Hemoglobinúria Paroxística Noturna Rafael Rocha Gomes Nefrologia - HCFMUSP Introdução Doença descrita inicialmente em 1882 É uma desordem clonal adquirida da célula progenitora hematopoética. Resulta em interação anômala da membrana celular com componentes do complemento. Manifesta-se classicamente por hemólise intravascular crônica, pancitopenia e epi-sódios trombóticos recorrentes. Epidemiologia Sua incidência exata não é conhecida. Ocorre em qualquer idade, afetando principalmente adultos jovens Afeta igualmente ambos os sexos. Patogênese Resulta de mutação somática do gene PIG-A localizado no cromossomo X de uma célula pluripotencial. Tal gene é essencial para a síntese do glicosilfosfatidilinositol (GPI). O GPI é um fosfolípide acrescentado a determinadas proteínas para fixá-las à membrana celular. Patogênese Na sua ausência, diversas proteínas celula-res encontram-se deficientes. Neste contexto destacam-se as proteínas CD 55 e CD 59 CD 55 -Inibe a atividade do complexo C4b2a inibindo a ativação inicial do complemento. CD 59 –Restringe a interação de C9 com o complexo C5b-8, inibindo a formação do complexo de ataque à membrana. Na ausência destas proteínas as hemácias tornamse vulneráveis à ação do complemento, podendo haver hemólise. Patogênese Tais deficiências protéicas estão presentes em hemácias, granulócitos, monócitos, linfócitos e plaquetas. Células deficientes são encontradas em praticamente todos os indivíduos, sendo menos susceptíveis a fatores que afetem a hematopoese. Manifestações clínicas A HPN manifesta-se clinicamente por: *Anemia Hemolítica *Estado de hipercoagulabilidade *Aplasia medular Anemia Hemolítica É de natureza paroxística e mediada pelo complemento, podendo ser desencadeada por infecções, cirurgias ou outros fatores. Deve-se à deficiência das proteinas CD 55 e CD 59. Sua ocorrência e intensidade dependem da proporção de células anormais, do grau de anormalidade destas células e dos níveis de ativação do complemento. A corrência de hemólise classicamente à noite deve-se à absorção noturna de lipopolissacárides que ativam o complemento Manifestações Trombóticas HPN está associada com aumento importante na incidência de eventos trombóticos. O risco de trombose está diretamente associado ao tamanho do clone defeituoso. Acometem principalmente as veias hepáticas, outras veias abdominais e veias periféricas. Devem-se a aumento na agregação plaquetária, aumento na expressão de fatores teciduais e redução na fibrinólise. Aplasia Medular HPN está frequentemente associada a redução na hematopoese, podendo haver citopenias ou aplasia medular. Neste contexto a HPN pode ser o quadro dominante ou pode ser um quadro transitório com predomínio da aplasia medular. Outras Manifestações Pacientes com HPN podem ainda evoluir com síndromes mielodisplásicas ou leucemia aguda. Pode estar associada ainda a episódios de espasmo esofagiano ou disfunção sexual. Dor abdominal recorrente e fadiga importante são achados frequentes. Manifestações Renais A hemólise intravascular pode levar a duas formas de lesão renal: *Um ataque agudo com hemoglobinúria maciça pode levar a um quadro de IRA. *Hemólise crônica pode resultar em deposição de ferro nos rins, levando a disfunção tubular proximal ou IRC. Pode haver ainda trombose de veias renais. Manifestações Renais Pacientes podem demonstrar graus variáveis de hematúria, proteinúria, disfunção tubular renal e redução do clearence de creatinina. Pode haver aumento no tamanho renal, infartos corticais, redução na espessura cortical e necrose de papila. HPN X IRA Diagnóstico Baseia-se no quadro clínico e testes diagnósticos Teste da sacarose – células são incubadas em solução isotônica de sacarose com ativação de complemento consequente hemólise se houver positividade. Teste de HAM – o complemento é ativado pela redução do PH do meio, havendo hemólise se o teste for positivo. Diagnóstico Citometria de Fluxo – Método de escolha atualmente, havendo substituído os demais métodos. Define o diagnóstico se houver detecção de células com ausência de CD 55 e CD 59, permitindo quantificar o clone defeituoso. A população de granulócitos reflete mais fielmente o verdadeiro tamanho do clone, uma vez que as hemácias defeituosas acabam sofrendo hemólise. Tratamento Transfusões sanguíneas – conforme necessário Reposição de ferro e ácido fólico Prednisona – efetiva no controle dos episódios de hemólise. Hormônios androgênicos – também efetivos no controle da anemia. Tratamento Eculizumab: Anticorpo monoclonal que se liga à porção C5 do complemento, inibindo sua ativação final. Seu uso resultou em estabilização dos níveis de hemoglobina, menor necessidade de transfusões, menor ocorrência de hemólise intravascular e melhor qualidade de vida. Houve redução na incidência de eventos trombóticos. 1% de ocorrência de sepse meningocócica. Alto custo!!! Eculizumab - Mecanismo de Ação Eculizumab – Redução na Necessidade de Transfusões Tratamento Anticoagulação profilática em pacientes com clone maior que 50% de granulócitos. Transplante de células hematopoéticas – deve ser considerado em pacientes com doador compatível e com presença de aplasia. Ciclosporina e globulina anti-timócitos – Efetivos no tratamento de aplasia associada. Prognóstico Em um seguimento de 80 pacientes a sobrevida média foi de 10 anos. 28 pacientes sobreviveram por 25 anos ou mais. 12 de 35 pacientes que sobreviveram por mais de 10 anos apresentaram recuperação espontânea. 60% dos óbitos foram causados por trombose venosa ou sangramento. Prognóstico Em outra série com 220 pacientes, a sobrevida média foi de 14,6 anos. As ocorrências em 8 anos de pancitopenia, trombose e síndrome mielodisplásica foram respectivamente de 15%, 28% e 5%. Indicadores de mau prognóstico incluíram presença de trombose, evolução para pancitopenia, síndrome mielodisplásica, leucemia aguda e idade > 55anos. Referências Hill, A., Richards,S.J., Hillmen,P., 2007 – Recent developments in the understanding and management of nocturnal paroxysmal hemoglobinuria, British Journal of Haematology, 137, 181–192. Chow,K.M. , Lai,F.M., Wang,A.Y.M., Chan,Y.L., Tang,N.L.S. , Li,P.K.T., 2001 Reversible Renal Failure in Paroxysmal Nocturnal Hemoglobinuria, American Journal of Kidney Diseases, Vol 37, No 2 (February), 2001: E17 Referências Brodsky,R.A., 2006 - New Insights into Paroxysmal Nocturnal Hemoglobinuria, Johns Hopkins University School of Medicine, Division of Hematology, Baltimore, MD, Hematology 2006. Chen,S.C., 2007 - Recurrent acute renal failure in a patient with aplastic anemia–paroxysmal nocturnal hemoglobinuria syndrome: A case report. Kaohsiung J Med Sci November 2007 • Vol 23 • No 11 Clark DA, Butler SA, Braren V, et al. The kidneys in paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood 1981;57: 83–9