É a ecologia uma filosofia da realidade

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É a ecologia uma filosofia da realidade?
(1.A Ecologia e a interpretação da realidade)
"Exorto-vos meus irmãos a que permaneceis fiéis à terra e não acrediteis naqueles que
vos falam de esperanças supraterrestres. Conscientemente ou não, são
envenedadores"
Nietzsche
Uma das interpretações mais comuns em ecologia deriva da peculiar concepção da
evolução e, consequente, questionação do ambiente. Com efeito, o primeiro objecto da
Ecologia, o ecossistema, é constituído por um domínio territorial, relativamente
homogéneo, apresentando condições constantes que se reportam a uma cadeia de
transferências e de conversão de energia no todo dialéctico-orgânico das estruturas
alimentares. A nossa compreensão do factualmente humano – daquilo que constitui a
ecologia humana - começa, neste sentido, pela compreensão do ecossistema natural.
Afinal, os sistemas culturais são, essencialmente, prolongamentos mais ou menos
eficientes e, ironicamente, artificiais, racionais e "livres" dos sistemas naturais. Uma
coisa é certa, a colonização do mundo pelo homem é, comparativamente, à ancestral
cadeia natural, recente. Terá começado na zona tropical, com uma prolifera variedade
de plantas.
Consideremos, pois, o postulado da superioridade do homem por via do sortilégio da
cultura. O que pode ser traduzido no exposto.
A distribuição mundial do Homo sapiens representa o reconhecimento do poder
globalizado – a tendência parece ter futuro – do complexo sistematizado de
conhecimentos, comportamentos ou instrumentos que, de uma forma óbvia ou subtil,
tendem a instrumentalizar o mundo e o infinito universo à singularidade redutora da
nossa teia cultural.
Efectivamente, desde Copérnico, o homem deixou de ser o centro do universo.
Ficou reduzido à mera condição de habitante de um planeta azul, satélite de uma
estrela localizada numa certa galáxia. Mas, ainda assim, persistiu na óptica de
supremo predador (superiormente dotado). Por outras palavras, o mundo natural é
esse corpo ( conforme às leis imperiosas, constantes e mecânicas) que deve
obediência ao espírito. Mais precisamente, ao homem, que está no topo da cadeia
"natural", cabe o dever de submeter a natureza por acção directa da conquista ou
indirecta da domesticação.
Nada pior que o desastroso utilitarismo da "conquista da Natureza" é a sedução do
cogito confinado ao delírio das boas intenções e da moral limpa.
Consideremos o seguinte: quando Darwin publicou a "A Origem das Espécies",
desconhecia ainda qualquer prova fóssil da evolução da espécie humana. Contudo os
estudos estabelecidos pela anatomia comparada constituíam, então, hipótese aceitável
para a compreensão da evolução humana.
Esta leitura naturalista, constitui, de uma forma incipiente, uma abordagem
interpretativa de lastro ecológico primordial. A célebre teoria da selecção natural é,
aparentemente, vantajosa para uma interpretação crítica da realidade ambiental.
Afinal, no terminus da escalada da luta pela sobrevivência está este pobre "caniço" que
em virtude da sua flexibilidade e prodigioso intelecto, constitui a espécie, se bem que
mortífera, dominante na terra.
Convenhamos, muito possivelmente, a ecologia é a boa consciência dos nossos tempos
e os seus fantasmas e medos andam em torno da grande e inevitável metafísica
interrogação: - para quando o fim dos tempos? O mesmo será dizer, - para quando o
fim da História? - Para quando a Morte? O que nos leva à vertente tanatológica da
ecologia.
Em todo o caso, quando falamos em Charles Darwin – o primeiro a usar o conceito de
evolução (que determina a eliminação dos mais débeis e menos adaptados), em 1838
– esquecemos outras figuras complementares no palco científico-natural da história.
Outro naturalista, Alfred Russel Wallace usou a estrutura conceptual em questão,
chegando à mesma, por outros processos metodológicos.
Toda a arquitectura intelectual destes dois notáveis investigadores incide no
entendimento da natureza como uma realidade determinada pelo processo selectivo.
