SEMINÁRIO MARIA DA GLÓRIA GOHN MOVIMENTOS SOCIAIS NO INÍCIO DO SÉCULO XXI Antigos e novos atores sociais UNB, 7 de novembro de 2007 Departamento de Serviço Social Matéria: Movimentos Sociais, Poder Político e Cidadania Professora: Nair Bicalho Aluna: Juliana Castro Jesuino da Silva Movimentos sociais na atualidade: manifestações e categorias analíticas Conceito de MS, segundo Gohn: “ações coletivas de caráter socio-político e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas demandas” (pag. 13). Movimentos sociais conservadores: construídos com base em ideologias não democráticas, que podem levar ao terrorismo e negam a ordem social vigente. Movimentos sociais progressistas: agenda emancipatória, diagnóstico da realidade social, constroem propostas, atuam em redes, articulam ações coletivas que lutam pela inclusão social, desenvolvem o empowerment de atores da sociedade civil organizada. Quatro pontos marcantes dos novos movimentos sociais 1. Lutas de defesa das culturas locais, contra os efeitos devastadores da globalização 2. Ética na política e vigilância sobre a atuação estatal 3. Atenção a áreas do cotidiano de difícil penetração (sexo, crenças, valores etc) 4. Novo entendimento sobre autonomia (ter projetos para os grupos com autodeterminação, ter crítica, ser flexível, universalizar demandas particulares e priorizar a cidadania) Participação Cidadã A Participação Cidadã é o conceito básico que dá fundamento às ações do novo associativismo, que é mais propositivo, operativo e menos reivindicativo. “A Participação Cidadã é lastreada num conceito amplo de cidadania, que não se restringe ao direito ao voto, mas constrói o direito à vida do ser humano como um todo. Por detrás dele há um outro conceito, de cultura cidadã, fundado em valores éticos universais, impessoais. A Participação Cidadã funda-se também numa concepção democrática radical que objetiva fortalecer a sociedade civil no sentido de construir ou apontar caminhos para uma nova realidade social – sem desigualdades, exclusões de qualquer natureza. Busca-se a igualdade, mas reconhece-se a diversidade cultural. Há um novo projeto emancipatório e civilizatório por detrás dessa concepção que tem como horizonte a construção de uma sociedade democrática e sem injustiças sociais” (pag. 18). A partir de 90, importantes movimentos sociais FÓRUNS - encontros nacionais de larga escala, diagnosticando problemas sociais, definindo metas e estratégias para solucioná-los Ex.: Fóruns Nacionais de Luta pela Moradia; pela Reforma Agrária etc Parceria entre a sociedade civil organizada e o poder público Ex.: Orçamento Participativo Contraposição ao neoliberalismo Ex.: Ação da Cidadania contra a Fome; contra a privatização de empresas públicas Manifestações contra a violência urbana Ex.: Manifestações pela paz Movimentos de mulheres; de homossexuais; de afro-brasileiros; indígenas; funcionários públicos (educação e saúde); e ecologistas. Gohn pergunta: E os movimentos populares propriamente ditos, aqueles que nos anos 70/80 foram tão importantes, estimulados pela Teologia da Libertação? O que houve com eles? Mudaram de perfil? Desapareceram?” (pag. 23) Ela responde: Não! Eles se unificaram pelas carências socioeconômicas e se diversificaram devido as suas temáticas e demandas. Os movimentos populares criaram, ampliaram e fortaleceram a construção de redes sociais. Eles perderam visibilidade, pois saíram do campo reivindicatório para o operativo. Principais movimentos populares: pela moradia; de saúde; pelos transportes; pelas creches, pela educação; ambientalistas etc. Dez eixos temáticos das lutas e demandas dos movimentos sociais no início deste milênio 1. 2. 3. 4. 5. Habitabilidade nas cidades (articulação de redes e “Estatuto da Cidade”; movimento dos “sem-teto”; contra a violência urbana) Mobilização e organização popular para participação na estrutura política-administrativa da cidade (Orçamento Participativo e Conselhos Gestores) Mobilizações e movimentos de recuperação de estruturas ambientais, de equipamentos urbanos (praças, parques, áreas de lazer, saúde, esportes) Mobilizações e movimentos contra o desemprego Movimentos de solidariedade e apoio a programas com meninos e meninas nas ruas, usuários de drogas, portadores de HIV etc Dez eixos temáticos das lutas e demandas dos movimentos sociais no início deste milênio 6. 7. 8. 9. 