Evolução do Direito das Obrigações Antes do aparecimento de Roma como potência dominante, não havia no Ocidente um Direito Obrigacional. Nesses primitivos tempos pré-romanos, a hostilidade e a desconfiança entre os belicosos grupos tribais europeus impediu e desestimulou o aparecimento de um Direito Obrigacional. Faltava a esses grupos humanos o necessário discernimento para entender o que fossem direitos individuais ou direitos obrigacionais A necessidade é a mãe da invenção Com o passar do tempo, porém, e o aumento das populações, surgiu a necessidade da cooperação intertribal, forçando as comunidades a se aproximarem. O intercâmbio comercial sobrepujou a sanha das disputas territoriais. A gênese da idéia obrigacional Caio Mário afirma que “o surgimento da idéia de obrigação deve ter ocorrido com caráter coletivo, quando todo um grupo empreendia negociações e estabelecia um comércio, se bem que rudimentar, com outro grupo”. O começo de tudo Por volta de 770 a. C., como reza a lenda, Rômulo e Remo – os filhos da loba – teriam fundado Roma. Outros colocam o nascimento da cidade entre 758 e 728 a.C. A república romana Em 510 a.C., o último rei lendário de Roma, Tarquínio, o Soberbo, teria sido derrubado do trono e banido de Roma. Derrota e demagogia reais Sua deposição pelos membros da classe patrícia teria tido como causas suas derrotas militares e sua intenção de buscar apoio político por meio de uma série de concessões aos menos favorecidos. O Senado toma conta A partir daí, o poder político é exercido através de assembleias e magistraturas compostas exclusivamente por patrícios, com os cônsules exercendo funções religiosas e laicas A Lei das Doze Tábuas O tribuno da plebe Por essa época – século V a. C. - os plebeus, sob a ameaça de sublevação, conseguem a criação do ofício de tribuni plebis (tribunos da plebe), tendo a seu lado os aediles plebis, que tinham o direito (intercessio) de impedir atos em Roma e arredores Como tudo aconteceu Em 494 a.C., Roma estava em guerra, mas os soldados plebeus se recusaram a marchar contra o inimigo. Os patrícios (aristocratas) se desesperaram ante a visão do que era, na verdade, uma greve trabalhista. As consequências Para estancar o movimento paredista, os patrícios concordaram rapidamente com a eleição de representantes da plebe (os tribuni plebis), que seriam coadjuvados por dois edis da plebe (aediles plebis) Natureza sacrossanta do tribuno da plebe Por serem a encarnação dos plebeus, os tribunos eram sacrossantos. Tal sacrossantidade era garantida por um juramento - feito por toda a plebe - de matar qualquer um que fizesse mal ao tribuno ou que interferisse com suas funções durante seu mandato. Como eram as coisas na velha república romana No período mais antigo da república romana, as leis eram mantidas em segredo pelos pontífices e representantes das classes abastadas (patrícios) e aplicadas cruel severidade, principalmente contra os plebeus. com Terentílio Em 462 a.C., um tribuno da plebe, Gaius Terentilius Harsa, tirando proveito da ausência dos nobres, empenhados na guerra contra os volscos, pressionou o Senado para que este codificasse as leis, eliminando dessarte a incerteza e a injustiça. Os patrícios opuseram-se à proposta por vários anos, mas em 451 a.C um decenvirato (um grupo de dez homens) foi designado para preparar o projeto do código. Supõe-se que os romanos enviaram uma embaixada para estudar o sistema legal dos gregos, em especial as leis de Sólon, possivelmente nas colônias gregas do sul da Península Itálica, conhecida então como Magna Grécia. Os dez primeiros códigos foram preparados em 451 a.C. e, em 450 a.C., o segundo decenvirato concluiu os dois últimos. As Doze Tábuas foram então promulgadas, havendo sido literalmente inscritas em doze tabletes de madeira que foram afixados no Fórum romano, de maneira a que todos pudessem lê-las e conhecê-las. Funcionou A agitação causada por Terentílio deu resultado e os nobres do Senado, a contragosto, finalmente aprovaram, em 449 a.C., a Lei das Doze Tábuas, que seria o substrato futuro de todo o Direito Romano. A Lei das Doze Tábuas e o Direito das Obrigações Publicação legal As Doze Tábuas foram então promulgadas, havendo sido literalmente inscritas em doze tabletes de madeira que foram afixados no Forum Romano, de maneira a que todos pudessem lê-las e conhecê-las. Lex Duodecim Tabulae Ao tempo da Lei das XII Tábuas, o