Ora, tal processo constitui, como é do conhecimento geral, a essência do processo
evolutivo. Portanto, para Darwin e Wallace, a selecção natural consiste num caminho
processual que comporta em grau semelhante, a variação e escolha dos indivíduos que
se adaptam mais eficazmente ao ambiente.
Contudo, como sabemos, o processo evolutivo é, significativamente, lento. Ora, aqui
deparamos com o inevitável ponto de retorno da relação política e ontológica do
homem com o mundo: o tempo.
Por outro lado, o trabalho humano desenvolveu-se instituindo uma relação de quase
exclusividade com o "Ter".
Isto é, trabalhamos, fundamentalmente, para produzir, para fabricar artefactos e, num
plano mais elaborado, cedemos negligentemente a necessidades artificiais.
Com efeito, este fabricar algo, apresenta, muitas vezes, o seu lado sombrio. É tudo
uma questão de economia. Objectivamente, a sociedade promove o fazer e o consumo
aleatórios. Uma espécie de montra que está aí, disponível para as fantasias
imediatistas do indivíduo.
Formar cidadãos é mais difícil, dispendioso e requer paciência, isto é, tempo. O dilema
é óbvio, as sociedades, só se estruturam como evidências da civilização, quando
promovem as condições de abordagem e de fabricação consciente de "coisas".
Portanto, a evolução social e económica passa, necessariamente, pela releitura ou pela
reversibilidade hermenêutica dos dados. Ora, a origem e evolução da humanidade, tal
como eram concebidas pela doutrina evolucionista, bem como o conceito da luta pela
sobrevivência adaptavam-se perfeitamente aos princípios do socialismo e à sua
concepção de historicidade. Com efeito, Karl Marx e Friedrich Engels, acolheram com
entusiasmo, se bem que algumas reservas, o darwinismo. Mas, não é lícito conceber o
pensamento marxista como um intento ecológico de interpretação da realidade. Toda a
dinâmica da reflexão marxista, não obstante os reconhecidos erros históricos,
concentra-se na abordagem dos aspectos concretos que determinam a relação do
homem com a sociedade e, neste sentido, o conceito de alienação pode ser recuperado
para compreender e corrigir os erros, claramente detectados, em modernas práticas de
produção. Em todo o caso, a ecologia, enquanto estudo da relação apropriada entre
um determinado grupo e o ambiente global, deve constituir, nos nossos dias, uma
clarificação da relação, cada vez mais difícil, do homem com o ecossistema
circundante.
O problema de Volterra e a percepção da coevolução - fenómeno descoberto por Daniel
Janzen na Costa Rica – traduz uma nova visão do todo ecológico. Contudo, há ,por
força das circunstâncias, uma certa inflexibilidade na verdade ecológica. Ela traduz, a
verdade na sua vertente factual, por vezes, quase que perpassa nela, a conotação
ideológica. Constitui, realmente, uma memória actuante.
Hannah Arendt , em "Between Past and Future", insiste na condição inflexível dos
factos. Assim a ecologia está no meio da grande discussão moral dos acontecimentos
recentes. Depois de Hiroshima e Nagasaqui, não poderíamos esperar outra posição que
não a da cisão com a moral conformada e entediada do mundo reconstruído do pósguerra.
E terminamos com a brevidade angustiante, sob forma interrogativa, do segundo
postulado: a Ecologia é o discurso das sociedades ricas?
O meio ambiente de muitos dos países do Sul deteriora-se sob a pressão de sistemas
políticos e económicos inadaptados (normalmente repressivos) e traduz essa
deterioração no esgotamento de recursos naturais. Em termos internacionais, são
conhecidas as flutuações económicas mundiais e o peso da dívida destes países para
com os do Norte.
Como podem estes países desenvolver comportamentos e valores ecológicos?
Setúbal, 26 de Fevereiro de 2000
Isabel M. C. Leandro Gomes
http://www.terravista.pt/Nazare/1794/Isabel%20Leandro.html
FONTE: E-groups Educação Ambiental
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