10. Mobilizações e movimentos dos sem-terra e suas redes de articulações com as cidades (desempregados, moradores de rua) Movimentos étnico-raciais (índios e negros) Movimentos que envolvem questões de gênero (mulheres e homossexuais) Movimentos rurais pela terra, reforma agrária e acesso ao crédito para assentamentos rurais Movimentos contra as políticas neoliberais e os efeitos globalização Movimentos sociais antiglobalização: de Seattle/1998 a NY/2002 “O movimento antiglobalização nega a forma como a ordem capitalista instituída vigente se reproduz e não a ordem em si. Ele é movido para a busca de soluções alternativas aos problemas sociais e a própria preservação da vida no planeta, e não para a sua destruição. Suas ações são movidas pela solidariedade e não pelo ódio” (pag. 33). Seattle/1998: projeção do movimento via mídia NY/2002: pós 11/9, quando o movimento tornou-se propositivo e de luta pela paz no mundo Gohn afirma que o “movimento tem elaborado uma nova gramática no repertório das demandas e dos conflitos sociais” (pag. 34), criando um novo ator sociopolítico de caráter mundial e com o desfio de atuar frente aos choques entre as diferentes culturas e a ampliação dos conflitos étnicos. Kofi Annan, Alain Touraine, Michael Albert, Naomi Klein Kofi Annan, ao final do FEM (NY/2002), propôs “estabelecer uma ponte entre o FSM e o FEM” (pag. 45), reconhecendo os efeitos devastadores da globalização neoliberal Alain Touraine comparou os dois fóruns, mostrando o reconhecimento da vulnerabilidade da ordem da qual os EUA são o poder central e a premência de repensar e transformar a ordem social, pos a miséria, a destruição das culturas e o enfraquecimento dos governos podem resultar numa catástrofe ( “O eixo da inquietude”) Michael Albert (analista e militante) declara a importância de atrair militantes, formular objetivos a longo prazo, unificar programas e diversificar a atuação, não ter como eixo as manifestações Naomi Klein, aponta desafios: vincular a iniquidade econômica à segurança; priorizar alternativas socioeconômicas que apontem as raízes e os sintomas. Significados dos movimentos antiglobalização São um campo de força sociopolítica e suas ações geram mudanças sociais diversas Criticam à “cultura do lucro” Demonstram que as lutas sociais em muitos países são fontes de pressão por mudanças no modelo de nossa civilização Unem as lutas que tem como base valores da moral e da cultura às causas decorrentes da estrutura econômica globalizante Tornam os conflitos sociais universais e retomam as antigas polaridades: ricos e pobres, dominantes e dominados “a identidade coletiva se forma a partir da aglutinação de denominadores comuns existentes nas identidades singulares de seus membros” (pag. 49) Unem num campo de ação comum grupos políticos e tribos culturais que antes não dialogavam. OSCAR WILDE, The Soul of Man under Socialism: 1891 “A miséria e a pobreza são de tal modo degradantes e exercem um efeito tão paralisante sobre a natureza humana que nenhuma classe consegue realmente ter consciência de seu próprio sofrimento. É preciso que outras pessoas venham apontá-lo e mesmo assim muitas vezes não acreditam nela. [...]É por isso que os agitadores são necessários. Sem eles, em nosso estado imperfeito, a civilização não avançaria”. I e II FÓRUM SOCIAL MUNDIAL Porto Alegre - 2001 e 2002 Gohn ressalta que o FSM se caracteriza por ser uma rede (social global de cidadãos) de redes (ONGs, sindicatos, movimentos sociais etc) e que “fortaleceu a rede de um outro tipo de globalização:a sociocultural, tecida por valores universais como a solidariedade e a justiça social e pela troca de experiências culturais nacionais gerando novas articulações no plano da cultura, de caráter transnacional” (pag. 55) O FSM não se caracteriza por ser um evento acadêmico,apesar de ter um eixo de análise da conjuntura e apresentação de experiências alternativas. Ele mobiliza e dá espaço para protestos, como também é propositivo e permite o debate de idéias Mote: “Um outro mundo é possível” A cobertura da mídia é fonte de debates. I FÓRUM SOCIAL MUNDIAL Megaevento internacional como contraponto ao FEM (Davos), foi organizado por 8 entidades. 20 mil participantes 122 países presentes (maioria do Terceiro Mundo) 4 mil delegados representaram 800 organizações sociais 400 oficinas apresentaram experiências inovadoras no campo social; 1700 jornalistas cobriram o evento Priorizou o social e não o econômico. O tema principal foi a desigualdade nas relações comerciais existentes nas relações entre os países, a partir da globalização Reconstrução de alguns eixos teóricos de lutas, a construção de novas utopias e o surgimento de um sujeito coletivo (pluralidade de atores sociais diferentes com caráter político e transnacional) Perfil de 42/184 Entidades Brasileiras no I FSM Atores 12 movimentos 11 ONGs 18 sindicatos Áreas de Atuação Direitos Humanos (2) Mulheres (3) Associações de Moradores (2) Conselhos Populares (3) Trabalhadores Rurais (1) Central de Movimentos Populares(1) Jovens (3) Mulheres (3) Ambientalistas (2) Direitos Humanos (1) Cultura (1) Centros de Estudos (1) Central Sindical (3) Associação Profissional (2) Sindicatos – categorias profissionais (13) II FÓRUM SOCIAL MUNDIAL O segundo FMS reuniu 51.300 participantes 131 países presentes Maiores delegações: Brasil (6503), Itália (694), França (533) e EUA (367) 27 conferências divididas em quatro blocos: Produção de riqueza Acesso às riquezas Afirmação da sociedade civil Poder político e ética 800 seminários e oficinas e 27 conferências Perfil das Entidades Participantes das Conferências do II FSM/2002 ATORES 35 MOVIMENTOS 83 ONGs ÁREA DE ATUAÇÃO Direitos Humanos (6) Mulheres (6) Associações de Moradia (3) Ambientalistas (3) Trabalhadores Rurais (2) Descendentes Afros (2) Indígenas (5) Religiosos (1) Opção Sexual (1) Antiglobalização (3) Democracia Participativa (3) Jovens (1) Imigrantes (4) Ambientalistas (11) Comércio e Dívida Externa (36) Educação (6) Saúde (6) Produção cultural (2) Observatório Internacional (5) Redes Solidárias (4) Mídia (5) Alimentação (2) Povos Indígenas (1) 16 CENTROS DE ESTUDOS Universitários (13) e Independentes (3) 5 SINDICATOS Centrais Sindicais (3) e Sindicatos (2) Avaliações e alguns resultados gerados pelos grupos participantes do II FSM Resoluções do Seminário Mundial pelo Direito à Cidade – Contra a Desigualdade e a Discriminação: Elaborar uma CARTA MUNDIAL DOS DIREITOS HUMANOS NA CIDADE, através de um processo amplo e democrático de debates. Balanço e perspectivas das políticas sociais no cenário mundial atual (garantia dos direitos universais e de uma cidadania global): Articulação e fortalecimento das lutas mundiais pela paz; Construção de um projeto ético-político mundial, que coloque a economia a serviço da vida; “Implementação de políticas sociais públicas que sejam asseguradas universalmente como direito do cidadão, redistribuindo a riqueza socialmente produzida [...]” (pag. 80). Algumas comparações entre os dois FÓRUNS A mídia brasileira no primeiro Fórum não deu muito destaque ao evento e somente a partir do debate de George Soros (FEM) com representantes do FSM passou a comentar sobre o mesmo. A mídia não apenas não entendeu o alcance político do I Fórum, como tentou descaracterizá-lo. No segundo Fórum a mídia cobrou propostas concretas. O clima pós 11 de setembro, levou os organizadores do II Fórum a dar um enfoque mais propositivo em contraponto aos debates fragmentados do ano anterior. A mídia, nos dois eventos, associou o evento como uma manifestação da oposição. Em 2002 destacou dois pontos: o diferente e o inusitado, de forma depreciativa. Touraine e Emir Sader sobre o II FSM Jornal Folha de São Paulo Touraine avaliou que o Fórum perdeu espaço na mídia, pois o FEM/NY trouxe temas sociais para o debate e acrescentou: “Talvez porque o Fórum de Porto Alegre, por sua própria natureza, tenha sido um lugar mais de protesto do que de apresentação de propostas, mas também – embora isso seja um aspecto secundário – porque tenha sido utilizado por políticos ou políticas de diversos países” (pag. 83). Emir Sader analisou que o Fórum deverá elaborar propostas alternativas (democratização do Estado, socialização da política e do poder) e “para enfrentar esse desafio, temos que ser capazes de convocar o que de melhor o movimento de resistência à globalização neoliberal produziu, o que o pensamento crítico e os movimentos sociais e políticos geraram,para permitir que o projeto de globalização alternativa possa se nutrir da força intelectual, moral e histórica que permita construir um mundo pós-neoliberal do humanismo no novo século” (pag. 84). “Entre POA e NY: mal-entendidos e um grito de guerra” Contardo Calligaris Gohn pontua que a pesar do II FSM ter sido menos fragmentado que o primeiro, o pluralismo evindenciou as contradições das organizações e dos movimentos. Ela avalia que Calligaris nesta crônica na Folha de São Paulo “captou com bastante acuidade essas contradições” (pag. 85),ao dizer: “A sociedade ideal para a nova esquerda seria, provavelmente, um mundo de artesãos independentes e de pequenos proprietários rurais, livres e alérgicos a qualquer forma de poder central. É um sonho distante do gosto da esquerda tradicional por Estado e partido” (pag. 85). Carta de JOSÈ SARAMAGO, ao final do II FSM “Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até a consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro,se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde,promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder econômico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou falando com menos retórica , dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se engana. E assim é que estamos vivendo” (pag. 88).