A Filosofia e seu Ensino: conceito e transversalidade Prof. Dr. Sílvio Gallo SEED/PR - Curitiba 13 de junho de 2005 Será possível ensinar filosofia? 1. da “ensinabilidade” da filosofia Sim, é possível. Mas devemos ter clareza de que filosofia falamos. E precisamos estar atentos a alguns alertas... 1. da “ensinabilidade” da filosofia Três alertas ao professor: Atenção ao filosofar como ato/processo; Atenção à história da filosofia; Atenção à criatividade: recusa da tradição para emergência do novo 1. da “ensinabilidade” da filosofia O filósofo espanhol Fernando Savater, em As Perguntas da Vida, apresenta quatro premissas sobre o ensino de filosofia, às quais todo professor precisa estar atento: 1. da “ensinabilidade” da filosofia “primeira, que não existe ‘a’ filosofia, mas ‘as’ filosofias e, sobretudo, o filosofar (...) Há uma perspectiva filosófica (em face da perspectiva científica ou artística), mas felizmente ela é multifacetada (...)” Savater, As Perguntas da Vida 1. da “ensinabilidade” da filosofia “segunda, que o estudo da filosofia não é interessante porque a ela se dedicaram talentos extraordinários como Aristóteles ou Kant, mas esses talentos nos interessam porque se ocuparam dessas questões de amplo alcance que são tão importantes para nossa própria vida humana, racional e civilizada (...)” Savater, As Perguntas da Vida 1. da “ensinabilidade” da filosofia “terceira, que até os melhores filósofos disseram absurdos notórios e cometeram erros graves. Quem mais se arrisca a pensar fora dos caminhos intelectualmente trilhados corre mais riscos de se equivocar, e digo isso como elogio e não como censura (...)” Savater, As Perguntas da Vida 1. da “ensinabilidade” da filosofia “quarta, que em determinadas questões extremamente gerais aprender a perguntar bem também é aprender a desconfiar das respostas demasiado taxativas (...)” Savater, As Perguntas da Vida É possível aprender filosofia? Se nos pomos de acordo sobre a possibilidade de ensinar filosofia, então precisamos perguntar: alguém aprende, quando ensinamos? 2. da “aprendizibilidade” da filosofia Pode até haver métodos para ensinar, mas não há métodos para aprender. O método é uma máquina de controle, mas a aprendizagem está para além de qualquer controle. 2. da “aprendizibilidade” da filosofia “Nunca se sabe de antemão como alguém vai aprender – que amores tornam alguém bom em Latim, por meio de que encontros se é filósofo, em que dicionários se aprende a pensar. Os limites das faculdades se encaixam uns nos outros sob a forma quebrada daquilo que traz e transmite a diferença. Não há método para encontrar tesouros nem para aprender, mas um violento adestramento, uma cultura ou paideia que percorre inteiramente todo o indivíduo (um albino em que nasce o ato de sentir na sensibilidade, um afásico em que nasce a fala na linguagem, um acéfalo em que nasce o pensar no pensamento).” Gilles Deleuze, Diferença e Repetição 2. da “aprendizibilidade” da filosofia o filósofo é sempre um aprendiz. Está mais para o rato no labirinto, que precisa aprender a saída; está mais para o sujeito de dentro da caverna, que descobre sua condição e procura a saída, do que para o sujeito já fora da caverna, que contempla o verdadeiro saber (a Idéia). 4. da “aprendizibilidade” da filosofia “Aprender vem a ser tão-somente o intermediário entre não-saber e saber, a passagem viva de um ao outro. Pode-se dizer que aprender, afinal de contas, é uma tarefa infinita, mas esta não deixa de ser rejeitada para o lado das circunstâncias e da aquisição, posta para fora da essência supostamente simples do saber como inatismo, elemento a priori ou mesmo Idéia reguladora. E, finalmente, a aprendizagem está, antes de mais nada, do lado do rato no labirinto, ao passo que o filósofo fora da caverna considera somente o resultado – o saber – para dele extrair os princípios transcendentais.” Gilles Deleuze, Diferença e Repetição 2. da “aprendizibilidade” da filosofia o filósofo é um buscador; busca tão intensamente que às vezes chega a pensar que encontrou aquilo que buscará sempre (com a licença poética de Fernando Pessoa...) Por que Filosofia no Ensino Médio? 