Avaliação do uso do Ibuprofeno oral em Recémnascidos prematuros com Persistência do Canal Arterial. FERNANDA MIRANDA DE OLIVEIRA R-3 Neonatologia Brasília,DF Outubro/2008 www.paulomargotto.com.br 31/10/2008 Avaliação do uso do Ibuprofeno oral em recémnascidos prematuros com Persistência do Canal Arterial. Monografia de conclusão do Programa de Residência médica em Neonatologia da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, como requisito parcial para obtenção do título de especialista. Orientadora: Dr ª. Alessandra Moreira. 1.Introdução Circulação Fetal A placenta é o órgão de troca gasosa na vida fetal. Pulmões cheio de líquido e em regime de hipertensão. Ele recebe apenas 10% do débito do VD. 90% desvia dos pulmões não expandidos, fluindo diretamente para a aorta através do canal arterial Placenta Átrio direito Circulação hepática Forame oval Ventrículo direito Artéria Pulmonar Átrio esquerdo Ventrículo esquerdo Canal arterial Artéria Aorta Corpo Artérias umbilicais Placent Introdução Circulação Fetal Com o nascimento elimina-se a circulação placentária com conseqüente ↑ resistência vascular periférica, da pressão arterial sistêmica e ↓ resistência vascular pulmonar. Fechamento funcional do FO e Canal Arterial Fechamento do Canal Arterial O fechamento do canal arterial ocorre em duas etapas: Constrição funcional após o nascimento (RNT : 1215 horas) Fechamento anatômico (RNT: 5-7 dias) Até que haja fechamento anatômico, a re-abertura é possível Fechamento do Canal Arterial A fase de constrição funcional é responsiva a estímulos bioquímicos e metabólicos: Oxigênio Prostaglandinas Oxigênio: principal fator para fechamento do canal contração da musculatura lisa do ducto. síntese de Endotelina-1 (potente vasoconstrictor do ducto arterial) Fechamento do Canal Arterial Principais teorias para o fechamento normal e espontâneo do canal arterial: Resposta contrátil da musculatura lisa do ducto ao aumento das tensões de oxigênio. ↓ nos níveis de prostaglandinas, tanto por redução da síntese como por catabolismo aumentado. Redução da sensibilidade do ducto às prostaglandinas. Persistência do Canal Arterial e Prematuridade Cerca de 40% PT < de 2000g e 80% < de 1200g ao nascer terão PCA. (Yussef, 2006) Freqüência PCA é maior qnto ↑ imaturo for o recém-nascido. (Mattos, 1997) O canal do prematuro é pouco responsivo aos efeitos vasoconstrictores do oxigênio, além de terem uma síntese ↑ de Prostaglandinas. Persistência do Canal Arterial Quando o fechamento não ocorre: ▪ Desvio ED através do canal, ↑ fluxo pulmonar em detrimento da perfusão sistêmica. Pode provocar sobrecarga VE, disfunção miocárdica e ICC. Além da alt. cardiológicas os RNPT terão maior risco de HIV/PV (devido alteração no FSC), ECN, necrose de músculos papilares, IRA e DBP. (Margotto 2008, Prysa 2006) Incidência de DBP 3-4X ↑ em PCA. (Margotto, 1997) Persistência do Canal Arterial Diagnóstico Clínico e de Imagem Terapêutica: 1) Administração de Indometacina, associado à restrição de fluídos e diuréticos. 