Previsões e ilusões em 2008 - Moodle

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Previsões e ilusões em 2008
Fazer previsões sobre um ano que começa se parece a abrir um livro, analisam-se
os sinais para antecipar seu conteúdo. Para 2008, eles são bons, o otimismo se
justifica. Mas há também ilusões.
O ano de 2007 foi o melhor em décadas: o país registrou altas do consumo e do
investimento e queda dos juros e da exclusão. A elevação dos preços das
commodities no exterior, nos últimos anos, impulsionou as nossas exportações, que
combinada com a abundante liquidez nos mercados financeiros internacionais atraiu
um fluxo de dólares que valorizou o real, arrefeceu a inflação, aumentou as
reservas internacionais, possibilitou uma queda nos juros, praticamente eliminou a
dívida externa, e, dessa forma, acelerou a economia. Vários recordes de vendas e
produção foram superados.
A taxa de crescimento do Brasil no ano passado, próxima aos 5% surpreendeu
positivamente a todos, foi o dobro da taxa das últimas décadas, e com isso, uma
onda de otimismo se propagou pelo país. Deve ser celebrado. Entretanto, é
importante não perder a perspectiva. No mesmo período, a América Latina cresceu
5,6%, a África 5,8%, os países da ex-União Soviética 8,1%, a Índia 8,5% e a China
11,4%. Estamos avançando mais rápido que no passado, mas a distância com os
demais continua a aumentar.
Em todo caso, a boa estrela do Brasil continuará a brilhar em 2008. Nunca os
termos de troca estiveram tão favoráveis e deverão manter aquecida a demanda
por exportações brasileiras. Mesmo com alguma perda de fôlego e ajustes, o
mundo continuará a demandar matérias-primas, alimentos e biocombustíveis, por
mais algum tempo. Há potencial interno para expandir a oferta e atender a essa
demanda externa.
2008 será um ano de crescimento, estabilidade de preços e juros baixos. Há fatos
positivos como a eliminação da CPMF, aumentando de renda disponível e
diminuindo custos nas empresas e a possibilidade da obtenção do investment
grade; empurrando as variáveis econômicas na direção certa. Há também fatos
negativos, como uma pressão inflacionária mais forte e uma dificuldade maior em
manter o superávit primário que pressionam no sentido oposto.
Nenhum deles deve alterar de forma expressiva as previsões econômicas, como
também eventuais erros da política econômica de curto prazo em 2008, como juros
desalinhados ou um déficit aquém do ideal, uma vez que seus impactos são
limitados. É fato que a realidade às vezes supera a imaginação, mas tudo indica
que será um ano próspero, com novos recordes econômicos.
Paradoxalmente, esse quadro de prosperidade compromete. As ilusões de que o
futuro chegou são perigosas. O deslumbramento com o bom desempenho esconde
as deficiências de longo prazo e cristaliza a política de "time que ganha não se
mexe". Diferentemente da política de curto prazo, onde é fácil apontar e corrigir
falhas, na estratégica os erros são difíceis de detectar e acarretam perdas
irrecuperáveis.
É tempo de transformar os sonhos em realidade, de escrever o futuro, mas
também de diferenciar os sonhos das ilusões
As ilusões de que o futuro chegou escondem os sinais, apontando para a
necessidade de mudanças. Há uma miopia e foca-se apenas na situação atual, no
desempenho em 2008, sem pensar em 2018 e 2028. Em vez de aproveitar o
momento para adequar a política econômica de longo prazo, se está desperdiçando
a oportunidade. Há indicações de que o modelo econômico não é sustentável e
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necessita ser ajustado. São sinais da necessidade de mudança e não ruídos do
crescimento. A estratégia atual é obsoleta, inconsistente e gera dependência.
O futuro de um país cada vez menos depende dos recursos naturais e mais de
capital humano e empresarial. Isso demanda investimentos em educação e em
melhorias constantes nas condições para produzir. Apesar de alguns avanços, o
Brasil tem um desempenho fraco em educação e está caindo nos rankings de
competitividade empresarial. Ilustrando o ponto, em trabalho recente da PW&C foi
classificado em 177º em burocracia fiscal, o pior do mundo!
Um caso emblemático foi a não renovação da CPMF, mostrando sinais de
esgotamento dos modelos tributário, fiscal e político. A atual estrutura de tributos
(mais de meia centena) e de gastos é uma colcha de retalhos e fruto de
imediatismos. A proposta de ajuste apresentada há poucos dias ilustra o ponto. É
premente uma reforma tributária e fiscal abrangente.
O país está cada vez mais dependente da demanda externa. A fonte do crescimento
vem de fora para dentro. A balança comercial mostra um aumento na exportação
de matérias-primas e uma diminuição na de itens de valor agregado elevado; são
importados cada vez mais bens de consumo; e a balança da conta corrente deverá
ser negativa pela primeira vez desde 2002. São indicações que apontam para uma
inserção externa mais conveniente e a necessidade de condições para gerar mais
valor internamente de forma autônoma.
Há sinais de inconsistência intertemporal. Os gastos do governo crescem a taxas
maiores que o produto, algo que não pode ser mantido indefinidamente. A falta de
planejamento gerou alguns apagões, como o energético e o aéreo e há sinais de
esgotamento da infra-estrutura física - estradas e portos - e institucional segurança e saúde.
O país está crescendo apesar da política econômica, que está na direção contrária a
um futuro promissor: se gasta mais em vez de racionalizar custos; investe-se em
aumentar as reservas financeiras para evitar crises, quando a longo prazo, o capital
humano e empresarial são mais sólidos; enfim, falta uma agenda de adequação da
economia brasileira ao século XXI.
O Brasil reúne condições para manter e aumentar as atuais taxas de crescimento.
Tem um potencial a ser usufruído. Entretanto, o futuro não é algo a ser esperado,
mas sim para ser construído. Para tanto, é necessário uma estratégia consistente,
atualizada e autônoma. É tempo de sonhar, de transformar os sonhos em
realidade, de escrever o futuro que queremos, mas também de diferenciar os
sonhos das ilusões, o possível do irreal.
Fonte
TROSTER, Roberto Luis. Previsões e ilusões em 2008. Valor Econômico, São Paulo,
11
jan.
2008.
Disponível
em:
<http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=404921>. Acesso em:
15 abr. 2008.
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