3. por que filosofia? podemos falar em 3 grandes áreas do conhecimento humano, fundamentais em todo processo educativo: as ciências; as artes; as filosofias 3. por que filosofia? as ciências e as artes estão garantidas nos currículos, mas as filosofias nem sempre o estão... há uma especificidade da filosofia que apenas ela pode garantir na formação de alguém A especificidade da Filosofia 4. a especificidade da filosofia características da filosofia: pensamento conceitual caráter dialógico crítica radical 4. a especificidade da filosofia o específico da filosofia é o trabalho com o conceito; podemos defini-la como a atividade de criação de conceitos 4. a especificidade da filosofia o conceito é uma forma racional de equacionar um problema ou problemas, exprimindo uma visão coerente do vivido 4. a especificidade da filosofia o conceito não é abstrato nem transcendente, mas imanente, uma vez que parte necessariamente de problemas experimentados A aula de filosofia e o trabalho com o conceito 5. Aula como oficina de conceitos pensando a filosofia como atividade de criação de conceitos, a aula de filosofia deve ser como que uma oficina de conceitos, onde eles são experimentados, criados, testados... 5. Aula como oficina de conceitos Oficina de conceitos é experimentação: “pensar é experimentar, mas a experimentação é sempre o que se está fazendo – o novo, o notável, o interessante, que substituem a aparência de verdade e que são mais exigentes que ela.” G. Deleuze & F. Guattari, O que é a filosofia? 5. Aula como oficina de conceitos Etapas de trabalho numa “oficina de conceitos”: 1.Sensibilização 2.Problematização 3.Investigação 4.Conceituação 5. Aula como oficina de conceitos Sensibilização: Trata-se de chamar a atenção para o tema de trabalho, criar uma empatia com ele, isto é, fazer com que o tema “afete” aos estudantes 5. Aula como oficina de conceitos Problematização: Trata-se de transformar o tema em problema, isto é, fazer com que ele suscite em cada um o desejo de buscar soluções 5. Aula como oficina de conceitos Investigação: Trata-se de buscar elementos que permitam a solução do problema. Uma investigação filosófica busca os conceitos na história da filosofia que podem servir como ferramentas 5. Aula como oficina de conceitos Conceituação: Trata-se de recriar os conceitos encontrados de modo a equacionarem nosso problema, ou mesmo de criar novos conceitos artes ciências A transversalidade da Filosofia filosofias 6. a transversalidade da filosofia artes ciências filosofias uma característica intrínseca da filosofia é a transversalidade a filosofia não se fecha em si mesma, ensimesmada, mas abre-se sempre a outrem, busca a relação 6. a transversalidade da filosofia artes ciências filosofias não se cria conceito hoje, não se produz filosofia, sem o recurso da conexão com as artes e as ciências. Embora sejam distintas e independentes, elas se retroalimentam e se fecundam 6. a transversalidade da filosofia artes ciências “O conceito não é paradigmático, mas sintagmático; não é projetivo, mas conectivo; não é hierárquico, mas vicinal; não é referente, mas consistente. É forçoso, daí, que a filosofia, a ciência e a arte não se organizem mais como os níveis de uma mesma projeção e, mesmo, que não se diferenciem a partir de uma matriz comum, mas se coloquem ou se reconstituam imediatamente numa independência respectiva, uma divisão do trabalho que suscita entre elas relações de conexão.” filosofias G. Deleuze & F. Guattari, O que é a filosofia? 6. a transversalidade da filosofia artes ciências filosofias no entanto, no contexto de um currículo disciplinar, a filosofia não pode aparecer apenas “transversalizada”; sem a demarcação daquilo que lhe é específico, não há transversalidade possível... 6. a transversalidade da filosofia artes ciências filosofias Portanto, num currículo disciplinar é importante que haja uma disciplina de Filosofia, para que ela possa contribuir de fato com os Temas Transversais A periculosidade da Filosofia “Sabendo portá-la, toda ferramenta é uma arma.” Ani DiFranco 7. a periculosidade da filosofia “pensar suscita a indiferença geral. E todavia não é falso dizer que é um exercício perigoso. É somente quando os perigos se tornam evidentes que a indiferença cessa, mas eles permanecem freqüentemente escondidos, pouco perceptíveis, inerentes à empresa.” Deleuze e Guattari, O que é a Filosofia? 7. a periculosidade da filosofia Não se ensina filosofia impunemente; não se aprende filosofia impunemente. A “oficina de conceitos” é um local perigoso, de onde podem brotar conceitos que sejam ferramentas para mudar o mundo