2) Ligadura cirúrgica Indometacina A Indometacina droga de escolha Entretanto, efeitos colaterais limitam sua utilização. Pode estar relacionada à redução de fluxo sanguíneo renal, mesentérico e cerebral (Yussef 2006, Bel 1990). O Ibuprofeno, outro inibidor da síntese de Prostaglandinas, usado atualmente como uma alternativa ao tratamento. (Margotto 2008, Overmeire 1997) Estudos têm demonstrado que o Ibuprofeno EV, é tão eficaz quanto à Indometacina e está associado à menor incidência de efeitos colaterais. (Ohlsson, 2008) Ibuprofeno atua sem afetar o FSC, a hemodinâmica intestinal e renal. Diversos trabalhos já foram publicados a respeito do uso da Indometacina e do Ibuprofeno EV no fechamento do CA. Literatura é escassa quando se refere ao Ibuprofeno oral. O objetivo do presente estudo é descrever uma série de prematuros com PCA tratados com Ibuprofeno oral e apresentar os resultados obtidos. 2.Materiais e Métodos Estudo prospectivo e observacional de RNPT c/ PCA internados na UTIN/HRAS, no período de maio a agosto de 2008. Realizado com aprovação do CEP e após consentimento livre e esclarecidos dos pais e ou responsáveis. Foram incluídos no estudo: RN IG ≤ 32 sem e PN ≤ 2000g; com suspeita clínica-radiológica de PCA. Suspeita clínica confirmada por ECO-bidimensional c/ doppler. Critérios de exclusão: ( 1 destes critérios foi suficiente para a exclusão) - Grandes anomalias cardíacas, - Sangramentos ativos, - Plaquetas < 60.000, - Uréia > 60 mg% e creatinina > 1,8 mg/dl, - Oligúria < 1ml/kg/h, - Hiperbilirrubinemia com nível exsanguineotransfusão. Os pacientes receberam ibuprofeno oral na apresentação de 100mg/5ml através SOG, no momento do diagnóstico. Prescrito 1 dose de ataque de 10mg/kg, seguida por 2 doses de manutenção de 5 mg/kg com intervalo 24 h, caracterizando um ciclo. Em caso de insucesso um 2º ou 3º ciclo foi realizado sempre com intervalo 5 dias. Qualquer alteração no esquema das doses, ciclos e ou intervalo foi critério de exclusão. Ecocardiograma foi realizado em todos os bebês antes e após cada ciclo. A ausência do exame foi critério de exclusão. Todos tiveram oferta hídrica reduzida, iniciando com 80 ml/kg/dia chegando ao máximo de 120 ml/kg/dia. A oferta hídrica também foi critério de exclusão. O uso de furosemide e/ou drogas vasoativas foi condicionado a cada caso. Função renal, nível de plaquetas e bilirrubinas foram avaliados. 3. Resultados 68 PT com IG ≤ 32 semanas e PN ≤ 2000g internados no período do estudo na UTIN/HRAS. Destes, 31 RN (46%) desenvolveram PCA. Sendo 20 pacientes (64,5%) incluídos no trabalho e 11 (35,5%) excluídos seguindo os critérios de exclusão. (Gráfico-1) Gráfico 1 - Porcentagem de PCA nos RNPT internados na UTIN/HRAS no período de maio a agosto de 2008. 46% 54% PCA SEM PCA Gráfico 2 – Prevalência de Persistência de Canal Arterial entre os sexos. 40% masculino feminino 60% IG PT que fizeram parte do trabalho (n=20) variou de 26-32 sem. (31 ± 2,17) e o PN variou de 735 a 1855g (1192,5 ± 340,74g). O diagnóstico foi realizado entre três e 18 dias de vida, em média com 6,5 dias. Resultados: 16 bebês (80%) fecharam o canal com Ibuprofeno oral e 4 (20%) não fecharam. (Gráfico-3) Gráfico 3 - Fechamento do canal arterial com o Ibuprofeno oral. 20% FECHARAM APÓS IBUPROFENO ORAL NÃO FECHARAM APÓS IBUPROFENO ORAL 80% 16 bebês que fecharam, 12 deles (75%) receberam somente um ciclo de ibuprofeno, 2 (12,5%) dois ciclos e, outros 2 (12,5%) houve necessidade do 3º ciclo. Todos os bebês (n=12) que iniciaram o tratamento com menos de 10 dias de vida tiveram sucesso no tratamento. (Tabela -1). Em média os que fecharam o canal tinham 4,5 dias de vida quando iniciaram o tratamento. Tabela 1 – Resposta ao uso de Ibuprofeno oral de acordo com o peso ao nascimento e idade em dias em que foi instituído o tratamento (n=20). Idade PósNatal Ciclos 1 2 3 Não Fechou <1000g 1000 -1500 1500 -2000 < 10 dias > 10 