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Violência: relacionamento familiar e hipossuficiência
José Afonso de Oliveira1
Elaine Cristina Francisco Volpato2
RESUMO: Os objetivos do trabalho são identificar as implicações sociais e jurídicas do
relacionamento familiar e da violência, a partir da condição vulnerável de mulheres e crianças.
A metodologia empregada é natureza bibliográfica-documental, caracterizado como um estudo
dissertativo, disposto a fazer uso do método analítico, com a interpretação de dados para
reconstruir e redefinir a temática em estudo. A questão é desvendar o quanto a violência com a
qual se convive nesses dias deriva da ruína de relacionamentos familiares sólidos e fraternos,
sobretudo no respeito da dignidade humana de crianças e mulheres.
PALAVRAS CHAVE: Família. Estado. Criminalidade.
INTRODUÇÃO:
Estamos vivendo momentos novos com o processo de globalização e na chamada
agora pós modernidade. Vivemos em tempo de uma sociedade de controle, cuja índole do
Estado é transformar-se em regulador das condutas individuais.
De fato, tudo tende a se transformar, com incrível rapidez e grande profundidade. De
modo que, se antes entendíamos o espaço familiar tradicional (pai, mãe e filhos) como
fundamental para a constituição da sociedade, nesses dias, vivemos a busca incessante por
novos laços familiares substitutivos, com arranjos familiares não tradicionais e mais vulneráveis
as ações corrosivas de uma ética intimista e individualista atuais.
É por isso, que os mais variados atos de violência explodem na sociedade, hoje, em
especial, de forma inimaginável.
A pergunta que se faz e que se busca resposta: é se isso não tem alguma relação, ou
seja, o desaparecimento das relações familiares estáveis, da família monogâmica tradicional.
Neste contexto, a violência pode ser entendida como um processo de ruptura da vida social?
A analise do presente trabalho, aprofundando conhecimentos já desenvolvidos, parte
da sociologia para o direito positivado. A grande meta é construir uma chave de leitura nova,
para
futuras
pesquisas
conjugando
estas
duas
áreas
do
conhecimento
humano,
potencializando o mais adequado tratamento da violência em nosso meio.
Da multiplicidade do fenômeno “violência”, escolheu-se tratar peculiarmente daquela
que envolve a criança e a mulher, duas vidas especialmente expostas em nosso tempo ao
descarte, melhor dizendo, a conveniência da relativização do direito à vida e da dignidade
humana.
DESENVOLVIMENTO
1
Especialista em Sociologia, professor do curso de Direito, Contabilidade, Administração da UNIOESTE
em Foz do Iguaçu, membro do Grupo de Estudos sobre Criminalidade.
2
Mestre em Teoria Geral do Estado, professora do curso de Direito e Administração da UNIOESTE em
Foz do Iguaçu, membro do Grupo de Estudos sobre Criminalidade.
Com a sociedade burguesa vivemos a afirmação da família monogâmica tradicional,
composta pelos pais, filhos de forma única e com durabilidade do tempo de vida dos cônjuges.
Para Lévi-Strauss, o grupo familiar tem sua origem no casamento. Compreende o
núcleo constituído pelo marido, pela mulher e pelos filhos nascidos de sua união, assim como,
eventualmente, por “outros parentes” aglutinados a esse núcleo. O vínculo familiar é um
vínculo legal, que gera obrigações econômicas, religiosas e outras, sobretudo “em forma de
direitos e proibições sexuais”. Enfim, o vínculo familiar é inseparável “de sentimentos
psicológicos, como o amor, a afeição, o respeito, o medo, etc” (BOUDON R. & BOURRICAUD
F. 1982).
Essa definição de Lévi-Strauss abarca dois aspectos absolutamente fundamentais:
1)
A família enquanto uma unidade legal, isto é, sancionada pela lei na
sociedade moderna; e,
2)
A família enquanto um grupo afetivo, de amor, relacionamento, base
essencial para a sua existência.
Porém, a família é também um grupo econômico básico, pois cabe a ela prover a
sobrevivência desse grupo exige a geração de riqueza.
Assim, a família moderna está assentada no direito de propriedade, base fundamental
da sociedade capitalista. E, igualmente, na acumulação de capital passada, por herança, de
geração a geração.
