Mecanismos de Transmissão e Algumas Questões Práticas da Política Monetária no Brasil Dionísio Dias Carneiro 4 de julho de 2003 1 Índice 1. 2. 3. 4. 5. 6. Resumo Modelo Básico Não-linearidades Canal das Expectativas (Imperfeições do) Canal de Crédito Setor Externo 2 1. Resumo Algumas lições da experiência brasileira recente com o uso dos modelos empíricos simples para análise de política: - pequenas amostras conspiram contra a confiança nos coeficientes, heranças da inflação alta: pouco crédito, sistema bancário, taxação, dívida pública elevada, regime flutuação recente; - alguns coeficientes-chave (elasticidade juros e coeficiente de repasse) variam de acordo com a conjuntura econômica, isto é, os modelos apresentam não-linearidades; 3 - Dificuldades da identificação dos canais de transmissão, defasagens, há também um efeito imediato da taxa de juros real sobre a inflação e o nível de atividade através do canal das expectativas; - desvalorizações cambiais são contracionistas, devido a imperfeições do canal de crédito; - o setor externo não pode ser modelado por uma simples equação (paridade descoberta da taxa de juros). 4 2. Modelo Básico Original - Curva IS: ht = 0 + 1ht-1 + 2ht-2 + 3(it-1 - t-1) + 1t - Curva de Phillips: t = 1t-1 + 2t-2 + 3ht-2 + 4Det + 2t - Paridade Descoberta da Taxa de Juros: Det = (it – it*) + xt + 3t 5 Funcionamento do modelo básico: - Autoridade Monetária altera a taxa de juros nominal e, conseqüentemente, a taxa de juros real; - (1) a taxa de juros real leva 2 trimestres em média para afetar o nível de atividade (elasticidade-juros); - (2) nível de atividade leva 1 trimestre para afetar a taxa de inflação (taxa de sacrifício); 6 - (3) taxa de juros afeta taxa de câmbio contemporânea (UIP) que afeta taxa de inflação contemporânea (coeficiente de repasse); - último efeito, apesar de imediato, é baixo em magnitude: aumento de 1% na taxa de juros nominal trimestral (equivalente a 4% na taxa anualizada) causa uma apreciação de 1% no trimestre, o que reduz em menos de 0,1% a taxa de inflação do trimestre; - parte significativa do efeito é defasado. 7 3. Não-linearidades 3.1 Curva IS - a capacidade da Autoridade Monetária em afetar o nível de atividade depende da quantidade de fatores produtivos disponíveis; - quanto maior é a quantidade de fatores disponíveis, maior é o efeito final de uma Política Monetária expansionista sobre o nível de atividade; - “clássicos” vs “Keynesianos”. 8 OFERTA x DEMANDA AGRAGADAS Choque de Demanda Agregada PIB potencial Oferta Agregada INFLAÇÃO Choque de Demanda Agregada Quando menor é a quantidade de recursos disponíveis, menor é o efeito final de um estímulo à demanda agregada sobre o PIB. PIB 9 Estratégia de estimação: - elasticidade-juros varia de acordo com uma medida de disponibilidade de fatores (ex: desemprego) - especificações estimadas: modelo linear: ht = 0 + 1ht-1 + 2ht-2 + 3(it-1 - t-1) + 1t modelo não-linear: ht = 0 + 1ht-1 + 2ht-2 + (3 + 4ut-2)(it-1 - t-1) + 1t 10 Resultados obtidos: Variável Dependente: Hiato do PIB Frequência: trimestral Período amostral: 1995.1 a 2002.4 Equação 1 Coef. P-Valor 0.01 4.4% Equação 2 Coef. P-Valor 0.01 12.1% 2 0.46 0.0% 0.41 0.0% 3 -0.22 12.7% -0.35 2.2% 4 0.24 5.5% 0.25 1.1% 5 - - 8.89 0.8% Regressor 1 R2 R2 ajustado Desv.