dia < 10 dias > 10 dia < 10 dias 3 RN - 5 RN - 4 RN - - - - 1 RN - 1 RN - 1 RN - 1 RN - - - 3 RN *1RN > 10 dia Gráfico 4 – Resposta ao Ibuprofeno oral x Idade Gestacional 12 10 8 6 4 2 > 30 sem < 30sem 0 1 ciclo 2 ciclos 3 ciclos N Fech Gráfico 5 – Resposta ao Ibuprofeno oral x Peso de nascimento 12 10 8 6 4 1500-2000g 2 1000-1500g 0 1 ciclo 2 ciclo 3 ciclo N Fech < 1000g 4 RN (20%) não obtiveram sucesso com o uso do Ibuprofeno oral: A média de inicio de tratamento neste grupo (n=4) foi de 14,5 dias. Nenhum neonato desenvolveu oligoanúria ou piora da função renal pelo uso da medicação. Não foram encontradas ECN, perfuração intestinal ou hipertensão pulmonar após a administração do Ibuprofeno enteral. Apenas 1 RN apresentou hemorragia gástrica após o uso do ibuprofeno. Taxa de sucesso no fechamento do canal com Ibuprofeno oral foi de 80%. Taxa de sobrevivência de 85 %. Tempo médio de internação dos RN (n=20) na UTIN foi de 60 dias (intervalo de 12 - 108 dias). 4. Discussão A incidência de PCA RNT fica em torno de 5-10% e PT é bem variável 10-80%. Desde 1970, a Indometacina é usada no tratamento farmacológico de PCA. A indometacina, um AINH, age como um inibidor da síntese de Prostaglandinas por bloqueio das enzimas ciclo-oxigenase 1 e 2. É mais eficiente quando administrada nos primeiros dias de vida e sua eficácia fica reduzida com o ↑ da idade pós-natal. (Thomas, 2005) Sua eficácia fica reduzida principalmente se a droga for administrada em bebês com > de 15 dias de vida. (Yussef, 2006) Causa ↓ TFG, ↓ da excreção de Na, ↑ na creatinina sérica; ↓ da depuração da água, alterações fluxo sanguíneo na artéria cerebral anterior e mesentérico. (Pezzati 1999, Ohlson 2008) Contra-indicações formais ao uso de Indometacina: - creatinina sérica > 1, 8 mg/dL, uréia > de 60 mg/dL, volume urinário < 1 ml/kg/h, plaquetas < 60.000/mm3, presença de sangramento, evidência clínica ou radiológica ECN Hemorragia intracraniana não é contra-indicação, a não ser nos quadros mais extensos, como os graus III e IV. Devido às contra-indicações e efeitos adversos, o tratamento com a Indometacina fica limitado a um numero menor de pacientes. A mortalidade pós-operatório de PCA fica em torno de 13,6%. Relacionada às complicações da prematuridade e infecções hospitalares. ( Locali, 2008) Ibuprofeno Histórico Nos últimos 15 anos, o Ibuprofeno, um derivado do ácido propiônico e inibidor não-seletivo da ciclo-oxigenase, tem usado como alternativa. Estudos demonstram que o ibuprofeno, não interfere de maneira significativa nos fluxos sanguíneos renal, mesentérico e cerebral. (Overmeire 1997, Prysa 2008, ) Em 1995, Patel et al, realizaram o primeiro estudo para avaliar a eficácia do uso de Ibuprofeno venoso no tratamento do PCA. Foram selecionados 18 bebês com IG 23-28 semanas. Taxa de sucesso no fechamento = 57%. Em 1997, Van Overmeire et al estudaram o efeito do Ibuprofeno em 3 ciclos, oferecendo um ataque de 10 mg/kg de Ibuprofeno seguida de 2 doses de 5 mg/kg, com intervalo de 24 hs, e compararam com a Indometacina. Taxa de sucesso foi 80% x 75% para o Ibuprofeno. Em 2000, Van Overmeire et al novo estudo com 148 RN, demonstrou que o Ibuprofeno EV é tão eficaz quanto à Indometacina e esteve associado à menor incidência de efeitos colaterais. A taxa de fechamento foi semelhante nos 2 grupos (70% x 66%). No Grupo Ibuprofeno houve ↓ incidência de oligúria e insuficiência renal. Em 2003, Heyman et al, publicaram os resultados de um