A família monogâmica tradicional, para a análise desse texto, é importante, sobretudo,
como um foco essencial e insubstituível de criação de relacionamentos. E, exatamente por esta
razão, fundamental para nossa sociedade.
O afeto, o sentimento, o respeito ao outro e a solidariedade entre os membros do grupo
familiar, são espaços primeiros e privilegiados para que a pessoa se desenvolva em sua
integralidade, para introjetar os princípios essenciais para a vida em sociedade.
Para que possamos respeitar e obedecer o magistrado civil,
devemos primeiro aprender a respeitar e a obedecer nossos pais.
Pelo fato de a família ter provado ser o arranjo social mais eficaz
para transformar crianças irresponsáveis em adultos responsáveis,
ela é nossa instituição mais duradoura e mais importante. Não é por
acaso que a hostilidade à família é o distintivo oficial dos promotores
da dependência à autoridade. O jacobino, o comunista, o
psicanalista, o lainguiano e a feminista – cada um a sua maneira –
são duros críticos da família, com a justificativa de que, à guisa de
promover o desenvolvimento pessoal, em geral essa instituição
social o impede. Smith era tão sensível quanto à importância da
família que deplorava que as pessoas tivessem muitos filhos, pois
“onde há muitas crianças, elas não podem todas ter o afeto dos pais
e somente dessa forma é que elas podem se afirmar”. (SZASZ,
1994: p.192)
De fato, a família é o arranjo social mais eficiente para transformação do ser humano,
como bem ressalta SZASZ ela é nossa instituição mais duradoura e a mais importante, em
especial porque, na verdade, não nascemos sabendo viver em sociedade, é necessário,
portanto, um aprendizado indispensável e insubstituível que se realiza na família.
Dito de outro modo, ao nascermos, sem raciocínio e nem um lar, temos que nos
esforçar e nos alegrar se conseguirmos edificar um lar seguro e uma mente sã (SZASZ, 1994).
Construir um lar é ser pessoa capaz de desejar e de providenciar com alguém estabelecer em
bases de mutualidade o convívio diário, com bases na solidariedade e na cooperação uma
existência digna.
Não são nas instituições, sejam lá quais forem, que internalizamos valores
fundamentais, aprendemos a lidar com nossos limites e adquirimos responsabilidades.
É na família que aprendemos a conviver, a manter relações sociais, a interagir com os
outros, enfim a viver na sociedade e em sociedade. E neste aspecto, uma instituição não é,
nem pode ser um lar verdadeiro, em especial por não conseguir suprir nossas necessidades.
Uma casa não é um lar, como bem afirma SZASZ (1994: p. 142):
As várias nuanças de significado, que diferenciam os termos lar e
casa, ilustram a natureza curiosamente pessoal do primeiro conceito.
Um lar é onde o coração se encontra. Não é um mero alojamento,
mas o locus do afeto, especificadamente afeto familiar. Lar (home) é
um termo que implica em apego, com a pátria (homeland) e
saudades de casa ou do país (homesickness). Ao contrário, uma
casa é meramente um recinto, um lugar onde ficar. O termo casa
implica em algo impessoal e formal, como casa de prostituição, casa
de doentes mentais, casa dos pobres, casa correcional, palácio da
justiça (courthouse) e Casa Branca.
Antes da Revolução Industrial, a casa da família era a unidade social
básica de produção econômica, consumo, socialização, sustento
moral e ajuda mútua. A palavra economia vem do grego, oikos, que
significa casa ou lar – e nomos, administrador; e a palavra nostalgia
vem do grego, nostos algos, que significa o desejo torturante de
voltar para casa. Ao reconhecer a saudade de casa como uma
doença metafórica que indica o papel vital do lar em nossas vidas,
não estamos nos referindo a uma doença real.
Ainda nesse esteio, pode-se analisar a palavra alemã obdachlos que evidencia que se
pode dar a uma pessoa um teto obdach, mas não um sentimento familiar, ou seja, um heim.
Logo, a pessoa a quem se dá um teto é um ser sem-família (home-less).(SZASZ: 1994: p. 143)
A família inculca valores, procedimentos e as regras sociais, de sorte que passamos a
carregar tudo isso, para o resto de nossas vidas. O certo ou o errado é apresentado, pela
primeira vez, pela família, sendo os pais modelos de vida em sociedade para os filhos.
