A MUSICALIDADE NA LITERATURA Insatisfeitos com a onda de cientificismo e materialismo na segunda metade do século XIX, os simbolistas representam a reação da intuição contra a lógica, do subjetivismo contra a objetividade científica, do misticismo contra o materialismo, da sugestão sensorial contra a explicação racional. Os simbolistas não acreditam na possibilidade de a arte e a literatura poderem fazer um retrato total da realidade. Duvidaram das explicações “positivas” da ciência. Recusa a todos os valores ideológicos e existenciais da burguesia. Em vez da "belle époque" do capitalismo financeiro e industrial, do imperialismo que se adonava de boa parte do mundo, temos o marginalismo de Verlaine, o amoralismo de Rimbaud e a destruição da linguagem por Mallarmé. Características da poesia simbolista Negação do positivismo, do cientificismo, do materialismo e das estéticas neles fundamentados, o Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo. Diz Mallarmé: “Os parnasianos tomam os objetos em sua integridade e mostram-nos. Por isso carecem de mistério. Descrever um objeto é suprimir três quartas partes do prazer de um poema, que é feito da felicidade de adivinhar-se pouco a pouco. Sugerir, eis o sonho. E o uso perfeito deste mistério é o que constitui o símbolo: evocar o objeto para expressar um estado de alma através de uma série de decifrações.” Criação poética como fruto do inconsciente, da intuição, da sugestão, do “eu-profundo”, da associação de idéias e imagens. Complexidade na relação eu/mundo. Espiritualidade, misticismo, subjetivismo intenso, ocultismo, Ânsia de superação, de fuga do terreno, comunhão com os Astros, o Espírito, o Alto, a Alma, o Infinito, a Essência, O Desconhecido. Emprego de figuras de linguagem como a sinestesia, metáfora, aliteração e assonância. Figuras de som a) aliteração: consiste na repetição ordenada de mesmos sons consonantais. “Esperando, parada, pregada na pedra do porto.” b) assonância: consiste na repetição ordenada de sons vocálicos idênticos. “Sou um mulato nato no sentido lato mulato democrático do litoral.” c) paronomásia: consiste na aproximação de palavras de sons parecidos, mas de significados distintos. “Eu que passo, penso e peço.” Pontos de contato com o Parnasianismo – preocupação formal, culto da rima, distanciamento da vida, descompromisso com as questões mundanas. Interesse pelas zonas profundas da mente (inconsciente e subconsciente) e pela loucura. Atração pela morte e elementos decadentes da condição humana. Poesia metafísica. Simbolismo Subjetivismo Parnasianismo Objetivismo Linguagem vaga, fluida, que Linguagem busca sugerir em vez de objetiva, culta. nomear. Abundância de metáforas. Busca formal. do precisa, equilíbrio Cultivo de soneto e de outras Preferência pelo soneto. formas de composição poética. Antimaterialismo, antiMaterialismo, racionalismo. racionalismo. Misticismo, religiosidade. Paganismo greco-latino. Pessimismo, dor de existir. Contenção sentimentos. dos CHARLES BAUDELAIRE UMA FIGURA IMPORTANTE As Flores do Mal, obra que marcou a vida do autor, contém poesias que datam de 1841. Rendeu-lhe um processo pelo tribunal correcional do Sena; uma multa por atentar à moral e aos bons costumes, além de ser obrigado a retirar seis poemas do volume original, sendo publicado na íntegra apenas nas edições póstumas, em 1911. Baudelaire também foi alvo da hostilidade da imprensa, que o julgava um subproduto degenerado do romantismo. Porém, sua carreira foi admirada e elogiada por Vitor Hugo e Gustave Flaubert, entre outros. De atuação ousada, tornou-se um ícone no século XX influenciando a poesia mundial de tendências simbolistas, inclusive no Brasil . O Vampiro Tu que, como uma punhalada, Em meu coração penetraste, Tu que, qual furiosa manada De demônios, ardente, ousaste, De meu espírito humilhado, Fazer teu leito e possessão - Infame à qual estou atado Como o galé ao seu grilhão, Como ao baralho o jogador, Como à carniça ao parasita, Como à garrafa ao bebedor - Maldita sejas tu, maldita! Supliquei ao gládio veloz Que a liberdade me alcançasse, E ao veneno, pérfido algoz, Que a covardia me amparasse. Ai de mim! Com mofa e desdém, Ambos me disseram então: "Digno não és de que ninguém Jamais te arranque a escravidão, Imbecil! - se de teu retiro Te libertássemos um dia, Teu beijo ressuscitaria O cadáver de teu vampiro! Remorso Póstumo Quando fores dormir, ó bela tenebrosa, Em teu negro e mamóreo mausoléu, e não Tiveres por alcova e refúgio senão Uma cova deserta e uma tumba chuvosa; Quando a pedra, a