao humanizar a burocracia nós
prejudicamos as outras pessoas, dando mais ineficiência e rigidez à burocracia. É
ilusória a idéia de que o jeitinho contribuiu para amenizar; ele somente prejudica, piora.
Jeito x “Você Sabe Com Quem Está Falando”
As escolhas no Brasil não são absolutas, são sempre relativas, pois as
pessoas ora usam o jeitinho, ora usam o “Você Sabe Com Quem Está Falando”.
Ninguém se restringe apenas a um ou outro, pois o uso depende do perfil do usuário, do
contexto, de sua posição na sociedade.
Quanto aos limites de utilização
O jeito não tem limites bem definidos, pois ora ele se parece com um
favor, ora se parece com uma corrupção.
O “Você Sabe Com Quem Está Falando” tem limites bem definidos, pois
resolve a situação de maneira hierárquica.
Quanto aos recursos
O jeito tende a utilizar recursos individuais, e no caso do “Você Sabe
Com Quem Está Falando” são recursos sociais.
O jeito usa cordialidade, simpatia, sendo estes os recursos próprios. No
“Você Sabe Com Quem Está Falando” usa-se o que é socialmente valorizado, que é a
identificação social vertical.
Como resolver a situação
No caso do jeito é feita a barganha, a negociação. No caso do “Você
Sabe Com Quem Está Falando” a situação é resolvidade com o uso da separação entre
as pessoas, a hierarquização.
Quanto à identidade das partes
No caso do jeito a identidade não é mostrada, pois não interessa quem
você é, você se aproxima da mesma forma.
No “Você Sabe Com Quem Está Falando” tudo se resume a motrar a
identidade.
Quanto à aceitação social
O jeito é visto como uma parte da identidade nacional, é bem visto, bem
aceito.
O “Você Sabe Com Quem Está Falando”, mesmo sendo largamente
utilizado, não é aceito socialmente, tornando-se exemplo de insuportabilidade do
usuário.
Reação
O jeito é bem visto, e mesmo quando a pessoa não pode ajudar, ela não
fica com raiva. O jeito é um ritual de aglutinação, você se junta momentaneamente
No “Você Sabe Com Quem Está Falando” a reação é negativs, pois em
caso de posição inferior, você não pode reagir. É um ritual de separação entre você e o
outro.
Considerações finais
O jeito é oposto ao “Você Sabe Com Quem Está Falando”?
Não. Oposto ao “Você Sabe Com Quem Está Falando” está o “Quem
Você Pensa Que É”, pois o último é um ritual igualitário.
O jeito e o “Você Sabe Com Quem Está Falando” possuem o mesmo
objetivo, entretanto utilizam diferentes caminhos. O objetivo é transformar indivíduos
em pessoas. Em ambos os casos tenta-se burlar a lei.
Por que no Brasil fica-se entre o indivíduo e a pessoa?
Historicamente falando, somos fruto da colonização de unm país
extremamente hierarquizado, no qual predominava a idéia de pessoa.
No século XIX foram trazidos para o Brasil os valores da modernidade:
igualdade, fraternidade e liberdade. Estes são valores do indivíduo, porém são valores
que foram trazidos prontos, não substituindo, mas sim se sobrepondo aos antigos
valores.
Como não há clara distinção entre os valores, as pessoas ficam oscilando.
Cidadania no Brasil de acordo com Roberto da Matta
De acordo com o autor, o brasileiroacha que é natural ser cidadão, mas a
cidadania de veras não é natural. O brasileiro acha que cidadania é um dado da natureza
humana. Esta visão é equivocada, pois ninguém nasce cidadão. As pessoas se tornam
cidadãs quando lutam e aprendem, quando lutam pela igualdade. Quando busca-se
cidadania, busca-se direitos iguais. A preciso aprender a se enxergar como igual para
reivindicar direitos iguais.
A cidadania não nasceu com a humanidade. Ela se desenvolveu com a
idéia de que os seres humanos podem ser iguais. A idéia de igualdade nasce na Europa,
na fase do Iluminismo.
Se a cidadania não é natural, é aprendida, ela sempre terá o mesmo
sentido?
Não. Cidadão no Brasil é inferior, pois ele é igual para baixo. O cidadão
é aquele que obedece a todas as leis, e como o acatamento às leis no Brasil não é para
todos, o cidadão é considerado bobo, é rebaixado.
A cidadania no Brasil é a ausência de relações, pois quem tem relações
recebe um tratamento diferenciado, se iguala para cima. Quem é cidadão é tratado como
igual, é rebaixado, não possui privilégios.
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