Isso é que gera um clima saudável de confiança mútua e segurança, na medida em
que os pais, enquanto modelos de vida, passam aos filhos tudo aquilo que eles devem fazer e,
mais do que isso serem na vida. É nesse sentido que os pais desejam o que há de melhor para
os filhos na sociedade, provendo que eles estudem para conseguirem posições confortáveis na
sociedade.
Essa marca familiar a teremos, vida afora até a morte. Isso é devido que a família é o
único grupo social que não pedimos para entrar e, por outro lado, jamais conseguimos sair
dela.
Ocorre que mudanças econômicas e sociais, após a Segunda Guerra Mundial,
aceleraram a desintegração da família. Por primeiro, as famílias extensas tornaram-se projetos
inviáveis, pois a criação dos filhos foi se tornando mais e mais exigente. Ato contínuo, o próprio
núcleo familiar começou a se desintegrar, crianças passaram a serem criadas por mães
solteiras, que necessitaram trabalhar fora, essas mulheres sozinhas passaram a criar seus
filhos contando com sua própria força de trabalho e com a assistência do Estado.
Estas crianças, criadas sem adequada supervisão adulta, são resultado da falência do
compromisso de assistência familiar. Como adverte o demógrafo Peter Morrison, se nos
livrarmos dela por completo, teremos uma empresa e não mais uma família.
Desguarnecidos do compromisso de assistência familiar, crianças e mulheres na
modernidade foram submetidos a uma condição universal peculiar na humanidade, pois: a
produção e o consumo, que estão quase totalmente sintetizados na relação dinheiro/mercado;
coisificou a pessoa hipossuficiente, gerando sua mercantilização, comercialização de sua
pessoa e imagem, vinculadas a monetarização dos modos de subsistência humanos. Essas
pessoas são espécies do refugo humano.
A globalização piora e acelera a produção desse refugo humano. Assim, a expansão
global é expressão do tipo “terra de fronteira” no “espaço de fluxos” planetário, para a qual se
tem transferido grande parte da capacidade de poder que se alojava nos Estados soberanos.
Nesses dias, a indústria que mais cresce é a da “segurança” e esta, por sua vez, tem como
especial missão nos livrar dos seres indesejados, fator fundamental no problema da remoção
do lixo humano. É nesse ambiente da vida contemporânea, que se gera um refugo sui generis:
relacionamentos humanos natimortos, inválidos ou inviáveis, nascidos com a marca do lixo
(BAUMAN, 2005).
Não se pode esquecer, que do ponto de vista econômico, a vitimologia é um “grande”
negócio. Cuidar do desamparado, ou manter contido para além do convívio social os seres
humanos indesejados, ou refugados, dá emprego a uma lista imensa de profissionais da
saúde, do direito e do Estado. Na verdade, não existe real interesse em “acabar” com sua
existência, como afirma SZASZ:
A vitimologia é um grande negócio. Cuidar do pobre, do
desamparado, do fisicamente doente, do doente mental, do
drogadito, da criança vítima de abuso sexual, da esposa espancada,
e assim por diante, dá emprego aos profissionais da saúde mental,
médicos, advogados, juízes, aos executores da lei e aos jornalistas,
praticamente todos os que têm grande interesse em elevar o número
de pessoas consideradas vítimas de um ou outro de nossos
modismos em matéria de loucura coletiva. Em 1988, o âncora da
NBC, Tom Brokaw, afirmava que “65 milhões de crianças
americanas vivem na pobreza”. Sessenta e cinco milhões era, então,
o número de crianças nos Estados Unidos. (1994: p. 147)
Sem a proteção familiar a delinqüência e a violência tendem a se generalizar, como
estágio mais avançado e odioso da incapacidade imputada a um menor mal comportado. O
indivíduo que não quer ou não pode ser um produtor acaba por tornar-se ou um dependente ou
um predador.
Tudo aquilo que desencoraje ou impeça relações de mercado pacífico entre adultos
produtivos – fatores biológicos, culturais, econômicos ou políticos – acaba, por outro lado,
encorajando ou a dependência ou a predação, ou ainda, num só golpe a ambas.
Ser dependente ou predador exigem do ser humano um processo de adaptação, no
qual tanto o parasitismo e o crime acabam por responderem pelos padrões de comportamento
de tempos de revolta social e entre membros destituídos de vínculos familiares sólidos.