oprimir tua carne medrosa E teus flancos sensuais de lânguida exaustão, Impedir de querer e arfar teu coração, E teus pés de correr por trilha aventurosa, O túmulo, no qual em sonho me abandono - Porque o túmulo sempre há de entender o poeta -, Nessas noites sem fim em que nos foge o sono, Dir-te-á: "De que valeu, cortesã indiscreta, Ao pé dos mortos ignorar o seu lamento?" - E o verme te roerá como um remorso lento CRUZ E SOUSA As primeiras manifestações simbolistas já eram sentidas desde o final da década de 80 do século XIX. Apesar disso, tem-se apontado como marco introdutório do movimento simbolista brasileiro a publicação, em 1893, das obras Missal (prosa) e Broquéis (poesia), de nosso maior autor simbolista:Cruz e Sousa. Além de Cruz e Sousa, destacam-se, entre outros, Alphonsus de Guimaraens e Pedro Kilkerry (recentemente redescoberto pela crítica). Cruz e Souza foi especialista na utilização de imagens ousadas com efeito de sugestão. Angústia sexual e erotismo misturamse na exaltação de uma mulher que parece devorar os homens: Cróton* selvagem, tinhorão* lascivo, Planta mortal, carnívora, sangrenta, De tua carne báquica* rebenta A vermelha explosão de um sangue vivo *Cróton - arbusto ornamental *Tinhorão - erva ornamental *Báquica - relativo a Baco, deus grego do vinho e da dissipação O sofrimento da condição negra não se transforma em protesto racial, e sim em isolamento, solidão, aristocratização amarga. O Simbolismo é para ele uma forma de revolta contra a sociedade e contra suas próprias origens africanas, pelas quais sente, ao mesmo tempo, orgulho e pesar. O "emparedado" vinga-se das "paredes" que o asfixiam com a sua criatividade poética. É uma revolta estética, raramente quebrada pela denúncia social, a não ser em textos como Litania dos pobres: Os miseráveis, os rotos São as flores dos esgotos São espectros implacáveis Os rotos, os miseráveis São prantos negros de furnas Caladas, mudas, soturnas (...) Faróis à noite apagados Por ventos desesperados(...) Bandeiras rotas, sem nome, Das barricadas da fome. Bandeiras estraçalhadas Das sangrentas barricadas. A música é obrigatória, como nesta espécie de receita poética de Cruz e Sousa: Derrama luz e cânticos e poemas No verso e torna-o musical e doce Como se o coração, nessas supremas Estrofes, puro e diluído fosse. Mesmo a morte, na obra do simbolista brasileiro, possui uma terrível musicalidade: A música da Morte, a nebulosa, Estranha, imensa música sombria, Passa a tremer pela minh'alma e fria Gela, fica a tremer, maravilhosa... Ó carnes que eu amei sangrentamente. Ó volúpias letais e dolorosas, Essências de heliotropos e de rosas De essência morna, tropical, dolente... Carnes virgens e tépidas do Oriente Do sonho e das estrelas fabulosas, Carnes acerbas e maravilhosas, Tentadoras do sol intensamente Passai, dilacerada pelos zelos, Através dos profundos pesadelos Que me apunhalam de mortais horrores... Passai, passai desfeitas em tormentos, Em lágrimas, em prantos, em lamentos, Em ais, em luto, em convulsões, em dores... Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar... Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar. No sonho em que se perdeu, Banhou-se toda em luar... Queria subir ao céu, Queria descer ao mar... E, no desvario seu, Na torre pôs-se a cantar... Estava perto do céu, Estava longe do mar... E como um anjo pendeu As asas para voar... Queria a lua do céu Queria a lua do mar A imagem da moça que, enlouquecida, não consegue distinguir a lua de seu reflexo no mar e mergulha para a morte é um símbolo da eterna busca que marcou os poetas desse período. O que sugere o título do poema? O amor sensual e a morte é uma associação comum para os simbolistas, o que nos remete à segunda geração romântica. A música da morte, a nebulosa, Estranha, imensa música sombria, Passa a tremer pela minh’alma e fria Gela, fica a tremer, maravilhosa... Onda nervosa e atroz, onda nervosa, Letes sinistro e torvo de agonia, Recresce a lancinante sinfonia, Sobe, numa volúpia dolorosa... Sobe recresce tumultuando e amarga, Tremenda, absurda, imponderada e larga, De pavores e trevas alucina... E alucinando e em trevas delirando, Como um ópio letal, vertiginando, Os meus nervos, letárgica, fascina... Objetivo / questionamentos: 1. O que faz com que as poesias simbolistas sejam diferentes das poesias românticas? 2. O que propiciou o aparecimento do simbolismo na 2ª metade do século XIX? Quais as características dos poemas simbolistas, quanto à forma? IMAGENS SIMBOLISTAS GUSTAVE MOREAU MUNCH PIERRE PUVIS DE CHAVANNES