-padrão Durbin-Watson 85.5% 82.0% 1.20% 1.88 87.4% 83.7% 1.14% 1.86 11 3.2 Curva de Phillips - desvalorizações cambiais afetam a taxa de inflação via produtos domésticos com utilização de insumos importados e via produtos importados presentes no cálculo dos índices de preços; - a capacidade das firmas em repassar os custos em moeda estrangeira ao preço de venda do produto depende do nível da concorrência e dos preços relativos entre bens domésticos e importados; 12 - quanto maior é a competição, menor é a capacidade de se repassar uma desvalorização cambial; - quanto mais caro é o produto importado em relação ao produto doméstico, menor é a capacidade de se repassar uma desvalorização cambial adicional; - estratégia de estimação: coeficiente de repasse varia de acordo com medida de aquecimento da demanda agregada, proxy para concorrência (taxa de desemprego) e de acordo com um medida de preços relativos (taxa de cambial real). 13 - especificações estimadas: Curva de Phillips Backward Looking como referência: t = 1t-1 + 2t-2 + 3ut-1 + 4iDet + sendo: t é a taxa de inflação em t; ut é a taxa de desemprego em t; Det é a desvalorização cambial nominal em t. podemos modelar o coeficiente de repasse 4i de 5 formas distintas: Modelo 1 Modelo 2 rt Modelo 3 ut-1 Modelo 4 rtut-1 Modelo 5 rtut-1 “O Repasse do Câmbio à Inflação: linear ou não-linear?”, Carta Econômica Galanto abr/02 14 Resultados obtidos: R2 2 R ajust. DPR SQR Modelo 1 coef. p-valor 0,069 0,01% 57,5% 50,1% 1,20% 0,33% Modelo 2 coef. p-valor 0,195 36,47% -0,305 9,41% 57,9% 48,4% 1,22% 0,33% Modelo 3 coef. p-valor 0,346 33,89% -0,106 0,02% 59,2% 49,9% 1,20% 0,32% Modelo 4 coef. p-valor 1,173 15,62% -0,190 0,04% -0,071 0,00% 63,2% 52,7% 1,17% 0,29% Modelo 5 coef. p-valor 2,462 3,54% -0,339 0,00% -0,118 0,00% 66,3% 56,6% 1,12% 0,26% 15 4. Canal das Expectativas 4.1 Curva IS - objetivo: além do efeito defasado via a elasticidade-juros, existe algum efeito adicional imediato de uma Política Monetária contracionista sobre o nível de atividade? - por que o interesse no efeito adicional imediato? Ajuste das expectativas à informação nova é instantâneo. 16 Estratégia de estimação: - criar variável dummy trimestral para Política Monetária (dpm): = 1; quando a taxa de juros real aumenta; = 0; quando a taxa de juros real diminui. - especificações estimadas: modelo base: ht = 0 + 1ht-1 + 2ht-2 + 3(it-1 - t-1) + 1t modelo estendido: ht = 0 + 1ht-1 + 2ht-2 + 3(it-1 - t-1) + 4dpmt+ 1t 17 Resultados obtidos: Curva IS (amostra: 1995.1 a 2002.4) C PIB(-1) PIB(-2) JUROS(-1) DPM R2 R2 ajustado REGRESSÃO 1 P-Valor Coef. 0,01 0,026 0,00 0,941 0,01 -0,415 0,10 -0,323 77,1% 73,4% REGRESSÃO 2 P-Valor Coef. 0,00 0,039 0,00 0,989 0,00 -0,441 0,02 -0,473 0,04 -0,013 80,7% 76,7% REGRESSÃO 3 P-Valor Coef. 0,00 0,038 0,00 0,985 0,00 -0,438 0,02 -0,486 0,04 -0,013 80,1% 76,0% Fonte de Dados: IBGE, Gazeta Mercantil e Galanto Consultoria A terceira coluna da Tabela apresenta os resultados da mesma regressão com uma pequena diferença: todas as variáveis utilizadas estão em logs. Realizamos esta última regressão apenas para ilustrar o fato de que a não-linearidade obtida neste artigo não se deve ao fato da distribuição log-normal não ser simétrica. Note que o resultado obtido para a mesma regressão com as variáveis em logs é praticamente idêntico ao resultado anteriormente obtido. “Mecanismos de Transmissão da Política Monetária I: evidência do canal das expectativas”, Carta Econômica Galanto jan/03 18 Curva IS (efeitos da taxa de juros real sobre o crescimento do PIB) 8,0% 7,5% 7,0% Taxa de Crescimento do PIB 6,5% 1 - Um aumento na taxa de juros real desloca a economia para a Curva IS "pessimista" no mesmo trimestre. 