Neste sentido, é bastante lamentável que se delegue ao Estado o cuidado de
indivíduos que não tem apoio da família. É por assim dizer, ampliar deliberadamente o “Estado
Terapêutico”, fazendo-lhe acrescentar novas categorias de reclamantes de seus serviços, tais
como adolescentes sexualmente ativas (que podem engravidar ou contrair Aids), ou adultos
bem empregados (que usam drogas e praticam jogos legais e ilegais). Esses indivíduos nem
precisam nem merecem os serviços do Estado, por exemplo, no sentido em que uma criança
órfã ou um idoso carente precisam e merecem (SZASZ, 1994).
Outra poderosa pilastra que manteve o grupo familiar tradicional é o pensamento
religioso, como fonte de vivência do sagrado, no âmbito restrito do lar. Havia toda uma ligação
entre a família e a religião que sustentava determinadas práticas sociais possibilitadoras do
bom viver em sociedade.
Era, pois, no espaço familiar que a pessoa tinha relações sociais e estas se
permeavam com aspectos do sagrado. Tais vínculos permitiram a humanidade desenvolver
laços mais duradouros da convivência familiar, inibindo, quando não proibindo, mesmo
relações amorosas fora da família ou do casamento.
Bom lembrar que o divórcio, ou outras relações familiares é coisa relativamente recente
na sociedade. A proibição de novos casamentos, novas famílias era indesejada, sendo
qualquer relacionamento, que não fosse familiar, execrado pela sociedade. As pessoas eram
mal vistas simplesmente por romperem os laços familiares mesmo se novos laços não fossem
efetivados.
Evidente que existiam laços amorosos fora da família, mas devidamente escondidos do
público, entendidos como atos proibidos pela sociedade. A figura de uma segunda mulher era
sempre entendida como uma amante e, nesse sentido, sem qualquer direito estabelecido em
lei.
Para tanto basta pensar na condição legal dos filhos nascidos fora do casamento, a
condição de sua paternidade, sendo assim, essas crianças marginalizadas na sociedade,
desde os primeiros anos de vida.
A superação dessa sociedade rigidamente organizada gera grande parte dos males da
modernidade. Da imaturidade emocional, a incapacidade de coexistência humana e a
manipulação da dignidade alheia como coisa a ser apropriada, aproveitada e, de modo até
predatório, destruído se indesejado.
A partir do momento que a família deixou de ser o centro social para a pessoa, sua
retirada da base social foi acompanhada pelo comportamento predatório e violento, cuja
deficiência tende a ser suprida pelo desenvolvimento de instituições cuja missão é reproduzir
artificialmente os laços familiares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É, portanto, a família que atende a duas necessidades essenciais para a vida em
sociedade. A primeira diz respeito às questões éticas, ou seja, os valores que aceitamos para
vivermos em sociedade, de forma a melhor possível. A segunda é a questão da moral, quer
dizer os costumes que aceitamos, sejam eles impostos pela sociedade ou aceitos livremente,
baseados em princípios éticos, mas que tem por finalidade podermos conviver com os outros,
da melhor maneira possível.
A família exerce um papel essencial na sociedade, podendo mesmo ser imprescindível.
Não existe qualquer outra instituição, grupo social que possa, com eficácia substituir o grupo
familiar, no sentido de preparar as pessoas para a melhor convivência possível na sociedade.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2005.
BOURDIEU, Pierre. A Miséria do Mundo. Editora Vozes: Petrópolis, 1997.
BOUDON R & BOUURICAUD F. Dicionário Crítico de Sociologia. Tradução: Maria Letícia
Guedes Alcoforado e Durval Ártico. São Paulo: Editora Ática, 1993
MIR, Luís. Guerra Civil Estado e Trauma. Geração Editorial: São Paulo, 2004.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede. Editora Paz e Terra: São Paulo, 1999.
______. O Poder da Identidade. Editora Paz e Terra: São Paulo, 1999.
DE MASI, Domenico. A Sociedade Pós Industrial. Editora Senac: São Paulo, 2000.
GIDDENS, Antony. O Estado-Nação e a Violência. EDUSP: São Paulo, 2001.
SZASZ, Thomas. Cruel compaixão. Tradução: Ana Rita P Moraes. Campinas, SP: Papirus,
1994.
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