estudo piloto para avaliar o efeito do Ibuprofeno oral em prematuros. *22 bebês IG ≤ 32 semanas e ≤ 1500g. A Taxa de fechamento do canal foi de 95,5 %. Não foi observado DBP no grupo estudado, e sangramentos. Não houve alterações creatinina sérica antes e após o tratamento com Ibuprofeno oral. Estudo indiano realizado por Hariprasad et al, 13 RNPT c/ IG= 28-35 sem. portadores PCA tratados com Ibuprofeno oral. 11 crianças (84,6%) mostraram fechamento do canal arterial. * Semelhante ao nosso estudo (80%). Não foram observado oligúria ou sangramentos. Efeitos Colaterais do Ibuprofeno Em 2004, na Turquia, 2 casos de perfuração intestinal RNPT MBP foram relatados com o uso do Ibuprofeno oral. Risco de encefalopatia bilirrubínica . Entretanto, um estudo demonstrou que não houve ↑ na [ ]de bilirrubina livre após uso ibuprofeno nas doses habituais p/ PCA. (Heyman, 2003) Existem relatos de doença pulmonar crônica e raramente hipertensão pulmonar. (Gornay 2002, Clyman 2000, Thomas 2005) Em 2005 uma metanálise da Cochrrane descreveu ↑ doença pulmonar crônica no grupo do Ibuprofeno Em 2007, outra metanálide da Cochrrane foi realizada, 8 ensaios tinham referências sobre doença pulmonar crônica, porém não houve ↑ significativo em comparação com o grupo indometacina. 1 caso HP relatado pela metanálise de 2007. Em 2002, estudo do uso profilático de Ibuprofeno realizado por Gournay et al, foi interrompido. 3 bebês tiveram hipertensão pulmonar severa após uso Ibuprofeno. Este fato ocorreu devido a precipitação, formação de microtrombos e embolia para pulmões causado pelo Ibuprofeno Tham ( tamponado com Tromethamina). Este efeito adverso não tem sido relatado com Ibuprofeno Lysine. Ibuprofeno oral Atualmente, o ibuprofeno oral tem sido colocado como uma alternativa, mas existem poucos estudos sobre ele. As vantagens da apresentação oral sobre a venosa estão no volume mínimo usado, visto que a patologia em si também necessita de restrição hídrica, fácil administração e de baixo custo. É rapidamente absorvido, e o pico de concentração plasmática ocorre 1 a 2 horas após. A farmacocinética é variável dependendo de cada indivíduo. É possível, que o ritmo lento de absorção oral do Ibuprofeno aumente o tempo de exposição do canal ao medicamento, e permita efeito farmacológico mais eficaz que EV. (Hariprasad, 2002) Existem poucos estudos randomizados e controlados sobre a eficácia e efeitos colaterais do Ibuprofeno por via enteral. 5- Conclusão Taxa de sucesso 80%. A maioria dos prematuros fechou o canal arterial com apenas 1 ciclo de Ibuprofeno oral. (75%) Todos os bebês que iniciaram o tratamento com ↓ de 10 dias de vida fecharam o canal e necessitaram apenas de 1 ciclo. Aqueles bebês que iniciaram o tratamento com ↑ de 10 dias de vida necessitaram de mais ciclos ou não fecharam o canal. Não houve casos de oligoanúria ou piora da função renal durante o tratamento com Ibuprofeno. Não houve ECN ou perfuração intestinal. Apenas 1 caso hemorragia gástrica com evolução favorável. Não houve casos de hipertensão pulmonar A incidência de DPB foi maior no grupo que não teve sucesso no fechamento (75% x 31,5%). Embora a amostra seja pequena, os resultados obtidos são semelhantes aos da literatura, sugerindo que o Ibuprofeno oral possa ser uma alternativa terapêutica segura e eficaz no tratamento PCA. Agradecimentos Aos mestres, Dra. Alessandra Moreira, Dr. Paulo R. Margotto e Dr. Elísio Morais Garcia, o meu muito obrigado! Obrigada...