6,0% 5,5% 2 - No trimestre seguinte, a taxa de crescimento do PIB cai em função da decisão dos consumidores em poupar mais. 5,0% 4,5% OTIMISTA 4,0% 3,5% 3,0% 3,0% PESSIMISTA 4,0% 5,0% 6,0% 7,0% 8,0% 9,0% 10,0% 11,0% Taxa de Juros Real (-1) 19 4.2 Curva de Phillips - a taxa de juros real afeta indiretamente a taxa de inflação através de seus efeitos defasados via o nível de atividade (taxa de sacrifício) e a taxa de câmbio (coeficiente de repasse); - além desses efeitos, existe algum efeito adicional, direto e imediato da taxa de juros real sobre a taxa de inflação? - novamente: importância do efeito imediato. 20 Estratégia de estimação: - incluir a taxa de juros real contemporânea (efeito imediato) como variável explicativa na Curva de Phillips; - se efeito ocorre apenas via nível de atividade e taxa de câmbio, coeficiente não será significativo; - especificações estimadas: modelo base: t = 1t-1 + 2t-2 + 3ht-2 + 4Det + 2t modelo estendido: t = 1t-1 + 2t-2 + 3ht-2 + 4Det + 5rt + 2t 21 Resultados obtidos: Variável Dependente: IPCA Frequência: trimestral Período amostral: 1995.1 a 2003.1 Regressor C IPCA(-1) IPCA(-2) HIATOPIB(-2) DCÂMBIO JUROS REAIS R2 R2 ajustado Desv.-padrão Durbin-Watson Regressão 1 Coef. P-Valor 0.01 33.0% 0.53 3.5% 0.11 46.8% -0.30 1.6% 0.05 1.0% 55.8% 43.4% 1.33% 2.00 Regressão 2 Coef. P-Valor 0.02 1.6% 0.43 0.1% 0.24 3.3% -0.37 2.3% 0.04 1.9% -0.39 0.5% 73.4% 64.5% 1.05% 1.72 22 Observação importante: - efeito captado não é artificial (espúrio); - enquanto a taxa de juros nominal “carrega” a taxa de inflação, a taxa de juros real possui “vida própria”. Variável Dependente: IPCA Frequência: trimestral Período amostral: 1994.3 a 2003.1 Regressor C JUROS REAL R2 R2 ajustado Desv.-padrão Durbin-Watson Regressão 3 Coef. P-Valor 0.04 0.2% -0.20 34.4% 4.1% -8.6% 2.39% 0.45 Variável Dependente: IPCA Frequência: trimestral Período amostral: 1994.3 a 2003.1 Regressor C JUROS NOMINAL R2 R2 ajustado Desv.-padrão Durbin-Watson Regressão 4 Coef. P-Valor -0.01 32.5% 0.59 0.0% 50.6% 44.0% 1.71% 0.89 23 5. (Imperfeições do) Canal do Crédito 5.1 Estimando a Demanda por Crédito - importância: relação crédito vs investimento privado; CRÉDITO x INVESTIMENTO (taxas % de crescimento) 40% 10% 20% 5% 10% 0% 0% -5% -10% -20% Fonte de Dados: Banco Central do Brasil, IBGE jun-02 set-02 dez-01 mar-02 jun-01 set-01 mar-01 set-00 dez-00 jun-00 mar-00 dez-99 jun-99 set-99 dez-98 Crédito mar-99 jun-98 set-98 mar-98 set-97 dez-97 jun-97 mar-97 dez-96 jun-96 -10% set-96 “Crédito e Investimento: o papel da taxa de câmbio” , Carta Econômica Galanto mar/03 Crédito (t sobre t-4) 30% Investimento (média móvel de 4 trimestres) 15% Investimento 24 - problemas práticos: endogeneidade (estamos estimando a oferta ou a demanda?); - solução: utilizar Método dos Momentos Generalizados; - variáveis instrumentais: renda agregada e inadimplência. 25 Resultados obtidos: C Crédito (-1) Crédito (-2) Juros (-1) R2 R2 ajustado OLS Coef. P-Valor 42.330 20,2% 1,25 0,0% -0,30 11,0% -381.326 13,0% 94,7% 94,1% GMM Coef. P-Valor 90.291 0,3% 1,52 0,0% -0,63 0,3% -1.033.417 0,1% 91,0% 90,0% Fonte de Dados: Gazeta Mercantil “Mecanismos de Transmissão de Política Monetária II: o Canal do Crédito”, Carta Econômica fev/03 26 5.2 O Papel da Taxa de Câmbio - mercado perfeito de crédito: decisão de financiamento depende apenas do retorno do projeto; - problema de incentivo: em certos estados da natureza resultado do investimento pode ser tão ruim que não há possibilidade de pagamento do empréstimo; - solução: limite de crédito via exigência de colateral => faz com que nível de investimento seja proporcional ao valor da firma. 