devedor respondia com o próprio corpo pelo cumprimento de sua obrigação. O vínculo que unia o credor ao devedor era pessoal, sem qualquer sujeição ao patrimônio do devedor, sendo que, por estar o devedor vinculado à obrigação com seu próprio corpo, o credor tinha direito sobre seu cadáver. O nexum e a manus iniectio Uma vez estabelecido o compromisso obrigacional, o credor (tradens) tinha poder físico sobre a pessoa do devedor (nexum), o que lhe possibilitava, em caso de inadimplemento, exercer a manus iniectio, isto é, reduzir o obrigado à condição de escravo Lei das XII Tábuas, Tabula III: Tertiis nundinis partis secanto. Si plus minusve secuerunt, se fraude esto. Ou seja Havendo lançado mão da pessoa do devedor e depois de o haverem oferecido em venda por três dias no mercado, os credores podiam levá-lo para além do Rio Tibre e, num concurso creditório macabro, cortá-lo em pedaços, distribuindo entre si os despojos. Com uma ressalva Se algum dos credores pegasse mais do que o que lhe fosse de direito, fá-lo-ia sem por isso ser punido. Lembrar: Mercador de Veneza. Natureza delitual do descumprimento da obrigação A sujeição ao cumprimento da obrigação era, portanto, total, e aquele que deixasse de honrar o compromisso a que estava adstrito estaria cometendo um delito Revolta plebéia e a Lex Poetilia Papiria Os vastos latifúndios da aristocracia romana exigiam grande número de escravos. As dívidas dos plebeus os forçavam a venderem a si mesmos como escravos. A revolta provocada por essa situação provocou séria luta de classes até que, em 326 a.C., a lex Poetilia Papiria (“Lei de Petilio”) libertou todos os devedores escravizados e proscreveu a venda ou matança dos endividados incapazes de honrar seus débitos. Consequência Com o advento da Lex Poetilia Papiria, o devedor passou a ser responsabilizado por suas obrigações exclusivamente com seu patrimônio. Gaio Evolução normativa o período clássico No período clássico do direito romano, Gaio (130-180 d. C.) dividiu as fontes das obrigações em 4 espécies: contrato (obligatio ex contractu) quase-contrato (obligatio quase ex contractu), delito (obligatio ex delicto) e quase-delito (obligatio quase ex delicto). O que eram Contrato era o acordo de vontade convencionado pelas partes. O quase-contrato, assim como o contrato, era ato lícito, porém não derivado da vontade das partes. (Exemplo: gestão de negócios, tutela, curatela.) O que eram Delito era o ato ilícito doloso, praticado com a intenção de causar dano a alguém. Quase-delito era o ato ilícito culposo, praticado involuntariamente sem a intenção de causar dano. As obrigações na Europa Medieval Segundo o Venosa As obrigações na Europa Medieval derivavam dos costumes germânicos. A autonomia da vontade era reduzida e os contratos eram bastante formais. A responsabilidade pelo descumprimento confundia-se com a vingança privada e com a responsabilidade penal A redescoberta do Corpus Iuris Civilis A legislação romana – que se mostrava superior aos direitos locais – volta à luz e passa a ser empregada como direito local. Igreja medieval e Direito A Igreja influi decisivamente no Direito desta época, impondolhe seus princípios morais. A palavra empenhada em um contrato passou, então, a ter influência. O valor da palavra empenhada A escola exegética de princípios do século XIX, com base nisso, consagrou a regra da força obrigatória dos contratos. A Escola da Exegese surgiu em função do Código de Napoleão (1804) e tem a lei como expressão da razão. Brasil e liberalismo O Brasil foi influenciado pelo ideário liberal do Código Napoleônico, que se refletiu no Código Civil de 1916, o do preclaro Clóvis. O panorama atual Com o Código de 2002, foram postos em choque os princípios liberais que informavam o CCB de 1916 com o constante intervencionismo do Estado (dirigismo contratual) e a publicização do Direito Privado característicos de nosso tempo. O que diz o Venosa “Como é no Direito das Obrigações que reside o grande baluarte da autonomia da vontade, cabe aos julgadores não esquecer esse aspecto, como razão da própria existência do Direito privado. O meio-termo necessário “Temos de encontrar um meio-termo entre o espírito liberal do Código, que dá confiança ao indivíduo e sua vontade, e a corrente social que, sob o manto da justiça social e das necessidades modernas de produção, procura inserir o indivíduo numa disciplina coletiva”.