27 Multiplicadores Estático e Dinâmico Período t Período t+1 choque negativo em preço de ativo reduz valor presente da firma reduz lucro futuro reduz valor presente da firma reduz limite de crédito venda de ativos reduz limite de crédito reduz planos de investimento nova queda em preço de ativo “Imperfeições nos Mercados de Crédito e o Nível de Atividade: questões conceituais”, Carta Econômica Galanto mar/03 venda de ativos nova queda em preço de ativo 28 - a taxa de câmbio afeta a capacidade da firma de se endividar, na medida em que uma desvalorização cambial real eleva o valor do passivo em moeda estrangeira de uma firma; - relação negativa entre: (1) desvalorização e crédito; (2) desvalorização e investimento; (3) desvalorização e nível de atividade; - relação (3) explica falha de modelo ICM tradicional. 29 Resultados obtidos: Regressão da Taxa de Crescimento do Nível de Investimento em suas Defasagens, na Taxa de Juros Real e na Desvalorização Cambial Variável Dependente: Investimento (taxa de crescimento % t/t-4) Período Amostral: 1995:1 a 2002:2 Variáveis Constante Investimento(-1) Investimento(-2) Juros(-1) DCâmbio(-1) R2 Estatística-J P-valor(Estat.-J) S/ Desvalor. Real Coef. P-valor 0,10 0,017 0,94 0,000 -0,27 0,057 -0,59 0,009 67,30% 0,075 96,30% C/ Desvalor. Real Coef. P-valor 0,08 0,002 0,85 0,000 -0,29 0,067 -0,44 0,002 -0,32 0,069 68,90% 0,065 99,60% Fonte de Dados: Banco Central do Brasil, IBGE, ACSP Variável Dependente: Crédito (taxa de crescimento % t/t-4) Período Amostral: 1995.1 a 2002.2 Variáveis “Crédito e Investimento: o papel da taxa de câmbio”, Carta Econômica Galanto mar/03 Constante Crédito(-1) Crédito(-2) Juros(-1) DCâmbio(-1) R2 Estatística-J P-valor(Estat.-J) Coef. 0,05 1,59 -0,85 -0,23 -0,35 P-valor 0,017 0,000 0,000 0,084 0,003 65,8% 0,150 98,5% Fonte de Dados: Banco Central do Brasil, IBGE, ACSP 30 5.3 Exportações e o Nível de Atividade - apesar da relação entre desvalorização e nível de atividade ser negativa, um aumento nas exportações estimula a demanda agregada; - ocorre que efeito via passivo externo das firmas é mais forte e domina resultado final; - como reverter resultado final (transformar desvalorização cambial em “boa notícia”?). 31 Regressão 1 Regressão 2 Equação 1 Variáveis Coef. P-valor C 0,67 0,1% PIB(-1) 0,73 0,0% PIB(-4) -0,20 1,4% Juros(-1) -0,14 1,3% QExp(-1) 0,03 8,0% *C 1,92 1,7% *PIB(-1) -0,18 25,3% *PIB(-4) -0,11 44,5% *Juros(-1) -0,32 9,1% 2 R 74,6% 2 R ajustado 70,9% Equação 2 Variáveis Coef. P-valor C 0,38 6,2% PIB(-1) 0,65 0,0% PIB(-4) -0,25 0,1% Juros(-1) -0,17 0,1% PIB EUA(-1) 0,42 0,0% *C 1,68 2,5% *PIB(-1) -0,16 26,0% *PIB(-4) 0,01 96,2% *Juros(-1) -0,46 1,1% 2 R 78,0% 2 R ajustado 74,9% Fonte de dados: IBGE, Secex, Gazeta Mercantil e Galanto Consultoria Fonte de Dados: Federal Reserve Bank, IBGE, Gazeta Mercantil e Galanto Consultoria “Recuperação Americana e a Demanda Global Brasileira”, Carta Econômica Galanto jul/02 32 6. O Setor Externo - descrição mais detalhada do Balanço de Pagamentos; - equação da Paridade Descoberta da Taxa de Juros assume que conta capital está sempre em equilíbrio; - papel das perda de reservas (“sudden stops”) 6.1 A Curva ICM - relação entre câmbio, juros e conta corrente (exportações líquidas) 6.2 A Curva UIP “nossa” - relação entre câmbio e juros e perda de reservas 33 7. Questões Práticas • No Brasil temos algumas questões de ordem prática: – o desgaste do instrumento único: taxas reais => solução de Ball – ICM é instrumento? – as peculiaridades da do ICM para o Brasil => efeitos recessivos, poucas reservas, uso prático em regime de conversibilidade limitada – limites práticos para a acumulação de reservas => exportabilidade do Bacha, dívida pública. 34